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Aula 20 - Pancreatite crônica

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1. Conceito 
Doença caracterizada por uma reação inflamatória, com 
consequente degeneração fibrótica, progressiva e irreversível 
do parênquima pancreático. Com o passar dos anos, não 
apenas as células acinares vão se atrofiando, mas também as 
células do pâncreas endócrino, como as da ilhota de 
Langerhans. A doença acomete algumas porções do pâncreas 
e outras não, possuindo caráter heterogêneo. 
2. Patologia 
Existem áreas acometidas com um infiltrado de linfócitos, 
plasmócitos e eosinófilos, presença de degeneração por fibrose 
periductal e periacinar, assim como atrofia de algumas células. 
Além disso, as terminações nervosas são acometidas pela 
infiltração inflamatória. Em casos de agudização do quadro, 
algumas áreas apresentam edema intersticial com infiltrado 
neutrofilico ou mononuclear, podendo haver áreas necróticas. 
3. Classificação 
• Pancreatite calcificante crônica 
É a mais comum, caracterizada pela presença de plugs de 
proteínas que podem se calcificar e formar cálculos 
pancreáticos, causando obstrução dos ductos menores ou 
maiores. Assim, é causada fibrose progressiva, com estenose 
e dilatações nos ductos e parênquima. A causa mais comum é 
o etilismo. 
• Pancreatite obstrutiva crônica 
Caracterizada por lesão que obstrui o ducto pancreático 
principal u de Wirsung, causando dilatação homogênea e 
generalizada da arvpre pancreática. A causa mais comum é o 
tumor intraductal, podendo ser gerando pela estenose ductal 
ou pelo pâncreas divisium. 
• Pancreatite inflamatória crônica 
Agressão inflamatória crônica, sem haver plugs ou obstruções. 
Geralmente causados por doenças autoimunes, como 
síndrome de Sjogren. 
4. Fisiopatologia 
O álcool, por ser a etiologia mais comum da pancreatite 
crônica, também é o mais questionado quanto à patogênese. 
Sabe-se que essa substância induz a formação de suco 
pancreático litogênico, ou seja, rico em proteínas e pouco 
inibidor da tripsina. Com isso, formam-se os plugs proteicos 
que obstruem os ductos, ativando as enzimas e promovendo 
processo inflamatório. O cálcio tente a se depositar nos plugs, 
transformando-se em litíase pancreática. Além da formação de 
plugs, existe uma origem multifatorial. 
• Isquemia tissular – hipertensão ductal 
• Estresse oxidativo – superprodução hepática de 
radicais livres que atingem o pâncreas por refluxo 
biliar ou circulação sistêmica, promovendo 
inflamação, além da ausência de vitaminas 
antioxidantes principalmente em indivíduos 
desnutridos 
• Efeito tóxico metabólico – acúmulo de gorduras no 
citoplasma celular pelo álcool, promovendo 
degeneração gordurosa 
• Fenômeno autoimune – presença de anticorpos 
circulantes, como IgG4, fatores antinucleares, entre 
outros 
A pancreatite evolui em fase avançada para insuficiência real 
e, com a destruição do parênquima, ocorre síndrome de má 
digestão dos alimentos, culminando em esteatorreia e 
desnutrição proteica, bem como diabetes mellitus pela 
insuficiência endócrina. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5. Etiologia 
• Pancreatite crônica alcoólica 
A causa mais comum desse quadro, em que o paciente 
apresenta consumo diário mínimo de 100g de etanol por um 
longo período de tempo, de pelo menos 5 anos. Além do 
consumo de álcool, os fatores genéticos e nutricionais podem 
estar envolvidos. A cessação alcoólica não evita a progressão 
da doença, já que a lesão está instalada, mas reduz a 
sintomatologia. O mecanismo é por formação de plug proteico 
e estresse oxidativo. 
• Pancreatite tropical 
Afeta tipicamente crianças, causando insuficiência pancreática 
na adolescência e morte nos primeiros anos de fase adulta. É 
uma forma calcificante não alcoólica na África tropical e Ásia. 
• Pancreatite crônica hereditária 
Herança autossômica dominante, mas que a penetrância não é 
total. Logo, cerca de 80% dos indivíduos que recebem o gene 
desenvolvem a doença. O aparecimento ocorre na fase jovem, 
cerca de 20 anos, sem histórico de etilismo e com parentes de 
primeiro grau com manifestações da doença. 
Pancreatite crônica 
Clínica Integrada de Gastroenterologia – aula 20 
Nicole Sarmento Queiroga 
Figura 1. Esquema da fisiopatologia da PC. 
• Pancreatite autoimune 
Acomete principalmente idosos do sexo masculino que 
apresentam outras desordens autoimunes. É caracterizada pela 
presença de infiltração linfoplasmocitária, com manifestações 
variáveis. O laboratório revela aumento das enzimas e 
dosagem de IgG4. 
• Pancreatite crônica idiopática 
Existem duas manifestações, uma juvenil, que acomete 
indivíduos com idade entre 10 e 20 aos com a dor como 
principal sintoma, e a forma senil, cujos pacientes têm idades 
entre 50 e 60 anos, em que a dor não é tão proeminente. 
6. Manifestações clínicas 
• Dor abdominal recorrente ou persistente 
Localizada em ambos os hipocôndrios e em epigástrio, 
recendo o nome de dor em faixa, com irradiação para o dorso. 
Sinal mais frequente, contínua, com duração de horas ou dias. 
Surge nas fases iniciais, aparecendo ou acentuando após a 
ingestão alimentar. Se a etiologia for alcoólica, a dor surge 
após o período de libação do álcool, de 2 a 3 dias. Pode ser 
desencadeada pelo aumento da pressão intersticial (presença 
de obstrução ductal que estimula secreção pancreática e 
inflamação consequente) ou pela inflamação das terminações 
nervosas (células/citocinas inflamatórias liberam mediadores 
álgicos) 
✓ Episódios com duração inferior a 10 dias e períodos 
de remissão de meses a anos 
✓ Episódios prolongados de dor diária com 
exacerbação recorrente 
 
• Esteatorreia 
Presença de 7 a 14g/dia de gordura nas fezes. Traduz a 
ineficiência exócrina superior a 90%, sendo uma manifestação 
tardia da doença, ou seja, reflexe o grau avançado. Pode ser 
decorrente da obstrução ductal. A má digestão lipídica 
geralmente é acompanhada da má digestão proteica e de 
carboidratos, resultando em síndrome de má absorção. 
• Perda de peso, desnutrição proteicocalórica e 
deficiência vitamínica 
Resultado da má digestão ou absorção por insuficiência 
exócrina, por deficiência alimentar quantitativa pela dor pós-
prandial ou pelo consumo do álcool. Ainda, pela presença de 
complicações. As principais enzimas que estão em déficit são 
as lipossolúveis: A, D, E e K. No entanto, a vitamina B12 é 
deficiente pela má absorção. 
• Estigmas de doença hepática alcoólica 
Telangiectasia, rarefação de pelos, eritema palmar, 
ginecomastia, ingurgitamento das parótidas, contratura palmar 
de Duputryen, entre outros. 
• Dismotilidade gastroduodenal 
Gastroparesia, dificultando reposição enzimática e controle da 
dor e da esteatorreia. 
• Diabetes mellitus 
Manifestação tardia, decorrente da insuficiência pancreática 
endócrina. Inicialmente surge intolerância a glicose, mas não 
há resistência periférica à insulina. Ainda, ocorre a deficiência 
na produção de glucagon, de modo que o risco de hipoglicemia 
é maior. As complicações como neuropatia e retinopatia 
podem se desenvolver. 
7. Diagnóstico 
• Enzimas pancreáticas em valores reduzidos ou 
normais – destruição parenquimatosa 
• Elastase fecal (teste indireto da função pancreática 
exócrina) – concentração menor que 200mg/dL pela 
insuficiência exócrina 
• Teste de secretina – administração de secretina para 
estimular a atividade parnquimatosa e secreção de 
reserva funcional, quando a perda funcional é 
reduzida para valores entre 50 e 70%. 
• RX simples de abdome – pode identificar presença de 
calcificações pancreáticas, mas é limitada pela 
localização posterior da coluna vertebral 
 
 
• TC de abdome – capaz de identificar calcificações, 
atrofia, dilatações ductais, entre outros. 
 
 
• Colangiopancreatografia endoscópica retrograda 
(CPER) 
• Ultrassonografia endoscópica 
• Ressonância nuclear magnética com 
colangiopancreatografia (RNM-CP) 
 
8. Tratamento 
Comoé uma doença incurável, o tratamento baseia-se em qual 
manifestação clínica é predominante e no diagnóstico 
etiológico. As opções terapêuticas incluem mudanças no estilo 
de vista, terapia farmacológica e/ou cirúrgica. 
• Mudanças do estilo de vida 
✓ Cessação do alcoolismo – manutenção da agressão 
ao tecido pancreático, aumentando ou piorando as 
crises álgicas 
✓ Cessação do tabagismo – redução das chances de 
neoplasia 
✓ Modificação da dieta – em caso de crises álgicas, 
deve ser baseada em hidratos de carbono (derivados 
do trigo e de outros cerais), e em ausência de crises 
álgicas, deve ser preconizada uma dieta com baixa 
concentração lipídica 
✓ Fracionamento da dieta 
Figura 2. RX de abdome com calcificação intraductal pancreática. 
Figura 3. TC de abdome com áreas de múltiplas calcificações. 
 
• Esteatorreia 
Administração de enzimas, em especial a lipase pancreática. 
A dose básica é de 25.000 a 30.000 U a cada refeição. Além 
disso, deve ser feita uma dieta pobre em gorduras. Também 
devem ser administradas doses de vitaminas lipossolúveis e de 
B12. 
• Diabetes mellitus 
Podem ser utilizados hipoglicemiantes orais, mas também 
insulinoterapia, de forma que a dose é menor que a 
administrada em pacientes que não possuem a pancreatite 
crônica, porque na última, devido à degeneração endócrina e 
deficiência da produção de glucagon, as chances de 
hipoglicemia são maiores. 
• Analgesia 
A primeira opção para o tratamento intervencionista da dor 
consiste na oral, em que os sintomas tentarão ser reduzidos. 
✓ Uso prioritário de analgésicos – paracetal + 
codeína, dipirona 
✓ Uso de antidepressivo tricíclico – amitriptilina 
✓ Uso de antiepiléptico – pré-gabalina 
✓ Uso de opiáceos – cloridrato de tramadol e de 
buprenorfina, deve ser a última opção devido à alta 
chance de causar dependência e pelos efeitos 
colaterais, refratariedade da dor 
✓ Reposição enzimática pancreática – repouso 
secretório do pâncreas exócrino 
Em caso de refratariedade da dor, em casos graves, por opção 
do paciente e/ou existência de complicações, as medidas 
cirúrgicas e endoscópicas podem ser utilizadas. 
✓ Procedimentos cirúrgicos 
→ Pancreatectomia distal: consiste na remoção do corpo e da 
cauda. 
→ Pancreatectomia segmental: retirada de apenas uma porção 
do pâncreas. 
→ Pancreatectomia total: não há mais porção do pâncreas com 
atividade funcional ou sem áreas de comprometimento. 
A anastomose feita pode ser do tipo pancreatojejunostomia ou 
pancreatoduodenostomia. 
✓ Bloqueio do plexo celíaco 
Procedimento guiado radiologicamente através da injeção 
percutânea ou endoscópica de álcool ou corticoide, sendo o 
último mais eficaz. A eficácia desse procedimento é de apenas 
50% e oferece riscos como hipotensão postural e hemiparesia 
torna uma opção aos pacientes que desenvolveram uma 
degeneração inoperável. 
✓ Tratamento endoscópico 
→ Esfincterectomia – separação do desemboque dos 
conteúdos biliares e pancreático 
→ Remoção de cálculos 
→ Dilatação pneumática – uso de balões ou velas 
→ Colocação de endopróteses 
→ Colocação de stents do ducto pancreático guiado 
 
✓ Litotripsia extracorpórea – ondas de choque para 
fragmentação calculosa e limpeza das vias biliares 
e pancreáticas 
 
 
 
 
Figura 4. Esquema de manejo da dor na PC.

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