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Universidade Federal do Espírito Santo Centro de Ciências Exatas Departamento de Matemática Resolução de Problemas Florêncio Guimarães Métodos de Demonstração 2 17/02/21 Um número natural 𝑛 > 1 é um número primo quando seus únicos divisores são 1 e 𝑛. O Teorema Fundamental da Aritmética (TFA) estabelece que Todo número natural maior do que 1 é primo ou é um produto de números primos. Os fatores primos são únicos a menos da ordem. A prova da existência do produto de primos é feita por redução ao absurdo e utiliza o princípio do menor elemento. A essência da demonstração é a seguinte. Se houvesse um número não primo que não se fatora como um produto de primos, haveria o menor deles, e este, não sendo primo, seria um produto de dois números naturais, que por serem menores que ele, cada um se fatora em primos, consequentemente o próprio número se fatora num produto de primos, um absurdo. A prova da unicidade é mais exigente e utiliza um importante Lema: Se um número inteiro divide um produto e é primo com um dos fatores, então ele divide o outro fator. Um dos mais resultados em matemática é o seguinte. Teorema (Euclides). Existem infinitos números primos Demonstração. Por redução ao absurdo, suponha que existe apenas um número finito de números primos 𝑝1, 𝑝2, 𝑝3, … , 𝑝𝑛 e considere o número 𝑁 = 𝑝1 ⋅ 𝑝2 ⋅ 𝑝3 ⋅ ⋯ ⋅ 𝑝𝑛 + 1. Todo número inteiro possui um fator primo. Logo algum primo 𝑝𝑘 divide 𝑁, com 1 ≤ 𝑘 ≤ 𝑛 . Como 𝑝𝑘 divide o produto 𝑝1 ⋅ 𝑝2 ⋅ 𝑝3 ⋅ ⋯ ⋅ 𝑝𝑛 segue-se que 𝑝𝑘 divide 𝑁 − 𝑝1 ⋅ 𝑝2 ⋅ 𝑝3 ⋅ ⋯ ⋅ 𝑝𝑛 = 1. Ou seja, 𝑝𝑘 divide 1, um absurdo. Observação. 1) O fato de ter apenas um número finito de inteiros, a princípio não invalidaria o TFA, pois repetindo os primos na multiplicação produziria expoentes cada vez maiores, produzindo infinitos números. Porém, a construção de Euclides de fazer o produto de primos e somar 1 mostra que um número finito de primos não é tudo. 2) A construção de Euclides dá um método direto de construir números primos. Também poderíamos fazer o produto de primos e diminuir 1 que funciona, veja. Os números 2 e 3 são primos, considere o número 2 × 3 + 1 = 7 e 2 × 3 − 1 = 5 são primos. Já o número 2 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ 7 − 1 = 209 = 11 ⋅ 19 não é primo. Mas, com surpresa, ele guarda dois primos que são 11 e 19, melhor ainda, não? Façamos uma tabela para entendermos o aparecimento de números primos. Lista de primos Produto seguido de ±1 É primo? 2, 3 2 ⋅ 3 − 1 = 5 Sim 2, 3 2 ⋅ 3 + 1 = 7 Sim 2, 5 2 ⋅ 5 − 1 = 9 = 32 Não, mas apareceu o 3 que não foi usado na construção 2, 5 2 ⋅ 5 + 1 = 11 Sim 2, 7 2 ⋅ 7 − 1 = 13 Sim 2, 7 2 ⋅ 7 + 1 = 15 = 3 ⋅ 5 Não, mas apareceram o 3 e o 5 que não foram usados na construção 3, 5 3 ⋅ 5 + 1 = 16 = 24 Não, mas apareceu o 2 que não foi usado na construção 2,2,2,2 24 + 1 = 17 Sim 2,2,5 22 ⋅ 5 − 1 = 19 Sim 2, 5 2 ⋅ 11 + 1 = 23 Sim 2, 3, 5 2 ⋅ 3 ⋅ 5 − 1 = 29 Sim 2, 3, 5 2 ⋅ 3 ⋅ 5 + 1 = 31 Sim 2, 3, 5,7 2 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ 7 − 1 = 209 = 11 ⋅ 19 Não, mas apareceram o 11 e o 19 que não foram usados na construção 2, 3, 5,7 2 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ 7 + 1 = 211 Sim 2, 3, 5,7,11 2 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ 7 ⋅ 11 − 1 = 2309 Sim 2, 3, 5,7,11 2 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ 7 ⋅ 11 + 1 = 2311 Sim 2, 3, 5,7,11,19 2 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ 7 ⋅ 11 ⋅ 19 − 1 = 43889 Sim 2, 3, 5,7,11,19 2 ⋅ 3 ⋅ 5 ⋅ 7 ⋅ 11 ⋅ 19 + 1 = 43891 Sim Demonstração direta. Dada qualquer quantidade finita de números primos podemos fazer o produto e somar (ou subtrair) 1. Este não é necessariamente primo, como mostra a tabela, mas é um produto de primos que estão fora da lista fora da lista de fatores do produto usados na construção. Logo sempre se obtém um número primo novo. Se no conjunto de primos sempre se consegue mais um, isto é que se chama de conjunto infinito. Para qualquer número primo 𝑝 a diferença 𝑝 − 1 é um número par, logo é um produto de primos 𝑝 − 1 = 𝑝1 ⋅ 𝑝2 ⋅ 𝑝3 ⋅ ⋯ ⋅ 𝑝𝑛, todos menores do que 𝑝, alguns podendo ser iguais, por ex., 5 − 1 = 2 2. Portanto 𝑝 = 𝑝1 ⋅ 𝑝2 ⋅ 𝑝3 ⋅ ⋯ ⋅ 𝑝𝑛 + 1 No ensino médio, quando se ensina números primos, é possível utilizar essa construção para fazer aparecer outros primos a partir de uma quantidade fixada. Parece uma conta mais elementar. Ao mesmo tempo já mostrar a noção de quantidade infinita, sem usar o argumento de redução ao absurdo. Dois números primos cuja diferença é 2 são chamados de primos gêmeos. Por exemplo, os primos 3 e 5; 5 e 7; 11 e 13, 17 e 19; 29 e 31, 2309 e 2311, 43889 e 43991 são gêmeos. A seguinte conjectura ainda está em aberto em matemática. Existem infinitos primos gêmeos? Indução e Indução Matemática Fazendo a soma dos cubos dos números naturais encontramos 13 = 12 13 + 23 = (1 + 2)2 13 + 23 + 33 = (1 + 2 + 3)2 13 + 23 + 33 + 43 = (1 + 2 + 3 + 4)2 Nesse ponto somos levados a induzir (inferir, conjecturar) que 13 + 23 + 33 + ⋯ + 𝑛3 = (1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑛)2 para todo 𝑛 ≥ 1. Nesse momento, ainda não provamos a igualdade. Mesmo que façamos mais alguns exemplos não será suficiente. Servirá apenas para nos convencermos, cada vez mais, que a fórmula é essa mesma. Veja que Indução é diferente de Indução Matemática. Depois de induzir a fórmula, será preciso demonstrá-la para todo 𝑛 ≥ 1. Para isso fazemos uso do PIM. Prova usando o Princípio de Indução Matemática. Para todo 𝑛 ≥ 1, seja 𝑃𝑛 a igualdade dada por 13 + 23 + 33 + ⋯ + 𝑛3 = (1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑛)2 De início, 𝑃1 é verdadeira, pois 1 3 = 12. Supondo que 𝑃𝑛 é verdadeira vamos provar que 𝑃𝑛+1 também é verdadeira. Temos que provar que 13 + 23 + 33 + ⋯ + 𝑛3 + (𝑛 + 1)3 = (1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑛 + (𝑛 + 1))2 Com efeito, temos 13 + 23 + 33 + ⋯ + 𝑛3 + (𝑛 + 1)3 = (1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑛)2 + (𝑛 + 1)3 Sabe-se que 1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑛 = 𝑛(𝑛 + 1) 2 logo 13 + 23 + 33 + ⋯ + 𝑛3 + (𝑛 + 1)3 = [ 𝑛(𝑛 + 1) 2 ] 2 + (𝑛 + 1)3 = (𝑛 + 1)2 ( 𝑛2 4 + 𝑛 + 1) = (𝑛 + 1)2(𝑛2 + 4𝑛 + 4) 4 = (𝑛 + 1)2(𝑛 + 2)2 4 = [ (𝑛 + 1)(𝑛 + 2) 2 ] 2 = (1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑛 + (𝑛 + 1))2 Logo, concluímos que 𝑃𝑛+1 também é verdadeira. Pelo Princípio de Indução Matemática, conclui-se que 𝑃𝑛 é verdadeira para todo 𝑛 ≥ 1. O processo de indução da igualdade é essencial numa fase anterior à demonstração, pois é preciso estabelecer a sentença que se quer provar por indução. Vejamos o seguinte exemplo. Exemplo. Vamos encontrar uma fórmula para a soma 1 2! + 2 3! + 3 4! + ⋯ + 𝑛 (𝑛 + 1)! Solução. Antes de tudo precisamos induzir uma fórmula para essa soma. Fazendo 𝑛 = 1 temos 1 2! = 1 2! Calculando a soma para 𝑛 = 2 1 2! + 2 3! = 3 3! + 2 3! = 5 3! Calculando a soma para 𝑛 = 3 1 2! + 2 3! + 3 4! = 5 3! + 3 4! = 23 4! Calculando a soma para 𝑛 = 4 1 2! + 2 3! + 3 4! + 4 5! = 23 4! + 4 5! = 119 5! Observe que os numeradores são as diferenças 1 = 2! − 1, 5 = 3! − 1, 23 = 4! − 1 e 119 = 5! − 1. A partir daí somos induzidos a pensar que o padrão para essa soma é 1 2! + 2 3! + 3 4! + ⋯ + 𝑛 (𝑛 + 1)! = (𝑛 + 1)! − 1 (𝑛 + 1)! = 1 − 1 (𝑛 + 1)! Pronto, está feita a indução. Mas ela pode ser falsa. Prova usando o Princípio de Indução Matemática. Para todo 𝑛 ≥ 1, seja 𝑃𝑛 a igualdade dada por 1 2! + 2 3! + 3 4! + ⋯ + 𝑛 (𝑛 + 1)! = 1 − 1 (𝑛 + 1)! De início, 𝑃1 é verdadeira, pois 1 2! = 1 − 1 (1+1)! . Supondo que 𝑃𝑛 é verdadeira vamos provar que 𝑃𝑛+1 também é verdadeira. Temos que provar que 1 2! + 2 3! + 3 4! + ⋯ + 𝑛 (𝑛 + 1)! + 𝑛 + 1 (𝑛 + 1)! = 1 − 1 (𝑛 + 2)! Com efeito, temos 1 2! + 2 3! + 3 4! + ⋯ + 𝑛 (𝑛 + 1)! + 𝑛 + 1 (𝑛 + 1)! = 1 − 1 (𝑛 + 1)! + 𝑛 + 1 (𝑛 + 2)! = 1 − (𝑛 + 2) −(𝑛 + 1) (𝑛 + 2)! = 1 − 1 (𝑛 + 2)! Logo, concluímos que 𝑃𝑛+1 também é verdadeira. Pelo Princípio de Indução Matemática, conclui-se que 𝑃𝑛 é verdadeira para todo 𝑛 ≥ 1. O Princípio da Boa Ordenação Se 𝑋 ⊂ ℕ é um subconjunto não vazio então X contém um menor elemento, isto é, existe um elemento 𝑛0 ∈ ℕ, tal que 𝑛0 ≤ 𝑛, para todo 𝑛 ≥ 1. Por exemplo, para verificar que 𝑛 = 5 é o menor elemento do conjunto 𝑋 = {𝑛 ∈ ℕ; (𝑛 − 5)2(𝑛 − 7)2(𝑛2 − 9𝑛 − 10) ≥ 0} basta observar que 1, 2, 3, 4 ∉ 𝑋 e 5 ∈ 𝑋. Portanto, 𝑛 = 5 satisfaz a desigualdade (𝑛 − 5)2(𝑛 − 7)2(𝑛2 − 9𝑛 − 10) ≥ 0 todo se 𝑛 ∈ ℕ satisfaz então 𝑛 ≥ 5. Esse método é muito eficiente para achar o menor elemento de um subconjunto de números naturais. Vá tomando números naturais, a partir de 1, sem pular nenhum e perguntando se está no complementar. Enquanto a resposta for sim continue. Quando chegar em um elemento que pertence ao conjunto pare, este é o menor elemento do conjunto. O menor elemento de 𝑋 é um número que pertence a 𝑋 tais que os naturais menores do que que ele não pertencem a 𝑋. Demonstração do Princípio da Boa Ordenação, a partir do PIM. Seja X ⊂ ℕ um subconjunto não vazio. Se 1 ∈ 𝑋, então 1 é o menor elemento de 𝑋. Suponha que 1 ∉ 𝑋 e seja 𝑌 o conjunto dos números naturais 𝑛 tais que 1, 2, 3, … , 𝑛 ∉ 𝑋. O conjunto 𝑌 não é necessariamente todo o complementar de 𝑋, ele é formado pelos números 𝑛 do complementar de 𝑋 tais que todos os naturais menores que 𝑛 também estão no complementar de 𝑋. Como 𝑋 é não vazio, para todo elemento 𝑥 ∈ 𝑋 tem-se 𝑥 ∉ 𝑌. Logo 1 ∈ 𝑌 e 𝑌 ≠ ℕ. Pelo Princípio de Indução Matemática existe 𝑛 ∈ 𝑌, mas 𝑛 + 1 ∉ 𝑌. Logo é verdade que 1, 2, 3, … , 𝑛 ∉ 𝑋, mas é falso que 1, 2, 3, … , 𝑛, 𝑛 + 1 ∉ 𝑋. Portanto 1, 2, 3, … , 𝑛 ∉ 𝑋 e 𝑛 + 1 ∈ 𝑋. Portanto 𝑛 + 1 é o menor elemento de 𝑋. Como usar o PBO no lugar do PIM Todo resultado provado pelo Princípio de Indução Matemática pode ser provado também usando o Princípio da Boa Ordenação. Veja como no exemplo seguinte. Exemplo. A soma dos 𝑛 primeiros números naturais é igual a 𝑛(𝑛 + 1)/2. Evidentemente, a igualdade vale para 𝑛 = 1. Por absurdo, suponha que existe um número natural 𝑛 > 1 tal que 1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑛 ≠ 𝑛(𝑛 + 1)/2 Pelo PBO, dentre os números naturais 𝑛 desse tipo, isto é, que não vale a igualdade para 𝑛, existe um menor número natural 𝑘. Então 1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑘 ≠ 𝑘(𝑘 + 1)/2 e vale a igualdade para todos os números naturais 𝑚 < 𝑘. Logo 𝑘 > 1, 𝑚 = 𝑘 − 1 ∈ ℕ e 1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑚 = 𝑚(𝑚 + 1)/2 Somando 𝑚 + 1 dos dois lados obtemos 1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑚 + 𝑚 + 1 = 𝑚 + 1 + 𝑚(𝑚 + 1)/2 1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑚 + 𝑚 + 1 = (𝑚 + 1)(𝑚 + 2)/2 Levando em conta que 𝑘 = 𝑚 + 1, concluímos que 1 + 2 + 3 + ⋯ + 𝑘 = 𝑘(𝑘 + 1)/2 um absurdo, pois por hipótese, a igualdade é falsa para 𝑛 = 𝑘. Logo não existe um número 𝑛 para o qual a igualdade é falsa. Portanto a igualdade é verdadeira para todo 𝑛 ≥ 1. Com um raciocínio semelhante podemos transformar toda prova que usa o PIM numa prova pelo PBO. A recíproca também é verdadeira. O fato de um resultado ser verdadeiro para uma quantidade grande de vezes consecutivas não significa que é verdadeiro sempre. O polinômio de Euler. Seja 𝑝(𝑛) = 𝑛2 + 𝑛 + 41. Os números 𝑝(1) = 43, 𝑝(2) = 47, 𝑝(3) = 53, … , 𝑝(39) = 1601 são todos primos. Já 𝑝(40) = 412 e 𝑝(41) = 41 ⋅ 43 não são primos. Verifique!
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