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MÓDULO DOR ABDOMINAL – P2 | Luíza Moura e Vitória Neves COLELITÍASE Fisiopatologia & tratamento A vesícula é a sede dos cálculos biliares. A classificação mais utilizada é a que divide os cálculos biliares em dois tipos: Cálculos de colesterol; e Cálculos pigmentares. CÁLCULOS DE COLESTEROL São: Cor castanho-clara; Polidos ou facetados; Únicos ou múltiplos; e À seção, têm aspecto lamelar ou cristalino. A!! Podem ser puros, mas em sua maioria são do tipo misto, compostos por mais de 70% de colesterol monidratado, com quantidades variáveis de sais de cálcio, sais biliares, ácidos graxos, proteínas e fosfolipídios. CÁLCULOS PIGMENTARES Contêm >25% de colesterol em sua formação, podendo ser divididos em: Cálculos negros; e Cálculos castanhos. A!! O principal componente é o bilirrubinato de cálcio. Geralmente, os cálculos negros são mais comuns em pacientes com cirrose ou hemólise crônica, e os castanhos são associados a infecção. ________________________________________ Em geral, os pacientes com cálculos pigmentares são homens mais idosos do que aqueles com cálculos de colesterol. Os cálculos de colesterol e os pigmentares contêm, na maioria dos casos, um núcleo constituído por pigmento biliar envolvido por matriz proteica, geralmente glicoproteína. FATORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DE CALCULOSE BILIAR Várias condições favorecem o aparecimento de cálculos biliares: Evitáveis ou passíveis de correção; e Outros inevitáveis; NÃO EVITÁVEIS Idade; Sexo feminino; Fatores genéticos; e Etnia. EVITÁVEIS Obesidade; Perda rápida de peso (natural ou cirúrgica); Gravidez e multiparidade; Hipertrigliceridemia; Nutrição parenteral; Trânsito intestinal lento; Estase vesicular; Uso de hormônios femininos; DM, hiperinsulinemia e síndrome metabólica; Uso de cefalosporinas de 3ª geração e drogas antilipêmicas; Fumo e sedentarismo; Dietas: Hipercalórica; Rica em açúcar de fácil absorção; Pobre em fibra; Pobre em cálcio e vitamina C. FISIOPATOLOGIA LITOGÊNESE A composição da bile compreende: Água; Colesterol; Fosfolípides (lecitina); MÓDULO DOR ABDOMINAL – P2 | Luíza Moura e Vitória Neves Sais biliares; Bilirrubina conjugada; Proteínas; e Eletrólitos. Mas, de uma forma geral, o colesterol, os fosfolípides e os sais biliares os elementos mais importantes para a manutenção da solubilidade do conteúdo biliar. A variação nas características e na proporção entre esses elementos pode alterar o equilíbrio, favorecendo a supersaturação biliar de colesterol e o desenvolvimento da calculose. Legenda: diagrama representativo das zonas de solubilização e cristalização do colesterol na bile: na esquerda da base do triângulo, a bile é solúvel (zona micelar); no vértice, ela é supersaturada de colesterol (bile litogênica) Legeda: o diagrama mostra as diferentes fases físicas que a bile pode apresentar de acordo com a composição relativa dos seus três componentes lipídicos. A secreção hepática da bile é regulada pelas/pelos: Proteínas transportadoras do sistema ABC (ABCG5/G8, ABCB4, ABCB11); e Receptores farnesoide e hepático (FXR e LXR). Ela ocorre quando a bile canalicular flui em sentido contrário ao fluxo do plasma sinusoidal. Os hepatócitos da parte final do espaço portal sintetizam a bile contendo solutos orgânicos (colesterol, ácidos biliares, fosfolipídios e pigmentos biliares). Na sequência da síntese, os sais biliares organizam-se em micelas simples e o colesterol se agrega aos fosfolípides formando vesículas unilamelares, semiestáveis; Sob essa forma o colesterol é transportado para a vesícula e, durante o processo de passagem pelo trato biliar, vários agregados lipídicos são convertidos em micelas mistas que promovem a solubilização do colesterol. Se o teor de colesterol na bile exceder a capacidade de solubilização pelas micelas mistas, ocorre a formação de bile supersaturada ou litogênica, com vesículas multilamelares menos estáveis e ricas em colesterol. Elas podem se fundir e propiciar a formação de cristais de mono-hidrato de colesterol, iniciando o processo de nucleação que é facilitado pelas glicoproteínas secretadas pela vesícula biliar. Estão criadas, assim, as condições para o desenvolvimento da calculose biliar, que depende, ainda, do concurso de outros fatores que comentaremos a seguir. A síntese hepática de fosfolipídios é mediada pela P-glicoproteína ABCB4, transportador molecular da membrana canalicular do hepatócito; ela pode ser reduzida pela concentração aumentada de ânions orgânicos na MÓDULO DOR ABDOMINAL – P2 | Luíza Moura e Vitória Neves bile, alterando, consequentemente, a formação e a estabilidade das vesículas. As proteínas NPC1L1, ABCG5 e ABCG8, expressas na borda em escova dos enterócitos, estão também envolvidas no transporte do colesterol obtido a partir da dieta; Assim, um elevado teor de gordura na dieta aumenta o risco de desenvolver hipercolesterolemia e, consequentemente, litíase biliar. MECANISMO DE SOLUBILIZAÇÃO DO COLESTEROL O colesterol é praticamente insolúvel em meio aquoso, necessitando dos sais biliares e fosfolípides para promover sua solubilização. Quando os sais biliares atingem a concentração micelar crítica (CMC), se agregam espontaneamente, formando as micelas simples que dissolvem as moléculas de colesterol. Nesse processo, os fosfolípides também se solubilizam e formam, junto aos sais biliares, as micelas mistas. Quando os fosfolípides se ligam às moléculas de colesterol, formam as vesículas unilamelares, mais estáveis e com elevada capacidade de solubilização do colesterol. Independentemente da proporção dos principais elementos, quanto menor a concentração total de lipídios na bile, mais estáveis são as vesículas, prevenindo a nucleação do colesterol; Ao mesmo tempo, a quantidade de colesterol disponível para ser solubilizada depende da concentração dos sais biliares. O potencial de solubilização dessas formas de compostos lipídicos é mostrado no quadro abaixo. Legenda: potencial de solubilização dos compostos lipídicos da bile A relação entre a secreção hepática do colesterol e a dos sais biliares na bile não é constante; a ocorrência de níveis de secreção de sais biliares muito baixos resulta em índices mais altos de secreção do colesterol e, inversamente, quando a secreção de sais biliares aumenta, como ocorre durante e após as refeições, a síntese do colesterol diminui. No jejum prolongado e em condições de perda severa, como na ressecção ileal e nas fístulas biliares, o mecanismo de síntese hepática de sais biliares não pode ser compensado e a concentração de colesterol na bile se eleva, resultando em bile supersaturada. O mesmo acontece quando o pool de sais biliares é modificado pela desconjugação do ácido cólico em ácido deoxicólico, resultando em aumento da excreção biliar de colesterol (Figura 87.2). Legenda: relação entre o ácido deoxicólico e a excreção biliar de colesterol: na desconjugação do ácido cólico, quando o teor de ácido deoxicólico se eleva no pool, a excreção biliar de colesterol através do polo biliar também se eleva. TRATAMENTO DA LITÍASE VESICULAR INDICAÇÕES PARA TRATAMENTO DA LITÍASE BILIAR É indicado o tratamento da litíase biliar em: 1. Pacientes com sintomas de dor biliar e cálculos; 2. Pacientes com doença biliar complicada; 3. Vesícula biliar em porcelana; 4. Pacientes com vesícula funcionalmente excluída; MÓDULO DOR ABDOMINAL – P2 | Luíza Moura e Vitória Neves 5. Casos selecionados de litíase assintomática: Paciente com expectativa de vida >30 ou 40 anos. Portadores de múltiploscálculos vesiculares menores que 5 mm. Indivíduos de populações com alto índice de câncer da vesícula biliar. Portadores de cálculos que vivem em ou viajam para regiões sem condições de assistência médica. Pessoas que, por motivos psicológicos, ou por conhecerem e temerem complicações, prefiram a colecistectomia, por exemplo, médicos que solicitam a operação. A!! Há médicos que defendem nunca operar a litíase assintomática. 6. Pacientes portadores de litíase nos canais biliares, sintomáticos ou não. TIPO DE TRATAMENTO De maneira geral, o tratamento da litíase biliar, da vesícula e dos ductos biliares agem por: Retirada dos cálculos, fragmentação ou por dissolução deles, ou, ainda, por uma combinação desses procedimentos. Legenda: Alternativas terapêuticas na calculose biliar sintomática: o tratamento clínico pode ser utilizado em casos de litíase com risco cirúrgico elevado MÉTODOS DE FRAGMENTAÇÃO Os métodos de fragmentação são: 1. Litotripsia por ondas de choque extracorpóreas (LOCEC). 2. Litotripsia intracorpórea por contato (ação direta): laser e eletro-hidráulica. A LOCEC é uma técnica não invasiva, aplicável a pacientes selecionados, em regime ambulatorial, sem anestesia geral obrigatória e que possibilita o retorno ao trabalho quase imediatamente. Considerando os conhecimentos atuais, o método é indicado em <10% dos casos de litíase vesicular sintomática. Com o desenvolvimento da cirurgia videolaparoscópica, o número de pacientes que preferem ser tratados por essa técnica de colecistectomia, em vez de se submeterem à LOCEC, aumentou expressivamente, o que diminuiu muito o número de postulantes à LOCEC, hoje aplicada em poucos casos. DISSOLUÇÃO DE CÁLCULOS VESICULARES POR MEDICAMENTOS VO O uso clínico de sais biliares VO é outra opção de tratamento. Os critérios para inclusão são: Cálculos de colesterol pouco numerosos e com diâmetro inferior a 5 a 1 O mm; Vesícula funcionante, com ducto cístico pérvio; Pacientes magros e com cálculos que boiam na bile. A dissolução será bem-sucedida se os cálculos diminuírem de tamanho aos 9 primeiros meses de tratamento. Hoje em dia, há principalmente dois medicamentos que podem ser usados na dissolução de cálculos biliares: Ácido quenodesoxicólico (AQDC); ou o seu epímero Ácido ursodesoxicólico (AUDC). As doses do AUDC são de 8 a 15 mgpor kg/ peso/dia e, para o AQDC, 750 mg/dia. MÓDULO DOR ABDOMINAL – P2 | Luíza Moura e Vitória Neves A combinação dos dois ácidos não demonstrou vantagens sobre a utilização de apenas um ácido, embora alguns advoguem o uso da combinação. A eficiência do AQDC pode ser melhorada com a associação das estatinas, que ativam o gene MDR3, e limitada pelos fibratos, que aumentam a secreção de colesterol e não estimulam o gene MDR3. Os efeitos colaterais, mais frequentes com o AQDC, incluem: Diarreia; Hipercolesterolemia; e Raramente lesão hepática. Pode também ocorrer: Obstrução dos canais biliares, gerada por migração de cálculos, ocasionando cólica biliar, colecistite ou colangite. As contraindicações são: Cálculos radiopacos; Vesícula não funcionante; Colecistite aguda; Colangite; Calculose do colédoco; Doenças inflamatórias intestinais; e Insuficiência renal. Em pacientes magros e com cálculos pequenos, flutuantes e radiotransparentes, a dissolução ocorre em 40 a 55% dos pacientes tratados por 6 a 12 meses. A incidência de recidiva é alta. Parece, por outro lado, que a administração do AQDC por longo tempo diminui a incidência de crises dolorosas biliares e de colecistite, independente de sua ação como solvente. DISSOLUÇÃO DE CÁLCULOS VESICULARES POR ÉTER METILTERTBUTIL (EMTB) ATRAVÉS DE CATETER PERCUTÂNEO TRANSEPÁTICO O EMTB é um solvente de contato. É um éter alifático que dissolve cálculos de colesterol in vitro 50 vezes mais rápido que a monoctanoína. É preferível não o infundir nos canais biliares por causa dos seus efeitos tóxicos: Duodenite; Hemólise; e Pneumonia hemorrágica. A vesícula é puncionada por via percutânea transepática e posicionado cateter em seu interior, sob controle ultrassonográfico ou fluoroscópico. 5 a 10 ml de éter são instilados e trocados a cada 4 a 6 min (o que pode ser feito por máquina automática). Os inconvenientes do método incluem: Necessidade de introdução e retirada do éter inúmeras vezes por tempo prolongado; Risco de coleperitônio; Permanência da vesícula in situ. O MÉTODO NÃO SE DIFUNDIU e, atualmente, sua APLICAÇÃO É BASTANTE RESTRITA. COLECISTECTOMIA A colecistectomia por incisão abdominal ampla é o método de escolha para o tratamento da litíase vesicular. Foi por muito tempo considerada como tratamento "padrão-ouro", com o qual os outros métodos terapêuticos deveriam ser comparados. Porém, visando a uma menor agressão ao paciente, métodos cirúrgicos menos invasivos foram estudados. Entre eles, a colecistectomia por minilaparotomia (atualmente pouco utilizada) e a colecistectomia por videolaparoscopia. MÓDULO DOR ABDOMINAL – P2 | Luíza Moura e Vitória Neves COLECISTECTOMIA VIDEOLAPAROSCÓPICA Atualmente, é considerado o "padrão-ouro" de colecistectomia. Os resultados imediatos da colecistectomia videolaparoscópica são excelentes. O pós-operatório é, geralmente, tranquilo e confortável. Em torno de 6 h após o término da operação, a soroterapia é suspensa, o paciente deambula e reinicia a ingesta oral de líquidos. Em alguns centros, os pacientes recebem alta hospitalar no mesmo dia. Em torno de 7 dias, os pacientes estão em condições de voltar às suas atividades habituais. As complicações peroperatórias específicas são: Lesão do hepatocolédoco; Hemorragia; e Lesão de outros órgãos abdominais. As pequenas hemorragias são facilmente controláveis por eletrocoagulação. Hemorragias mais graves resultam da lesão da artéria cística, ou mesmo da hepática. Muitas vezes, quando há lesão biliar, esta tende a ser grave. As complicações pós-operatórias são semelhantes à após a colecistectomia aberta. As infecções das feridas operatórias são pouco frequentes e predominam na incisão ao nível do umbigo.
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