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1. Conceito Doença caracterizada por uma reação inflamatória, com consequente degeneração fibrótica, progressiva e irreversível do parênquima pancreático. Com o passar dos anos, não apenas as células acinares vão se atrofiando, mas também as células do pâncreas endócrino, como as da ilhota de Langerhans. A doença acomete algumas porções do pâncreas e outras não, possuindo caráter heterogêneo. 2. Patologia Existem áreas acometidas com um infiltrado de linfócitos, plasmócitos e eosinófilos, presença de degeneração por fibrose periductal e periacinar, assim como atrofia de algumas células. Além disso, as terminações nervosas são acometidas pela infiltração inflamatória. Em casos de agudização do quadro, algumas áreas apresentam edema intersticial com infiltrado neutrofilico ou mononuclear, podendo haver áreas necróticas. 3. Classificação • Pancreatite calcificante crônica É a mais comum, caracterizada pela presença de plugs de proteínas que podem se calcificar e formar cálculos pancreáticos, causando obstrução dos ductos menores ou maiores. Assim, é causada fibrose progressiva, com estenose e dilatações nos ductos e parênquima. A causa mais comum é o etilismo. • Pancreatite obstrutiva crônica Caracterizada por lesão que obstrui o ducto pancreático principal u de Wirsung, causando dilatação homogênea e generalizada da arvpre pancreática. A causa mais comum é o tumor intraductal, podendo ser gerando pela estenose ductal ou pelo pâncreas divisium. • Pancreatite inflamatória crônica Agressão inflamatória crônica, sem haver plugs ou obstruções. Geralmente causados por doenças autoimunes, como síndrome de Sjogren. 4. Fisiopatologia O álcool, por ser a etiologia mais comum da pancreatite crônica, também é o mais questionado quanto à patogênese. Sabe-se que essa substância induz a formação de suco pancreático litogênico, ou seja, rico em proteínas e pouco inibidor da tripsina. Com isso, formam-se os plugs proteicos que obstruem os ductos, ativando as enzimas e promovendo processo inflamatório. O cálcio tente a se depositar nos plugs, transformando-se em litíase pancreática. Além da formação de plugs, existe uma origem multifatorial. • Isquemia tissular – hipertensão ductal • Estresse oxidativo – superprodução hepática de radicais livres que atingem o pâncreas por refluxo biliar ou circulação sistêmica, promovendo inflamação, além da ausência de vitaminas antioxidantes principalmente em indivíduos desnutridos • Efeito tóxico metabólico – acúmulo de gorduras no citoplasma celular pelo álcool, promovendo degeneração gordurosa • Fenômeno autoimune – presença de anticorpos circulantes, como IgG4, fatores antinucleares, entre outros A pancreatite evolui em fase avançada para insuficiência real e, com a destruição do parênquima, ocorre síndrome de má digestão dos alimentos, culminando em esteatorreia e desnutrição proteica, bem como diabetes mellitus pela insuficiência endócrina. 5. Etiologia • Pancreatite crônica alcoólica A causa mais comum desse quadro, em que o paciente apresenta consumo diário mínimo de 100g de etanol por um longo período de tempo, de pelo menos 5 anos. Além do consumo de álcool, os fatores genéticos e nutricionais podem estar envolvidos. A cessação alcoólica não evita a progressão da doença, já que a lesão está instalada, mas reduz a sintomatologia. O mecanismo é por formação de plug proteico e estresse oxidativo. • Pancreatite tropical Afeta tipicamente crianças, causando insuficiência pancreática na adolescência e morte nos primeiros anos de fase adulta. É uma forma calcificante não alcoólica na África tropical e Ásia. • Pancreatite crônica hereditária Herança autossômica dominante, mas que a penetrância não é total. Logo, cerca de 80% dos indivíduos que recebem o gene desenvolvem a doença. O aparecimento ocorre na fase jovem, cerca de 20 anos, sem histórico de etilismo e com parentes de primeiro grau com manifestações da doença. Pancreatite crônica Clínica Integrada de Gastroenterologia – aula 20 Nicole Sarmento Queiroga Figura 1. Esquema da fisiopatologia da PC. • Pancreatite autoimune Acomete principalmente idosos do sexo masculino que apresentam outras desordens autoimunes. É caracterizada pela presença de infiltração linfoplasmocitária, com manifestações variáveis. O laboratório revela aumento das enzimas e dosagem de IgG4. • Pancreatite crônica idiopática Existem duas manifestações, uma juvenil, que acomete indivíduos com idade entre 10 e 20 aos com a dor como principal sintoma, e a forma senil, cujos pacientes têm idades entre 50 e 60 anos, em que a dor não é tão proeminente. 6. Manifestações clínicas • Dor abdominal recorrente ou persistente Localizada em ambos os hipocôndrios e em epigástrio, recendo o nome de dor em faixa, com irradiação para o dorso. Sinal mais frequente, contínua, com duração de horas ou dias. Surge nas fases iniciais, aparecendo ou acentuando após a ingestão alimentar. Se a etiologia for alcoólica, a dor surge após o período de libação do álcool, de 2 a 3 dias. Pode ser desencadeada pelo aumento da pressão intersticial (presença de obstrução ductal que estimula secreção pancreática e inflamação consequente) ou pela inflamação das terminações nervosas (células/citocinas inflamatórias liberam mediadores álgicos) ✓ Episódios com duração inferior a 10 dias e períodos de remissão de meses a anos ✓ Episódios prolongados de dor diária com exacerbação recorrente • Esteatorreia Presença de 7 a 14g/dia de gordura nas fezes. Traduz a ineficiência exócrina superior a 90%, sendo uma manifestação tardia da doença, ou seja, reflexe o grau avançado. Pode ser decorrente da obstrução ductal. A má digestão lipídica geralmente é acompanhada da má digestão proteica e de carboidratos, resultando em síndrome de má absorção. • Perda de peso, desnutrição proteicocalórica e deficiência vitamínica Resultado da má digestão ou absorção por insuficiência exócrina, por deficiência alimentar quantitativa pela dor pós- prandial ou pelo consumo do álcool. Ainda, pela presença de complicações. As principais enzimas que estão em déficit são as lipossolúveis: A, D, E e K. No entanto, a vitamina B12 é deficiente pela má absorção. • Estigmas de doença hepática alcoólica Telangiectasia, rarefação de pelos, eritema palmar, ginecomastia, ingurgitamento das parótidas, contratura palmar de Duputryen, entre outros. • Dismotilidade gastroduodenal Gastroparesia, dificultando reposição enzimática e controle da dor e da esteatorreia. • Diabetes mellitus Manifestação tardia, decorrente da insuficiência pancreática endócrina. Inicialmente surge intolerância a glicose, mas não há resistência periférica à insulina. Ainda, ocorre a deficiência na produção de glucagon, de modo que o risco de hipoglicemia é maior. As complicações como neuropatia e retinopatia podem se desenvolver. 7. Diagnóstico • Enzimas pancreáticas em valores reduzidos ou normais – destruição parenquimatosa • Elastase fecal (teste indireto da função pancreática exócrina) – concentração menor que 200mg/dL pela insuficiência exócrina • Teste de secretina – administração de secretina para estimular a atividade parnquimatosa e secreção de reserva funcional, quando a perda funcional é reduzida para valores entre 50 e 70%. • RX simples de abdome – pode identificar presença de calcificações pancreáticas, mas é limitada pela localização posterior da coluna vertebral • TC de abdome – capaz de identificar calcificações, atrofia, dilatações ductais, entre outros. • Colangiopancreatografia endoscópica retrograda (CPER) • Ultrassonografia endoscópica • Ressonância nuclear magnética com colangiopancreatografia (RNM-CP) 8. Tratamento Comoé uma doença incurável, o tratamento baseia-se em qual manifestação clínica é predominante e no diagnóstico etiológico. As opções terapêuticas incluem mudanças no estilo de vista, terapia farmacológica e/ou cirúrgica. • Mudanças do estilo de vida ✓ Cessação do alcoolismo – manutenção da agressão ao tecido pancreático, aumentando ou piorando as crises álgicas ✓ Cessação do tabagismo – redução das chances de neoplasia ✓ Modificação da dieta – em caso de crises álgicas, deve ser baseada em hidratos de carbono (derivados do trigo e de outros cerais), e em ausência de crises álgicas, deve ser preconizada uma dieta com baixa concentração lipídica ✓ Fracionamento da dieta Figura 2. RX de abdome com calcificação intraductal pancreática. Figura 3. TC de abdome com áreas de múltiplas calcificações. • Esteatorreia Administração de enzimas, em especial a lipase pancreática. A dose básica é de 25.000 a 30.000 U a cada refeição. Além disso, deve ser feita uma dieta pobre em gorduras. Também devem ser administradas doses de vitaminas lipossolúveis e de B12. • Diabetes mellitus Podem ser utilizados hipoglicemiantes orais, mas também insulinoterapia, de forma que a dose é menor que a administrada em pacientes que não possuem a pancreatite crônica, porque na última, devido à degeneração endócrina e deficiência da produção de glucagon, as chances de hipoglicemia são maiores. • Analgesia A primeira opção para o tratamento intervencionista da dor consiste na oral, em que os sintomas tentarão ser reduzidos. ✓ Uso prioritário de analgésicos – paracetal + codeína, dipirona ✓ Uso de antidepressivo tricíclico – amitriptilina ✓ Uso de antiepiléptico – pré-gabalina ✓ Uso de opiáceos – cloridrato de tramadol e de buprenorfina, deve ser a última opção devido à alta chance de causar dependência e pelos efeitos colaterais, refratariedade da dor ✓ Reposição enzimática pancreática – repouso secretório do pâncreas exócrino Em caso de refratariedade da dor, em casos graves, por opção do paciente e/ou existência de complicações, as medidas cirúrgicas e endoscópicas podem ser utilizadas. ✓ Procedimentos cirúrgicos → Pancreatectomia distal: consiste na remoção do corpo e da cauda. → Pancreatectomia segmental: retirada de apenas uma porção do pâncreas. → Pancreatectomia total: não há mais porção do pâncreas com atividade funcional ou sem áreas de comprometimento. A anastomose feita pode ser do tipo pancreatojejunostomia ou pancreatoduodenostomia. ✓ Bloqueio do plexo celíaco Procedimento guiado radiologicamente através da injeção percutânea ou endoscópica de álcool ou corticoide, sendo o último mais eficaz. A eficácia desse procedimento é de apenas 50% e oferece riscos como hipotensão postural e hemiparesia torna uma opção aos pacientes que desenvolveram uma degeneração inoperável. ✓ Tratamento endoscópico → Esfincterectomia – separação do desemboque dos conteúdos biliares e pancreático → Remoção de cálculos → Dilatação pneumática – uso de balões ou velas → Colocação de endopróteses → Colocação de stents do ducto pancreático guiado ✓ Litotripsia extracorpórea – ondas de choque para fragmentação calculosa e limpeza das vias biliares e pancreáticas Figura 4. Esquema de manejo da dor na PC.
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