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Got� Definição É a artrite inflamatória desencadeada pela cristalização de urato monossódico nas articulações e nos tecidos periarticulares e decorre da elevação crônica do ácido úrico no plasma, além do seu ponto de saturação. Epidemiologia - É a forma de doença articular inflamatória mais comum da espécie humana. - Estudos epidemiológicos têm demonstrado aumento da prevalência de gota no mundo, especialmente em países industrializados. - A prevalência de gota mais que dobrou nos EUA entre as décadas de 1960 e 2000, partindo de 1,48% na década de 1960 para 2,7% entre 1988 e 1994, atingindo 3,9% em 2007/2008. - Fatores propostos para explicar o aumento da incidência e da prevalência a nível mundial: aumento global da longevidade; aumento da prevalência da hipertensão, de síndrome metabólica e de obesidade; uso de fármacos hiperuricemiantes (diuréticos tiazídicos e de alça, além de ácido acetilsalicílico em baixas doses); doença renal crônica e dieta rica em proteínas, calorias, bebidas adoçadas, bebida alcoólica e frutose. - A gota acomete preferencialmente homens, com pico de incidência na quinta década de vida. - A incidência dessa doença entre as mulheres aumenta depois da idade de 65 anos (após a menopausa ⇒ perda da proteção hormonal⇒ estrógeno tem efeito uricosúrico). Fisiopatologia O ácido úrico é um ácido orgânico fraco que deriva do metabolismo das purinas e existe nos fluidos corporais, principalmente na forma pouco solúvel de urato monossódico (UMS), um sal resultante da combinação da forma ionizada do ácido úrico, o urato (que predomina em pH e temperatura fisiológicos de 7,4 e 37°C), com o sódio presente nas soluções. A hiperuricemia pode resultar da excreção renal ineficiente do ácido úrico, da dieta e do aumento da produção endógena. Got� A formação dos cristais decorre da supersaturação de urato nos tecidos envolvidos. A presença desses cristais (que interagem com macrófagos ativando os inflamassomas NLRP3) associada a cofatores (como ácidos graxos livres capazes de ativar o Toll-like receptor2) resulta na ativação dos mecanismos que levam à inflamação. O resultado é a congestão vascular, proliferação sinovial e infiltração neutrofílica, proliferação fibroblástica e sinovial e dano tecidual. Simultaneamente ao surgimento da crise, ocorre um processo ativo para bloquear a evolução da inflamação e reverter o dano tecidual, cujos mecanismos incluem o surgimento de macrófagos M1 e M2 que têm atividade anti-inflamatória, produção de TGF-alfa1 e IL-10, regulação exercida pela AMP-activated protein kinase e a ação bifásica dos neutrófilos. Estágios Clínicos → Hiperuricemia assintomática - Pode durar décadas ou períodos mais curtos, sendo este último o caso de indivíduos com valores muito altos de ácido úrico. → Gota intermitente - Episódios autolimitados (7 a 10 dias) de artrite aguda dolorosa mono ou oligoarticular, intercalados com períodos intercríticos assintomáticos; - A primeira crise aguda costuma se manifestar por uma monoartrite na primeira articulação metatarsofalângica (podagra) ou em outra articulação dos membros inferiores, especialmente demais dedos do pé, articulações tarsometatarsais, tibiotarsais e os joelhos. - Nos episódios de crise, a articulação acometida apresenta eritema, calor, edema e perda da mobilidade, com dor intensa ao toque e à movimentação da articulação. Nos casos mais graves, pode haver mal-estar geral, calafrios e febre. → Gota crônica poliarticular - Associada a deformidades, dor e deposição de agregados de cristais de UMS, os tofos. - A persistência da dor, mesmo entre os períodos de crise, caracteriza a evolução para gota crônica. Diagnóstico - Alterações laboratoriais nas crises agudas: exames de fase aguda evidenciam alterações inespecíficas como leucocitose, aumento da velocidade de hemossedimentação e da proteína C-reativa. O achado de Got� hiperuricemia, apesar de considerado pré-condição para o desenvolvimento da gota, tem valor diagnóstico limitado durante as crises. O diagnóstico definitivo de gota é dado pelo exame a fresco do líquido sinovial. O achado de cristais em forma de agulha, típicos do urato de monossódico (UMS), especialmente se fagocitados por leucócitos, é considerado patognomônico da gota. - Para a classificação da hiperuricemia: pesquisa da uricosúria de 24 h e cálculo do clareamento do ácido úrico. - Investigação das morbidades associadas: pesquisa de dislipidemia, diabetes e doença renal. - Investigação de causas secundárias de hiperuricemia: dosagem de cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, PTH, TSH e transaminases hepáticas e análise do hemograma. - Alterações radiográficas típicas da gota crônica: erosões ósseas líticas em “saca-bocado” bem delimitadas, com as bordas em “gancho” (overhanging), caracterizadas por margens elevadas que ultrapassam os limites esperados da cortical do osso, resultado da neoformação óssea ao redor do tofo em crescimento. Tratamento → Crise aguda de gota ● Medidas não farmacológicas - Repouso relativo - Compressas com gelo no local da inflamação - Evitar a ingestão de qualquer bebida alcoólica ● Medidas farmacológicas Incluem anti-inflamatório não hormonal (AINH), colchicina ou corticosteroide (oral, intramuscular ou intra-articular), isoladamente ou em certas combinações. → Hiperuricemia A prevenção da precipitação e a indução da reabsorção dos cristais de UMS já depositados requerem nível sérico de urato (alvo-terapêutico) abaixo de 6 mg/dℓ nos pacientes sem tofos e abaixo de 5 mg/dℓ nos pacientes com tofos. Tais metas podem ser alcançadas por meio de orientação dietética, reavaliação do uso de medicamentos hiperuricemiantes e uso de medicações uricorredutoras, que incluem os inibidores da xantina oxidase (iXO), como o alopurinol e os uricosúricos, como a benzbromarona. Referências TELLES, Rosa Weiss; LAGE, Ricardo da Cruz; PINHEIRO, Geraldo da Rocha Castelar. Artrites por deposição de cristais. In: CARVALHO, Got� Marco Antonio P. et al. Reumatologia: diagnóstico e tratamento. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. Cap. 19. p. 273-301. PINHEIRO, Geraldo da Rocha Castelar; FULLER, Ricardo; BERND, Roberto. Gota. In: SHINJO, Samuel Katsuyuki; MOREIRA, Caio (ed.). Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. 2. ed. Barueri: Manole, 2021. Cap. 63. p. 398-404.
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