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536 Hepatites Virais A, B, C, D, E e Não A-E ■ Luiz Alberto Carneiro Marinho ■ Karla Regina Oliveira de Moura Ronchini ■ Eveline Pipolo Milan 80 qual o agente etiológico é um vírus. Embora vários micror- ganismos – herpesvírus, flavivírus, bactérias e protozoários – possam causar inflamação hepática, há evidente tendência de associarem-se hepatites aos clássicos vírus hepatotrópicos de- signados pelas letras A, B, C, D e E que, apesar de semelhan- ças clínicas entre eles, diferem nos aspectos epidemiológicos, imunopatológicos, evolutivos, diagnósticos e terapêuticos; fundamentalmente, todos são capazes de produzir lesão no fígado (alterações degenerativas nos hepatócitos e a conse- quente reação inflamatória mesenquimal), ao mesmo tempo em que podem determinar o comprometimento sistêmico eventual. Esses vírus identificados e estudados em inúmeras regiões do mundo caracterizam-se pela elevada morbidade universal, e são responsáveis por quadros evolutivos agudos benignos ou graves, crônicos com prognóstico variável e alguns até possuidores de poder carcinogênico no órgão-alvo. Recentes pesquisas apontam para a existência de vírus igualmente hepatotrópicos que não se enquadram nas rotinas diagnósticas dos já identificados A, B, C, D ou E, por isso mesmo denominados não A/não E. Na literatura mais atua- lizada percebe-se a aceitação crescente da nomenclatura de novos agentes, como os vírus “G” e “TTV”. Depreende-se que o estudo das hepatites virais encontra-se em aberto e pa- rece ser mais amplo que o imaginado a partir das descobertas dos vírus A e B nos anos 1960 e 1970. Por último, vale lembrar que, além dos vírus citados, outros podem igualmente causar verdadeiras hepatites: her- pes, dengue e febre amarela. Bactérias, fungos, protozoários e agentes, como drogas (inclusive medicamentos) e álcool podem estar também associados a processos inflamatórios no fígado. (CID 10 = B15 – Hepatite aguda A; B15.0 – Hepatite A com coma hepático; B15.9 – Hepatite A sem coma hepático; B16 – Hepatite aguda B; B16.0 – Hepatite aguda B com agente delta (coinfecção) com coma hepático; B16.1 – Hepatite aguda B com agente delta (coinfecção) sem coma hepático; B16.2 – Hepatite aguda B sem agente delta com coma hepá- tico; B17 – Outras hepatites virais agudas; B17.0 – Infecção delta aguda de portador de hepatite B; B17.1 – Hepatite aguda C; B17.2 – Hepatite aguda E; B17.8 – Outras hepatites virais agudas especificadas [Hepatite não A não B (aguda) (viral) não classificada em outra parte]; B18 – Hepatite viral crônica; B18.0 – Hepatite viral crônica B com agente delta; B18.1 – Hepatite crônica viral B sem agente delta [Hepatite crônica (viral) B]; B18.2 – Hepatite viral crônica C; B18.8 – Outras hepatites crônicas virais; B18.9 – Hepatite viral crô- nica não especificada; B19 – Hepatite viral não especificada; B19.0 – Hepatite viral, não especificada, com coma; B19.9 – Hepatite viral, não especificada, sem coma; B94.2 – Sequelas de hepatite viral; K73 – Hepatite crônica não classificada em outra parte; K73.0 – Hepatite crônica persistente, não classi- ficada em outra parte; K73.1 – Hepatite crônica lobular, não classificada em outra parte; K73.2 – Hepatite crônica ativa, não classificada em outra parte; K73.8 – Outras hepatites crônicas não classificadas em outra parte; K73.9 – Hepatite crônica, sem outra especificação; P35.3 – Hepatite viral congênita; Z22.5 – Portador de hepatite viral [Portador do antígeno de superfície da hepatite B – HBsAg]). ASPECTOS GERAIS Rigorosamente, a expressão “hepatites virais” indica inflamação do fígado, resultante de processo infeccioso no HEPATITE A (CID10 = B15 – Hepatite aguda A; B15.0 – Hepatite A com coma hepático; B15.9 – Hepatite A sem coma hepático) INTRODUÇÃO5,15,21 Classificado como representante único do gênero Hepatovirus e família Picornaviridae com RNA de fita sim- ples, o vírus A (HAV) é partícula esférica de 27-30 nm sem envelope. Penetra nas células do hospedeiro inicialmente pela adsorção à membrana celular através das interações de receptores e, por provável endocitose, adentra ao citoplasma perdendo o capsídeo, liberando RNA que passa a funcionar como RNA mensageiro na síntese de seus constituintes (processo de replicação). Sete genótipos foram identifica- dos, sendo I, lI, IIl e VII de origem humana e IV, V e VI, em símios. O conhecimento dos genótipos tem importância no esclarecimento de possíveis focos de contaminação em epidemias. Poucos foram isolados no Brasil, onde parece predominar o genótipo I. Doença mundialmente distribuída com incidência maior que 1,5 milhão de casos/ano, em especial nos paises subde- senvolvidos ou em desenvolvimento, chega a atingir uma soroprevalência de 100%; nas regiões desenvolvidas, a evi- dência sorológica pode ou não ultrapassar os 30%. A infecção pelo HAV começa após sua ingestão com alimentos e/ou água contaminados (transmissão orofecal). Resistindo ao pH ácido, chega ao epitélio intestinal e daí para a circulação mesentérica chegando ao fígado pelo sistema porta. Parasita preferencialmente os hepatócitos, nos quais sua replicação é observada; a viremia inicial acompanha-se da eliminação fecal do vírus. No fígado, a lesão é atribuída muito mais aos fenômenos imunológicos (ativação dos linfó- citos CD8 e NK) do que a algum efeito citopático do vírus, que não pode ser totalmente descartado. A imunidade humo- ral – produção de anticorpos da classe IgM seguida pela IgG – é a responsável pela neutralização e proteção contra o HAV. DIAGNÓSTICO EPIDEMIOLÓGICO1,6,15,23 Pelo fato de o vírus A ser transmitido entre os seres humanos, principalmente pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados com fezes provenientes de eliminadores do vírus, locais sem cobertura adequada de saneamento bá- sico são de alta prevalência da doença; ao mesmo tempo, a falta de higiene pessoal também propicia a transmissão do HAV. Admite-se que no Brasil aproximadamente 100% da população adulta tenha tido contato com o vírus em algum momento, o que é justificado pela positividade sorológica observada em maiores de 50 anos de idade. A melhoria das condições de saneamento ambiental, juntamente com a cor- reta higiene individual e a disponibilidade de vacina contra o vírus, deve ser seguida pelo controle da hepatite A em muitos países desenvolvidos. O vírus A sobrevive por longos períodos na água e em ambientes úmidos, e pode dessa maneira contaminar ali- mentos ou mananciais de água utilizados por populações inteiras; é doença de ocorrência epidêmica ou isolada. O indivíduo infectado elimina o vírus com as fezes por período variável de poucos dias a algumas semanas; não há relato de portador crônico. O contato íntimo e prolongado favorece a transmissão pessoa a pessoa como em escolas, creches, instituições militares, asilos, etc. Práticas sexuais também representam risco de infecção. A transmissão parenteral pelo uso de agulhas contaminadas ou através de hemoderivados é rara; de maneira semelhante, a transmissão vertical da mãe para a criança é incomum, mas pode haver contamina- ção fecal durante o trabalho de parto. A infectividade pode prolongar-se por períodos consideráveis (meses) em coinfec- tados HIV-HAV. Os métodos de inativação do vírus são a pasteurização, a fervura, a autoclavagem e a radiação ultravioleta A. DIAGNÓSTICO CLÍNICO12,15,21,23 Infecção de evolução limitada, sem cronificar mas podendo prolongar-se por mais de 6 meses em situações inusitadas, mormente quando acomete adultos. Parece cur- sar de maneira inaparente em grande percentual de casos; as crianças pequenas (0 a 8 anos) ou são assintomáticas ou oligossintomáticas na maioria das casuísticas em vários paí- ses. Não se pode esquecer, contudo, a possibilidade de cursar com gravidade extrema, talvez em 1% dos doentes, crianças ou adultos; é a chamada forma fulminante da hepatite A, ca- racterizada por comprometer a função hepática rapidamente (2 a 6 semanas)e ter prognóstico sombrio. As formas clínicas são variadas e podem ser classificadas em: z assintomática – ausência de sinais e sintomas clínicos, só demonstrada pela sorologia específica para o vírus A; z oligossintomática anictérica – aqui as manifestações são efêmeras (média de 1 semana) e, em geral, repre- sentadas pela síndrome infecciosa aguda, indiferencia- da, confundida com virose banal – inclusive estados gripais – e frequente em crianças pequenas (0 a 8 anos). Febre, astenia, inapetência, mialgias e cefaleia compõem o quadro clínico habitual, sendo suspeitada por ocasião de surtos da doença em crianças com au- mento das transaminases (TGO/TGP); o diagnóstico etiológico também requer a confirmação sorológica; z ictérica – após um período de incubação compreendi- do entre 15 e 60 dias, a doença tem início com pródro- mos infecciosos (febre, mialgias, cefaleia, inapetência) que perduram de 3 a 7 dias; surge a icterícia colúrica pelo predomínio da bilirrubina direta sobre a indireta com consequente diminuição da síndrome infecciosa inicial. Nessa fase, as queixas gastrintestinais, como náusea, episódios vomitivos, dor abdominal e empa- chamento, são frequentes. A evolução habitual dessa forma clínica é de 3 a 6 semanas; z colestática – mais observada em adultos, com duração que pode ultrapassar 3 meses, tem características clí- nico-laboratoriais semelhantes às obstruções biliares: icterícia intensa, colúria evidente, hipocolia ou acolia fecais, manifestações dispépticas incomodativas (dores abdominais, vômitos, empachamento, etc.), prurido cutâneo de difícil controle, dentre outros; z prolongada – o aspecto principal é arrastar-se por alguns meses (média de 6) com quadro clínico de síndrome infecciosa inicial, período ictérico posterior mas, acima de tudo, pela elevação das transaminases (TGO e TGP) por tempo maior que o observado nas outras formas clínicas; z recorrente – após a recuperação clínico-laboratorial, alguns pacientes apresentam recaída (igualmente clínico-laboratorial) da doença; z fulminante – embora rara, pode acontecer em crianças e adultos. Sua marca fundamental é o rápido progresso para a insuficiência hepática decorrente de necrose importante e extensa dos hepatócitos. A taxa de mortalidade da hepatite A é menor que 0,1% e, geralmente, relacionada com a forma fulminante. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL5,11,21 A ajuda laboratorial para o diagnóstico de hepatite A conta com alguns exames inespecíficos, mas que podem ser valiosos na evidência do quadro infeccioso viral e do 537 C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E & N ão A -E 538 S eç ão 1 – R ot in as d e D ia gn ós ti co e T ra ta m en to comprometimento hepatocitário, como leucograma normal ou leucopenia com linfocitose (podendo haver atipia), o que estaria compatível com virose; vale lembrar, entretanto, a possibilidade de leucocitose com neutrofilia, nos casos de le- são hepática mais extensa observados na hepatite fulminante. A lesão do parênquima hepático (degeneração e/ou necrose) é traduzida pelo aumento marcante das aminotransferases (transaminases), alanina e aspartato aminotransferases; quase sempre as duas (ALT/TGP e AST/TGO) encontram-se várias vezes acima do limite máximo de normalidade, sendo a TGP/ ALT geralmente superior a TGO/AST. Valores entre 300 até mais de 1.000 unidades são habituais na hepatite A. Outros exames relacionam-se ao fluxo de excreção das substâncias pelos hepatócitos, pesquisado pela dosagem das bilirrubinas total e frações, fosfatase alcalina, gamaglutamilpeptidase, que nos casos ictéricos exibem aumentos variáveis. A função hepática pode ser avaliada através da determinação do tempo e atividade dos protrombínicos (TAP), além da dosagem da albumina sérica. Na Tabela 80.1 representamos os principais exames inespecíficos que ajudam no estabelecimento de hepatite viral. Não esquecer que alterações significativas de tempo e atividade protrombínicos (TAP) podem ser encontradas na forma colestática (com a administração parenteral de vita- mina K tende a normalizar) e na insuficiência hepática grave por hepatite A fulminante, em que a prescrição da vitamina K praticamente não modifica seus valores. No tocante ao diagnóstico específico (vírus A), a pesqui- sa de anticorpos antivírus A da classe IgM (anti-HAV IgM) pela técnica imunoenzimática (ELISA) é a rotina diagnóstica na prática médica diária. A imunoglobulina M antivírus A aparece no período inicial da infecção, permanecendo por meses (4 a 8), para declinar em seguida. Os anticorpos anti- -A de classe G (anti-HAV IgG) também surgem no período de estado da doença, mas persistem com títulos elevados, constituindo-se na evidência de imunidade permanente con- ferida pela doença. Os indivíduos vacinados contra o vírus A e os que ti- verem infecção natural deverão apresentar anti-HAV IgG indefinidamente. Além do ELISA, o radioimunoensaio também é disponí- vel na detecção dos anticorpos contra os vírus A (anti-HAV IgM e IgG). Técnicas de biologia molecular – hibridização e reação em cadeia da polimerase (PCR) – são utilizadas na identificação do RNA viral, embora só disponíveis em cen- tros avançados. Em situações especiais, antígenos do HAV ou a própria partícula viral podem ser demonstrados nas fezes dos pacientes; no entanto, pela dificuldade técnica, esse exa- me é pouco empregado na rotina laboratorial. TRATAMENTO11,15,21 Presentemente não existe fármaco eficaz e seguro que possa ser prescrito contra o HAV, sendo, portanto, o trata- mento baseado no uso de medicamentos sintomáticos, no repouso físico relativo no curso da doença, na abstinência de bebidas alcoólicas e na orientação dietética nos casos de icterícia, colúria e acolia fecal (forma colestática). O uso de sintomáticos – quando realmente necessários – restringe-se, na maioria das vezes, aos antieméticos, analgésicos e anti- dispépticos. Como é doença que evolui em poucas semanas (3 a 8 em média), seu acompanhamento exige determinações regulares de transaminases, TAP e bilirrubinas (estas em pa- cientes ictéricos); o paciente é considerado de alta quando, além de assintomático, as enzimas TGO, TGP, estiverem normalizadas. Há controvérsia no uso de corticoides nas formas colestáticas para minimizar o grande desconforto clínico (náuseas, vômitos, dor abdominal, prurido cutâneo, etc.) do processo inflamatório intra-hepático. Assunto por vezes importante e algo controverso é a liberação de bebidas alcoólicas aos pacientes após a doença. Parece não haver parâmetro clínico-Iaboratorial seguro e indiscutível para a volta de libações etílicas; em geral, baseia-se na recuperação clínica total e nos exames bioquímicos – aminotransferases e enzimas indicadoras de colestase – dentro da faixa normal, em mais de uma oportunidade. PROFILAXIA11,21,23 Tendo seu controle primário associado à melhoria do sa- neamento básico ambiental e a medidas higiênicas individu- ais, a hepatite A dispõe ainda de vacinação eficaz produzida na década de 1980 com o vírus inativado. Soma-se a isso a TABELA 80.1 Exames Laboratoriais Inespecíficos na Hepatite A Exame Resultado Habitual Esperado Resultado Possível em Situações Especiais (Fulminante ou Colestática) Leucograma Normal ou leucopênico, com linfocitose Leucocitose com neutrofilia (na forma fulminante) TGO Aumentada Muito aumentada (acima de 4.000) ou com redução rápida (na forma fulminante) TGP Aumentada Muito aumentada (acima de 4.000) ou com redução rápida (na forma fulminante) Bilirrubina total Normal em anictéricos, elevada nos ictéricos Muito aumentada (na forma colestática) Bilirrubina direta Normal em anictéricos, elevada nos ictéricos Bastante elevada (na forma colestática) Bilirrubina indireta Normal ou pouco elevada Raramente muito elevada (casos graves) TAP Normal. Elevado na colestática ou forma grave (fulminante) Gama-GT Normal ou aumentada na colestática 539C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E e N ão A -E possibilidade de utilização de gamaglobulina humana normal para a prevenção individual pós-exposição. A vacina está indicada a partir dos 2 anos de idade nas áreas endêmicas e/ou para pessoas com risco aumentado de contrair a virose (homossexualismo masculino, usuários de drogas, residentes em instituições para doentes mentais), ou naqueles que possam ter evolução complicada de hepatite (portadores de doenças hepáticas crônicas e hemofílicos). Preconiza-se a administração de duas doses: dia zero e 6 meses após a primeira, intramuscular (IM). A gamaglobulina humana normal está indicada em crian- ças abaixo de 2 anos, grávidas no 1º trimestre de gravidez e para proteção imediata pós-contaminação; o esquema habitu- al é de 0,02 a 0,06 mL/kg intramuscular, conferindo proteção entre 3 e 6 meses. HEPATITE B (CID10 = B16 – Hepatite aguda B; B16.2 – Hepatite aguda B sem agente delta com coma hepático; B16.3 – Hepatite aguda B sem agente delta sem coma hepático; B18 – Hepatite viral crônica; B18.1 – Hepatite viral crônica sem agente delta) INTRODUÇÃO1,7,11,12 O vírus da hepatite B (HBV) faz parte da família Hepadnaviridae, gênero Orthohepadnavirus, possuindo DNA de fita parcialmente dupla. No indivíduo infectado, o HBV pode apresentar-se de três formas diferentes: partículas esféricas completas (infectantes) com aproximadamente 42 nm de diâmetro, chamadas de partícula de Dane ou vírion B, partículas esféricas incompletas (não infectantes) e partículas filamentosas incompletas (também não infectantes); as duas últimas são compostas pelo antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) que no vírion corresponde ao envelope externo proteico do vírus. O nucleocapsídeo é constituído por pro- teínas ou antígenos do cerne (HBcAg) e pelo genoma viral, DNA. Outro componente é produzido pelo vírus, translocado para o retículo endoplasmático e secretado na circulação sanguínea do infectado: trata-se do antígeno E (HBeAg), que não faz parte do capsídeo viral. Embora possua as mesmas sequências da proteína do cerne, sua conformação expõe vá- rios epítopos, o que o torna útil marcador de atividade (repli- cação) desse agente infeccioso. Além do HBsAg fazer parte do envelope do HBV, há também as proteínas L (large) e M (medium) que contêm os antígenos correspondentes às regi- ões pré-S1 e pré-S2 do genoma, além de compartilharem as regiões do HBsAg. Essas proteínas L e M participam do pro- cesso de captação do vírus B pelos hepatócitos. Finalmente, duas outras proteínas são produzidas: HbxAg, que parece associar-se ao aparecimento do carcinoma hepatocelular; e aDNA-polimerase, participante ativa da replicação viral. O antígeno de superfície da hepatite B (HbsAg) apresen- ta diferenças antigênicas dividindo-o em quatro subtipos, a saber: adw, ayw, adr e ayr. Há variações da prevalência dos subtipos nas diversas regiões do mundo, tornando-os impor- tantes do ponto de vista epidemiológico. A história natural da infecção pelo vírus B é um processo dinâmico de fases replicativa e não replicativa, resultado da interação parasita x hospedeiro, verificada em todos os indi- víduos infectados. Em geral, considera-se que as presenças do HBsAg, HBeAg e do DNA do HBV em altos títulos sé- ricos identificam uma fase imunotolerante, na qual os sinais e sintomas estão ausentes e a TGP normal ou levemente aumentada; igualmente, as alterações histológicas no fígado são discretas. Esses achados justificam a observação de que há pouca ou nenhuma resposta imune contra o vírus, além de praticamente isentá-lo de efeito citopático sobre os hepa- tócitos. Em outro momento, ao contrário, e por razões ainda não bem conhecidas, o indivíduo entra em uma fase imuno- ativa, com queda dos títulos séricos do DNA viral, aumento considerável da transaminase pirúvica e grande atividade histológica hepática, caracterizando agressão imunomediada aos hepatócitos infectados. Nessa fase, a participação dos linfócitos citotóxicos CD8, natural killer (NK) e a amplifi- cação por linfócitos auxiliares (CD4) têm sido comprovadas na lesão celular. A agressão ao fígado pelo HBV é variável; pode ser leve e efêmera, grave e prolongada ou mesmo fulminante. Para muitos autores, quando a resposta do hospedeiro é normal, ocorre doença aguda e limitada; em uma resposta deficiente, o resultado é a cronificação da infecção, ao passo que na hiper-reatividade imune a consequência é a forma fulminante. Estatisticamente, a maioria das pessoas com hepatite B evolui para a cura em períodos variáveis de doença; poucos – entre 5% e 10% – vão para as formas crônicas e apenas 1% terá a apresentação fulminante. Aqueles transformados em porta- dores crônicos, com ou sem doença clinicamente detectada, podem evoluir para cirrose e daí para as complicações ineren- tes da insuficiência hepática, até alguns que caminham para o processo neoplásico (hepatocarcinoma). A imunopatologia da hepatite B aguda é frequentemen- te limitada com a participação protetora dos linfócitos T CD4, CD8 que terminam interrompendo a replicação viral nas células parasitadas. A manutenção do vírus no fígado por longos períodos – hepatite B crônica – está relacionada com fatores virais e do hospedeiro; dentre os primeiros, a presença do HBeAg talvez desempenhe papel fundamental, induzindo tolerância aos derivados do nucleocapsídeo viral. Some-se a isso a possibilidade de integração do DNA do HBV pelo genoma do hepatócito facilitando, inclusive, a transformação neoplásica. Com relação aos fatores do hospe- deiro, enfatiza-se a suscetibilidade genética condicionante de variação da resposta imune pelo polimorfismo do complexo de histocompatibilidade (MHC). Nesse mister elocubra-se a produção deficiente de interferon-alfa (IFN-α), e a ação bloqueadora da citotoxidade de células T determinada pela presença de anticorpos anti-HBcAg e anti-HBeAg. Em resu- mo, a permanência do HBV cronicamente se associa a uma imunotolerância do hospedeiro a antígenos virais e, quando isso acontece, a lesão prolongada do fígado acarreta fibrose, cirrose ou carcinoma hepatocelular. Alguns outros fatores favorecem o desenvolvimento da forma crônica, destacando-se a idade e o sexo; é comprovado que 90% a 100% dos recém-nascidos infectados (transmissão 540 S eç ão 1 – R ot in as d e D ia gn ós ti co e T ra ta m en to transplacentária, transparto ou pós-parto imediato) evoluem para o estado de portador crônico, contrastando com 5% a 10% de cronificação quando a infecção se dá na vida adulta. No tocante ao sexo, as mulheres parecem ter duração mais curta do estado de portador, explicando – pelo menos em parte – uma incidência menor do carcinoma hepatocelular. DIAGNÓSTICO EPIDEMIOLÓGICO1,7,11,12 Considerada um dos grandes problemas atuais da saúde pública mundial, estima-se a existência de 400.000.000 de portadores crônicos do vírus B, a maioria com risco poten- cial de enfrentar sérios problemas da função hepática em decorrência de fibrose, cirrose e até carcinoma hepatocelular. Países africanos, asiáticos e algumas regiões do Pacífico – consideradas regiões de alta prevalência – têm no câncer de fígado relacionado com a presença crônica do vírus B, uma das quatro principais causas de morte por câncer em geral. Excetuando-se as mortes por hepatocarcinoma, há também milhares de óbitos/ano como consequência das complicações próprias das formas crônicas da doença (fibrose e cirrose) que levam à insuficiência hepática grave. O Brasil, considerado como intermediário em preva- lência do vírus B na população em geral, apresenta níveis elevados (5% a 15%) na região Amazônica, enquanto na região Sul é pequena a taxa de prevalência, algo entre 0,5% e 1%. Nas outras regiões, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste há variação de 1% a 3% (taxa intermediária). O HBV é transmitido através de veiculação percutânea ou das mucosas por fluidos corpóreos, sangueou derivados contendo o vírion infectante. Estão documentados contágios pelas relações sexuais, exposição a sangue com agulhas ou seringas compartilhadas por usuários de drogas ilícitas, acidentes com objetos contaminados por material biológico (tatuagens, piercing, acupuntura, profissionais de saúde aci- dentados por instrumentos perfurocortantes, etc.), durante a gravidez, da mãe para o concepto via placentária, durante o trabalho de parto (pelo sangue materno ou líquido amni- ótico), pela amamentação e, raramente, por transfusão de sangue ou hemoderivados, devido à rigorosa triagem nos do- adores a partir dos anos 1980. Em alguns trabalhos, 30% dos infectados não apresentam risco identificável de aquisição do HBV. A transmissão sexual diminuiu entre homossexuais nos últimos 20 anos, mas tem aumentado na promiscuidade hete- rossexual; é crescente também a contaminação entre usuários de drogas ilícitas. Faz-se necessário lembrar a possibilidade de contágio em transplante de órgãos ou tecidos. A maior concentração do vírus B é no sangue e em secreções serosas, sendo bem menor no sêmen e nos fluidos vaginais. Saliva, suor, lágrima, fezes e urina, embora possam conter o HBsAg, não possuem a partícula viral infectante; por isso, não têm sido associados com transmissão. Quanto mais precoce é a infecção, maior a chance de ser portador crônico, com risco de desenvolver cirrose ou hepatocarcinoma após um período de latência de 20 a 50 anos. Os indivíduos infectados após 8 a 10 anos de idade exibem padrão epidemiológico semelhante ao do adulto, ou seja, menos de 10% tornar-se-ão portadores crônicos. É possível que em médio prazo a hepatite B no Brasil seja um problema menor, dada a existência de vacina eficaz e indicada em todos os recém-nascidos. Entretanto, nas próximas décadas ainda presenciaremos um número significativo de pessoas com o vírus B, algumas devolvendo a forma aguda da doença e clareamento posterior do vírus; outras, carregando-o cronicamente com as implicações ine- rentes do portador (cirrose e/ou hepatocarcinoma). DIAGNÓSTICO CLÍNICO1,7,11-13 O espectro clínico da hepatite B é relativamente amplo e deve ser dividido em fases aguda e crônica com suas respec- tivas formas clínicas, conforme demonstrado na Tabela 80.2. Dada a infecção do indivíduo pelo HBV, após um perí- odo de incubação que vai de 40 a 180 dias (média de 80), a maioria irá apresentar quadro clínico inicial incaracterístico. O período prodrômico, de duração variável entre 1 a 3 sema- nas, é marcado por fraqueza, anorexia, mal-estar geral, dores abdominais, náuseas, vômitos, intolerância a alimentos, den- tre outros. Diferentemente da hepatite A, a síndrome febril pode estar ausente, enquanto artralgias, artrite e exantema são mais frequentes. A seguir, 30% a 40% dos indivíduos entram no período de estado da doença, com o aparecimento de ic- terícia e colúria de intensidade variada; os demais persistem com sinais e sintomas inespecíficos sem o advento da icte- rícia. Dentre os que desenvolverão hiperbilirrubinemia com grandes elevações da fração conjugada, a forma colestática (simulando obstrução) pode ser evidenciada com icterícia intensa, colúria, acolia fecal, prurido cutâneo e manifestações dispépticas. Em geral, essa apresentação clínica prolonga-se por várias semanas. Alguns estudiosos do assunto fazem referência às formas “recrudescente” e recorrente; na primeira, após uma queda significativa nos níveis das aminotransferases – mas ainda sem a normalização – pode haver nova elevação nos níveis. Na forma recorrente, por outro lado, há aumento das enzimas depois de ter ocorrido valores normais. Embora rara (menos de 1%), pode acontecer a forma fulminante, com rápida evo- lução para insuficiência hepática e desenvolvimento de ence- falopatia em 2 a 8 semanas; trata-se de necrose hepatocelular maciça, clareamento dos antígenos virais (HBsAg, HBcAg TABELA 80.2 Espectro Clínico da Hepatite B Fase Forma Clínica Aguda (até seis meses de infecção) • Assintomática • Forma benigna e limitada acnictérica (15 a 30 dias de duração, em média) • Forma ictérica limitada (30 a 60 dias de duração, em média) • Forma colestática prolongada (60 a 180 dias de duração) • Forma grave (fulminante) (duas a três semanas de duração) Crônica (após seis meses de infecção) • Forma de portador sadio (??) • Forma crônica persistente (geralmente benigna) • Forma crônica ativa (evolução mais grave para cirrose) • Forma crônica lobular (geralmente benigna e prolongada) • Hepatocarcinoma 541 C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E e N ão A -E e DNA do HBV) associados ao precoce surgimento de anti- corpos anti-HBsAg (anticorpo contra antígeno de superfície) e anti-HBeAg (anticorpo contra antígeno E), corroborando a teoria de que a gravidade da lesão é mais imunomediada. Rapidamente, instalam-se sonolência, confusão mental e coma. Distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos, infecções bacterianas e fúngicas não são raros e agravam a doença; a mortalidade pode ultrapassar os 80%, mas nos centros com unidades de transplante hepático a recuperação é considerá- vel. A necrose hepática confluente (ou submaciça) leva a um progresso menos rápido da insuficiência hepática – várias se- manas ou até meses – que se conhece por hepatite subaguda. As hepatites crônicas pelo HBV são conceituadas a partir da permanência do vírus (demonstrada principalmente pelo HBsAg no soro) por mais de 6 meses com evidência de pro- cesso inflamatório no tecido hepático. A degeneração e/ou a necrose celular do parênquima são de intensidade variável e, na rotina laboratorial, acompanhada pelas flutuações das transaminases (TGO-TGP) e da atividade protrombínica. Clinicamente, muitos evoluem oligo ou assintomáticos, mesmo aqueles com a hepatite crônica ativa, e dessa forma podem chegar ao extremo de cirrose hepática ou hepatocar- cinoma. Os mais importantes marcadores de evolução para a cronicidade são as persistências séricas do HBsAg e do HBeAg, sendo indicadores de atividade do vírus (replicação); ao contrário, a viragem sorológica para os respectivos anti- corpos (anti-HBsAg e anti-HBeAg) é de melhor prognóstico pois, além de traduzir a parada da replicação viral (anti- -HBeAg), pode significar clareamento do vírus (anti-HBsAg), favorecendo a cura. Exceção para os portadores de cepas com mutações nas regiões do pré-core ou do core promoter, que terão hepatite crônica HBeAg-negativa decorrente dessas mutações; o único marcador de atividade nesses casos é a demonstração do DNA-HBV sérico. Como na prática é impossível a identificação de qual tipo de hepatite crônica o indivíduo apresenta, faz-se necessário o estudo anatomopatológico de material obtido por biópsia hepática para a determinação das peculiaridades próprias dos clássicos tipos de hepatite crônica: persistente e ativa. A persistente – geralmente pouco agressiva – cursa de ma- neira mais ou menos silenciosa, com pouca ou nenhuma alteração das transaminases, quase nunca evolui para cir- rose (ou hepatocarcinoma); tem na inflamação limitada aos espaços porta, sem invadir a placa limitante e ausência de piecemeal necrosis, suas características microscópicas. Na forma crônica ativa, ao contrário, o infiltrado inflamatório mononuclear não respeita a placa limitante, estende-se até o lóbulo hepático além de levar a piecemeal necrosis; na forma mais intensa há formação de pontes fibróticas contribuindo, assim, para a evolução grave de insuficiência hepática com cirrotização posterior. Dependendo da duração da hepatite crônica ativa e da integração do DNA viral pelo genoma do hospedeiro, existe a possibilidade de hepatocarcinoma como desfecho final. Posteriormente, um terceiro tipo de hepatite crônica foi descrito: a lobular. Aqui o aspecto histológico é semelhante ao da forma aguda mas com duração superior a 6 meses. Deve-se enfatizar que a cronificação das hepatites éum processo dinâmico, com chances de evolução da crônica persistente para a ativa e vice-versa, e de uma delas para cir- rose e/ou carcinoma. Cumpre lembrar uma situação peculiar observada em alguns infectados pelo HBV: é o chamado es- tado de portador inativo do vírus. Trata-se de indivíduo com o HBsAg positivo no soro, por mais de 6 meses, sem evi- dência de doença necroinflamatória e que pode persistir por longo tempo. Não apresenta alterações bioquímicas séricas e os marcadores de replicação viral estão ausentes (HBeAg e DNA-HBV). Duas situações podem acontecer, o clareamento viral com surgimento do anti-HBsAg ou a incorporação do DNA viral ao genoma do hospedeiro, com chances de cirro- tização e desenvolvimento do câncer hepatocelular no futuro. Finalmente, dentro do diagnóstico clínico-evolutivo das hepatites crônicas pelo HBV, às vezes se tem exteriorização de sinais e sintomas de acometimento extra-hepático como de poliartrite nodosa (febre, artralgia, erupções cutâneas), de vasculite (hipertensão arterial e nefropatia), glomerulo- nefrite membranosa e membranoproliferativa (depósitos de imunocomplexos). DIAGNÓSTICO LABORATORIAL7,11,12,19 Provas hematológicas e bioquímicas são úteis para a demonstração de hepatite viral inespecífica, ao passo que o diagnóstico etiológico (ou específico) de vírus B é dado pela identificação de algum marcador desse vírus no soro ou no tecido hepático. O leucograma – por exemplo – em geral mostra leucócitos normais (4.000 a 10.000) ou diminuídos (abaixo de 4.500), quase sempre com linfocitose (maior que 35% linfócitos) e presença de percentual variável de atipia linfocitária (maior que 3%). Quando da evolução fulminante, leucocitose com neutrofilia é resultado frequente. A elevação das aminotransferases (ALT e AST) em níveis significativos (algo entre 200 a mais de 1.000 unidades), com predomínio da ALT sobre a ADT na fase aguda, é mandatória na carac- terização da lesão hepatocítica. A queda abrupta em poucos dias dessas enzimas pode traduzir uma falência do fígado, como observado na forma fulminante da doença . O aumento da bilirrubina total, principalmente à custa da fração conjugada ou direta, está presente nos casos icté- ricos, sendo muito mais pronunciado na forma colestática; da mesma maneira, enzimas como a gama-gt, fosfatase alca- lina, 5-nucleotidase e leucinoaminopeptidase acham-se em valores aumentados. As diminuições da albumina sérica e da atividade protrombínica devem representar função hepática deteriorada, como nas formas fulminante e crônica ativa. No diagnóstico etiológico, a pesquisa dos antígenos HBsAg e HBeAg ou dos anticorpos anti-HBsAg, anti-HBcAg através de testes sorológicos pelas técnicas ELISA ou radioimunoen- saio são a rotina na prática médica diária em vários centros, enquanto as provas moleculares séricas (demonstração quali- tativa e quantitativa do DNA-HBV) como a reação em cadeia da polimerase – PCR – ainda se acham restritas aos centros mais avançados. Em situações extraordinárias podem-se iden- tificar antígenos virais (HBsAg e HBcAg) em tecido hepático obtido por biópsia. A interpretação dos diversos marcadores biológicos do vírus B (antígenos e anticorpos) deve ser rea- lizada conforme apresentado na Tabela 80.3. TRATAMENTO2-4,12,14,20 Fase Aguda Até o momento nenhuma droga é indicada para tratar hepatite B com evolução menor que 6 meses. Como prati- camente 90% dos infectados fora do período perinatal (gra- videz, trabalho de parto e recém-nascido) que apresentam a doença aguda vão recuperar-se com eliminação posterior 542 S eç ão 1 – R ot in as d e D ia gn ós ti co e T ra ta m en to do vírus, somente orientações dietéticas nos ictéricos (prin- cipalmente com colestase), repouso relativo, abstinência de drogas hepatotóxicas, como o álcool e alguns sintomáticos (analgésicos, antieméticos, etc.), são prescritos na hepatite B aguda. Recomendam-se determinações semanais das aminotransferases, das bilirrubinas, do tempo e da atividade protrombínicos no manejo clínico dos doentes, objetivando a detecção precoce de qualquer indício de gravidade; ao mes- mo tempo em que, pelos marcadores virais e pela resposta do hospedeiro, passaram a ser avaliadas as tendências evolutivas do processo. Os indivíduos – possivelmente menos de 1% – com de- senvolvimento para a forma fulminante, caracterizada pela insuficiência hepática aguda grave, decorrente de necrose hepatocitária maciça, evoluem de maneira rápida para encefa- lopatia hepática e distúrbios graves da coagulação, seguidos, frequentemente, por falência de múltiplos órgãos. Trata-se de quadro com prognóstico sombrio, com taxa de mortalidade elevada (até 80%). São monitorados em unidade de terapia intensiva cujo objetivo principal é controlar a encefalopatia por intermédio dos níveis de amônia sérica e da diminuição do edema cerebral. Procura-se corrigir a hiperamoniemia pela dieta hipoproteica (vegetal), lactulose via oral (VO) e neomicina (1 g VO de 6/6 horas) para reduzir a microbiota intestinal. O edema cerebral é tratado com diuréticos osmó- ticos como o manitol. Complicações infecciosas, metabólicas (hipoglicemia, alcalose metabólica), insuficiência renal e alte- rações da coagulação são frequentes e pioram o prognóstico. Os critérios de cura baseiam-se na involução das mani- festações clínicas, na normalização das aminotransferases, bem como na demonstração de clareamento do vírus e aparecimento de marcador referente à imunidade. Aqueles que de alguma maneira exibem evidência de atividade e/ ou persistência do vírus, atividade enzimática compatível com agressão hepatocitária ou inflamação do fígado por período superior a 6 meses, começam a fazer parte da cha- mada hepatite crônica B em suas duas ou três apresentações anatomopatológicas. Fase Crônica Uma vez estabelecidos os critérios para a forma crônica e já devidamente comprovada a etiologia viral B, há dispo- nibilidade dos seguintes agentes terapêuticos: o interferon- -alfa (INF-α) comum e peguilado, lamivudina, adefovir e entecavir. Os interferons possuem ação imunoestimulante e antifibrinogênica. Em geral, recomenda-se utilizá-los por longos períodos (mais de 48 semanas) em razão de recidivas. Mesmo o interferon peguilado possui limitações ao seu uso: graves efeitos colaterais como depressão, mielodepressão, au- toimunidade e alto custo. Está contraindicado em cirróticos, imunossuprimidos e transplantados. Chega a alcançar 35% a 40% de redução do DNA-HBV. Preconiza-se no caso da apresentação comum 5 milhões de unidades diariamente via subcutânea ou 10 milhões de unidades três vezes por semana. A lamivudina, análogo nucleosídeo, é um potente antivi- ral, inibindo a síntese do DNA. A dose preconizada é de 100 mg, dose única diária por via oral. Pode conferir resistência ao HBV precocemente (até 20% ao ano no locus YMDD). O tratamento deve durar aproximadamente 1 ano; as taxas de soroconvenção do HBeAg para o anti-HBeAg e aminotrans- ferases normais são maiores em pacientes com elevada ALT antes do início da terapêutica. A combinação de interferon com lamivudina não condiciona melhor eficácia quando comparada com a monoterapia. O adefovir, análogo nucleotídeo, suprime a replicação viral tanto em indivíduo com a cepa selvagem quanto na- queles com infecção por vírus mutantes (mutação pré-core e YMDD). É droga potencialmente nefrotóxica. A posologia recomendada é de 10 mg/dia. Período de tratamento é seme- lhante ao da lamivudina. O entecavir, recentemente aprovado no Brasil, inibe a replicação viral em cepas sensíveis ou resistentes à lamivu- dina. Indivíduos em tratamento há 2 anos não apresentam resistência à droga. Sua posologia situa-se entre 0,5 até 1 mg/dia. Ainda faltam estudos de longo prazo comparando o entecavir com o adefovir e os interferons. PROFILAXIA7,11,12 Tomando por base os possíveis modos de transmissão do vírus B acima mencionados, não é difícil apontar estratégiasde prevenção dessa virose; a dificuldade está no complexo TABELA 80.3 Interpretação dos Diversos Marcadores Sorológicos do Vírus B Marcador Significado HBsAg + • Principal marcador da presença do vírus B • Positivo por mais de seis meses é preditivo de evolução crônica • Sua negativação deverá indicar clearance viral HBeAg + • Indica atividade replicativa do vírus B • Tendência à cronicidade enquanto positivo • Grande infectividade do portador • Está ausente nas infecções por vírus B mutante (mutações nas regiões do pré-core ou core promoter) HBcAg + • Não costuma estar presente no soro • É marcador do tecido hepático nas infecções pelo vírus B Anti-HBsAg + • Tendência à cura • Desenvolvimento de imunidade • Quando só ele está presente indica imunidade vacinal ao HBV Anti-HBeAg + • Parada da replicação viral • Evolução para a cura • Baixa infectividade do portador do vírus B Anti-HbcAg IgM + • Infecção atual ou recente • Sua persistência tem valor preditivo de gravidade Anti-HBcAg IgG + • Pode ser marcador de infecção recente ou tardia • Quando o HBsAg está ausente (raramente) pode ser único marcador do vírus B • Também pode significar cura (geralmente associado ao anti-HBsAg) DNA-HBV + • Sua presença associa-se ao HBeAG • Alto risco de transmissão 543 C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E e N ão A -E controle dos riscos de contaminação, que começam cedo (transmissão durante a gravidez), passam pelo nascimento in utero (infecção adquirida no canal do parto) e continuam por toda a vida do indivíduo (contato com sangue ou derivados), relação sexual desprotegida, compartilhamento de agulhas e/ ou seringas contaminadas no ritual dos viciados em drogas intravenosas, acidentalmente com instrumentos contaminados com sangue de portadores, dentre outros menos importantes). Por outro lado, por serem mundialmente disponíveis, as vacinas recombinantes, construídas com o HBsAg originado em leveduras, tornando-as livres de plasma humano e, con- sequentemente, seguras para a utilização em seres humanos, podem compor programas objetivando imunizar todas as pessoas a partir do nascimento, em especial os grupos de risco. O esquema mais preconizado é de três doses intramus- culares com 20 mg/dose no dia zero, com 1 mês e 6 meses de idade. Crianças e adultos que não receberam a vacina nesses períodos da vida poderão fazê-lo nas mesmas doses e nos mesmos intervalos (dia zero, 1 mês depois o primeiro reforço e o último 6 meses após). Sua eficácia é identificada pelo aparecimento do marcador anti-HBsAg. Embora es- ses títulos possam diminuir passados 5 anos da vacinação, ainda não se recomenda dose de reforço em indivíduos que tenham soroconvertido com o esquema básico de três doses. Conta-se, ainda, com a imunoglobulina humana contra o vírus B IgHB), usado na profilaxia imediata pós-exposição, geralmente associada à primeira dose da vacina. A IgHB é recomendada na posologia de 0,6 mL/kg intramuscular (IM) em dose única. HEPATITE C (CID10 = B17.1 – Hepatite aguda C; B18.2 – Hepatite viral crônica C) INTRODUÇÃO7,9,10-12,22 Os números relativos a incidência e preva lência do vírus C no mundo ainda são controver tidos e discrepantes, haven- do estimativa de que vão de 100 milhões a 200 milhões de infecta dos. É o responsável por aproximadamente 90% das hepatites a vírus não A, não B, não D e não E; consequente- mente existem ainda 10% de he patites causadas por outros vírus (O, TTV, F?), mas são necessárias maiores evidências no futu ro. Nos países industrializados, 70% das hepatites crônicas e 40% das cirroses diagnosticadas têm o HCV como etiologia. No Brasil estima-se em 3.200.000 o número de portadores com 0,8% a 3,4% de frequência de anticorpos antivírus C (anti-HCV) em doadores de sangue e adultos normais na população geral (não doadores). Identificado em 1989, o vírus C, com 30 a 38 nm de diâmetro, está classificado como per tencente à família Flaviviridae e ao gênero Hepaci virus. É considerado como um agente com alto teor de mutação, o que torna o desenvol- vimento de diferentes genótipos, cuja nomenclatura foi assim estabelecida por Sim monds e cols. em 1995: 1a, 1b, 2a, 3, 4, 5 e 6; no Brasil, há nítida predominância dos genóti pos 1b e 3a. O fato de possuir alta heterogenei dade genômica – até agora oito genótipos diferentes – parece justificar também compor tamentos diferentes na relação vírus x hospedei ro; sabe-se, por exemplo, que o 1b possui maior grau de patoge- nicidade (levando à doen ça mais grave) e menor evidência de resposta fa vorável ao esquema terapêutico com interferon. A alta persistência da infecção no hospedeiro por tempo in- determinado, explicada por escape imune, é responsável por elevadíssimo percentu aI de evolução crônica da doença (em torno de 80% dos infectados). Com relação à patogênese das alterações so fridas pelo órgão-alvo nessa virose, novamente a participação da res- posta imune, muito mais que a ação citopática direta do vírus, respalda os mecanismos de lesão do hepatócito. São levados em consideração primeiramente fatores do agente, como a rápida ocorrência de mutações virais, constituindo uma verdadeira mistura he terogênea de vírus intimamente relacionados e denominados quasispécies; em um segundo mo mento, há incapacidade de o sistema imune “clarear” estes mutantes, permitindo a presença viral indefinidamente com as consequências pre visíveis de fibrose, cirrose e até hepatocarcino ma. As lesões celulares são da responsabilidade de linfócitos T citotóxicos, cuja atividade pare ce ser exercida pela apoptose. A falha em eliminar totalmente o vírus está centrada na di versidade da resposta imune ser predominante- mente Th1 ou Th2; aqueles com forte resposta Th1 tornariam a infecção autolimitada, enquan to naqueles com predomínio Th2 a tendência é a cronificação. DIAGNÓSTICO EPIDEMIOLÓGICO1,9,12,22 Atualmente é a principal infecção crônica transmitida pelo sangue ou derivados, em que pese a redução deste modo de contágio, em razão da triagem rigorosa dos doa- dores, a partir da pri meira metade dos anos 1990. Mesmo assim, a transmissão parenteral ainda é a principal, como nas seguintes situações: materiais cortantes de uso coletivo não esterilizados convenientemente (manicures, acupuntura, tatuagem, aplicação de piercing, etc.); agulhas e seringas comparti lhadas em usuários de drogas parenterais; con tato com sangue por ocasião de solução de con tinuidade da pele de crianças em folguedos; serviços de hemodiálise. Outros fatores de contágio são considerados menos importantes mas com provados: vertical, de mães HCV positivas para as crianças no período perinatal; pela relação se xual promíscua ou com um dos parceiros sabi damente positivo. De manei- ra semelhante ao vírus B, há um percentual significativo (aproxi madamente 20%) de infectados que não eviden ciam o risco de transmissão. DIAGNÓSTICO CLÍNICO9,11,12,22 Em termos gerais, a hepatite C apresenta manifestações clínicas menos patentes que as hepatites A e B. Tendo um período de incubação situado entre 40 e 120 dias, apenas uma mino ria (média de 15%) exibe uma forma aguda com icterícia, colúria, náuseas, vômitos e dor abdomi nal, cuja evolução pode durar 3 a 6 sema nas. O enorme contingente de infectantes – 75% a 85% – tornar-se-á portador crônico do vírus; e isto, muitas vezes, silenciosamente ou com sinto- 544 S eç ão 1 – R ot in as d e D ia gn ós ti co e T ra ta m en to matologia discreta e pouco incomoda tiva, representada por fadiga e adinamia. A per manência do vírus, embora possa ter pouca comprovação clínica, vai produzindo, com o passar do tempo, alterações inflamatórias dege nerativas do tecido hepático, conduzindo, em longo prazo, a lesões fibróticas, cirróticas e neo plásicas que, quando comprometem a função hepática, exteriorizam-se através de parâmetros clínicos e laboratoriais de insuficiência doór gão. Não raro, há neces- sidade de transplante. A história natural da hepatite C está esquematica mente representada na Figura 80.1. Como o vírus também parasita outras célu las além dos hepatócitos, manifestações extra- hepáticas são frequentes e, quase sempre, decorrentes de complicações à distância. Vários órgãos podem ser atingidos: pele, rins, sistema ner- voso central, pulmões e tecido linfático. Um dos achados mais frequentes é a crioglobuline mia/fator reumatoide, em geral acompanhada por hipocomplementenemia (fração C4); nesses casos – a despeito da maioria ser assintomática –, manifestações como púrpura, artralgias e vasculite podem surgir. O comprometimento renal ocorre comumente por glomerulonefrite membranoproliferativa; a hematúria e a protei núria são comuns. Não se pode subvalorizar a incidência cres cente e rela- tivamente alta de infecção combinada entre a hepatite C e os vírus B e HIV. A associ ação com o primeiro parece favo- recer o câncer de fígado, enquanto com o segundo (HIV) a progressão para cirrose é mais rápida. Embora de ocorrência rara, a forma fulminante causada pelo vírus C é possível e apresenta relação com carga viral alta e/ou imunossupressão. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL9,11,12,22 Os exames inespecíficos auxiliares na demons tração de um quadro compatível com hepatite viral são os seguintes: z leucograma, na fase aguda pode estar normal ou apre- sentar leucopenia com linfocitose (a atipia reforça a etiologia viral); nos raros casos da forma aguda grave fulminante, a leucocitose com neutrofilia é o esperado; z aminotransferases (ALT/AST) elevam-se habitualmen- te, muito embora seus níveis sejam inferiores aos das hepatites A e B; z atividade protrombínica diminuída; z hipoalbuminemia é frequente quando há comprometi- mento da função hepática. Na hepatite C crônica, os exames inespecíficos, já cita- dos, têm significado clínico limitado, padrão incaracterístico e grande variabilidade no longo curso da infecção. Como exemplo, há in constância dos valores das aminotransfera- ses, que ora se apresentam pouco elevados, ora normais ou eventualmente bastante elevados. Da mesma forma, não há nítida correlação entre as aminotransferases e as alterações histológicas do fígado. No que concerne ao diagnóstico específico da hepatite C, há dois grupos de testes disponíveis: z diagnóstico sorológico – testes que detectam anticor- pos (método imunoen zimático – ELISA) ou testes de detecção combinada de antígeno e anticorpo são os geralmente utilizados como triagem sorológica. São rápidos, baratos e apresentam especificidade e sensibi lidade superiores a 95%. O anti-HCV é o prin- cipal marcador sorológico para o diagnóstico, porém a presença do anti-HCV não define a existência de infecção ativa e pode ser interpretado apenas como contato prévio com o HCV. Diante da presença desse marcador, o resultado deverá ser confirmado por testes moleculares. A sorologia positiva anti-HCV pode não estar presente no início da infecção ou em pacientes imunossuprimidos. Isso ocorre por ausência ou dimi- nuição da produção de anticorpos; z testes moleculares – são testes que detectam e ampli- ficam ácidos nucleicos. Como exemplo, a reação em cadeia da polimerase (PCR) ou a PCR em tempo real (RT-PCR). O teste quantitativo do HCV (HCV-RNA), além de ser o atualmente recomendado para o diag- nóstico, também monitora o tratamento por ser, na verdade, a carga viral do HCV. Outro teste molecular utilizado é o de genotipagem, que é capaz de identifi- car os diversos genótipos, subtipos e populações mistas do HCV. A caracterização genotípica complementa a avaliação clínico-laboratorial na definição da estratégia de tratamento da hepatite crônica C, e deverá ser feita após a confirmação diagnóstica do HCV. FIGURA 80.1 – História natural da infecção pelo vírus da hepatite C. Hepatite aguda (sintomática ou assintomática) 75% a 85% hepatite crônica 4 a 8 meses 15 a 40 anos 15% a 30% cura INFECÇÃO Hepatocarcinoma 5% CIRROSE 30% 545 C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E e N ão A -E TRATAMENTO DA HEPATITE C1a,1b,1c,6a,6b,9,10a,11,12,20,22 O tratamento da hepatite C ainda é um grande desafio para médicos e pacientes. As estimativas mostrando uma prevalência mundial de cerca de 170 milhões de pessoas infectadas pelo HCV são assustadoras. Principalmente, pela necessidade de se tratar tantos indivíduos, que muitas vezes só são diagnosticados após já terem evoluído com as compli- cações da doença hepática. A dificuldade do diagnóstico na fase aguda limita a possibilidade de intervenção na tentativa de se reduzir a progressão para a forma crônica. Vários trabalhos vêm mos- trando a possibilidade do tratamento da forma aguda, com boa resposta. O tratamento da infecção aguda será abordado mais adiante, ao final do tópico do tratamento da hepatite C crônica. TRATAMENTO DA INFECÇÃO CRÔNICA Durante as 2 últimas décadas, houve um avanço con- siderável na assistência dos pacientes com doença hepática pelo HCV. Além da melhor compreensão da fisiopatogenia da doença e do conhecimento, pelo menos em parte, do ciclo de vida do HCV, foi possível o desenvolvimento de uma nova estratégia de diagnóstico, tratamento e a possibilidade de essa terapia ter, como objetivo primário, a cura do HCV. Apesar de os novos medicamentos já terem sido apro- vados na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA), no Brasil ainda se encontram em processo de aprovação pela Anvisa. O Ministério da Saúde está elaborando uma nova diretriz de tratamento utilizando os novos medicamentos para ser implantada, provavelmente, no primeiro semestre de 2015. Sendo assim, esse capítulo mantém a diretriz atual de tratamento, mas, ao final, será transcrita parte da recomenda- ção europeia com a inclusão dos novos medicamentos. O interferon-alfa (IFN-α) foi a primeira substância utilizada no tratamento do HCV. Apresenta um mecanismo duplo de ação, atuando como imunomodulador e antiviral. A imunomodulação implica na ativação de macrófagos, células natural killer (NK), linfócitos T citotóxicos e na produção de anticorpos, o que resulta no aumento da resposta imunológica do hospedeiro ao vírus. Dois IFN-α, 2a e 2b, foram utilizados em monoterapia no início do tratamento do HCV. Esses IFN apresentam es- trutura química diferente, mas com ação semelhante. Estudos com vários genótipos do HCV mostraram, de forma geral, baixa eficácia na resposta à monoterapia, evidenciando uma resposta virológica sustentada (RVS) em torno de 16%. Após a associação da ribavirina (RBV), um antiviral análogo nucleosídeo da guanosina, essencial para o tratamento da infecção pelo HCV, mas com mecanismo de ação ainda não determinado, elevou-se para 41% a possibilidade de RVS, considerando-se todos os genótipos. Devido aos estudos com- provando melhor eficácia da terapia combinada, a associação do IFN-α com a RBV passou a ser utilizada. Os IFN-α convencionais apresentam farmacocinética desfavorável, implicando na administração semanal de várias injeções por via subcutânea (SC). A adição de moléculas de polietilenoglicóis (PEGs) (polímeros seguros, atóxicos e inertes que podem ser agregados a proteínas biologicamente ativas, num processo conhecido como peguilação) melhorou as propriedades farmacológicas desejáveis das proteínas terapêuticas, pois protegem a proteína, no caso o IFN, sem alterar a atividade intrínseca da molécula. Inúmeras vanta- gens foram adquiridas com a peguilação, como a melhora da meia-vida da molécula original, em razão de um reduzido clearance renal e uma maior proteção à proteólise. A associa- ção de peguinterferon (PEG-IFN) à RBV (PR), considerando todos os genótipos, atingiu cerca de 60% de RVS. São dois PEG-IFN disponíveis para serem utilizados: o PEG-IFN-alfa-2a (PEG-IFN-α- 2a) e o PEG-IFN-alfa-2b (PEG-IFN-α-2b). A diferença da estrutura química dos polie- tilenoglicóis (PEG) pode interferir nas característicasfarma- cológicas de cada PEG-IFN, levando a inúmeras discussões quanto ao melhor PEG-IFN a ser utilizado na prática clínica. O PEG do alfapeguinterferon-2a é uma molécula ra- mificada de 40 κD, ligada ao IFN-α- 2a por uma ligação amida estável. Devido ao seu alto peso molecular, confere ao PEG-IFN-α-2a uma maior estabilidade, prolongada absorção, reduzido clearance e menor volume de distribuição. Essas características determinam a possibilidade da administração em dose única semanal, proporcionando uma concentração sérica uniforme, com elevados níveis mantidos no decorrer da semana e a não necessidade de modificação da dose em função do peso do indivíduo. O PEG do alfapeguinterferon-2b é uma molécula linear pequena com 12 κD, ligada ao IFN-α-2b por uma ligação instável de uretano. Essas características do PEG-IFN-α-2b implicam em um maior volume de distribuição corporal, exi- gindo a alteração da dose por quilograma de peso e inclusive, pela ligação instável do PEG ao IFN, pode ocorrer exposição mais rápida do IFN, com subsequente proteólise do mesmo. Essa condição implica em uma concentração sérica não uniforme quando administrado uma vez por semana, com queda do nível sérico em 2 a 3 dias. Inicialmente, chegou-se a pensar na necessidade da administração de duas doses se- manais do PEG-IFN-α-2b, mas foi liberado para uso em uma dose semanal. Outra importante diferença entre os PEG-INF está na farmacotécnica das formulações. O PEG-IFN-α-2a é disponibilizado em solução estável, em seringa preenchida, pronta para uso. O PEG-IFN-α-2b é um pó liofilizado que é instável em solução e, por isso, precisa ser reconstituído antes da administração. Vários estudos tentaram definir a superioridade de um PEG-IFN-α com relação ao outro, mas ainda não há evidên- cia conclusiva que demonstre a superioridade de um PEG- IFN-α em detrimento do outro. Mesmo com a introdução dos PEG-IFN-α e a associação com a RBV, a eficácia da terapia dupla (TD), PEG-IFN-α + RBV (PR), ainda não é a ideal. Apenas 40% a 50% dos por- tadores dos genótipos 1 e 4 atingem RVS, se comparados aos 80% dos portadores dos genótipos 2 e 3 que atingem RVS. Isso implica na necessidade de medicamentos mais potentes, com melhor esquema posológico e menos eventos adversos. O conhecimento do ciclo de vida e do genoma do HCV mostrou que existem alvos potenciais para a ação farmaco- lógica no HCV, o que impulsionou a pesquisa em busca de medicamentos com ação direta contra o HCV (DAAs). Várias moléculas estão em desenvolvimento para o tratamento da hepatite C crônica e pertencem a, pelo menos, cinco classes distintas de medicamentos. 546 S eç ão 1 – R ot in as d e D ia gn ós ti co e T ra ta m en to Em 2011, o boceprevir (BOC) e o telaprevir (TVR) fo- ram aprovados para o tratamento do genótipo 1 do HCV, em todo o mundo. Esses dois medicamentos são considerados de primeira onda e fazem parte da primeira geração de DAAs. Ambos atuam inibindo a proteína não estrutural protease serina 3/4A (NS3/4A) e são conhecidos como inibidores da protease (IP) do HCV. Não podem ser usados em monotera- pia (devem ser sempre associados ao PEG-IFN e à ribavirina) e apresentam baixa barreira genética. Já foram encontradas cepas resistentes a esses medicamentos, e isto é algo preocu- pante, visto que o genótipo 1a (HCV-1a) parece desenvolver resistência mais facilmente com relação ao genótipo 1b. No HCV-1a, basta a mudança de um único nucleosídeo no códon 155 para o desenvolvimento de resistência. A terapia tripla (TT) com PR e IP atingiu resposta viroló- gica sustentada (SVR) mais elevada quando comparada com a terapia dupla, cerca de 65% a 75%. Entretanto, o perfil de eventos adversos com a TT não é favorável e esses medica- mentos só serão utilizados enquanto não aparecerem novas opções de tratamento. O tratamento da hepatite C é a cada dia mais desafiador. Inicialmente, pela dificuldade do manejo dos eventos adver- sos (EA) observados com o PEG-IFN-α e RBV (PR). Agora, a maior preocupação é com a associação dos EA do PR + IP, além do comportamento dos pacientes infectados, que geral- mente são usuários de drogas ilícitas e álcool. Para se indicar o tratamento da hepatite C, alguns fatores devem ser mencionados, por serem preditores do sucesso terapêutico: genótipo não 1, carga viral baixa (< 600.000 UI/ mL), ausência de fibrose, ausência de atividade inflamatória ou mínima e ausência de obesidade. Com a evolução das técnicas de biologia molecular e o acesso expandido a esses métodos foi possível avaliar melhor a resposta ao tratamento, utilizando-se a cinética viral. A ci- nética viral avalia a eficácia do tratamento, considerando-se o HCV-RNA nas semanas 4, 12, 24, ao final do tratamento e 24 semanas após o final do tratamento. Essa terapia guiada pela resposta facilita o acompanhamento dos pacientes e orienta o tempo ideal de tratamento que poderá ser estendido, interrompido ou encurtado. Os critérios de resposta virológica para a avaliação do tratamento associados a fatores relacionados ao vírus e ao hospedeiro, contribuem para um melhor tratamento e princi- palmente para a individualização do mesmo. O polimorfismo do gene da interleucina-28B (IL-28B) deve ser citado, já que está diretamente associado à chan- ce de resposta ao tratamento antiviral, especialmente nos portadores do HCV genótipo 1. Os pacientes com polimor- fismo CC teriam cerca de 80% de possibilidade de resposta virológica sustentada (RVS), contra 20% dos portadores do fenótipo TT. Esse teste poderia ser utilizado para avaliar os pacientes que se beneficiariam com a terapia dupla PR ou se deveriam ser tratados com PR + IP. As terapias dupla e tripla (com IP de primeira onda) compõem as diretrizes terapêuticas atualmente utilizadas no Brasil, e todos os instrumentos necessários para a compreen- são e administração de ambas se encontra a seguir. A meta do tratamento da hepatite C é a cura da infecção pelo HCV, obtida com a eliminação do vírus. Como nem sempre será possível ser alcançada, objetiva-se controlar a progressão da doença hepática com a inibição da replicação do vírus. Uma vez controlada a replicação, haverá redução da atividade inflamatória impedindo a evolução para cirrose e hepatocarcinoma (CHC). Convém lembrar que a evolução para o CHC não tem relação com a carga viral do HCV, ao contrário do observado com a infecção pelo vírus da hepatite B. Portanto, com o tratamento, espera-se melhorar a qua- lidade e a expectativa de vida dos pacientes, obter uma resposta virológica sustentada, a redução da progressão para a insuficiência hepática terminal que necessite de transplante hepático e a diminuição do risco de transmissão do HCV. Conhecer os critérios de resposta virológica com PR é essencial para a avaliação da resposta ao tratamento: z resposta virológica rápida (RVR) – definida como a carga viral do HCV (HCV-RNA) indetectável na se- mana 4 de tratamento; z resposta virológica precoce (RVP) – definida como a indetecção do HCV-RNA na semana 12 de tratamento (considerada RVP total). Se ocorrer queda de pelo menos duas escalas logarítmicas (2 log10) ou 100 vezes o valor do HCV-RNA pré-tratamento é considerada RVP parcial; z resposta virológica ao final do tratamento (RVF) – definida como HCV-RNA indetectável ao final do tratamento; z resposta virológica sustentada (RVS) – definida como HCV-RNA indetectável 24 semanas após o término do tratamento; z recidiva virológica (recidivantes) – definida como HCV-RNA indetectável ao final do tratamento e HCV-RNA detectável 24 semanas após o término do tratamento; z respondedor lento – definido como o indivíduo que apresenta RVP parcial (HCV-RNA detectável, porém com queda > 2 log10 na semana 12) e HCV-RNA inde- tectável na semana 24 de tratamento; z não respondedor parcial – definido como o indivíduo que apresenta RVP parcial (HCV-RNA detectável, po- rém com queda > 2 log10 na semana 12) e HCV-RNAdetectável na semana 24 de tratamento; z nulo de resposta* – definido como o indivíduo que não apresenta pelo menos RVP parcial (queda de pelo menos 2 log10 do valor do HCV-RNA pré-tratamento, na semana 12). A RVR apresenta um alto valor preditivo positivo (cerca de 90%), para a RVS. Por outro lado, se não há queda de, pelo menos 1 log10, na semana 4, as chances de RVS são me- nores que 5%. Já os pacientes que não atingem RVP apresen- tam mínima chance de chegar à RVS (alto valor preditivo). O grau de comprometimento hepático deverá ser abor- dado em algumas situações para a indicação do tratamento e devem-se identificar os pacientes com cirrose. Além disso, é fundamental a avaliação da presença de comorbidades, condições que possam interferir ou mesmo contraindicar o * Pacientes sem documentação de cinética viral durante tratamento prévio serão considerados não respondedores (nulos de resposta). 547 C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E e N ão A -E início do tratamento. Nesse contexto, é importantíssima a identificação de doença psiquiátrica, cardíaca ou renal, doen- ças autoimunes, o uso abusivo do álcool e outras drogas re- creativas. A gravidez, no período do tratamento e até 6 meses após a interrupção do mesmo, não poderá ocorrer, por causa dos efeitos teratogênicos, principalmente pelo uso da RBV. Convém ressaltar que a doença hepática pode pro- gredir mesmo nos indivíduos com persistentes níveis normais de aminotransferases (alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase, ALT ou TGP e AST ou TGO, respectivamente). O padrão histológico hepático complementa a abor- dagem dos pacientes com doença hepática desconhecida, principalmente em situações cujo padrão de fibrose orienta o tratamento. A elastografia transitória pelo FibroScan é um novo método não invasivo que tem sido proposto para aces- sar a fibrose hepática pela medida da elasticidade hepática. Esse método tem especial aplicação na detecção da fibrose hepática avançada (F3-F4), resultando na não utilização da biópsia hepática nesses pacientes e a cada dia se tornando mais acessível e de fácil manuseio. Porém, em algumas situ- ações, a biópsia hepática ainda é mandatória e utilizada como critério para a indicação do tratamento. Nos pacientes em que não for recomendado o tratamen- to, a avaliação clínico-laboratorial deve ser quadrimestral e a biópsia hepática a cada 3 a 5 anos, mas cabe ao médico assistente, em concordância com o paciente, determinar o momento ideal para o início do tratamento. Quanto à biópsia hepática, devem-se conhecer os cri- térios de contraindicação desse procedimento, já que é um método invasivo. O ideal é proceder com a biópsia trans- cutânea com agulha e guiada por ultrassom, por permitir a retirada de fragmentos de áreas distantes da cápsula de Glisson, dispensar anestesia geral e por ser um procedimento de menor custo. Existem diversos sistemas de classificação para gradu- ação e estadiamento das hepatites crônicas e vários deles têm importância histórica. A diretriz brasileira recomenda o uso de uma das seguintes classificações: a da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), o metavir ou o Ishak. A clas- sificação proposta por Ishak, em 1995, tem sido igualmente recomendada na literatura internacional. Contraindicações para a Realização de Biópsia Hepática z Contraindicações relativas – obesidade mórbida e possibi- lidade de lesões hepáticas vasculares. z Contraindicações absolutas – coagulopatias graves, infecção no parênquima hepático e obstrução biliar extra-hepática. Critérios para a Realização da Biópsia Hepática para a Indicação do Tratamento z Doença hepática compensada, contagem de plaquetas > 60.000/mm3, atividade de protrombina > 50% e ausên- cia de contraindicações aos medicamentos usados no tratamento. Situações em que a Biópsia Hepática É Desnecessária para a Indicação do Tratamento z Nos pacientes portadores de coagulopatias congênitas, pelo risco aumentado de hemorragia. z Nos pacientes com sinais clínicos e/ou evidências ecográ- ficas de cirrose. z Nos pacientes com manifestações extra-hepáticas compro- vadamente relacionadas com o HCV (ex., crioglobulinemia mista assintomática, vasculites cutâneas e sistêmicas, glomerulonefrites, poliartrite, neuropatia periférica, por- firia cutânea tarda, líquen plano e linfoma não Hodgkin associado ao HCV). Situações em que a Biópsia Hepática É Facultativa z Nos pacientes coinfectados pelo HIV. z Nos pacientes com genótipos 2 e 3. Quando a biópsia for recomendada para definir o trata- mento, deve ser realizada dentro dos 24 meses que antece- dem o início do tratamento. Recomenda-se Tratamento para os Pacientes com as Seguintes Alterações Histopatológicas Fibrose ≥ F2 (metavir) e seus correspondentes (SBP ≥ 2 e ISHAK ≥ 3), independentemente da atividade inflamatória. z Atividade inflamatória ≥ A2 (metavir) e seus cor- respondentes (SBP e ISHAK ≥ 2) com presença de fibrose ≥ F1 (metavir) e seus correspondentes (SBP e ISHAK ≥ 1). A genotipagem do HCV é obrigatória para os candidatos ao tratamento, já que o mesmo é definido de acordo com o genótipo encontrado. A seguir será abordado o tratamento da hepatite C crôni- ca de acordo com os genótipos, utilizando-se o tratamento- -padrão com terapia dupla PR (peguinterferon e ribavirina). A recomendação do tratamento segue o Protocolo Clínico e as Diretrizes Terapêuticas para Hepatite Viral C e Coinfecções do Ministério da Saúde, publicados em 2011. Tratamento da Hepatite Viral Crônica C no Genótipo 1 com PR O esquema recomendado para o tratamento dos pacientes portadores de hepatite crônica C com genótipo 1 é a associa- ção PR durante 48 a 72 semanas: z PEG-IFN-α-2a, 180 µg, SC, uma vez por semana, ou PEG-IFN-α-2b, 1,5 µg/kg, SC, uma vez por semana, ambos associados à RBV 15 mg/kg/dia, via oral (VO) (dose diária dividida de 12 em 12 horas). O uso do PEG-IFN-α-2b deverá seguir a recomendação de doses conforme as Tabelas 80.4 e 80.5; z considerar a duração do tratamento de 72 semanas para pacientes portadores do genótipo 1 que estejam em tratamento com PEG-IFN-α associado à RBV e apresentam boa adesão, com RVP parcial na semana 12 e HCV-RNA indetectável na semana 24, levando em consideração aspectos de adesão, tolerabilidade e aceitabilidade (Figura 80.2). 548 S eç ão 1 – R ot in as d e D ia gn ós ti co e T ra ta m en to Tratamento da Hepatite Viral Crônica C nos Genótipos 2 e 3 A diretriz brasileira ainda considera o uso do IFN con- vencional para o tratamento dos genótipos 2 e 3 (Fluxograma da Figura 80.3): z a biópsia hepática para portadores dos genótipos 2 e 3 é facultativa, mas os pacientes sem biópsia hepática e com HCV-RNA < 600.000 UI/mL, devem ser conside- rados para receber IFN convencional. O esquema recomendado para o tratamento da hepatite C crônica genótipos 2 ou 3, na ausência de fatores preditores de baixa RVS*, é a associação de IFN convencional e RBV, durante 24 semanas: IFN convencional alfa-2a ou alfa-2b, 3 milhões de UI (MUI), SC, três vezes por semana associado a RBV 15 mg/ kg/dia, VO (dose diária dividida de 12 em 12 horas). O esquema recomendado para o tratamento da hepatite C crônica genótipos 2 ou 3 e carga viral superior a 600.000 UI/ mL e/ou metavir = F3 é a associação de PEG-INF-α e RBV, durante 24 semanas, enquanto aqueles com cirrose (metavir = F4 ou manifestações clínicas de cirrose), independentemente da carga viral, devem ser tratados por 48 semanas. z PEG-IFN-α-2a ou PEG-IFN-α-2b, uma vez por se- mana, SC, associado à RBV 15 mg/kg/dia, VO (dose diária dividida de 12 em 12 horas). Tratamento da Hepatite Viral Crônica C nos Genótipos 4 e 5 Existem poucas informações sobre o tratamento dos ge- nótipos 4 e 5, infrequentes no Brasil. O tratamento recomen- dado para hepatite crônica C nos genótipos 4 e 5 é o mesmo considerado para portadores do genótipo 1 (Fluxograma da Figura 80.1). Oesquema recomendado para o tratamento dos pacientes portadores de hepatite C crônica com genótipos 4 e 5 é a associação PR, durante 48 a 72 semanas: z PEG-IFN-α-2a, 180 µg, SC, uma vez por semana, ou PEG-IFN-α-2b, 1,5 µg/kg, SC, uma vez por semana, TABELA 80.4 Modo de Administração Interferon Peguilado Alfa-2b em Monoterapia (Adaptado Conforme Apresentações Comerciais Disponíveis) Peso do Paciente Apresentação Volume Total da Ampola Quantidade a Ser Administrada Volume a Ser Administrado 40-51,9 kg 80 mcg em 0,5 ml 0,7 ml 48 mcg 0,3 ml 52-69,9 kg 64 mcg 0,4 ml 70-87,9 kg 80 mcg 0,5 ml 88-99,9 kg 96 mcg 0,6 ml 100-115 kg 112 mcg 0,7 ml 116-129,9 kg 100 mcg em 0,5 ml 0,7 ml 120 mcg 0,6 ml 130-147,9 kg 140 mcg 0,7 ml > 148 kg 120 mcg em 0,5 ml 0,7 ml 156 mcg 0,6 ml TABELA 80.5 Modo de Administração Interferon Peguilado Alfa-2b Combinado com Ribavirina (Adaptado Conforme Apresentações Comerciais Disponíveis) Peso do Paciente Apresentação Volume Total da Ampola Quantidade a Ser Asministrada Volume a Ser Administrado 40-46,9 kg 80 mcg em 0,5 ml 0,7 ml 64 mcg 0,4 ml 47-57,9 kg 80 mcg 0,5 ml 58-67,9 kg 96 mcg 0,6 ml 68-76,9 kg 112 mcg 0,7 ml 77-84,9 kg 100 mcg em 0,5 ml 0,7 ml 120 mcg 0,6 ml 85-97,9 kg 140 mcg 0,7 ml 98-104,9 kg 120 mcg em 0,5 ml 0,7 ml 156 mcg 0,6 ml > 105 kg 168 mcg 0,7 ml * Os pacientes que apresentam os fatores preditores de má resposta ao tratamento com INF convencional (escore metavir ≥ F3; e/ou manifes- tações clínicas de cirrose hepática; e/ou carga viral superior a 600.000 UI/mL), devem receber tratamento com PEG-INF-α. 549 C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E e N ão A -E ambos associados à RBV 15 mg/kg/dia, VO (dose diária dividida de 12 em 12 horas). Monitoramento do Tratamento Monitoramento Laboratorial Básico durante o Tratamento Os portadores de hepatite C aguda ou crônica candida- tos ao tratamento devem ser submetidos a uma avaliação inicial. Nessa avaliação, devem constar anamnese, exame físico completo e exames complementares. Os pacientes que estejam sendo submetidos ao tratamento da hepatite C devem ser acompanhados clínica e laboratorialmente, sobretudo nas fases iniciais do tratamento. O acompanhamento laboratorial mínimo durante o tratamento deve conter os exames nos períodos indicados na Tabela 80.6. Monitoramento da Resposta Virológica durante o Tratamento Pacientes em Uso de IFN Convencional Associado ou não a RBV Os pacientes com indicação de terapia por 24 semanas devem ser submetidos ao teste quantitativo de detecção do HCV (HCV-RNA) no final do tratamento (semana 24), para avaliar a resposta virológica. Caso apresentem resultado ne- gativo (carga viral indetectável), novo HCV-RNA deverá ser feito na semana 48 (6 meses após o término do tratamento), para avaliar a RVS. FIGURA 80.2 – Fluxograma de Tratamento da Hepatite C Crônica em Pacientes Portadores do Genótipo 1 do HCV Início do Tratamento Paciente com Genótipo I Interferon Peguilado + Ribavirina Semana 12 Semana 24 Semana 48 Semana 72 HCV-RNA Indetectável (RVP Completa) HCV-RNA ≥ 2 log (RVP Parcial) HCV-RNA < 2 log (Não Obteve RVP) Manter o Tratamento Manter o Tratamento Suspender o Tratamento HCV-RNA Indetectável HCV-RNA Detectável Manter o Tratamento Suspender o Tratamento Término do Tratamento Considerar Tratamento até 72 semanas HCV-RNA no final e após 6 meses Término do Tratamento HCV-RNA no final e após 6 meses 550 S eç ão 1 – R ot in as d e D ia gn ós ti co e T ra ta m en to Em pacientes com indicação de terapia por 48 semanas, o HCV-RNA quantitativo deve ser realizado na semana 12 de tratamento, para avaliar a RVP. Os pacientes que não atingi- ram RVP (parcial ou total) na semana 12 devem interromper o tratamento. Pacientes em Uso de PEG-IFN Associado ou não a RBV Deve-se quantificar o HCV-RNA na semana 12 de trata- mento para avaliar a RVP. Os portadores dos genótipos 1, 4 ou 5 que atingiram RVP parcial na semana 12 do tratamento devem mantê-lo e outro HCV-RNA deverá ser realizado na semana 24. Caso o resultado seja inferior ao limite de detecção (indetectável), o tratamento deve ser considerado até a semana 72, conforme indicado para os portadores do genótipo 1. Caso a carga viral esteja detectável (≥ ao limite inferior de detecção) na semana 24, o tratamento deve ser interrompido. Os portadores dos genótipos 1, 4 ou 5 que não atingiram RVP parcial ou total na semana 12 do tratamento devem interromper o tratamento conforme o Fluxograma da Figura 80.1. Os portadores dos genótipos 2 ou 3, sem cirrose, não coinfectados pelo HIV ou em pré ou pós-transplante, sob tratamento com PEG-IFN-α, devem realizar o HCV-RNA ao final do tratamento (semana 24), para avaliar RVF. Caso apresentem resultado indetectável, devem realizar novo HCV- RNA na semana 48 (6 meses após o término do tratamento), para avaliar a RVS. Nos pacientes infectados pelos genótipos 2 ou 3, coinfec- tados com HIV, ou em fase pré ou pós-transplante de fígado, quantificar o HCV-RNA na semana 12 de tratamento, para avaliar a RVP: z o paciente com RVP total, deverá manter o tratamento até a semana 48; z o paciente com RVP parcial, deverá manter o trata- mento e quantificar o HCV-RNA na semana 24, para definir a continuação do tratamento (exceto no pós- -transplante), como a seguir (Fluxogramas das Figuras 80.4 a 80.6); z HCV-RNA indetectável na semana 24: o tratamento deve ser mantido até a semana 48. z HCV-RNA detectável na semana 24: proceder de acor- do com os pacientes em fase de pré-transplante com RVS; recomenda-se não suspender o tratamento quan- do houver perspectiva do transplante em até 2 meses. Manejo dos Eventos Adversos Eventos Adversos do Tratamento da Hepatite C com IFN-α, PEG-IFN-α e RBV Inúmeros eventos adversos são observados no tratamento com INF e RBV. Alterações laboratoriais e possíveis reações adversas necessitam de monitoramento clínico e laboratorial mais rigoroso, com o objetivo de melhorar a adesão ao trata- mento e a adequação das doses. Entre os principais efeitos adversos referentes ao uso de INF, destacam-se as alterações hematológicas, além de sinto- mas que se assemelham aos da gripe (dor de cabeça, fadiga, febre e mialgia) e sintomas psiquiátricos. Cerca de 10% dos pacientes podem desenvolver alterações tireoidianas. A ane- mia, considerada de difícil manejo, é considerada o principal evento adverso associado ao uso da RBV. O tratamento pode ter um impacto negativo na qualidade de vida. Mas, a reversibilidade dos sintomas poderá só ocor- rer de 12 a 24 semanas após o término do tratamento. A piora na qualidade de vida durante o tratamento pode influenciar negativamente a confiança e contribuir para um desfecho clí- nico desfavorável. O suporte multiprofissional na abordagem dos efeitos adversos, com estratégias de apoio e motivação, auxilia a reduzir o risco de abandono inicial do tratamento. TABELA 80.6 Acompanhamento Laboratorial no Tratamento da Hepatite C Exames Pré-Tratamento Após Início do Tratamento 15 dias 30 dias Mensal Trimestral Hemograma X X X X Plaquetas X X X X Creatinina X X X X ALT, AST X X X X Fosfatase Alcalina, Gama GT, Bilirrubinas, Albumina X Tempo de protrombina X Glicose*, ácido úrico X X TSI I X X Beta – HCG** X X * Em pacientes diabéticos, com intolerância à glicose ou resistência insulínica, a glicemia deve ser mensal. ** Em pacientes com suspeita e/ou sinais clínicos de gravidez, realizar o exame imediatamente. 551 C apítulo 8 0 – H epatites V irais A , B , C , D , E e N ão A -E Manejo da Anemia em Pacientes em Uso de IFN Convencional ou Peguilado e RBV durante o Tratamento da Hepatite C Inicialmente devem-se realizar investigação e tratamento de condições de base que determinem a ocorrência de ane- mia, tais como sangramento, desnutrição, hemoglobinopatias ou doença da tireoide. A introdução de eritropoietina
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