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COLECISTOLITÍASE (COLELITÍASE BILIAR) A litíase biliar é uma das principais causas de hospitalização por doença gastrintestinal no mundo. A vesícula é a sede predominante dos cálculos, sendo a litíase dos canais biliares resultantes, geralmente, da migração dos cálculos da vesícula. Essa condição é um distúrbio multifatorial das vias biliares e que pode ser sintomática ou assintomática, sendo mais comum em mulheres e idosos. EPIDEMIOLOGIA/FATORES DE RISCO MEMORIZE: Os 6 Fs Female - sexo feminino Fertile - multiparidade Forties - pct dos 40-60 anos Fat - obesidade → relacionado com aumento de colesterol Fair - Pele caucasiana Family history - História familiar Existem alguns fatores de risco para a litíase biliar como: a. Idade: predominância em pacientes > 50 anos b. Sexo: predomina em mulheres c. Genética: gene que codifica o transportador da fosfatidilcolina hepatocelular (ABCB4) causa redução da fosfatidilcolina biliar resultando em precipitação do colesterol, formação de cristais e cálculos. d. Obesidade: costuma haver uma hipersecreção de colesterol, o que torna a bile constantemente hipersaturada e aumenta a incidência de colelitíase em três vezes e. Perda de peso rápida: ocorre em 50% dos pacientes submetidos à bariátrica por conta do aumento da secreção hepática de colesterol e da produção de mucina associados à redução da motilidade vesicular. f. Dismotilidade vesicular: estase é um elemento crucial para formação dos cálculos biliares. g. Dieta rica em carboidratos: dietas hipercalóricas parecem ser litogênicas h. Grávidas e multíparas: tanto pelo aumento dos níveis de estrogênio circulante quanto pelo aumento dos níveis de progesterona, que causa redução da motilidade vesicular i. Uso de medicamentos: estrogênio, clofibrato, octreotide e ceftriaxone. j. Vagotomia troncular: secção do ramo hepático do vago anterior leva à denervação da vesícula e dismotilidade. k. Ressecção ileal: 1/3 dos pacientes submetidos à ressecção ileal apresenta litíase vesicular l. Cirrose: incidência de litíase duas a três vezes maior que a população em geral, sendo que cerca de 30% dos pacientes com cirrose têm cálculos na vesícula. Os cálculos são geralmente pigmentares pretos e parecem resultar de uma conjugação deficiente de bilirrubina pelo hepatócito. m. Grupos populacionais: Na américa a ocorrência é predominante em brancos, ameríndios e hispânicos, e menor entre negros, sugerindo a existência de fatores genéticos e ambientais. Exemplos: indianos: 70% das mulheres em torno dos 25 anos; escandinavos: 50% das mulheres em torno dos 50 anos; afro-americanos: < ameríndios e brancos americanos; população proveniente da África Central: em torno de 5%. !!! clofibrato: é um medicamento usado no tratamento das hiperlipidemias, agrava o potencial litogênico da bile, já que a redução dos níveis séricos é feita através de uma maior excreção biliar de colesterol. FISIOPATOLOGIA/CLASSIFICAÇÃO A principal classificação dessa doença a divide em dois grandes grupos de acordo com o aspecto macroscópico e composição química dos cálculos: ● CÁLCULOS DE CÁLCIO E BILIRRUBINA (pigmentados): os cálculos pigmentares são constituídos principalmente por sais de cálcio e bilirrubina. Podem ser: Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas 1. Pretos: são mais radiopacos que os de colesterol e ocorrem quando há elevação da bilirrubina indireta e estão associados a doenças hemolíticas crônicas e eritropoiese ineficaz. Outras causas são: hipomotilidade da vesícula biliar, secundária ao diabete melito ou outras condições, nutrição parenteral total e vagotomia troncular. 2. Castanhos/marrons: são mais comuns em áreas nas quais a prevalência de infecções biliares é alta, pois estão associados à colonização da bile por organismos entéricos e colangite ascendente. Podem se formar tanto na vesícula quanto nos ductos biliares. As bactérias entéricas produzem beta-glucuronidase, fosfolipase A e hidrolase de ácidos biliares conjugada. A beta-glucuronidase gera produção de bilirrubina não conjugada, a fosfolipase A libera ácidos graxos livres e hidrolase produz ácidos biliares não conjugados. ● CÁLCULOS DE COLESTEROL (amarelos): são a maioria dos cálculos e possuem composição mista, sendo mais de 70% do conteúdo feito de colesterol propriamente dito. Sua formação compreende a sequência: vesículas multilamelares – nucleação – cristais – barro biliar – cálculos. Primeiro de tudo é importante saber qual a composição da bile: água, colesterol, fosfolípides (lecitina), sais biliares, bilirrubina conjugada, proteínas e eletrólitos. Nesse contexto, o colesterol, os fosfolípides e os sais biliares são os elementos mais importantes para a manutenção da solubilidade do conteúdo biliar, então se temos uma alteração na proporção desses elementos que favoreçam a supersaturação biliar de colesterol, por ex, corremos o risco de promover a calculose. A secreção hepática da bile é catalisada por proteínas, e ocorre quando a bile flui em sentido contrário ao fluxo do plasma sinusoidal, ou seja: para fora do fígado. Depois da síntese, os sais biliares organizam-se em micelas simples e o colesterol agrega-se aos fosfolípides formando vesículas unilamelares, semi estáveis. Assim ele é transportado para a vesícula e, durante o processo de passagem pelo trato biliar, vários agregados lipídicos são convertidos em micelas mistas que promovem a solubilização do colesterol. Em que momento desse processo poderemos formar cálculos? Quando falamos de cálculos de colesterol, há três processos principais: supersaturação da bile com formação de bile litogênica, nucleação e hipomotilidade da vesícula biliar. Supersaturação de colesterol O colesterol é insolúvel em água, necessitando da ação detergente dos sais biliares e da lecitina para se manter em solução. Porém, pode ocorrer um aumento exagerado de colesterol ao ponto de saturar a bile, o que é o mais importante fator para formação de cristais. Nessa condição, a bile transforma-se em sistema bifásico contendo colesterol em estado cristalino. Vamos ter algumas fases que demonstram os limites de solubilidade: Fase 1: Na bile insaturada, o colesterol está presente sob a forma de micelas (agregados lipídicos) - foto ao lado Fase 2: Com o aumento da saturação biliar de colesterol, mais colesterol é carreado na forma de vesículas unilamelares Fase 3: Vesículas unilamelares com a película fina podem coalescer ao se tocar e formar vesículas multilamerares, que tendem a ser menos estáveis e permitir o crescimento de cristais de colesterol em sua superfície que formam cálculos. !! A ocorrência de níveis de secreção de sais biliares muito baixos resulta em índices mais altos de secreção do colesterol e, inversamente, quando a secreção de sais biliares aumenta, (como ocorre durante e após as refeições,) a síntese do colesterol diminui. E o que ocorre diante do jejum prolongado? O mecanismo de síntese hepática de sais biliares não pode ser compensado. Qual o resultado disso? A concentração de colesterol na bile se eleva por conta da secreção aumentada de colesterol, resultando em bile supersaturada. Nucleação Após a supersaturação da bile, o primeiro passo é a nucleação, processo de condensação e agregação pelo qual são formados cristais microscópicos. Cristais monoidratados de colesterol podem se aglomerar e formar Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas cristais macroscópicos. Para que esse processo ocorra temos vários agentes pró-nucleação contra agentes anti-nucleação. A mucina, uma glicoproteína, é o fator pró-nucleação mais importante. O núcleo da mucina contém regiões hidrofóbicas que podem se ligar a colesterol, fosfolípidos e bilirrubina. A ligação dessas regiões hidrofóbicas com vesículas ricas em colesterol parece acelerar o processo de nucleação. Hipomotilidade vesicular A bile é concentrada na vesícula no momento em que não estamos comendo e é liberada após contração da vesícula pelo estímulo da colecistocinina (CCK) no pós refeição em até 80%. Porém, alguns pacientes terãouma menor resposta contrátil e isso gera acúmulo de bile e consequentemente uma estase biliar que forma os cálculos. Circulação êntero-hepática Os níveis de ácidos biliares são mantidos por meio de dois mecanismos: (1) síntese de ácidos biliares; (2) circulação êntero-hepática. - CAMINHO: 1- passagem de ácidos biliares do fígado para o intestino delgado, na altura do duodeno; 2- reabsorção (95%) no íleo terminal para o sistema venoso pela veia mesentérica; 3- da mesentérica vai até a veia portal; 4- da veia porta segue para os sinusóides hepáticos, ou seja: para o fígado novamente. Enquanto os sais estão no intestino, os ácidos biliares sofrem reações de biotransformação catalisadas por enzimas de bactérias intestinais. Essa informação nos faz pressupor, corretamente, que um desequilíbrio na flora pode promover alteração nas concentrações dos ácidos biliares, podendo ser um importante fator para formação e crescimento dos cálculos de colesterol! Podemos ainda perceber que a fisiopatologia da calculose biliar é multifatorial, já que (a) envolve desequilíbrio da secreção do colesterol biliar; (b) reação inflamatória do epitélio da vesícula; (c) produção de mucina e distúrbios de motilidade da vesícula biliar; (d) alterações na circulação êntero-hepática dos sais biliares. QUADRO CLÍNICO É ASSINTOMÁTICA em 75% dos casos e por isso, geralmente, é diagnosticada de forma acidental ao realizar uma USG abdominal na procura de outra patologia. Dos diagnosticados, apenas 10 a 20% desenvolvem sintomas em 5 e 20 anos. Alguns pacientes têm fatores de risco para desenvolvimento de sintomas da colecistolitíase, como diabéticos. Antes de adentrar nos sintomas propriamente ditos, é importante a concepção de que a ocorrência dos sintomas na litíase biliar depende fortemente do tipo e da composição dos cálculos, sua quantidade, tamanho e localização na árvore biliar: a. Cálculos vesiculares de colesterol: são os principais responsáveis pelos episódios de cólica biliar b. Cálculos recentes: podem causar pancreatite e/ou icterícia por obstrução do colédoco com mais frequência, em virtude de maior capacidade de migração através do ducto cístico; c. Cálculos marrons: sua formação está muito relacionada com episódios recorrentes de dor abdominal e febre, às vezes com icterícia. Cólica (dor) biliar: pode ser referida em epigástrio, HCD, hipocôndrio esquerdo, precórdio e abdome inferior. Em metade dos casos, a dor irradia para região escapular, ombro direito e abdome inferior. A intensidade é maior no período de 30 minutos a 5 horas de seu início, com melhora gradual ao longo de 24h. Náuseas e vômitos: costumam acompanhar a dor. !! O tratado deixa claro que outros sintomas dispépticos não possuem relação com essa afecção. EXAME FÍSICO: geralmente, normal, havendo dor leve ou moderada à palpação da vesícula biliar durante episódio agudo. COMPLICAÇÕES a. Colecistite aguda b. Coledocolitíase Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas c. Pancreatite aguda d. Colangite aguda e. Abscesso hepático f. Vesícula em porcelana g. Íleo biliar h. Síndrome de Bouveret: fístula colecistoduodenal, DIAGNÓSTICO Pacientes com dor biliar normalmente tem exames laboratoriais normais pois aumento de bilirrubina, FA, amilase já sugerem coledocolitíase. USG: é o exame de escolha!! é rápida e não invasiva, de baixo custo e amplamente disponível com mais de 95% de sensibilidade e especificidade na detecção de cálculos com diâmetro maior do que 2 mm. Cálculos aparecem como imagens ecogênicas móveis no interior da vesícula que produzem sombra acústica posterior. A US fornece informações sobre tamanho da vesícula, presença de espessamento de sua parede e líquido a seu redor (sinais de colecistite), diâmetro do colédoco e ductos hepáticos, além de análise dos parênquimas hepático e pancreático. A US funcional avalia as mudanças do volume vesicular durante o jejum e no período pós-prandial, os marcadores da função contrátil da vesícula e da patência do ducto cístico. pontos negativos: é frequente haver interposição gasosa, prejudicando sua identificação, assim como em obesos. USG endoscópica: tem valor preditivo positivo de 99% para diagnóstico de coledocolitíase, valor preditivo negativo de 98% e acurácia de 97% quando comparado à colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). Radiografia simples: conseguem revelar os cálculos vesiculares radiopacos e por isso os pigmentares que contém cálcio serão melhor vistos e a parede da vesícula ainda pode se apresentar edemaciada ou mesmo calcificada (vesícula em porcelana - foto ao lado). TC: é útil para avaliar os outros órgãos abdominais e tem a mesma eficácia que a USG para determinar as dilatações do trato biliar. Ganha em acurácia, em relação à USG, na detecção de cálculos de colédoco, ao passo que perde na detecção de cálculos da vesícula biliar. CPRM (colangio-pancreatografia por RM): excelente definição anatômica da árvore biliar, sendo capaz de detectar pequenos cálculos. Sua sensibilidade é de 95%, com especificidade de 89%, no diagnóstico de coledocolitíase. Em muitos centros já representa o exame de escolha para a confirmação deste diagnóstico. USG endoscópica: endoscópio especial que tem em sua extremidade distal um transdutor de ultrassom, a maior virtude deste exame está na excelente capacidade de detecção de lesões justapapilares (colédoco distal). CPRE: passagem de um cateter através da ampola de Vater, com injeção de contraste, o que permite a visualização fluoroscópica das vias biliares e ducto pancreático principal. O contraste enche de forma retrógrada o colédoco, o ducto cístico, a vesícula e as vias biliares intra-hepáticas. Embora o objetivo da endoscopia seja a identificação da ampola de Vater, uma das vantagens deste método é o estudo associado do trato gastrointestinal alto (esôfago, estômago e duodeno). ATENÇÃO NO CPRE: ele pode se associar uma modalidade terapêutica endoscópica, como: (1) papilotomia; (2) extração de cálculos; e (3) biópsia de tumores de duodeno. CUIDADO NO CPRE: pode causar pancreatite. TRATAMENTO ● Tratamento sintomático Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas O tratamento utilizado em caso de cólica biliar hoje são os AINEs. Quando a dor é excruciante e não apresenta melhora ao AINE, podemos utilizar alguns opióides. Alguns pacientes podem ter melhora com anticolinérgicos e antiespasmódicos. ATENÇÃO!! podemos sim abrir mão de medicamentos para alívio sintomático, mas a analgesia por si só não altera a evolução da doença, a qual muitas vezes necessita do tratamento definitivo que é a colecistectomia. ● Tratamento cirúrgico Devemos separar o tratamento em tipos de situação: 1. Sintomáticos sem cálculo: presença de lama biliar Recomenda-se a colecistectomia profilática em todos os pacientes com episódios recorrentes de dor, em que, ao menos duas vezes, se tenha conseguido documentar a presença de lama biliar na ocasião de um episódio álgico. Para diagnóstico da lama, pode ser feita USG endoscópica e microscopia biliar. 2. Assintomáticos Deve ser feita a cirurgia profilática se: a. Os cálculos foram grandes (>3cm) b. Vesícula em porcelana c. Anomalia congênita da vesícula d. Pacientes submetidos a cirurgia bariátrica ou transplante cardíaco e. Pólipos de vesícula. 3. Diabéticos sintomáticos ou não Diabéticos não devem esperar muito pela colecistectomia profilática, pois têm risco de desenvolver complicações mais graves que a população geral. 4. Gestantes com sintomas recorrentes Deve ser feita a cirurgia no segundo trimestre de gravidez ● Tratamento clínico Em pacientes que se recusam a operar e em situações de risco cirúrgico proibitivo, pode-se optar por uma terapia conservadora com solventes de cálculo. O objetivo é tornar a bile menos saturada, permitindo assim a absorção de colesterol a partir da superfície do cálculo. Como isso é feito? Ursodesoxicolato (URSO) - 8-13 mg/kg/dia O tratamento é contraindicado em grávidas, por ser teratogênico, e em pacientes com cálculos maiores que 15 mm. Por motivos óbvios, avesícula deve estar radiologicamente funcionante. !!! Essa terapia de dissolução é ineficaz para cálculos pigmentados e tem baixa eficácia em cálculos > 5mm. Outro tratamento usado é o Ezetimiba: importante inibidor da absorção de colesterol intestinal. O seu mecanismo de ação é a inibição de uma proteína transportadora de colesterol no intestino delgado, prevenindo, assim, as altas concentrações de lipídios no fígado e reduzindo a secreção de colesterol na bile e seu acúmulo na vesícula biliar. A fim de "quebrar" os cálculos maiores de 5 mm, tornando-os acessíveis ao URSO, vem sendo empregada, com sucesso de 50% a litotripsia extracorpórea com ondas de choque. Problema disso? É CARO. CURIOSIDADE: É possível prevenir formação de cálculos em obesos em período de emagrecimento acelerado, porém não há dados a respeito da redução de sintomas com URSO em pacientes com litíase biliar aguardando colecistectomia. A dose recomendada é de 8 a 10 mg/kg/dia, podendo ser tomado à noite, sendo bem tolerado e sem efeitos colaterais importantes. O tratamento deve ser mantido até que duas US consecutivas (com um mês de diferença entre elas) sejam negativas para LB. Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas
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