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Bacharelado em Psicologia Psicologia das Relações Familiares Análise do Curta Metragem Bao Prof.ª Msª: Jaqueline Rodrigues Aluno: Cauê Silva Campos Vasconcelos Fortaleza, Outubro de 2020 RESUMO: Propõe-se uma análise cinematográfica do curta-metragem “Bao” e ao mesmo tempo uma correlação com os estudos abordados na disciplina de Psicologia das Relações Familiares. Apresenta-se, portanto, um direcionamento analítico do filme, explicitando- se os elementos expostos no mesmo; construindo uma visão significativa com base nos conceitos estudados em sala. O objetivo, neste trabalho, é analisar, por meio de uma leitura crítica o filme. O método de pesquisa utilizado foi o método qualitativo/descritivo. Palavras-Chaves: Família; Mãe; Maternidade; Relações. INTRODUÇÃO: O curta-metragem Bao (2018), foi um dos ganhadores do Oscar em 2018, e foi coproduzido pelo estúdio Pixar. O filme é ambientado na cidade de Toronto, Canadá e tem como protagonista, e uma das poucas personagens, uma dona de casa chinesa que mora com seu marido. Eles já são de idade mais madura e no início do filme não mostram se possuem filhos. Ela cozinha bolinhos (baozi, bolinho chinês de massa) e um dia, um dos bolinhos cria pernas, braços e ganha feições de um bebê menino. Depois de alguns segundos observando aquele inusitado bolinho, a mulher se afeiçoa por ele e passa a criá- lo como um filho. A história se desenvolve inteiramente a partir da relação mãe-e-filho dos dois. Vemos um amor incondicional e uma vigilância constante por parte da mãe. O bolinho vai crescendo, e podemos observar as transições entre as primeiras etapas desse período infanto-juvenil. Na primeira e segunda infância ele está bem mais tolerante às intervenções da mãe e aceita de bom grado as imposições dela; bem como parece se relacionar de forma saudável com ela. Quando o bolinho entra na pré-adolescência podemos notar o início de uma tentativa de autonomia, que é impedido pela mãe, sempre o impedindo de brincar, cair, se machucar. O filho chega à adolescência e fica cada vez mais ausente e rebelde, reproduzindo todo o estereótipo do adolescente rebelde e insatisfeito. Um dia, quando o garoto aparece com a namorada e dá sinais de noivado, a mãe fica sem rumo e, para impedi-lo, ela engole o próprio filho (ou bolinho). A mãe entra em uma tristeza profunda e após isso o pai aparece com o verdadeiro filho, nos damos conta que os episódios com o bolinho não eram de todo verdadeiros. No fim das contas tudo no filme era apenas um devaneio alegórico, um sonho. O filho verdadeiro se aproxima relutante da mãe e juntos os dois se reconciliam e comem baozis. DESENVOLVIMENTO: O curta-metragem evidencia a história de uma mãe chinesa-canadense que (apesar de não ser dito explicitamente) sofre com a síndrome do ninho vazio após seu filho sair de casa. Os sintomas da síndrome do ninho vazio podem incluir: melancolia, crise de cunho existencial, rejeição social, preocupação exacerbada, estresse e ansiedade com o bem- estar do filho. É importante salientar que apesar de mostrar alguns sintomas específicos, a dita síndrome não possue, necessariamente, um viés patológico, mas se trata de uma sensação psicológica de pesar e solidão; podendo obviamente “migrar” para uma condição como o transtorno depressivo, contudo não é uma regra. É esperado que essa condição sindrômica acometa mais pais superprotetores ou inseguros. Pode-se notar que a mãe do filme vive solitária, apesar de ser casada o marido está sempre ocupado trabalhando e fica ausente durante quase todo o filme. Nestes curtos segundos de melancolia que abrem o primeiro momento do curta, a mãe recebe uma segunda chance para desempenhar a maternidade quando um baozi (daí o nome do curta “Bao”) ganha vida e assume a personalidade de um bebê menino. A partir daí a mãe idealiza uma relação materna com o bolinho e cuida dele, o alimenta, molda-o a seu bel prazer e acompanha seu crescimento. Não muito diferente da maioria das criações numa família nuclear. A questão é que a postura extremamente cuidadora da mãe acarreta insatisfação e rebeldia no filho/bolinho à medida que ele vai crescendo e amadurecendo. À uma certa altura do desenvolvimento é necessário que a cria desenvolva sua autonomia e um progressivo “desmame” do colo materno e paterno. O não afrouxamento desse vínculo acarreta revolta, rupturas, descontentamento e distanciamento dos filhos com os pais. No filme, isso denota uma cisão intergeracional, um conflito em função das escolhas afetivas ou profissionais dos filhos. A mãe não cede a postura de controle e quer segurar seu filho, mesmo ele já sendo um adulto. A mesma mordida que despertou o bolinho à vida foi a causa do término da sua “existência”. Assim como na mitologia grega Cronos por medo de perder seu trono, engole cada filho que nasce. A mãe do curta- metragem dedicou sua vida a criar seu filho e quando percebe que não há nada que fará ele ficar em casa, ela o engole, para controla-lo, mas também para sanar seu próprio sofrimento, usa própria frustração, ela consegue lidar com o fato de que naquele momento ela não desempenhará mais tão frequentemente o papel de mãe. Até no caso da alegoria mitológica, o velho titã do tempo (Cronos) é derrotado pelos filhos que fogem da barriga dele e o matam. A intenção não é ser advogado do diabo, pois a atitude da mãe também faltou com o bom senso, porém a atitude egoísta do filho/bolinho revela o quão superficiais são os relacionamentos familiares quando colocados na balança junto às aspirações pessoais. Talvez seja errado não seguir os próprios anseios e sonhos, mas também é errado não ser grato com aqueles que sacrificaram muito para cuidar dele, seus pais. Costuma-se usar os pais superprotetores como bodes expiatórios e causa das mazelas que possuímos, dos defeitos que carregamos, contudo, seria apenas culpa deles? O que seríamos sem estes conteúdos que mostram tanto quem realmente somos? Jung certa vez afirmou: “Como condenar (...) os pais apreensivos de grande número de crianças, quando tentam erguer muralhas protetoras, expor quadros atuantes e recomendar caminhos transitáveis que contornam os abismos?” (JUNG, 2008, pp. 171, grifos nossos) Seguindo o gancho da citação: não seria errado ser cuidadoso ou protetor; os pais pecam pelo excesso, isso em ambos os extremos, em famílias de laços rígidos ou de laços frouxos. Pois mesmo com toda a “privação” de liberdade do filho, ele voltou para casa e se reconciliou com a mãe, ele voltou porque havia um vínculo forte que tinha sido estabelecido, que estava para além do seu desejo de liberdade. Um vínculo que foi construído pelo zelo e dedicação da mãe. CONCLUSÃO: Neste curto escrito sobre a animação Bao (2018), foi abordado vários conceitos estudados em sala e no decorrer do curso. Foi interessante poder observar e divagar sobre os fenômenos e nuances das relações familiares numa espécie de “observação prática”. A figura de uma mãe superprotetora no filme evidenciou o quanto pode ser danoso esta forma de relação numa dinâmica familiar, assim como outras condições psicológicas que estão presentes nessa esfera conceitual, como a síndrome do ninho vazio, que denota uma espécie de luto simbólico, ou a geração boomerang que volta para a casa dos pais, reiniciando todo aquele processo de reinserção, adaptação, acolhida e possível nova ruptura. Apesar de ser uma animação bem curta (8 minutos), ele puxa diversas discussões sobre a família, a maternidade, a autonomia, a liberdade e a postura dos filhos com os pais. REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BAO (2018). Disponível em: <//https://www.imdb.com/title/tt8075496//>. Acesso em: 15 de outubro de 2020. CERVENY, C. M. de O., BERTHOUD, C. M. E. Ciclo vital da família brasileira. In: L. C. OSÓRIO; M. E. P do V. e VALLE (org). Manualde terapia familiar Volume II. Porto Alegre: Artmed, 2011 JUNG, Carl. Desenvolvimento da Personalidade. Trad. Frei Valdemar do Amaral. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. OSÓRIO, L.C. Disfunções Familiares. Manual de Terapia Familiar. Artmed, 2008. .
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