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BIOQUÍMICA GERAL Rodrigo Binkowski de Andrade Lipídeos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar a estrutura dos principais lipídeos nas células. � Reconhecer as diversas funções biológicas dos lipídeos. � Diferenciar a solubilidade em meio aquoso e em solventes orgânicos. Introdução Os lipídeos são biomoléculas que fazem parte de um grupo heterogêneo de substâncias, amplamente distribuídas em vegetais e animais, com a característica comum de insolubilidade em água. Neste texto, você vai estudar as principais funções dos lipídeos, sua estrutura e algumas propriedades químicas dessas biomoléculas. O papel dos lipídeos Em muitos organismos, óleos e gorduras são as formas principais de armaze- nar energia, enquanto fosfolipídeos e os esteróis representam perto de metade da massa das membranas biológicas. Outros lipídeos, embora presentes em quantidades relativamente pequenas, desempenham papéis cruciais como cofatores enzimáticos, transportadores de elétrons, pigmentos que absorvem radiações luminosas, âncoras hidrofóbicas, agentes emulsificantes, hormô- nios e mensageiros intracelulares. Os óleos e gorduras empregados como armazenamento de energia são derivados dos ácidos graxos (AG). Os AG são derivados dos hidrocarbonetos e seu estado de oxidação é mínimo, ou seja, eles são altamente reduzidos. A oxidação completa dos AG na célula é altamente exergônica. Em alguns animais, os triglicerídeos servem, além de reservatório energético, como isolante contra temperaturas externas muito baixas. A densidade baixa dos triglicerídeos permite a certo animais, como a baleia cachalote, equilibrar a densidade de seu corpo com a água fria circun- dante, no mergulho em águas profundas. A maioria das gorduras animais é mistura de triacilgliceróis. Os óleos vegetais são compostos principalmente por AG insaturados e, assim, são líquidos à temperatura ambiente. Observe na Figura 1 alguns tipos de lipídeos existentes em nosso organismo. Fi gu ra 1 . A lg un s t ip os c om un s d e lip íd eo s d e ar m az en am en to e d e m em br an a. Fo nt e: N el so n e Co x (2 01 4) . Lipídeos2 Estrutura, características físico-químicas e as diversas funções dos lipídeos Os AG são ácidos carboxílicos com cadeias hidrocarbônicas que contêm entre quatro e 36 carbonos, com ou não ligações duplas. A nomenclatura do principal ácido graxo sintetizado no nosso corpo é 16:0, conhecido como ácido palmítico, que tem 16 carbonos e é totalmente saturado. Existem outros tipos de AG de importância biológica, tais como o ácido oleico e ácido linoleico (Figura 2). Figura 2. Ácidos graxos. Fonte: Rodwell et al. (2017). As propriedades físicas dos AG e dos compostos que os contêm são de- terminadas pelo comprimento e pelo grau de insaturação da cadeia hidrocar- bônica. Quanto maior a cadeia hidrocarbônica do AG e menor o número de ligações duplas, menor a sua solubilidade em água. Nos compostos totalmente saturados, a livre rotação ao redor de cada ligação carbono-carbono (C-C) confere à cadeia hidrocarbônica uma grande flexibilidade. Uma dupla ligação CIS força uma curvatura na cadeia. Nos animais, os AG livres (grupo carboxilato livre) circulam no sangue ligados a uma proteína transportadora, a soroalbumina. Entretanto, os AG estão presentes principalmente como derivados de ácidos carboxílicos como os ésteres e as amidas. A ceras são ésteres de AG de cadeia longa saturada e insaturada (14 a 36 C) com álcoois de cadeia longa (16 a 30 C). Possuem propriedades repelentes da água e consistência firme (Figura 3). 3Lipídeos Figura 3. O empacotamento de ácidos graxos em agregados estáveis. Fonte: Nelson e Cox (2014). Os lipídeos de membrana são anfipáticos e compostos principalmente por fosfolipídeos. Já os glicerofosfolipídeos possuem uma região hidrofóbica com- posta de dois AG e um glicerol. O esfingolipídeo é composto de um ácido graxo e uma molécula de esfingosina (amina). Este grupo de lipídeos está envolvido em vários eventos de reconhecimento na superfície celular. Por outro lado, os esteróis possuem quatro anéis hidrocarbônicos fundidos e sintetizados a partir de isopreno. O colesterol é o mais importante esterol nos tecidos animais. É precursor para uma variedade de produtos e este grupo de lipídeos é o precursor dos demais esteróides. No organismo, o colesterol apresenta uma estrutura esteri- ficada (Figura 4). O colesterol é transportado para os tecidos pelas lipoproteínas plasmáticas. Este esteroide estabiliza com arranjo linear dos AG saturados das membranas, por interações de van der Waals. Os ácidos biliares são derivados do colesterol que atuam na digestão de lipídeos. Lipídeos4 Figura 4. Colesterol. Fonte: Rodwell et al. (2017). Um grupo muito importante de lipídeos são os eicosanoides, derivados dos AG. Eles não são transportados entre os tecidos pelo sangue, mas agem no próprio tecido em que são produzidos. São sintetizados a partir de um derivado do ácido araquidônico. A maior parte dos leucotrienos é produzida pela via 5-lipoxigenase, presente nos basófios, leucócitos, macrófagos e mastócitos. Estão envolvidos na função reprodutiva; na inflamação, na febre e na sensação de dor associada à doença; na formação de coágulos sanguíneos; na regulação da pressão sanguínea. São todos derivados do ácido araquidônico, um ácido graxo poliinsaturado com 20 átomos de carbono. Os eicosanoides podem ser divididos em 3 classes: prostaglandinas, tromboxanas e leucotrienos. As prostaglandinas contêm um anel de 5 C, agindo na regulação e síntese do AMPc. Algumas prostaglandinas estimulam a contração da musculatura lisa do útero durante o trabalho de parto ou menstruação. Outras afetam o fluxo sanguíneo para órgãos específicos, o ciclo entre vigília e sono e a sensibilidade de certos tecidos a hormônios como epinefrina e glucagon. Outros, ainda, elevam a temperatura corporal (febre) e provocam a inflamação, resultando em dor. As tromboxanas têm um anel de 6 C e um grupo éter. São produzidas pelas plaquetas e agem na formação dos trombos sanguíneos e na redução do fluxo do sangue para o sítio do coágulo. A síntese das tromboxanas TXA2 e TXA3 é feita a partir da prostaglandina PGH2. Elas são produzidas pelas plaquetas e agem na formação dos coágulos sanguíneos e na redução do fluxo de sangue perto do coágulo. As principais funções: estimulação da contração da musculatura lisa e indução da agregação plaquetaria. Os AG ω-3 inibem a formação de TXA2 pelo ácido araquidônico. A TXA3 é menos trombogênica e apresenta menor risco de arteriosclerose 5Lipídeos Por fim, os leucotrienos contêm 3 LD conjugadas. São sinais biológi- cos potentes. Induzem, por exemplo, a contração da camada muscular que pavimenta as vias aéreas que conduzem oxigênio ao pulmão. A produção exagerada de leucotrienos provoca ataques de asma. Um resumo das funções das prostaglandinas pode ser conferido na Figura 5. Figura 5. Visão geral da biossíntese e da função de algumas prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos importantes, derivados do ácido araquidônico. Fonte: Harvey e Ferrier (2012). As vitaminas lipossolúveis são compostos isoprenóides, sintetizados pela condensação de unidades de isopreno. A vitamina A é essencial para visão Lipídeos6 e sua deficiência causa pele seca, xeroftalmia, membranas mucosas secas, desenvolvimento e crescimento retardado e cegueira noturna. Já a vitamina D, também chamada de colecalciferol, é derivada do colesterol. Forma-se normalmente na pele em uma reação fotoquímica catalisada pelo componente ultravioleta da luz solar. A vitamina D3, por si só, não é biologicamente ativa, mas é precursora do 1,25-di-hidroxicolecalciferol, potente hormônio que regula a absorção de cálcio no intestino e o equilíbrio entre liberação e deposição de cálcio e fósforo nos ossos. A deficiência de vitamina D causa raquitismo. A vitamina E previneo dano oxidativo aos lipídeos das membranas ce- lulares A ingestão de AG deve ser casada com a ingestão de vitamina E, para não ocorrer problemas cardiovasculares. A forma ativa da vitamina E é o alfa-tocoferol e sua deficiência causa pele escamosa, fraqueza e atrofia muscular e esterilidade. Os tocoferóis reagem com, e destroem, as formas mais reativas do oxigênio, protegendo os AG insaturados da oxidação sendo um importante antioxidante. Já a vitamina K é cofator lipídico necessário para a coagulação sanguínea normal. Age na formação da prototrombina, enzima proteolítica que hidro- lisa ligações peptídicas específicas nas proteínas sanguíneas fibrinogênio, convertendo-o em fibrina (proteína fibrosa insolúvel que mantém a estrutura do coágulo). A deficiência desta vitamina resulta em deficiência de coagulação. Assista ao vídeo a seguir para revisar quatro importantes grupos de lipídeos: triglicerídeos, fosfolipídeos, esteroides e ceras (RICOCHET SCIENCE, 2016). https://goo.gl/WxdNCl Uma quinona lipídica, a ubiquinona (coenzima Q) é derivada dos isoprenóis e funciona como transportador de elétrons na mitocôndria durante a produção de ATP. Os lipídeos que contêm AG unidos por ligações éster ou amida podem ser hidrolisados, por saponificação, pelo tratamento com ácido ou álcali, para liberar as suas partes componentes. Os triacilgliceróis são os lipídeos mais simples, constituídos de AG. São compostos de 3 AG, cada um em uma ligação 7Lipídeos éster com uma única hidroxila do glicerol. São moléculas hidrofóbicas e não polares. Os triglicerídeos são estocados nos adipócitos, células especializadas em armazenar triacilgliceróis em pequenas gotas. Os adipócitos contêm lipases, enzimas que catalisam a hidrólise dos triacilgliceróis armazenados, liberando AG que serão exportados para os locais onde são necessários (Figura 6). Figura 6. Depósitos de gordura nas células. Fonte: Nelson e Cox (2014). Existem duas vantagens significativas no uso de triglicerídeos como com- bustíveis de reserva, em lugar do glicogênio e do amido. A primeira delas é que os átomos de carbono dos AG são mais reduzidos que os dos açúcares, e a oxidação dos triglicerídeos libera mais do que o dobro de energia que a oxidação de carboidratos. A segunda, os triacilgliceróis são hidrofóbicos, e portanto, desidratados, e os organismos que usam as gorduras como combustí- vel não precisam carregar o peso extra da água associada aos polissacarídeos. Nas células intestinais, a vitamina D estimula a síntese da proteína responsável pela absorção do cálcio, a calbindin. Junto com o PTH, promove a reabsorção óssea de cálcio e inibe a excreção de cálcio pelos rins. Lipídeos8 As principais funções dos lipídeos são reserva energética, isolamento térmico e proteção mecânica. Os átomos de C dos AG são quimicamente mais reduzidos que aqueles dos açúcares e, portanto, a oxidação dos triacilgliceróis libera uma quantidade de energia maior que a liberada pelos carboidratos. Nos vertebrados, os AG livres (não esterificados) circulam no sangue ligados não covalentemente a uma proteína carregadora, a albumina sérica. No entanto, os AG estão presentes no sangue principalmente como derivados de ácidos carboxílicos como ésteres e amidas. Hidrogenação: os AG insaturados são convertidos industrialmente em gorduras sólidas por meio da hidrogenação catalítica. Esse processo é utilizado em margarinas de baixo custo para solidificar os óleos, por onde é adicionado hidrigênios nas ligações duplas dos AG. Geralmente esse processo gera a formação de alguns AG trans, no qual são extremamente nocivos à saúde. Tabela 1. Ácidos graxos trans em alguns fast-foods e lanches. (Dados para alimentos prepa- rados com óleo vegetal parcialmente hidrogenado nos Estados Unidos em 2002.) Fonte: Nelson e Cox (2014). 9Lipídeos Uma produção excessiva de leucotrienos causa ataques de asma. A síntese de leuco- trienos é o alvo de drogas para asmáticos, como a prednisona. Além disso, as drogas antiinflamatórias não esteroidais, como a aspirina, inibem a enzima prostaglandina H2 sintetase que catalisa passo inicial na rota de conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas e tromboxanas. Via respiratória normal e via afetada pela asma. Fonte: Asma (2017). ASMA. Saúde e bem estar. Porto, 2017. Disponível em: <https://www.saudebemestar. pt/media/86848/asma.jpg>. Acesso em: 02 out. 2017. HARVEY, R.; FERRIER, D. Bioquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. NELSON D. L; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. RICOCHET SCIENCE. Lipids. YouTube, 2016. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=5BBYBRWzsLA>. Acesso em: 02 out. 2017. RODWELL, V. W. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. Lipídeos10
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