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Parte 1 O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO A 1 CONCEITUAÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO NA ATUALIDADE Jefferson Silva Krug Clarissa Marceli Trentini Denise Ruschel Bandeira avaliação psicológica clínica com fins diagnósticos é uma prática muito comum no Brasil. Há décadas, muitos profissionais habituaram-se a chamar essa atividade de “psicodiagnóstico”. No entanto, constatamos que o uso do termo é mais comum quando, durante o seu desenvolvimento, o profissional se vale de testes psicológicos para coletar informações sobre o consultante. Nas avaliações em que esses testes não são empregados ou inexistem para os objetivos do exame, outros termos se destacam, como avaliação clínica, avaliação psicológica, entrevistas preliminares, diagnóstico psicológico, etc. (Krug, 2014). Essa constatação nos levou a questionar o conceito clássico de psicodiagnóstico e a examinar se a compreensão desses profissionais quanto à associação direta do termo “psicodiagnóstico” com a administração de testes também é compartilhada pela literatura da área. THIAGO Highlight O PSICODIAGNÓSTICO EXIGE A APLICAÇÃO DE TESTES PSICOLÓGICOS? Ao consultar a literatura, identificamos convergências conceituais. Arzeno (1995, p. 5) diz, por exemplo, que “. . . fazer um diagnóstico psicológico não significa necessariamente o mesmo que fazer um psicodiagnóstico. Este termo implica automaticamente a administração de testes e estes nem sempre são necessários ou con- venientes”. Portanto, parece claro o entendimento da autora de que toda avaliação psicológica que não utilize testes não deva ser nomeada de “psicodiagnóstico”. Cunha (2000, p. 23, grifo nosso), em concordância, preconiza que “psicodiagnóstico” é um termo que designa um tipo de avaliação psicológica com propósitos clínicos, em que “. . . há a utilização de testes e de outras estratégias, para avaliar um sujeito de forma sistemática, científica, orientada para a resolução de problemas”. A autora segue afirmando que: Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes psicológicos (input), em nível individual ou não, seja para entender problemáticas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível, comunicando os resultados (output), na base dos quais são propostas soluções, se for o caso. (Cunha, 2000, p. 26, grifo nosso). Observamos que, em todas as definições de Cunha (2000), o uso da expressão “e” sugere a obrigatoriedade do uso de testes para que o processo de avaliação psicológica clínica seja chamado de “psicodiagnóstico”. Aparentemente, Castro, Campezatto e Saraiva (2009) também entendem dessa forma, diferenciando “período de avaliação” de “psicodiagnóstico”. Para as autoras, durante o “período de avaliação” que precede a psicoterapia, o psicólogo poderá realizar um “psicodiagnóstico” ou fazer o encaminhamento para outro psicólogo que o realize, quando ocorrer a aplicação de testes psicológicos: “. . . a aplicação de testes pode ser realizada pelo próprio psicoterapeuta, se esse dominar as técnicas necessárias e se sentir confortável para tal, ou por um colega especializado em psicodiagnóstico” (Castro et al., 2009, p. 100). Em Ocampo e Arzeno (1979/2009), também encontramos a ideia de que o processo psicodiagnóstico inclui, obrigatoriamente, uma etapa de aplicação de testes e técnicas projetivas. Para explicar seu posicionamento, as autoras diferenciam a prática avaliativa que chamam de “psicodiagnóstico” da prática avaliativa de psicanalistas em suas primeiras consultas, referindo que, nestas últimas, se tem a possibilidade do uso THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight de entrevistas livres ou totalmente abertas, algo não viável no psicodiagnóstico devido à limitação do tempo. Neste debate sobre a terminologia adotada para a atividade avaliativa clínica, observamos que, excluindo-se a necessidade de aplicação de testes, as descrições do processo psicodiagnóstico contidas nos manuais citados relatam exatamente o que é feito pelos profissionais que dizem não realizar psicodiagnóstico. Dito de outra forma, o que diferencia a avaliação clínica feita por psicólogos que nomeiam sua prática de “psicodiagnóstico” da daqueles que não a chamam assim é, apenas, o uso de testes psicológicos (Krug, 2014). Parece-nos infrutífera essa distinção terminológica, uma vez que, para nós, o que - define um psicodiagnóstico relaciona-se mais ao caráter investigativo e ao diagnóstico do que à necessidade do uso de determinado tipo de instrumento de coleta de dados. Diferentemente dos trabalhos citados, encontramos outros autores que defendem a ideia de que o uso de testes pode não ser necessário em um psicodiagnóstico. Conforme Trinca (1983), por exemplo, o uso ou não de testes depende do psicólogo e de seu pensamento clínico em relação a cada paciente. Tomemos como referência para essa reflexão as definições feitas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) para alguns termos comumente utilizados na área. A definição de “avaliação psicológica” do CFP (2013, p. 11), por exemplo, engloba qualquer atividade, com ou sem o uso de testes: A avaliação psicológica é compreendida como um amplo processo de investigação, no qual se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de programar a tomada de decisão mais apropriada do psicólogo. Mais especialmente, a avaliação psicológica refere-se à coleta e interpretação de dados, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis, entendidos como aqueles reconhecidos pela ciência psicológica. Quanto à diferença entre “avaliação psicológica” e “testagem psicológica”, a Cartilha (CFP, 2013, p. 13) diz: A avaliação psicológica é um processo amplo que envolve a integração de informações provenientes de diversas fontes, dentre elas, testes, entrevistas, observações e análise de documentos, enquanto a testagem psicológica pode ser considerada um processo diferente, cuja principal fonte de informação são os testes psicológicos de diferentes tipos. Na Cartilha sobre Avaliação Psicológica, editada em 2007 pelo CFP (2007), não há referência ao termo “psicodiagnóstico”. Já na Cartilha de 2013 (CFP, 2013, p. 34), há apenas uma menção ao termo, descrito como uma modalidade de avaliação psicológica, sem a especificação da necessidade ou não do uso de testes: “. . . no âmbito da intervenção profissional, os processos de investigação psicológica são denominados de avaliação psicológica, descritos em termos de suas modalidades – psicodiagnóstico, exame psicológico, psicotécnico ou perícia” (CFP, 2013, p. 34, grifo nosso). Portanto, a partir da reflexão sobre o uso do termo “psicodiagnóstico”, podemos fazer os seguintes questionamentos: as chamadas “entrevistas preliminares”, “entrevistas de avaliação” ou “entrevistas iniciais”, conduzidas por psicólogos de diferentes abordagens teóricas antes de indicar ao paciente uma análise, uma psicoterapia ou qualquer modalidade de tratamento psicológico ou de outra área, não poderiam ser consideradas uma prática de avaliação psicológica? A avaliação clínica inicial feita pelo psicólogo com o objetivo de conhecer aspectos psíquicos do paciente à luz da teoria psicanalítica ou de qualquer outra teoria não se configura como uma prática de avaliação psicológica? Ou o mais apropriado seria chamar essa prática psicológica orientada pela teoria psicanalítica de “avaliação psicanalítica” e a prática de profissionais orientados pelo comportamentalismo de “avaliação comportamental”? Somente quando um psicanalista, um gestaltista ou um comportamentalista aplica testes psicológicos durante o período de entrevistas preliminares diagnósticas é que poderíamos chamar essa prática avaliativa de “psicodiagnóstico”? E, ainda, não poderemos chamar de “psicodiagnóstico” os processos de avaliação psicológica clínica com pacientes para os quais não dispomos de testes psicológicos aprovados pelo CFP? Por fim, sabendo que o profissional,durante uma avaliação clínica, tem o dever e a liberdade de optar pelas estratégias mais indicadas para realizar o procedimento, caso deseje realizar um psicodiagnóstico, terá ele de, obrigatoriamente, aplicar testes psicológicos? Essa confusão conceitual é descrita pela literatura (Wainstein, 2011; Wainstein & Bandeira, 2013). Nesses estudos, investigou-se o que profissionais da saúde e da educação entendem e esperam de um processo psicodiagnóstico para crianças e adolescentes, assim como de que forma encaminham seus pacientes para esse tipo de avaliação. Os resultados indicaram que o conceito de “psicodiagnóstico” é associado ao uso de algum instrumento psicológico, mais especificamente testes que avaliam as capacidades cognitivas, e sugeriram que os profissionais que encaminham seus pacientes não sabem ao certo a nomenclatura que deve ser utilizada, usando “psicodiagnóstico”, “avaliação diagnóstica”, “psicoavaliação”, “testagem”, conforme o tipo de interesse (aspectos cognitivos, aspectos sociais e outros). Essa pesquisa THIAGO Highlight apontou que todas as nomenclaturas usadas representam a avaliação psicológica clínica, mas o termo que aparenta ser o melhor para esses casos é “psicodiagnóstico”, que tem uma definição clara de todo o processo. Para as autoras, não é o uso ou não de testes, ou de determinados tipos de testes, que configura a realização de um psicodiagnóstico, uma vez que, em alguns casos, o psicólogo abrirá mão do uso de testes, especialmente quando não houver testes validados no mercado. Lembram que, para a avaliação de crianças pré-escolares (0 a 6 anos), a observação do de- senvolvimento infantil, baseada em critérios, tem sido muito usada entre os profissionais que costumam trabalhar com essa faixa etária. Por fim, concluem dizendo que parece não haver um consenso a respeito da nomenclatura utilizada para designar o encaminhamento de um indivíduo para avaliação psicológica. DEFINIÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO A definição encontrada nos manuais consultados, que associam a prática de psicodiagnóstico à obrigatoriedade de aplicação de testes psicológicos, está em desacordo com a compreensão de muitos profissionais da área da avaliação psicoló- gica sobre o que é um psicodiagnóstico na atualidade. Defendemos a ideia de que a prática realizada por psicólogos, tanto aqueles que nunca se valem de testes psicológicos quanto aqueles que os usam ocasionalmente, independentemente de sua teoria de base, também possa ser nomeada de “psicodiagnóstico”. Portanto, em nosso entendimento, há a necessidade de se rever a definição do termo na atualidade, de maneira a abranger variadas formas de realização desse procedimento investigativo clínico, a partir de diferentes teorias psicológicas. Compreendemos que o psicodiagnóstico é um procedimento científico de investigação e intervenção clínica, limitado no tempo, que emprega técnicas e/ou testes com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológicas, visando um diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico), construído à luz de uma orientação teórica que subsidia a compreensão da situação avaliada, gerando uma ou mais indicações terapêuticas e encaminhamentos. Assim, o psicodiagnóstico pressupõe a adoção de um ponto de vista científico sobre o fenômeno avaliado. Em psicologia, acreditamos que esse caráter científico é adquirido por meio de métodos e técnicas de intervenção, com base em teorias psicológicas. THIAGO Highlight THIAGO Highlight O PSICODIAGNÓSTICO NECESSITA DE UMA TEORIA PSICOLÓGICA QUE O FUNDAMENTE Felizmente, nas últimas décadas, a área da avaliação psicológica no Brasil tem investido muito no desenvolvimento de instrumentos mais confiáveis, construídos a partir da nossa realidade cultural. É perceptível o aumento da oferta e da qualidade dos testes em nosso país, o que proporcionou maior qualificação dos serviços prestados à população. Sem dúvida, o estudo desses instrumentais qualificou os testes, mas não o processo psicodiagnóstico. Observamos, na atualidade, uma supervalorização dos instrumentos psicométricos e projetivos em detrimento da escuta e da tarefa de síntese compreensiva que deve ser realizada pelo psicólogo a partir de todas as informações coletadas durante a avaliação. Em alguns casos, a teoria psicológica tem cada vez menos influência no processo, seja por não orientar o próprio processo avaliativo, seja por não estar contemplada na construção dos instrumentos que são utilizados de forma indiscriminada. Veem-se verdadeiros frankensteins técnicos e teóricos quando psicólogos adotam em seus processos avaliativos técnicas que se estruturam em diferentes teorias (muitas vezes com concepções teóricas e epistemológicas conflitantes). Assim, como avaliar a personalidade de um paciente utilizando, ao mesmo tempo, instrumentos que se alicerçam na psicanálise, na psicologia positiva, na gestalt e na neuropsicologia? O resultado é uma total dependência do profissional ao resultado do teste, fazendo com que ele construa a conclusão de sua avaliação desconsiderando os aspectos específicos de cada disciplina teórica e montando seu diagnóstico de forma ateórica. Entendemos que não é possível descuidar da formação teórica do profissional que deve escolher, administrar, interpretar e integrar os resultados desses instrumentos em um procedimento clínico como o psicodiagnóstico, sob pena de ficarmos reféns dos testes para a realização de qualquer avaliação. Compreendemos que o aperfeiçoamento dos testes, tornando-os mais válidos e fidedignos para o que se propõem examinar, deve ser acompanhado por uma formação teórica que também possibilite um “psicólogo válido” (Bandeira, 2015), capaz de compreender os resultados de um teste ou de uma entrevista com base em uma teoria psicológica que fundamente o trabalho de qualquer psicólogo. Por esse motivo, defendemos que o ensino da avaliação psicológica não pode se abster do aprofundado estudo das teorias psicológicas que fundamentam a técnica de coleta e análise de informações adotada em processos avaliativos. Não compactuamos com uma proposta de avaliação ateórica e não interventiva por entendermos que qualquer leitura e intervenção sobre o comportamento humano, seja com instrumentos - THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight objetivos, como testes psicométricos, seja com técnicas menos diretivas, como testes projetivos e entrevistas clínicas, está embasada em paradigmas teóricos e produz modificação no objeto analisado. Assim, não existe a possibilidade de o psicólogo trabalhar sem uma teoria de base, uma vez que os fenômenos são observados e analisados à luz de pressupostos teóricos, em um processo interativo. O PSICODIAGNÓSTICO É UMA INTERVENÇÃO O afastamento, percebido na atualidade, entre a área da avaliação psicológica e as teorias psicológicas pode ser compreendido, também, pelas reflexões de Barbieri (2008, p. 583). Para ela, . . . o predomínio do pensamento positivista nas Ciências Sociais e Humanas trouxe consigo, ao longo da história, uma dissociação entre pesquisa acadêmica e prática profissional. Essa situação ocasionou um empobrecimento na produção de conhecimentos oriundos do trato direto com as pessoas ou a ele destinados, promovendo um distanciamento daquilo que deveria se constituir na meta principal do nosso trabalho como psicólogos. É perigoso considerar as práticas avaliativas apenas em sua dimensão investigativa, excluindo os aspectos interventivos e terapêuticos que lhes são inerentes. Para Barbieri (2008), a separação entre as atividades de investigação e de intervenção é resultado do olhar positivista, que busca atingir um ideal de objetividade para a pesquisa científica. A autora entende que um psicodiagnóstico isento de intervenções pode trazer ao paciente muitos malefícios. As entrevistas iniciais empregadas sem intervenção, além de não atingirem seus objetivos de formular o diagnóstico e iniciar o tratamento, desperdiçam a chance de o paciente estabelecer contato comoutra pessoa, o que pode resultar em uma experiência terapêutica negativa. Assim, entende-se que usar o termo “psicodiagnóstico” apenas para as situações em que os testes psicológicos são utilizados com a intenção de tornar mais objetiva a avaliação parece estar em consonância com a visão positivista. Pode-se pensar que a rejeição, por parte de alguns profissionais que realizam avaliações clínicas, ao uso tradicional do termo “psicodiagnóstico” para a descrição das práticas avaliativas é uma forma de manter-se distante da perspectiva positivista de investigação do objeto totalmente separada do observador. Além disso, essa noção está em desacordo com as muitas propostas contemporâneas que debatem a complexidade humana e a intersubjetividade. Portanto, ao considerarmos as características da pesquisa qualitativa e quantitativa pós-moderna associadas à prática avaliativa, pode-se pensar que o uso do termo “psicodiagnóstico” deva incluir a preocupação clínica não apenas com a objetividade diagnóstica, mas também com o processo avaliativo. Por meio de relatos, produzidos em entrevistas e/ou com o uso de outras técnicas, o sujeito conta sua história, suas experiências, as revive no relacionamento com o psicólogo, fazendo com que, como THIAGO Highlight afirma Barbieri (2010), possa modificar-se com o auxílio das devoluções. CONSIDERAÇÕES FINAIS O psicodiagnóstico abrange qualquer tipo de avaliação psicológica de caráter clínico que se apoie em uma teoria psicológica de base e que adote uma ou mais técnicas (observação, entrevista, testes projetivos, testes psicométricos, etc.) reconhecidas pela ciência psicológica. Não sugerimos a adoção do termo para situações avaliativas em contextos jurídicos ou organizacionais, uma vez que, nessas situações, estão presentes outras variáveis geralmente não encontradas no contexto clínico, como a simulação e a dissimulação conscientes. Também não compreendemos que o psicodiagnóstico se limite, em todos os casos, a uma avaliação de sinais e sintomas, tendo com resultado apenas um diagnóstico nosológico, o que se aproximaria muito de uma avaliação psiquiátrica. Tampouco entendemos que uma simples aplicação de um teste, por mais complexo que ele possa ser, deva ser entendida como psicodiagnóstico. Reservamos o termo para descrever um procedimento complexo, interventivo, baseado na coleta de múltiplas informações, que possibilite a elaboração de uma hipótese diagnóstica alicerçada em uma compreensão teórica. THIAGO Highlight REFERÊNCIAS Arzeno, M. E. G. (1995). Psicodiagnóstico clínico: Novas contribuições. Porto Alegre: Artmed. Bandeira, D. R. (2015). Prefácio. In S. M. Barroso, F. Scorsolini-Comin, & E. Nascimento (Eds.), Avaliação Psicoló gica: Da teoria às aplicações. Rio de Janeiro: Vozes. Barbieri, V. (2008). Por uma ciência-profissão: O psicodiagnóstico interventivo com o método de investigação científic a. Psicologia em Estudo, 13(3), 575-584. Barbieri, V. (2010). Psicodiagnóstico tradicional e interventivo: Confronto de paradigmas? Psicologia: Teoria e Pesqu isa, 26(3), 505-513. Castro, E. K. de, Campezatto, P. V. M., & Saraiva, L. A. (2009). As etapas da psicoterapia com crianças. In M. G. K. Castro, & A. Stürmer (Eds.), Crianças e adolescentes em psicoterapia: A abordagem psicanalítica. Porto Alegre: Artmed. Conselho Federal de Psicologia (CFP). (2007). Cartilha sobre avaliação psicológica. Brasília: CFP. Recuperado de: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/05/Cartilha-Avalia%C3%A7%C3%A3o-Psicol%C3%B3gica.pdf. Conselho Federal de Psicologia (CFP). (2013). Cartilha avaliação psicológica – 2013. Brasília: CFP. Recuperado d e: http://satepsi.cfp.org.br/docs/cartilha.pdf. Cunha, J. A. (2000). Fundamentos do psicodiagnóstico. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico V (5. ed.). Porto Aleg re: Artmed. Krug, J. S. (2014). Entrevista lúdica diagnóstica psicanalítica: Fundamentos teóricos, procedimentos técnicos e critérios de análise do brincar infantil. (Tese de doutorado não publicada, Universidade Federal do Rio Grande do S ul, Porto Alegre). Ocampo, M. L. S., & Arzeno, M. E. G. (2009). O processo psicodiagnóstico. In M. L. S. Ocampo, M. E. G. Arzeno, & E. G. Piccolo (Eds.), O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes. Publicad o originalmente em 1979. Trinca, W. (1983). O pensamento clínico em diagnóstico da personalidade. Petrópolis: Vozes. Wainstein, E. A. Z. (2011). Um estudo sobre as formas de encaminhamento, descrição e esclarecimentos do proc esso psicodiagnóstico para as crianças e adolescentes. 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Essa tarefa não é nada simples, uma vez que necessariamente envolve um conjunto de habilidades e competências do psicólogo, inicialmente desenvolvidas no curso de bacharelado em Psicologia, posteriormente aperfeiçoadas em outros níveis de ensino, como cursos de extensão, especializações, mestrados e doutorados, sempre perpassando o cuidado com os aspectos pessoais do próprio psicólogo que pretende desenvolver essa atividade profissional. A realização do psicodiagnóstico pressupõe um preparo pessoal e técnico que inclui o domínio de diferentes saberes psicológicos e de áreas afins, além da capacidade de reflexão quanto aos aspectos éticos inerentes à realização da atividade. Entendemos que a formação ética e técnica para a realização do psicodiagnóstico tem sua base na graduação, mas alcança sua real possibilidade a partir do cuidado de cada profissional com sua constante atualização quanto aos instrumentos e processos de avaliação. Além disso, lembramos que o psicólogo precisa investir em seu desenvolvimento pessoal, realizando acompanhamento terapêutico, preferencialmente orientado pela teoria psicológica de base que sustenta seu fazer clínico. Todos esses cuidados, juntamente à experiência clínica adquirida com as primeiras avaliações supervisionadas, trarão gradativamente ao psicólogo melhores condições de avaliar as demandas e definir os objetivos de um psicodiagnóstico. Portanto, neste capítulo, abordaremos aspectos referentes ao psicodiagnóstico em sua dimensão de formação ética, bem como a avaliação de demanda e a definição de objetivos. FORMAÇÃO EM PSICODIAGNÓSTICO E QUESTÕES ÉTICAS Entendemos que o psicólogo é o profissional que pode desenvolver, durante sua formação, a competência para realizar um psicodiagnóstico. Podemos elencar algumas das competências designadas pelo Ministério da Educação (Brasil, 2011, p. 3) em suas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia envolvidos em processo de psicodiagnóstico: . . . III – identificar e analisar necessidades de natureza psicológica, diagnosticar, elaborar projetos, planejar e agir de forma coerente com referenciais teóricos e características da população-alvo; IV – identificar, definir e formular questões de investigação científica no campo da Psicologia, vinculando-as a decisões metodológicas quanto à escolha, coleta e análise de dados em projetos de pesquisa; V – escolher e utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados em Psicologia, tendoem vista a sua pertinência; VI – avaliar fenômenos humanos de ordem cognitiva, comportamental e afetiva, em diferentes contextos; VII – realizar diagnóstico e avaliação de processos psicológicos de indivíduos, de grupos e de organizações; . . . IX – atuar inter e multiprofissionalmente, sempre que a compreensão dos processos e fenômenos envolvidos assim o recomendar; X – relacionar-se com o outro de modo a propiciar o desenvolvimento de vínculos interpessoais requeridos na sua atuação profissional; . . . XIII – elaborar relatos científicos, pareceres técnicos, laudos e outras comunicações profissionais, inclusive materiais de divulgação; . . . XV – saber buscar e usar o conhecimento científico necessário à atuação profissional, assim como gerar conhecimento a partir da prática profissional. Nos cursos de bacharelado em Psicologia no nosso país, essas competências são tratadas em diferentes disciplinas, como Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da Personalidade, Psicopatologia, Avaliação Psicológica, Psicometria, Técnicas de Entrevista, Pesquisa em Psicologia, Psicologia Clínica, Neuropsicologia, entre outras. Além disso, outras modalidades de ensino-aprendizagem, como estágios básicos e profissionais, costumam incluir a necessidade de realização de avaliações psicológicas supervisionadas, entre elas o psicodiagnóstico. Werlang, Argimon e Sá (2015) lembram que essas atividades sempre devem levar em consideração as questões éticas, respeitando tais princípios. Nesse sentido, entendemos que o psicólogo é o profissional com melhor qualificação para realizar tal atividade. Contudo, destacamos que nem sempre a graduação em Psicologia é suficiente para quem quer trabalhar em avaliação psicológica. O aluno de Psicologia necessita de conhecimentos específicos da área. Se considerarmos que, cada vez mais, os cursos de Psicologia vêm implementando novos conhecimentos em seus currículos (Bandeira, 2010), compreenderemos que, frequentemente, um profissional recém-formado não tem condições de realizar todos os tipos de avaliação psicológica que lhe sejam solicitadas, uma vez que ainda precisa desenvolver-se teórica e tecnicamente naquilo que seu curso não pôde enfatizar durante o desenvolvimento curricular. Compreendemos que a ampliação das áreas de estudo da Psicologia nos cursos de bacharelado também é muito benéfica à área de avaliação psicológica, contudo, impõe ao profissional a necessidade de constante atualização. Ainda, via de regra, percebemos que o adequado desenvolvimento da capacidade técnica para realizar um psicodiagnóstico relaciona-se à possibilidade de o profissional seguir supervisionando seus casos e buscando o conhecimento que não pôde ser desenvolvido na graduação e em cursos de pós-graduação, sejam eles lato ou stricto sensu. Com relação às questões éticas, muito conteúdo consistente e relevante sobre a atuação ética do psicólogo já foi produzido (p. ex., Anache & Reppold, 2010; Hutz, 2015; Wechsler, 2005). Sugerimos a leitura desses materiais, assim como o acesso aos textos da The International Test Commission (ITC), associação de psicólogos e profissionais relacionados à área de avaliação da American Psychological Association, em especial as divisões 5 (Quantitative and Qualitative Methods), 7 (Developmental Psychology), 8 (Society for Personality and Social Psychology), 12 (Society of Clinical Psychology) e 40 (Society for Clinical Neuropsychology) e as resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP), órgão que regulamenta a profissão de psicólogo no Brasil. Todas as resoluções editadas pelo CFP são importantes, mas, em relação à área de avaliação psicológica, recomendamos um estudo aprofundado: a) da aplicação dos princípios fundamentais contidos no Código de Ética Profissional do Psicólogo (Conselho Federal de Psicologia [CFP] 2005); b) da Resolução n° 001/2009, que dispõe sobre a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos (CFP, 2009); c) da Resolução n° 016/2000, que aponta a necessidade de regulamentar regras e procedimentos que devem ser reconhecidos e utilizados nas práticas em pesquisa (de laboratório, campo e ação) (CFP, 2000a); d) da Resolução n° 002/2003, que define e regulamenta o uso, a elaboração e a comerciali- zação de testes psicológicos (CFP, 2003a); e) da Resolução n° 007/2003, que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de avaliação psicológica (CFP, 2003b); e f) da Resolução n° 011/2000, que reflete sobre a oferta de produtos e serviços ao público (CFP, 2000b). Cabe ressaltar que, no Brasil, tanto o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) quanto a Associação Brasileira de Rorschach e outros Métodos Projetivos (ASBRO) são instituições que se preocupam com questões éticas na avaliação psicológica, assim como com outros temas referentes à área. Manter-se em contato com essas e outras instituições da área, participar de congressos ou atividades desenvolvidas por elas, ou, ao menos, acompanhar os debates científicos relatados em - publicações sobre avaliação psicológica, são cuidados importantes a serem observados pelo profissional que realiza psicodiagnóstico. Além dessas questões, também nos parece adentrar ao campo da ética profissional o necessário cuidado com os aspectos pessoais do psicólogo. Dessa forma, entendemos como fundamental que todo profissional que realiza psicodiagnóstico tenha um espaço particular de reflexão e análise, diferente do oferecido pela supervisão, no qual possa trabalhar a si mesmo e, como consequência, diminuir possíveis pontos cegos que fazem parte de qualquer processo em que o objeto avaliado se assemelha ao objeto que avalia. O tratamento pessoal é extensamente debatido e defendido pelos formadores de psicoterapeutas, mas não são encontradas muitas referências na área de avaliação psicológica sobre a importância desse aspecto nas atividades de psicodiagnóstico. Entendemos que uma prática ética e a atualização profissional só ocorrem com a possibilidade de abertura ao novo, com autocrítica quanto ao fazer diário, refletindo sobre a relação de seus desejos pessoais e suas escolhas profissionais. Tais competências não são aprendidas apenas com leituras ou participações em debates clínicos, mas a partir de um profundo processo de autoconhecimento. Atentando para esse aspecto, compreendemos que se ampliam as possibilidades de atualização profissional, diminuindo muito as ações dogmáticas e cartesianas no fazer psicodiagnóstico. Portanto, é só a partir dos cuidados descritos que o psicólogo terá condições de realizar uma avaliação de demanda trazida pelo paciente ou por alguma fonte de encaminhamento. PSICODIAGNÓSTICO: PENSANDO NA DEMANDA Um psicodiagnóstico tem mais chances de ser bem-sucedido quando há uma boa pergunta a ser respondida. Essa pergunta nem sempre é formulada com clareza pelo paciente que busca avaliação, uma vez que, em muitas ocasiões, ele próprio não tem condições de perceber as razões do seu sofrimento. Em outras oportunidades, deparamo-nos com demandas genéricas relacionadas ao interesse pelo seu próprio funcionamento, como, por exemplo, o interesse em responder à pergunta “como eu sou?” ou a ideia de “eu vim aqui para me conhecer melhor”. De modo geral, essas demandas não caracterizam uma boa pergunta a ser respondida, por tratar-se de questões muito amplas. Nessas ocasiões, recomendamos uma primeira reflexão clínica, a partir das entrevistas iniciais e/ou do contato com a fonte encaminhadora, visando especificar o motivo por trás do “interesse em se conhecer”, por exemplo. A partir dessa redefinição da demanda, pode-se pensar no planejamento de uma atividade avaliativa. Na realidade, essa reflexão inicial já é o primeiro momento da avaliação, e deve ser feita com muito cuidado, uma vez que auxiliará a definir o que realmente precisará ser avaliado. Como se trata de um processo de caráter científico, o psicodiagnóstico não prescinde da construção de hipóteses.Nesse sentido, boas perguntas são aquelas que auxiliam o profissional a confirmar ou a refutar determinadas hipóteses – por exemplo, em um caso de uma criança encaminhada para avaliação por estar com dificuldades de leitura e escrita, não conseguindo acompanhar o desempenho da turma. Aqui temos boas perguntas a responder: teria ela um transtorno específico de aprendizagem? Questões emocionais e/ou familiares estariam interferindo nos processos de aprendizagem de leitura e escrita? Haveria alguma questão neurológica envolvida? Poderíamos pensar em transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)? Quais demandas psíquicas não estariam sendo atendidas, gerando, consequentemente, o sintoma? Contratempos no encaminhamento do paciente também acontecem. Por vezes, a - fonte encaminhadora não tem clareza do que envolve um psicodiagnóstico (ver Wainstein & Bandeira, 2013), ou um paciente é encaminhado para um profissional que realiza apenas avaliações psicológicas quando, devido à agudização do quadro, necessitaria de um atendimento psicoterápico de urgência. Como exemplo, temos o caso de uma pessoa com perda recente na família, por acidente de trânsito, que apresentava reações emocionais muito intensas e desorganizadas. O certo seria encaminhá-la a um profissional que já pudesse realizar uma intervenção com foco terapêutico. Sabe-se que toda a intervenção é precedida de uma avaliação, mas, como nessa situação se está diante de uma condição clínica aguda, o processo avaliativo deve ser abreviado ou realizado concomitantemente ao processo psicoterápico, exigindo que o profissional também tenha conhecimentos e habilidades voltados à intervenção no sentido THIAGO Highlight THIAGO Highlight terapêutico. Ainda, são encaminhados casos de crianças com dificuldades em acompanhar o que está sendo dado em sala de aula, e, ao recebê-las no consultório, o psicólogo percebe que têm dificuldades de visão. Nesse sentido, é função do profissional exercer um papel educativo, orientando toda a rede que faz uso de avaliações psicológicas. Uma das fontes encaminhadoras mais comuns nos casos de crianças é a escola. É nela que os adultos (pais ou professores), ao comparar uma criança com as demais, percebem suas dificuldades e a encaminham para avaliação. Nesses casos, o psicólogo acaba sendo um dos primeiros profissionais a olhá-la de forma global. Como o processo de psicodiagnóstico envolve certo número de encontros, o psicólogo passa a ter uma visão mais aprofundada do caso, que vai além de aspectos emocionais e cognitivos. Por isso, é importante que tenha conhecimento de aspectos físicos, motores e neurológicos, a fim de poder encaminhar o paciente de forma correta a outros profissionais. Outro aspecto interessante a ser observado tem relação com a demanda para o psicodiagnóstico. Há algumas décadas, a procura por psicodiagnóstico estava relacionada somente com a definição de um diagnóstico para o paciente. Atualmente, em grande parte das vezes (dado mais relacionado à demanda infantil, conforme Wainstein & Bandeira, 2013), o paciente já chega com um diagnóstico, dado por algum médico ou outro profissional da saúde ou, até mesmo, por um professor da escola. Nessas situações, deve-se refletir sobre o que está sendo solicitado, podendo caber ao psicólogo, entre outros: a) realizar a avaliação da pertinência do diagnóstico; b) realizar o diagnóstico diferencial; c) identificar forças e fraquezas do paciente e de sua rede de atenção visando subsidiar um projeto terapêutico; d) ampliar a compreensão do caso por meio da elaboração de um entendimento dinâmico, alicerçada em teoria psicológica; e e) refletir sobre encaminhamentos necessários ao caso. Ainda em relação ao público encaminhado para psicodiagnóstico/atendimento - psicológico, dados de pesquisas em clínicas-escola no Brasil (locais que geralmente publicam estudos sobre o perfil atendido) mostram que a maioria dos indivíduos encaminhados são crianças (Borsa, Segabinazi, Stenert, Yates, & Bandeira, 2013), meninos em maior frequência (Cunha & Benetti, 2009; Rocha & Ferreira, 2006; Santos, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004; Silvares, Meyer, Santos, & Gerencer, 2006). Outras pesquisas indicam que há certa igualdade entre percentuais de crianças e adolescentes ao serem comparados a adultos (Campezatto & Nunes, 2007; Louzada, 2003; Romaro & Capitão, 2003). Já quando as pesquisas envolvem a clientela adulta, o sexo feminino predomina (Campezatto & Nunes, 2007; Maravieski & Serralta, 2011). Os quadros clínicos mais comumente encaminhados para psicodiagnóstico diferem-se por faixa etária. No que se refere a crianças e adolescentes, dados de uma THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight pesquisa conduzida no Centro de Avaliação Psicológica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Borsa et al., 2013) apontam que prevalecem problemas de atenção, seguidos por problemas de interação social e de ansiedade e depressão, segundo dados coletados com o Child Behavior Checklist, Achenbach – CBCL (Achenbach, 2001). Outras pesquisas apontam problemas de aprendizagem como motivos comuns de encaminhamento (Graminha & Martins, 1994; Santos, 2006; Schoen-Ferreira, Silva, Farias, & Silvares, 2002; Scortegagna & Levandoswski, 2004). Problemas afetivos, de agressividade e de comportamento também são frequentes (Cunha & Benetti, 2009; Santos, 2006). No caso de adultos, costumam aparecer problemas emocionais e de relacionamento familiar (Louzada, 2003; Maravieski & Serralta, 2011). Concomitantemente à definição do que se está recebendo como demanda, das hipóteses e das estratégias de avaliação, é possível que haja necessidade de avaliações de outros profissionais. Por vezes, só se consegue completar o processo psicodiagnóstico com avaliações de outros profissionais, como fonoaudiólogos, neurologistas e psiquiatras. Esse é o momento de aproveitar para discutir o caso. Em nossa experiência, a troca com outros profissionais tem sido muito rica, gerando aprofundamento do caso em questão. Portanto, levando em consideração os aspectos já expostos, o psicólogo realizará a avaliação da demanda para, caso se mostre válido, estabelecer os objetivos do psicodiagnóstico. São esses objetivos que nortearão a eleição das técnicas e/ou instrumentos a serem utilizados posteriormente. THIAGO Highlight THIAGO Highlight THIAGO Highlight OBJETIVOS DO PSICODIAGNÓSTICO Entendemos que psicodiagnóstico é um procedimento científico de investigação e intervenção clínica, limitado no tempo, que emprega técnicas e/ou testes psicológicos com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológicas visando um diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico), construído à luz de uma orientação teórica que subsidie a compreensão da situação avaliada, gerando uma ou mais indicações terapêuticas e encaminhamentos. Levando em consideração esse conceito, acreditamos que ele pode ser realizado de diferentes maneiras e com diferentes objetivos. A avaliação da demanda indicará qual aspecto avaliativo deverá ser priorizado em cada caso, situando-se o objetivo do psicodiagnóstico a partir dessa reflexão inicial. Segundo Cunha (2000), precursora do psicodiagnóstico em nosso meio, os objetivos podem priorizar: a) a classificação simples; b) a descrição; c) a classificação nosológica; d) o diagnóstico diferencial; e) a avaliação compreensiva; e) o entendimento dinâmico; f) a prevenção; g) o prognóstico; e h) a perícia forense. Concordamos basicamente com Cunha (2000) com relação a esse aspecto. Contudo, entendemos que, ao realizar uma perícia forense, não necessariamente está se fazendo um psicodiagnóstico. Na perícia forense, o objetivo, na maioria das vezes, é responder a quesitos legais, solicitados pelo juiz (para uma leitura mais aprofundada, ver Rovinski, 2013). Conforme Rovinski (2010, p. 95), “. . . a avaliação forense, mais especificamente, quando exercida como atividade pericial, diferencia-se em muitosaspectos daquela realizada no contexto clínico. A não diferenciação de tais padrões de avaliação acaba por gerar conflitos de papéis e, consequentemente, condutas antiéticas.”. Uma pessoa que busca auxílio de um psicólogo para lidar com o sofrimento - geralmente estabelece com o profissional uma relação de cooperação e aliança de trabalho diferente daquele sujeito que é encaminhado para uma perícia em contexto jurídico. Neste último, fenômenos como simulação e dissimulação conscientes, inerentes a essa realidade avaliativa, acabam exigindo cuidados técnicos específicos, que diferem daqueles eminentemente clínicos. Ainda assim, reconhecemos a semelhança entre muitos aspectos técnicos adotados na perícia e no psicodiagnóstico. THIAGO Highlight CONSIDERAÇÕES FINAIS Ressaltamos que o psicodiagnóstico é uma atividade profissional do psicólogo, cuja formação durante o período de graduação é essencial, mas carece de um estudo continuado, especialmente no que tange aos avanços em termos de instrumentos de avaliação psicológica e psicopatologia. O cuidado com aspectos psíquicos da pessoa do psicólogo é condição sine qua non para a abertura à atualização e à reflexão técnica e o consequente fazer avaliativo adequado. Assim, os objetivos do psicodiagnóstico são coerentes com essa formação e exigem do psicólogo amplo conhecimento de competências, além de estudos sobre diversas áreas da psicologia. A forma de conduzir um processo psicodiagnóstico será trabalhada intensamente neste livro, mas, nesse momento, queremos marcar a necessidade de se ter claro, ao iniciá-lo, o que é esperado, com que tipo de população se trabalha e o que é possível atingir com ele, de forma que sua potencialidade possa ser atingida, reconhecendo-se suas forças e limitações, sempre respeitando os preceitos éticos da profissão. REFERÊNCIAS Achenbach, T. M. (2001). Manual for the child behavior checklist/6-18 and 2001 profile. Burlington: University o f Vermont. Anache, A. A., Reppold, C. T. (2010). Avaliação psicológica: Implicações éticas. 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Scorsolini-Comin, & E. Nascimento (Eds.), Avaliação psicológica: Da teoria às aplicações. Rio de Janeiro: Vozes. E 3 O PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO Maisa S. Rigoni Samantha Dubugras Sá ste capítulo abordará o processo de realização de um psicodiagnóstico, apresentando os passos recomendados para a sua execução. Também serão apresentados os diferentes modelos e objetivos dessa prática, realizada exclusivamente pelo psicólogo, que representa, como sintetiza Barbieri (2010), um marco distintivo da identidade desse profissional. A Lei Federal nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre a formação em psicologia e regulamenta a profissão no Brasil, define que a prática de diagnóstico psicológico, bem como a realização de um psicodiagnóstico, é atribuição exclusiva do profissional da psicologia (Brasil, 1962). O psicodiagnóstico é um dos tipos de avaliação psicológica realizada com objetivos clínicos, portanto, não abrange todas as formas de avaliação psicológica. Atualmente, a avaliação psicológica é entendida como um processo que permite descrever e compreender a pessoa em suas diferentes características, investigando tanto aspectos da personalidade quanto aspectos cognitivos, abordando possíveis sintomas, questões do desenvolvimento, questões neuropsicológicas, características adaptativas e desadaptativas, entre outros, permitindo, assim, que se chegue a um prognóstico e à melhor estratégia e/ou à abordagem terapêutica necessária. De modo geral, pode-se afirmar que o psicodiagnóstico é um processo bipessoal (psicólogo – avaliando/grupo familiar), de duração limitada no tempo, com um número aproximadamente definido de encontros, que procura descrever e compreender as forças e as fraquezas do funcionamento psicológico de um indivíduo, tendo foco na existência ou não de uma psicopatologia (Cunha, 2000). Assim, o psicodiagnóstico pode ser entendido como um processo com início, meio e fim, que utiliza entrevistas, técnicas e/ou testes psicológicos para compreender as potencialidades e as dificuldades apresentadas pelo avaliando, tendo por base uma teoria psicológica e THIAGO Highlight buscando, assim, coletar dados mais substanciais para a realização de um encaminha- mento mais apropriado. Então, possibilita descrever o funcionamento atual, confirmar, refutar ou modificar impressões; realizar diagnóstico diferencial de transtornos mentais, comportamentais e cognitivos; identificar necessidades terapêuticas e recomendar a intervenção mais adequada, levando em conta o prognóstico (Witternborn, 1999). Cabe salientar que, como bem lembra Cunha (2000), o psicodiagnóstico derivou da psicologia clínica em torno de 1896, quando surgiram os primeiros testes mentais. - Nessa época, o psicólogo se limitava a aplicar um ou outro teste solicitado por outros profissionais, e trabalhava com um modelo médico de atendimento, mantendo certo distanciamento do avaliando, buscando não perder a objetividade em seu trabalho. Não havia um procedimento em que o avaliando fosse atendido de forma integrada e compreensiva. Esse cenário começou a ser modificado com o surgimento da psicanálise e com o desenvolvimento das técnicas projetivas, o que permitiu que se pudesse ter uma compreensão mais profunda e abrangente do sujeito avaliado (Carrasco & Sá, 2010; Werlang & Argimon, 2003). Uma das atividades do psicólogo clínico é identificar e compreender, na singularidade do indivíduo, suas características, seus sintomas e seu funcionamento psíquico, e, assim, explicitar diagnósticos. A palavra “diagnóstico” origina-se do grego diagnõstikós e significa discernimento, faculdade de conhecer. No sentido amplo do termo, a ação de diagnosticar é inevitável, já que, sempre que se explicita a compreensão de um fenômeno, realiza-se um dos possíveis diagnósticos. Mas, no campo da ciência, esse termo refere-se à possibilidade de conhecimento por meio da utilização de conceitos, noções e teorias científicas (Ancona-Lopez, 1984). Pensando no conceito de psicodiagnóstico, palavra também de origem grega (psique = mente, dia = atráves, gnosis = conhecimento), Sendín (2000) entende que se trata da expressão mais antiga e que melhor reflete, etimologicamente, o caráter processual da tarefa de diagnosticar, pois se refere a um conhecimento dos aspectos mais relevantes do funcionamento psíquico. Embora na contemporaneidade se entenda o psicodiagnóstico como um processo de avaliação amplo, esse termo ainda está associado à sua procedência do campo médico, com enfoque diagnóstico estritamente classificatório. Em função disso, alguns psicólogos rechaçam esse termo e defendem sua substituição pela expressão avaliação psicológica. Entretanto, Cunha (1993) esclarece que essa expressão é um conceito muito amplo, enquanto “psicodiagnóstico” explicita uma avaliação psicológica com propósitos clínicos. A autora salienta, ainda, que o termo “testagem” se refere a um tipo de recurso da avaliação psicológica, enquanto o “psicodiagnóstico” pressupõe a utilização de outros instrumentos/procedimentos que vão além do emprego de testes, a fim de abordar os dados psicológicos de forma mais sistemática, científica e orientada para a resolução de problemas. Diante dessa situação, surgiu a necessidade de um enquadramento que atendesse às características específicas do psicodiagnóstico, por se tratar de um processo limitado no tempo e que utiliza técnicas e/ou testes psicológicos, podendo, assim, ter vários objetivos. Esses objetivos podem ser referentes a uma classificação simples, a uma descrição ou até mesmo a uma classificação nosológica, entre outros, conforme o que foi abordado no Capítulo 2. Nessa perspectiva, Arzeno (1995) refere que o psicodiagnóstico contempla algumas finalidades, como: 1. Investigação diagnóstica: tem como objetivo explicar o que acontece além do que o avaliando consegue expressar de forma consciente – e isso não significa rotulá-lo. 2. Avaliação do tratamento: visa avaliar o andamento do tratamento. Seria o “reteste”, no qual se aplica novamente a mesma bateria de testes usados na primeira ocasião ou uma bateria equivalente. 3. Como meio de comunicação: procura facilitar a comunicação e, em consequência, a tomada de insight. 4. Na investigação: com o intuito de criar novos instrumentos de exploração da personalidade e, também, de planejar a investigação para o estudo de uma determinada patologia, etc. Ampliando os conceitos de Arzeno (1995), acreditamos que, além do que foi exposto anteriormente, um psicodiagnóstico pode ter um alcance ainda maior. Embora não seja sua principal finalidade, pode ser terapêutico, uma vez que o vínculo estabelecido entre avaliador e avaliado, assim como os resultados obtidos e comunicados, pode contribuir para uma decisão mais assertiva por parte do avaliado quanto à escolha entre um ou outro tratamento, à mudança de um estilo de vida, ou mesmo quanto ao rumo que dará às recomendações do avaliador. Outro ponto relevante diz respeito ao uso ou não de uma bateria de testes e “retestes”, isto é, entendemos que os testes psicológicos e as técnicas são recursos disponíveis, mas que em nenhum momento substituem ou são mais importantes do que a escuta e o olhar clínico do avaliador, pois nem sempre será necessária a utilização dessas ferramentas. Quando se opta pelo uso de testes psicológicos, Ocampo, Arzeno e Piccolo (2005), Arzeno (2003) e Trinca (1984) inferem que a escolha das estratégias e dos instrumentos a serem empregados é feitasempre de acordo com o referencial teórico, com a finalidade e com o objetivo (clínico, profissional, educacional, forense, etc.) do psicodiagnóstico. Arzeno (1995, p. 10) refere que “. . . as conclusões de todo o material obtido são discutidas com o interessado, com seus pais, ou com a família completa, conforme o caso e o sistema do profissional”. Dessa forma, a entrevista de devolução visa informar os resultados, mas nela podem surgir, de maneira involuntária, efeitos terapêuticos, denominados de psicodiagnóstico interventivo, que equivale a uma avaliação terapêutica, caracterizada pela realização de intervenções como assinalamentos, interpretações, entre outros, durante as entrevistas e as aplicações de técnicas projetivas (Barbieri, 2010). Salientamos, assim, a existência de estudos que consideram o psicodiagnóstico uma possibilidade de intervenção terapêutica, e não apenas diagnóstica (Carrasco & Sá, 2010). No que diz respeito ao psicodiagnóstico interventivo, ele será mais bem analisado no Capítulo 15. Entretanto, “diagnosticar” alguém é algo secundário, caso se pense que, ao identificar as forças e as fraquezas do avaliando, estamos tentando entender o que se passa com ele nesse momento de sua vida e de quais recursos dispõe para que seja possível formular recomendações terapêuticas adequadas (terapia breve e prolongada, individual, sistêmica, de grupo, entre outras; frequência; tratamento medicamentoso; etc.). Mesmo quando é detectada a presença de algum transtorno mental, o objetivo maior do psicodiagnóstico é encaminhar o indivíduo para o tratamento mais adequado. O processo tem início no encaminhamento, que é o que justifica a sua realização. Vários são os profissionais que podem solicitar a avaliação psicológica, como neurologistas, psiquiatras, pedagogos, entre outros. No entanto, muitas vezes o encaminhamento é vago, cabendo ao psicólogo o seu esclarecimento prévio, para então ter certeza de que a indicação é, de fato, para um psicodiagnóstico. E como se realiza um psicodiagnóstico? Para Ocampo e colaboradores (2005), o processo envolve quatro etapas. A primeira principia no contato inicial, estendendo-se até a primeira entrevista com o avaliando; a segunda consiste na aplicação de testes e técnicas psicológicas; a terceira diz respeito à conclusão do processo, com a devolução oral ao avaliando (e/ou aos pais); e a última refere-se à elaboração do informe escrito (laudo/relatório) para o solicitante e para o avaliando (e/ou aos pais). Propomos, de forma mais detalhada, oito etapas (ver Quadro 3.1). QUADRO 3.1 Passos de um processo de psicodiagnóstico Passos Especificações 1. Determinar os motivos da consulta e/ou do encaminhamento e levantar dados sobre a história pessoal (dados de natureza psicológica, social, médica, profissional, escolar). 2. Definir as hipóteses e os objetivos do processo de avaliação. Estabelecer o contrato de trabalho (com o examinando e/ou responsável). 3. Estruturar um plano de avaliação (selecionar instrumentos e/ou técnicas psicológicas). 4. Administrar as estratégias e os instrumentos de avaliação. 5. Corrigir ou levantar, qualitativa e quantitativamente, as estratégias e os instrumentos de avaliação. 6. Integrar os dados colhidos, relacionados com as hipóteses iniciais e com os objetivos da avaliação. 7. Formular as conclusões, definindo potencialidades e vulnerabilidades. 8. Comunicar os resultados por meio de entrevista de devolução e de um laudo/relatório psicológico. Encerrar o processo de avaliação. Vejamos o passo a passo: uma vez de posse do encaminhamento, cabe ao psicólogo ampliar o motivo, elencando as principais queixas e sofrimentos psíquicos apresentados pelo avaliando. O psicodiagnóstico pode ser realizado em consultórios privados, clínicas psicológicas ou psiquiátricas, instituições, postos de saúde ou hospi- tais. Dependendo do local onde irá ocorrer o processo, poderá haver certa urgência na avaliação. Por exemplo, em um ambiente de internação, geralmente sua realização ocorre de forma mais breve, pois, muitas vezes, a conclusão e a emissão do laudo serão determinantes para a adequação de alguma medicação ou mesmo para a alta e futuro tratamento ambulatorial. Já em uma avaliação em uma clínica, cujo funcionamento costuma ser ambulatorial, há mais tempo para a realização do processo; no entanto, o mesmo tende a durar, em média, dois meses, podendo ter uma frequência semanal maior ou menor, dependendo do caso, totalizando, aproximadamente, 6 a 12 encontros, no máximo. Seja qual for o local, em um primeiro momento deve-se realizar a primeira entrevista (entrevista inicial) para que se esclareça o encaminhamento. Ocampo, Arzeno e Piccolo (2009, p. 29) referem que, “. . . No motivo de consulta deve-se discriminar entre o motivo manifesto e motivo latente”. O motivo manifesto diz respeito ao que levou à solicitação do psicodiagnóstico, e é o que, de fato, preocupa, a ponto de tornar-se um sinal de alerta; já o motivo latente diz respeito ao que não é tão óbvio, às hipóteses subjacentes elaboradas pelo psicólogo enquanto escuta e reflete sobre o que é manifesto. Ainda nesse primeiro encontro, é preciso que fiquem bem definidos os papéis do psicólogo, dos familiares e do avaliando. O primeiro deve coletar o máximo de informações possível para que se possa conhecer exaustivamente a pessoa a ser avaliada e extrair da entrevista dados para a formulação de hipóteses, viabilizando, assim, o planejamento da avaliação; aos demais cabe não sonegar in- formações ao profissional. Se não tivermos os objetivos bem claros e acordados entre o avaliador e a pessoa que solicitou o psicodiagnóstico, o processo dificilmente será satisfatório (Urbina, 2007). Também nesse primeiro contato, após se esclarecer como o processo ocorrerá, sugerimos que se proceda à assinatura de um termo de THIAGO Highlight consentimento livre e esclarecido, em que a pessoa a ser avaliada ou o seu responsável legal autorizará a realização da avaliação. É importante salientar que, no caso de crianças, a primeira entrevista precisa ser feita com os pais ou responsáveis; já no caso de adultos, nem sempre é necessário entrevistar algum familiar. Em alguns casos, torna- se relevante a inclusão de entrevistas com membros da família que possam estar implicados na demanda do avaliando (Ancona-Lopez, 2002). No que diz respeito ao psicodiagnóstico de adolescentes, a primeira entrevista poderá ser realizada com os pais/responsáveis ou com o próprio adolescente, dependendo de seu caso e/ou idade. Ainda assim, salientamos que o contato com os pais/responsáveis é imprescindível, uma vez que eles precisam autorizar o processo de avaliação, já que se trata de um menor de idade. Muitas vezes, em caso de avaliandos crianças e adolescentes, embora seja solicitado que em um primeiro momento compareçam somente os pais ou responsáveis, os avaliandos acabam por vir junto. Nesses casos, é de suma importância que o psicólogo tenha muito cuidado com o que será abordado na primeira entrevista, procurando preservar o avaliando, evitando expor questões mais delicadas. É fundamental que, ao final desse primeiro encontro, fique agendado um próximo momento somente com os pais ou responsáveis, devendo-se explicar para o avaliando que isso ocorrerá uma vez que não é necessária sua presença, pois serão coletadas informações que ele não teria condições de fornecer. Com o intuito de manter um vínculo com o avaliando, agenda-se um horário somente com ele, dando início à escuta privativa, procurando valorizar esse espaço ao demonstrar a importância de escutá-lo. Para que o psicólogo tenha clareza do que deverá ser investigado, bem como para que tenha dados suficientes para construir a história de vida do avaliando, podem ser realizadas quantas entrevistas forem necessárias. Ainda assim, o profissional dispõe de um tempo limitado, pois tanto a duração excessiva do processo como o seu abreviamento podem ser prejudiciais. Ao longo dessasentrevistas, o psicólogo naturalmente elenca algumas hipóteses, e, dessa forma, define que tipo de instrumentos precisará utilizar e em que ordem deverá aplicá-los. A partir do que foi coletado nas primeiras entrevistas, o psicólogo terá condições de elaborar o plano de ação. O plano inicia com as primeiras entrevistas, e, ao longo delas, se constrói o contrato de trabalho, em que são previstos os papéis de cada parte; a questão de sigilo e privacidade; o número aproximado de encontros, incluindo-se as primeiras entrevistas; a bateria de testes que será utilizada, se necessário; as entrevistas de devolução; e a forma como serão pagos os honorários (caso se trate de consultas particulares ou em uma instituição paga). Esse plano é construído nos primeiros encontros, podendo sofrer variações ao longo do processo. Por exemplo, ao ser feita uma hipótese inicial, decide-se, então, pela aplicação de alguns testes, mas pode THIAGO Highlight THIAGO Highlight ocorrer que, em um segundo teste, se obtenha uma resposta para a demanda. Assim, deve-se abrir mão da aplicação de outros instrumentos planejados a priori, pois ela não será mais necessária, e, com isso, o número de encontros diminui. O inverso também pode ocorrer, uma vez que se pode acrescentar outros métodos, testes ou técnicas, o que acarretaria um número maior de entrevistas para que se tenha uma compreensão mais exata do caso. Por meio do instrumental utilizado no psicodiagnóstico, é possível alcançar uma compreensão da demanda, incluindo os problemas, os sintomas e as queixas apresentados pelo avaliando, com mais brevidade do que o necessário com outros métodos (González, 1999). Um exemplo: em uma avaliação psicológica em que o avaliando veio encaminhado por seu psiquiatra com suspeita de déficit intelectual, verificamos, durante a testagem, que seus resultados no WAIS-III foram todos superiores à média estimada para sua faixa etária, mudando, assim, o rumo da investigação. Em decorrência disso, tornou-se necessária a utilização de outros testes que focassem no funcionamento da personalidade e não no intelecto. Logo, o plano de avaliação deveria contemplar todo o processo e servir de orientação ao profissional; ou seja, é o passo a passo do que será realizado. Quanto à duração do processo, cabe ressaltar que, quando o profissional abrevia o tempo, corre o risco de deixar hipóteses em aberto, o que acaba resultando na precariedade dos resultados por um déficit de informação, independentemente dos recursos utilizados (Ocampo et al., 2009), e, com isso, compromete o encaminhamento. Já o oposto, isto é, o prolongamento do processo, pode ocasionar um vínculo inade- quado para o psicodiagnóstico, fazendo o avaliando confundir o processo com uma psicoterapia, o que dificulta o fechamento e também compromete o encaminhamento. Um bom exemplo disso seria quando o avaliando não busca o tratamento indicado, argumentando desejar um seguimento com o profissional que o avaliou. No entanto, muitas vezes o profissional trabalha exclusivamente com avaliação psicológica, e, nesses casos, ao final do processo, realizam-se os devidos encaminhamentos; outros psicólogos preferem iniciar seus atendimentos com um psicodiagnóstico e, a partir disso, iniciar ou não um processo psicoterapêutico, dependendo dos achados ao longo do processo. Ainda sobre os passos do psicodiagnóstico, pode-se incluir a aplicação de testes e/ou técnicas psicológicas, que constituem ferramentas auxiliares no trabalho do psicólogo. Tais ferramentas podem ser um meio para se alcançar um fim, porém nunca um fim em si (Urbina, 2007). Dessa maneira, “. . . como outras ferramentas, os testes psicológicos podem ser extremamente úteis – e até mesmo insubstituíveis – quando usados de forma apropriada e hábil” (Urbina, 2007, p. 14). Então, em um segundo momento, define-se a bateria a ser utilizada. O planejamento deve levar em consideração as características do caso (idade, sexo, escolaridade, ocupação/pro- fissão, condições físicas, etc.), a sequência (ordem de aplicação) e o ritmo (número de entrevistas previstas para a aplicação dos testes selecionados). Os testes psicológicos (psicométricos ou projetivos) refinam a capacidade do - profissional de captar e compreender indivíduos, grupos e fenômenos psicológicos (Urbina, 2007; Werlang, Villemor-Amaral, & Nascimento, 2010). Contudo, para que os resultados alcançados sejam válidos, além de seguir à risca as instruções e o sistema de levantamento e interpretação do instrumento, é fundamental também garantir condições básicas no ambiente físico, certificar-se dos estados físico e psicológico do examinado, bem como gerenciar o contexto clínico em que será desenvolvida a avaliação (Werlang & Argimon, 2003). As condições físicas e psicológicas do examinado devem estar preservadas para que a tarefa a ser desenvolvida seja compreendida de forma correta, sendo essenciais a motivação, o interesse e o desejo de se submeter ao processo de avaliação. Em situações especiais, como em casos de internação psiquiátrica, é fundamental considerar o estado mental e até mesmo a possibilidade de impregnação por medicamentos que possam diminuir a motivação para o trabalho e alterar os resultados da testagem. No caso de avaliação forense, em que o periciado não se submete por livre vontade ao processo psicodiagnóstico, mas por imposição judicial, a resistência a responder aos testes, a não cooperação e a distorção consciente e intencional das respostas certamente irão repercutir na validade dos achados. Em situações especiais, o psicólogo deve contar com sua sensibilidade clínica para manejar a situação com propriedade, atenuando os obstáculos, observando e analisando todos os indícios comportamentais de modo a isentar as variáveis que possam prejudicar o processo de avaliação. Quando pensamos na ordem de aplicação da bateria de testes selecionada, é recomendável que os primeiros testes sejam os menos ansiogênicos para a pessoa a ser avaliada, justamente para que não se desenvolva alguma resistência ante o processo. Dito de outra forma, o teste que mobiliza o motivo manifesto para a realização do psicodiagnóstico nunca deve ser o primeiro a ser administrado. Assim, por exemplo, em uma criança encaminhada para avaliação cognitiva, jamais se deve iniciar a bateria de testes pelo WISC-IV. Fica evidente, então, que o primeiro objetivo diz respeito à formação do vínculo entre o profissional e seu avaliando, a fim de garantir o bom andamento do processo, o que justifica a não utilização, em um primeiro momento, de testes que mobilizem uma conduta que corresponda ao sintoma. Tais testes devem ser deixados para um segundo momento. Habitualmente, os testes gráficos tendem a ser os mais apropriados, uma vez que - abarcam aspectos mais dissociados, são mais econômicos quanto ao tempo e envolvem THIAGO Highlight materiais mais simples e familiares ao avaliando, propiciando, dessa forma, o estabelecimento de um vínculo favorável para a continuidade do processo. Em grande parte dos casos, desenhar é uma tarefa conhecida e que o avaliando já realizou em algum outro momento da vida, utilizando lápis e papel. Obviamente, essas tarefas não são recomendáveis para avaliandos que tenham, por exemplo, alguma dificuldade de motricidade fina, devendo-se optar, então, por algum teste psicométrico que não provoque ansiedade. Em seguida, pode-se usar os testes que abordam, de certa forma, o conflito ou a problemática que originou o processo. No caso da necessidade de se verificar as - características da personalidade, é interessante que seja acrescentado um teste projetivo e outro psicométrico, que devem chegar a conclusões aproximadas, objetivando uma intervalidação de resultados. Na sequência, pode-se dar continuidade com a utilização de testes que avaliam as questões cognitivas, tendo sempre o cuidado de fechar a bateria com um teste que não eleve a ansiedade, pois isso pode prejudicar o momento da devolução, com a recusa do avaliandoa comparecer à entrevista de devolução. A questão dos testes já foi bastante discutida ao longo da profissão de psicólogo, mas acreditamos que seu uso é extremamente útil para que se tenha mais objetividade e para que não se tenha um olhar subjetivo em relação à história e às reações do avaliando. Urbina (2007) refere dois motivos para a utilização de testes psicológicos. O primeiro seria a eficiência, já que contemplam tempo e custo reduzidos, uma vez que, em certas situações, como, por exemplo, para a determinação de um diagnóstico diferencial visando a definição do uso de medicação, não é oportuna a realização de observações e interações prolongadas com quem está sendo avaliado. O segundo motivo seria a objetividade, pois os testes seguem padrões de fidedignidade e validade que asseguram quem está aplicando; porém, os dados observados são organizados de modo não sistemático, o que pode levar a julgamentos pouco precisos. Ainda assim, nenhum teste isolado substitui o olhar clínico acurado do profissional durante as entrevistas e a condução do psicodiagnóstico, ou seja, o psicólogo não é meramente um “testólogo”, mas um profissional habilitado e capaz de integrar os achados da testagem e das entrevistas, denotando um olhar mais amplo e compreensivo em relação ao avaliando. Contudo, antes de aplicar qualquer teste, cabe ao profissional estar habilitado para usá-lo, isto é, o psicólogo deve ter domínio quanto à aplicação, ao levantamento e à interpretação dos testes por ele escolhidos. Deve também consultar o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) – disponível no site do Conselho Federal de Psicologia (CFP)1 –, a fim de certificar-se que o teste escolhido apresenta parecer favorável para o uso profissional, contendo estudos de validade, fidedignidade, normatização e padronização para a população brasileira (CFP, 2003a). É dever do psicólogo manter-se atualizado quanto à literatura da sua área de atuação, e, no que tange à avaliação psicológica, é imprescindível que esteja atualizado quanto às pesquisas mais recentes realizadas com os instrumentos que utiliza. Recomendamos que o profissional busque informações além daquelas fornecidas nos manuais, lembrando que esses fornecem informações básicas, não tendo como abarcar todos os dados da literatura já publicados (Alves, 2004). Cabe relembrar a importância da Resolução 002/2003 (CFP, 2003a), um marco fundamental na profissão do psicólogo no Brasil, que determinou os requisitos mínimos e obrigatórios que os instrumentos psicológicos devem atender para o seu uso adequado (Noronha, Primi, & Alchieri, 2004). A partir dela, o CFP passou a recomendar somente o uso dos testes avaliados com parecer favorável da Comissão Consultiva; os demais, com parecer desfavorável ou ainda não avaliados, continuam tendo seu uso permitido apenas em pesquisa. Dando continuidade ao processo de psicodiagnóstico, após a aplicação, o levantamento e a interpretação dos resultados obtidos, espera-se que o profissional chegue a uma conclusão que responda à demanda que o originou. Diante disso, deve comunicar os resultados encontrados, visando um encaminhamento adequado para o avaliando. A transmissão dessa informação é, sem dúvida, o objetivo primordial dessa avaliação, que culmina em uma entrevista final, posterior à aplicação do último teste (Ocampo et al., 2009). Essa comunicação ocorre em duas vias: escrita e oral. A primeira é realizada por meio de um laudo/relatório, devendo conter uma linguagem clara, concisa, inteligível e precisa, adequada ao requerente, conforme orientação do CFP (2003b) por meio da Resolução 007/2003, restringindo-se às informações que se fizerem necessárias. A segunda trata da comunicação verbal, que pode ser realizada na forma de uma ou mais entrevistas de devolução. Uma boa devolução inicia com um aprofundado conhecimento do caso, que proporcionará uma base sólida para que se proceda com eficácia (Ocampo et al., 2009). Mais uma vez, é fundamental que o psicólogo conheça e siga as recomendações contidas na Resolução 007/2003 (CFP, 2003b), que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes da avaliação psicológica. Essa resolução serve de orientação ao profissional no momento de redigir qualquer documento que se torne necessário durante e/ou ao final do psicodiagnóstico. Deve ser evitada a elaboração de laudos/relatórios de pouca qualidade técnico-científica, que contenham universalidades e ambiguidades, assim como a elaboração de laudos/relatórios sofisticados (excessivamente técnicos), sendo mais adequado um estilo que ressalte a individualidade e a objetividade, usando uma linguagem correta, simples, clara e consistente, que facilite a comunicação clínica. Objetivando o término do processo, as entrevistas de devolução podem ocorrer de forma sistemática ou assistemática. A forma sistemática é a entrevista mais habitual, que tem como objetivo a devolução dos resultados e a entrega do laudo. Já a forma assistemática é comumente utilizada nos casos em que há o predomínio de uma ansiedade mais elevada por parte do avaliando e/ou do seu responsável, em que se considera pertinente o fornecimento de pequenos feedbacks ao longo do andamento do processo, visando a dirimir essa ansiedade. Outra situação em que se faz necessária a devolução assistemática é em casos graves ou de risco de suicídio. Ainda no que tange à entrevista de devolução, recomenda-se que se inicie abordando os aspectos mais sadios, adaptativos e/ou preservados da dinâmica de funcionamento do avaliando, para, em seguida, comunicar aqueles que requerem maior cuidado, na medida e no ritmo em que possam ser compreendidos e tolerados pelo avaliando e/ou seus responsáveis, já sugerindo os encaminhamentos apropriados. Se realizado dessa forma, acreditamos que o processo favorecerá a compreensão e a aceitação das indicações terapêuticas sugeridas pelo profissional. Essas entrevistas devem ser realizadas dentro do contexto global do processo e serão de responsabilidade única e exclusiva de quem realizou o psicodiagnóstico. Mas, uma vez que não há um jeito de saber como será acolhido ou não o encaminhamento recomendado, torna-se arriscado mobilizar, no avaliando e/ou em seus responsáveis, mais do que suas possibilidades egoicas lhes permitem entender ou suportar. Outra questão diz respeito à escolha da linguagem mais apropriada para o momento. É fundamental que o profissional seja claro, não utilize uma terminologia técnica, evite termos ambíguos e utilize, na medida do possível, a mesma linguagem do avaliando e/ou de seus responsáveis, como bem salientam Ocampo e colaboradores (2009). Na devolutiva, é importante salientar a linguagem a ser empregada. No caso de - devolução para colegas psicólogos, pode-se usar termos técnicos, inclusive fazendo referência aos recursos utilizados e discutindo de forma aprofundada os achados mais primitivos, regressivos e maduros do avaliando. Porém, quando a devolutiva for dirigida a outros profissionais, é imprescindível ater-se apenas às informações re- levantes, respondendo à demanda e preservando o sigilo e a confidencialidade (Pellini & Leme, 2011). No decorrer deste capítulo, não nos aprofundamos na questão dos honorário, mas este é um aspecto essencial. O profissional deverá levar em consideração que, no - psicodiagnóstico, seu trabalho vai muito além das sessões com o avaliando. Além de todo o planejamento do processo, o avaliador precisa integrar os dados obtidos, estudar o caso em questão e refletir sobre os encaminhamentos mais adequados. Nessa linha de raciocínio, pensamos que cada profissional precisa definir seu valor, isto é, os honorários que fazem jus a seu trabalho. Cada profissional é livre para dispor sobre seus honorários, mas sugerimos que, no contrato inicial, verbal ou escrito, fique claro ao avaliando e/ou aos seus responsáveis de que valor se trata. Mediante essa comunicação e aceitação por ambas as partes, o profissional poderá
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