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MEDIDA DE SEGURANÇA: Limite de Duração e Caráter Terapêutico.

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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO - FMP
FREDERICO SCHELSKE OLIVEIRA
MEDIDA DE SEGURANÇA:
Limite de Duração e Caráter Terapêutico.
Porto Alegre
2020
Frederico Schelske Oliveira
MEDIDA DE SEGURANÇA:
Limite de Duração e Caráter Terapêutico
Trabalho de conclusão de curso apresentado
como requisito para obtenção de título de bacharel
em Direito, na Faculdade de Direito da Fundação
Escola Superior do Ministério Público do Rio
Grande do Sul.
Orientador: Prof. Gilberto Thums.
Porto Alegre
2020
Oliveira, Frederico Schelske
Medida de segurança: limite de duração e caráter terapêutico / Frederico
Schelske Oliveira. -- Porto Alegre 2020.
58 f.
Orientador: Gilberto Thums.
Trabalho de conclusão de curso (Graduação) -- Faculdade de Direito da
Fundação Escola Superior do Ministério Públco, Curso de Direito -
Bacharelado, Porto Alegre, BR- RS, 2020.
Psiquiátrica. 4. Prisão Perpétua. 5. Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico. I. Thums, Gilberto, orient. II. Título.
FICHA CATALOGRÁFICA
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Paulo Pinto de Carvalho e setor de
Tecnologia da Informação, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
FREDERICO SCHELSKE OLIVEIRA
MEDIDA DE SEGURANÇA: limite de duração e caráter terapêutico
Trabalho de conclusão de curso de Direito
apresentado à Fundação Escola Superior
do Ministério Público, como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel em
Direito. 
O trabalho foi aprovado em _____ de _________________ de 2020 pelos membros da
banca examinadora, obtendo nota _____________. 
Examinado em ___ de __________ de _____. 
BANCA EXAMINADORA 
__________________________________________ 
XXX - Fundação Escola Superior do Ministério Público 
__________________________________________ 
XXX – Fundação Escola Superior do Ministério Público 
__________________________________________ 
Prof. Gilberto Thums - Fundação Escola Superior do Ministério Público (Orientador)
O desprezo é a forma mais sutil de vingança.
Baltasar Gracián y Morales
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço aos meus pais José Américo Aguirre Oliveira e Maira
Roseli Scheslke Oliveira e minha família pelo apoio e amor que têm me dado desde
sempre.
Agradeço meu orientador Prof. Gilberto Thums pela dedicação, incentivo e
paciência.
Agradeço aos meus colegas, meus companheiros nessa batalha da graduação,
meus irmãos acadêmicos, faço minhas as palavras de Henrique V no Discurso do Dia
de São Crispim, escrito por Shakespeare: “Nós, estes poucos; nós, um punhado de
sortudos; nós, um bando de irmãos… pois quem hoje derrama o seu sangue junto
comigo passa a ser meu irmão”.
Ao fim, agradeço a todos os meus amigos por serem presentes na minha vida,
por compreenderem a dificuldade de realizar um trabalho desta proporção e zelarem
pela minha saúde mental durante este período de pandemia.
RESUMO
O objetivo principal da atual monografia é verificar a efetividade e a legalidade da
medida de segurança sob a luz dos princípios constitucionais e dos novos
entendimentos trazidos pela reforma psiquiátrica, que foram positivados na Lei n.º
10.216 de 2001. Buscou-se analisar as diferentes vertentes de entendimentos aplicados
ao limite de duração da medida de segurança em resposta à previsão legal da
possibilidade de medida de segurança perpétua, presente no Código Penal. Analisou-
se, também, a situação real enfrentada pelos sujeitos internados durante o
cumprimento de medida de segurança dentro dos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico, questionando não só a adequação infraestrutural destes locais para
receber e tratar seus internos, mas também a adequação técnica destes locais às
exigências estabelecidas pela Lei da Reforma Psiquiátrica de 2001. Através das
análises feitas ao longo da monografia, conclui-se que, a pesar dos avanços
conquistados pela Reforma Psiquiátrica e a positivação da ressocialização como
objetivo principal do tratamento do sujeito submetido à medida de segurança, esta
acaba tendo seu caráter terapêutico ofuscado pelas condições infraestruturais e
técnicas nas quais é executada, o que impossibilita a diferenciação entre o
cumprimento de medida de segurança e o cumprimento de pena privativa de liberdade. 
Palavras-Chave: Medida de Segurança. Prisão perpétua. Lei n.º 10.216 de 2001.
Reforma psiquiátrica. Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................8
2 LOUCURA, SOCIEDADE E DIREITO.........................................................................11
2.1 O LOUCO E A SOCIEDADE....................................................................................11
2.2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL E A LEI 10.216 DE 2001....................13
2.3 O LOUCO E O DIREITO PENAL.............................................................................16
3 A MEDIDA DE SEGURANÇA.....................................................................................18
3.1 CONCEITO DE MEDIDA DE SEGURANÇA............................................................18
3.2 HISTÓRICO DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA..............................19
3.3 CULPABILIDADE E A PERICULOSIDADE NO DIREITO PENAL..........................20
3.4 PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA.......................................................................24
3.5 O INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL..............................................................26
3.6 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL............27
4 HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E OS INTERNADOS......................................................31
4.1 O PERFIL DO INTERNADO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA..................................31
4.2 OS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E OS DIREITOS DO INTERNADO.......................32
4.3 O MITO DA IMPUNIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA....................................33
4.4 A REALIDADE NOS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA BRASILEIROS.........................35
4.5 O ABANDONO SOCIOFAMILIAR DO INTERNADO...............................................37
5 LIMITE DE DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA.............................................40
5.1 PRINCÍPIOS PENAIS CONTRA OS EXCESSOS PUNITIVOS...............................40
5.2 VEDAÇÃO DE PENA PERPÉTUA NO DIREITO BRASILEIRO..............................42
5.3 LIMITE MÁXIMO DA MEDIDA DE SEGURANÇA SEGUNDO O CÓDIGO PENAL44
5.4 ENTENDIMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA...............................................................................................45
5.5 VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS PENAIS NA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE
SEGURANÇA.................................................................................................................47
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................50
REFERÊNCIAS..............................................................................................................53
8
1 INTRODUÇÃO
A forma como a sociedade trata seus doentes mentais, em situações em que
estes cometem delitos, sempre foi um tema controverso e de difícil compreensão. Ao
elaborar nosso ordenamento jurídico, a solução encontrada pelo legislador para
resolver o dilema de práticas delituosas perpetradas por indivíduos inimputáveis
(doentes mentais) foi a medida de segurança, substituindo a pena, que seria aplicada
em caso de imputáveis, por uma medida que não somente protege a sociedade de
possíveis novos delitos praticados por indivíduo inimputável mas, também, possibilita
um tratamento para este em um local propício, visando recuperá-lo e reintegrá-lo à
sociedade.
Existem muitas doenças mentais incapacitantes e que não possuem cura. Não
há tratamento.Pesquisas recentes indicam que os psicopatas enganam os peritos, os
juízes e a polícia, quando possuem distúrbio voltado à prática delitiva. Os psiquiatras
que estudam as mentes de psicopatas conseguiram elucidar vários aspectos deste
campo da mente humana.
Quando comparada com o tempo que o ser humano teve que lidar com a
insanidade e seus efeitos na sociedade, locais focados para o tratamento médico
psiquiátrico dessas insanidades são relativamente recentes. Gradualmente, seguindo o
passo dos avanços científicos, as técnicas de tratamento vão sendo aperfeiçoadas, que
geram uma aproximação do efeito terapêutico desejado na concepção da medida de
segurança.
Entretanto, os locais para o cumprimento de medida de segurança e a própria
legislação que a rege aparentam estar em constante descompasso com as teorias
modernas de psiquiatria. Arbex relata as primeiras impressões de uma trabalhadora ao
se deparar com a realidade do Hospital Colônia de Barbacena em 1975:
Um cheiro insuportável alcançou sua narina. Acostumada com o perfume de
rosas do escritório da Brasil Flowers, onde passou por sua única experiência
profissional até aquele momento, Marlene foi surpreendida pelo odor fétido,
vindo do interior do prédio. Nem tinha se refeito do mal-estar, quando avistou
montes de capim espalhados pelo chão. Junto ao mato havia seres humanos
esquálidos. Duzentos e oitenta homens, a maioria nu, rastejavam pelo assoalho
9
branco com tozetos pretos em meio à imundície do esgoto aberto que cruzava
todo o pavilhão. (ARBEX, 2013, e-book não paginado).
Aproximadamente 33 anos após o relato do Hospital Colônia, em 2008, a
OAB/RS realizou uma vistoria no Instituto Psiquiátrico Forense localizado em Porto
Alegre, na qual foram constatadas as terríveis condições de algumas alas do Instituto,
falta de produtos básicos como papel higiênico, colchões atirados no chão e um poço
de esgoto a céu aberto.
Em 2016 uma outra vistoria aconteceu no mesmo local, na qual o coordenador
da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS, Roque Reckzeigel reconheceu algumas
melhorias no IPF, porém admitiu que a situação estava longe de estar controlada, nesta
ocasião os pacientes também reclamaram do tratamento ao qual estavam sendo
expostos, entre eles a comida em quantidade insuficiente e de baixa qualidade e falta
de acesso ao pátio por falta de funcionários para proporcionar as saídas. (Milanezi,
2016)
De acordo com o Art. 97, § 1º do Código Penal, o único modo de desinternação
do indivíduo submetido à medida de segurança é por meio de perícia que, após o
tempo mínimo de internação de 1 ano, ateste a cessação de periculosidade. (BRASIL,
1984, art. 97). In verbis:
Art.97 – Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (Art.26).
Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz
submetê-lo a tratamento ambulatorial. 
§ 1º – A internação ou tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado,
perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação
de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. 
Além das disposições do Art. 97, § 1º, as condições dos locais onde este
indivíduo é forçado a se submeter durante esse mínimo de 1 ano, tornam utópica a
hipótese de cessação de periculosidade, quando somadas à vedação da privação de
liberdade perpétua, um conceito basilar no ordenamento jurídico brasileiro. É flagrante a
necessidade de ajustes legais que prestem tutela à uma classe que foi, e ainda é, em
grande parte esquecida e ostracizada tanto pela sociedade quanto pelo direito.
(BRASIL, 1984, art. 97, § 1º).
10
Sobre o assunto, Carvalho comenta:
A incapacidade de as instituições totais (prisões e manicômios) realizarem
minimamente as finalidades expostas em sua programação oficial (ressocializar
o imputável e reduzir a periculosidade dos inimputáveis) deflagrou um amplo
processo de desconstrução dos mitos fundantes do sistema punitivo. Dentre
estes mitos, a ausência da perspectiva punitiva (retributiva) das medidas de
segurança. (CARVALHO, 2020, e-book não paginado).
Em outras palavras, segundo o autor, a incapacidade de tratar o internado do
modo correto, ou seja, não diminuindo sua periculosidade, faz com que a medida de
segurança tenda a ser pena.
O objetivo geral deste trabalho é demonstrar, por meio de exposição de
legislação, jurisprudência e doutrina, a necessidade de regulamentações atualizadas no
que se refere à medida de segurança, levando em conta não somente as vedações
legais de pena de caráter perpétuo, mas os novos entendimentos da psiquiatria
moderna defendidos pelo movimento da reforma psiquiátrica.
Como hipótese, argumenta-se que, nos moldes atuais, mesmo com as
resoluções e entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal e legislação própria, a medida de segurança, via de regra, acaba afastando-se
da obrigação de reabilitação do interno, perdendo seu caráter terapêutico e, por
consequência, confundindo-se com pena, sendo assim, uma medida ineficaz.
11
2 LOUCURA, SOCIEDADE E DIREITO 
2.1 O LOUCO E A SOCIEDADE
A loucura, como característica do ser humano, o acompanha desde os tempos
antigos até o presente e apresenta-se em diferentes formas em relação à sociedade.
Partindo da interpretação da loucura como bênção ou maldição divina até os
diagnósticos como doença mental, o tratamento da sociedade para quem viesse a ser
identificado como louco, foi sendo modificado.
Com a evolução científica, caiu por terra quase em totalidade o viés espiritual da
loucura, passou-se a reconhecê-la cada vez mais como patologia, e, por consequência,
tornam-se o louco e a loucura em objetos de estudo.
Uma das soluções encontradas pela sociedade, em diversos momentos da
história, para lidar com os loucos, foi simplesmente o distanciamento, buscando retirar o
louco do convívio social e, assim, evitar qualquer dano ou perigo que ele possa gerar a
outros indivíduos. Hoje o conceito de doença mental é muito mais amplo e é aceito com
mais naturalidade.
Foucault aborda o assunto do ostracismo dos loucos, citando alegoria da “nau
dos insensatos”, uma embarcação de tripulação completamente composta por loucos,
enquanto traça um paralelo com casos reais. Segundo ele,
As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos
campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e
peregrinos. Esse costume era frequente particularmente na Alemanha: em
Nuremberg, durante a primeira metade do século XV, registrou-se a presença
de 62 loucos, 31 dos quais foram escorraçados. […] em Frankfurt, em 1399,
encarregam-se marinheiros de livrar a cidade de um louco que por ela passeava
nu; nos primeiros anos do século XV, um criminoso louco é enviado de mesmo
modo a Mayence. (FOUCAULT, 1978, p.13).
Foi com a virtual erradicação da lepra na Europa, no final da idade média, que se
apresentou uma situação propícia para uma efetivação, em larga escala, de políticas
visando ao ostracismo dos loucos. Os antigos leprosários careciam agora de função e
12
suas instalações, devido ao alto grau de contágio da lepra, ficavam distantes dos
centros populacionais. (Foucault, 1978, p.60 – 61).
São citados por Foucault (1978, p.14), porém, o Châtelet de Melun, Torre de
Loucos de Caen como exemplos de locais de detenção reservados aos insanos durante
toda a idade média, assim como alguns hospitais que tratavam-los, como no Hôtel-Dieu
de Paris, sendo, porém muito mais comuns os locais de isolamento do que os de
tratamento durante esse período da história.
No período renascentista, a cultura do antropocentrismo glorificava o conceito de
humanidade, e, sendo a loucura uma característica natural humana, esta não deveria
ser tratadacomo algo negativo, era tida como artística e fonte de inspiração e
esclarecimento. Neste contexto surgiram obras como O Elogio da Loucura de Erasmo
de Roterdã, Foucault relata a relação entre loucura e razão, neste mesmo período:
A loucura torna-se uma forma relativa à razão ou, melhor, loucura e razão
entram numa relação eternamente reversível que faz com que toda loucura
tenha sua razão que a julga e controla, e toda razão sua loucura na qual ela
encontra sua verdade irrisória. Cada uma é a medida da outra, e nesse
movimento de referência recíproca elas se recusam, mas uma fundamenta a
outra. (FOCAULT, 1978, p. 35).
O renascimento foi, porém, o período destoante quando comparado ao resto da
Idade Moderna, a partir do século XVII, volta a sociedade a enxergar o insano como
prejudicial à ordem em convivência social. Criam-se novos estabelecimentos que
servem para juntar e isolar não somente os loucos, mas os inválidos pobres, os
mendigos, portadores de doenças venéreas, libertinos e outros que não se conformam
com a ordem da razão, da moral e da sociedade. É criado o Hospital Geral de Paris e
transformado o leprosário de Saint-Lazare em prisões para os desalinhados racional e
moralmente. (FOUCAULT, 1975, e-book não paginado).
É com Philippe Pinel, no final do século XVIII, que se passa a creditar
definitivamente a insanidade a fatores genéticos, fisiológicos e sociais. Pinel acreditava
que o modo que a sociedade tratava o louco poderia ser um fator responsável pela
piora do caso. Difunde-se a ideia de manicômios, onde, diferentemente dos moldes
antigos, além de internado, seria tratado de modo a amenizar e, possivelmente, a curar
sua loucura. (Pessotti, 1996, p.67-68).
13
Pessotti (1996, p.67) aponta a obra de Pinel como marco para o uso do termo
psicopatologia como a entendemos hoje: “Somente a partir da obra de Pinel, o termo
psicopatologia pode ser tomado como sinônimo cabal de teoria da loucura”.
Neste mesmo período, no Rio de Janeiro, especificamente em 1852, foi
inaugurado o Hospício Pedro II, o qual recebeu seus primeiros pacientes das
enfermarias da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, após o decreto do então
Imperador do Brasil Dom Pedro II. (Hospício de Pedro II da construção à
desconstrução, 2014).
Já no século XX, indo contra o entendimento manicomial da corrente anterior, a
reforma psiquiátrica prega o fim da exclusão social, havendo interações sociais no dia a
dia do paciente que, aliadas com tratamento terapêutico, tendem a melhorar as
condições do paciente.
2.2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL E A LEI 10.216 DE 2001 
A luta antimanicomial no Brasil não é recente, tendo raízes na década de 1980, o
movimento buscava a substituição do modelo antigo de internamento manicomial, o
qual funcionava, principalmente, como modo de segregar o doente do resto da
sociedade, por um modelo com maiores possibilidades de tratamento e reintegração. A
fim de oficializar o comprometimento dos países da América Latina com a luta
antimanicomial, a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan Americana de
Saúde divulgaram o documento “A reestruturação da atenção psiquiátrica na América
Latina: uma nova política para os serviços de Saúde Mental”, que ficou conhecida como
a Declaração de Caracas, na qual os países assinantes reconheciam a inefetividade e a
limitação do modelo psiquiátrico da época e a necessidade de que a legislação dos
países assinantes se ajuste à realidade e aos avanços da psiquiatria moderna.
(ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE
SAÚDE, 1990).
A pressão social causada pelo movimento culminou no Projeto de Lei nº
3.657/89, que estipulava a proibição de construção de novos hospitais psiquiátricos no
território brasileiro, tal projeto ficou conhecido como projeto de Lei Paulo Delgado,
14
deputado autor do projeto. Entretanto apenas no dia 6 de abril de 2001, foi sancionada
a Lei nº 10.216, a Lei da Reforma Psiquiátrica. (DESVIAT, 2015, p. 138)
A lei n°10.216 de 2001 foi um marco para a reforma psiquiátrica no Brasil, nela
estão presentes os direitos da pessoa acometida por transtorno mental e também o
regramento referente ao tratamento de tais pessoas, no art. 4º e seus parágrafos, fica
explícito o forte caráter antimanicomial da lei. (BRASIL, 2001, art. 4). In verbis:
Art. 4o - A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do
paciente em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a
oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais,
incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de
lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos
recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos
enumerados no parágrafo único do art. 2o.
A Lei da Reforma Psiquiátrica, no referido artigo, reconhece a importância do
local e do meio de tratamento da pessoa acometida de transtornos mentais, dá
preferência ao tratamento extra-hospitalar e usa a internação como último recurso.
Coloca como objetivo claro do tratamento a reinserção do paciente na sociedade, ao
contrário da ostracização do paciente em um hospital. (BRASIL, 2001, art. 4).
Também se refere a Lei n° 10.216 aos pacientes que foram internados de forma
compulsória, por meio de decisão judicial, no art. 6º, parágrafo único, III. (BRASIL,
2001, art. 6). In verbis:
Art. 6° - A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo
médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação
psiquiátrica:
[...]
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Ou seja, os indivíduos internados por determinação judicial também têm seus
direitos reconhecidos pela Lei 10.216, devendo seu tratamento visar à sua reinserção
na sociedade, conforme o supracitado Art. 4º, § 1 da dita Lei. (BRASIL, 2001, art. 4).
15
Sobre a Lei da Reforma Psiquiátrica e as mudanças trazidas por ela, Carvalho
(2020, e-book não paginado) ressalta: “A Lei da Reforma Psiquiátrica não apenas
determina como diretriz central que sejam realizadas políticas públicas de
desinstitucionalização, conforme determina a premissa a respeito da autonomia dos
usuários do sistema de saúde mental”.
Segundo Jacobina, a própria internação acarreta o agravamento da condição do
internado:
Nesse processo dialético de convivência com a loucura, a própria ciência foi se
dando conta da insuficiência da abordagem tradicional: a entrega do louco ao
ambiente manicomial apenas o cronifica. O mandato social dado ao psiquiatra,
para considerá-lo como tutor universal do louco e, principalmente, como escudo
protetor entre a sociedade e a loucura (e entre o louco e sua própria loucura),
foi insuficiente para trazer a cura – objetivo mítico de restabelecer um padrão de
normalidade capaz de eliminar a periculosidade do psicótico. O que se viu e se
vê, na prática, é o agravamento da condição psicótica e a perda da
possibilidade de retorno social ao louco que penetra nesse sistema.
(JACOBINA, 2008, p.88).
O referido agravamento da condição do internado tem também como catalisador
as condições nas quais os hospitais de custódia se encontram e são mantidos, sobre o
assunto Bitencourt disserta:
Na verdade, a violência e a desumanidade que representam o cumprimento de
medida de segurança no interior dos fétidos manicômios judiciários,eufemisticamente denominados hospitais de custódia e tratamento, exigem uma
enérgica tomada de posição em prol da dignidade humana, fundada nos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade assegurados pela atual
Constituição Federal. (BITENCOURT, 2012, e-book não paginado).
O Conselho Federal de Psicologia, ao inspecionar alguns dos hospitais de
custódia do Brasil, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação
Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde, tomou relatos dos pacientes
internados e no seguinte comentário ilustra a situação dos locais onde são cumpridas
as medidas de segurança:
Gostariam de ser tratados como seres humanos, mas são tratados como
bichos, conforme relatos dos pacientes. Não tem qualquer contato no sentido de
tornarem a participar das cidades, jamais recebem visitas; muitas vezes porque
mataram algum familiar e a própria família não procura ou se nega a
16
estabelecer contato. Há pacientes detidos há 19 anos, 27 anos. Toda uma vida
desperdiçada. (BRASIL, 2015, p.155).
Verifica-se então a existência de conflito entre a internação, muitas vezes em
condições como as expostas acima, como meio de tratamento do paciente para
reinserção deste na sociedade, e a impossibilidade de reinserção do paciente na
sociedade por falta de efetividade no tratamento devido a sua própria internação. Tal
paradoxo fica ainda mais flagrante quando o paciente é internado compulsoriamente,
por meio de medida de segurança, e somente pode ser desinternado quando sua
periculosidade for cessada.
2.3 O LOUCO E O DIREITO PENAL
No Direito Penal Brasileiro, a medida de segurança é a ferramenta para lidar com
situações onde o indivíduo que pratica o delito é portador de doença mental. Ela exclui
a culpabilidade da lista de fatores necessários para a aplicação da sanção penal, uma
vez que evidenciada a impossibilidade de entendimento da ilicitude da conduta
praticada.
Segundo Jacobina (2008, p.129): “A medida de segurança parece ser o ponto de
equilíbrio entre as escolas penais clássica e positiva, uma conciliação pragmática que
não consegue lançar raízes profundas em nenhuma das duas escolas”, a dualidade fica
evidente quando na falta de responsabilidade na conduta delituosa, se encontra outra
âncora para fundamentar a reclusão, a periculosidade.
A periculosidade, segundo Jesus (2011, p.590), baseia-se na “probabilidade de
delinquir”, um conceito extremamente subjetivo que, aliado com a positivação de
periculosidade presumida no caso de inimputáveis, conforme consta no Art. 97 do
Código Penal, gera uma arbitrariedade na identificação de indivíduos com
periculosidade real e indivíduos com periculosidade presumida. (BRASIL, 1984, art. 97).
Há um choque de duas realidades, quando se discute a psiquiatria moderna e
direito penal brasileiro. Por um lado, a psiquiatria atual, com o movimento da reforma
psiquiátrica, prega uma menor hospitalização em prol de uma recuperação gradual e
humanizada, alegando que a socialização faz parte do processo terapêutico. Por outro
17
lado, o direito penal brasileiro, de raízes punitivistas, defende a eficácia da segregação
como meio de evitar futuros danos à sociedade.
Com a presunção de periculosidade do inimputável, positivada no Art. 97 do
Código Penal (BRASIL, 1984, art. 97), este será, via de regra, internado por, no mínimo,
um ano. Tal prática vai contra a atual doutrina psiquiátrica de tratamento e,
alegadamente pode vir a piorar o estado do indivíduo submetido à medida de
segurança, tornando virtualmente impossível sua recuperação.
A medida de segurança é vítima do momento histórico de sua criação, vez que
foi criada em uma época em que o tratamento mais difundido para doenças mentais era
o da internação manicomial, justamente o contrário do entendimento atual sobre o
assunto. 
18
3 A MEDIDA DE SEGURANÇA 
3.1 CONCEITO DE MEDIDA DE SEGURANÇA
Segundo Nucci, a medida de segurança tem como conceito:
Trata-se de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando evitar que
o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável,
mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento
adequado. (NUCCI, 2014, e-book não paginado).
A medida de segurança tem caráter preventivo e curativo, enquanto a pena tem
o caráter preventivo e retributivo, pois o objetivo do cerceamento de liberdade causado
pela medida de segurança é para evitar o convívio em sociedade, enquanto o
tratamento não cessar a periculosidade do internado, o que não acontece na pena.
Jesus (2011, p.589), ao diferenciar a medida de segurança das penas acaba
citando as mesmas características apontadas por Nucci no supracitado trecho, porém
adicionou que “as penas são fixas; as medidas de segurança são indeterminadas,
cessando com o desaparecimento da periculosidade do indivíduo”.
Tal colocação de Jesus (2011), deve-se aos fatos da medida de segurança ser
fundamentada na periculosidade do indivíduo, e não em sua culpabilidade, e ao próprio
Código Penal, que traz como única possibilidade de fim da medida de segurança, a
constatação da cessação de periculosidade.
Existem duas espécies de medida de segurança: a detentiva, a qual consiste na
internação do indivíduo alvo de medida de segurança em hospital de custódia, e a
restritiva, que consiste no tratamento ambulatorial. (JESUS, 2011, p.591).
Entre as duas espécies de medida de segurança, a regra é a detentiva, porém
existe a possibilidade, dependendo da pena cominada ao delito praticado pelo indivíduo
ao qual a medida de segurança é imposta, conforme disserta Bitencourt:
A medida de segurança detentiva — internação —, que é a regra, pode ser
substituída por tratamento ambulatorial, “se o fato previsto como crime for
punível com detenção”. Essa medida consiste na sujeição a tratamento
ambulatorial, através do qual são oferecidos cuidados médicos à pessoa
submetida a tratamento, mas sem internação, que poderá tornar-se necessária,
19
para fins curativos, nos termos do § 4º do art. 97 do Código Penal.
(BITENCOURT, 2012, e-book não paginado)
A interpretação do trecho indica que, de acordo com o disposto no Código Penal,
fica obrigatória a internação de qualquer pessoa que tiver como base geradora de sua
medida de segurança crime punível com pena de reclusão. (BRASIL, 1984, art. 97).
Mesmo assim, o tratamento ambulatorial é situação completamente atípica, pois
no censo de 2011, dos 2839 indivíduos em medida de segurança em estabelecimentos
de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil, apenas 39 indivíduos estavam
cumprindo suas medidas de segurança em tratamento ambulatorial. (DINIZ, 2013,
p.40). A regra, portanto, é a internação.
3.2 HISTÓRICO DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA 
O primeiro sistema de medida de segurança no Brasil foi o sistema dualista ou
sistema duplo binário, adotado no Código Penal de 1940, nele, o juiz poderia aplicar
tanto a pena quanto a medida de segurança, segundo Nucci:
[…] quando o réu semi-imputável praticava delito grave e violento, sendo
considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim, terminada
a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame de
cessação de periculosidade. (NUCCI, 2014, e-book não paginado).
O sistema duplo binário foi alvo de muitas críticas, entre elas, a possibilidade de
que, com uma pena de longa duração, o tratamento ficava em segundo plano,
começando somente após o cumprimento da pena, e, na grande parte dos casos, essa
execução sucessiva significava apenas uma troca geográfica dentro do mesmo
estabelecimento penitenciário. Observa-se, também, que o sistema duplo binário
vigorou por mais de 40 anos no Brasil.(JESUS, 2011, p.548).
Após a Reforma Penal de 1984, foi adotado no Brasil o sistema vicariante, o qual
impossibilitava a aplicação simultânea de pena e medida de segurança, o fator
prevalente na escolha entre pena e medida de segurança era a imputabilidade do
indivíduo no momento do crime. Ao imputável somente a pena, ao inimputável somente
20
a medida de segurança e ao semi-imputável ou pena ou medida de segurança, mas
jamais ambas. (NUCCI, 2014, e-book não paginado). 
Segundo Jesus, quando do julgamento de um semi-imputável:
No regime novo, o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, deve impor
ao condenado só pena (reduzida) ou medida de segurança (a sentença é
condenatória). Imposta esta, deve ser executada como se o sujeito fosse
inimputável.
Dessa forma, desde que o sujeito semirresponsável necessite de especial
tratamento curativo, a pena privativa de liberdade deve ser substituída pela
medida de segurança detentiva (internação) ou restritiva (tratamento
ambulatorial), pelo prazo mínimo de um a três anos, aplicando-se as regras do
art. 97 e seus parágrafos. (JESUS, 2011, p.592).
Ainda sobre o sistema vicariante, Bitencourt (2012, e-book não paginado) afirma
que “o fundamento da pena passa a ser exclusivamente a culpabilidade, enquanto a
medida de segurança encontra justificativa somente na periculosidade aliada à
incapacidade penal do agente”.
A mudança foi significativa, na medida em que se revelava um contrassenso
aplicar ao doente mental semi-imputável tanto a pena, quanto a medida de segurança. 
3.3 CULPABILIDADE E A PERICULOSIDADE NO DIREITO PENAL 
Segundo Bitencourt o conceito de culpabilidade no Direito Penal tem um triplo
sentido:
Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena, significa um
juízo de valor que permite atribuir responsabilidade pela prática de um fato
típico e antijurídico a uma determinada pessoa para a consequente aplicação
de pena. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos —
capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta
— que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de
culpabilidade, e que deverão ser necessariamente valorados para, dependendo
do caso, afirmar ou negar a culpabilidade pela prática do delito. A ausência de
qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma
sanção penal. Em segundo lugar, entende-se a culpabilidade como elemento da
determinação ou medição da pena. Nessa acepção a culpabilidade funciona
não como fundamento da pena, mas como limite desta, de acordo com a
gravidade do injusto. Desse modo, o limite e a medida da pena imposta devem
ser proporcionais à gravidade do fato realizado, aliado, é claro, a determinados
critérios de política criminal, relacionados com a finalidade da pena. E,
finalmente, em terceiro lugar, entende-se a culpabilidade, como conceito
contrário à responsabilidade objetiva. Nessa acepção, o princípio de
culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade penal objetiva. Ninguém
21
responderá por um resultado absolutamente imprevisível se não houver obrado,
pelo menos, com dolo ou culpa. (BITENCOURT, 2012, e-book não paginado).
Bitencourt conceitua a culpabilidade como fundamento da pena, limite da pena e
como antítese da responsabilidade penal objetiva, assim como Jesus, que enfoca a
culpabilidade como resultado do juízo de reprovabilidade do sujeito imputável:
A pena só pode ser imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo
juízo de reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico. É um fenômeno
individual: o juízo de reprovabilidade (culpabilidade), elaborado pelo juiz, recai
sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira diversa, tinha condições
de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato (potencial consciência da
antijuridicidade). (JESUS, 2011, p.53). 
No Direito Penal Brasileiro, para haver a aplicação de pena, esta deverá estar
fundamentada na culpabilidade do sujeito praticante do ato ilícito. Não havendo a
culpabilidade, mas ainda existindo uma prática de ato ilícito, o sujeito é caracterizado
como inimputável ou semi-imputável. Tais afirmações têm fulcro no Art. 26 e seu
parágrafo único do Código Penal. (BRASIL, 1984, art. 26). In verbis:
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei n° 7.209, de
11.7.1984)
Parágrafo Único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente,
em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o ato ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
O conteúdo do art. 26 e seu parágrafo único ilustra bem o entendimento de
Bitencourt (2012, e-book não paginado) anteriormente citado, uma vez que tem
presente tanto o sentido de fundamento da pena da culpabilidade, quando isenta de
pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardo, não
era capaz de perceber que sua conduta era reprovável, quanto o sentido de limite da
pena da culpabilidade, quando no parágrafo único é possibilitada a redução da pena se
o indivíduo não for capaz de entender totalmente a reprovabilidade de sua conduta.
Mais além, Jesus (2011, p.53) versa sobre a responsabilidade penal objetiva e
sua relação com a culpabilidade: “O juízo de culpabilidade, que serve de fundamento e
22
medida da pena, repudia a responsabilidade penal objetiva (aplicação de pena sem
dolo, culpa e culpabilidade)”. No trecho, o autor frisa a necessidade da presença de
culpabilidade para a aplicação de pena, impossibilitando que a pena recaia sobre
inimputáveis, aos quais resta apenas a figura da medida de segurança, que não tem a
culpabilidade como requisito de fundamentação.
Enquanto a pena tem como fundamentação a culpabilidade, a medida de
segurança é fundamentada na periculosidade, a qual Bitencourt conceitua como:
Periculosidade pode ser definida como um estado subjetivo mais ou menos
duradouro de antissociabilidade. É um juízo de probabilidade — tendo por base
a conduta antissocial e a anomalia psíquica do agente — de que este voltará a
delinquir. O Código Penal prevê dois tipos de periculosidade: 1) periculosidade
presumida — quando o sujeito for inimputável, nos termos do art. 26, caput; 2)
periculosidade real — também dita judicial ou reconhecida pelo juiz, quando se
tratar de agente semi-imputável (art. 26, parágrafo único), e o juiz constatar que
necessita de “especial tratamento curativo”. (BITENCOURT, 2012, e-book não
paginado).
O autor cita duas modalidades de culpabilidade presentes no Código Penal,
sendo a periculosidade presumida a aplicada aos inimputáveis, ou seja, o sujeito
inimputável submetido à medida de segurança já tem sua periculosidade aferida
baseado apenas na realização do fato previsto como crime. Tal entendimento é
integralmente voltado ao ideal de defesa social, tem o objetivo de proteger a sociedade
do doente delinquente que, por simplesmente ter delinquido, tem supostamente chance
de delinquir novamente. (BITENCOURT, 2012, e-book não paginado).
Fica clara a prevalência do caráter penal desta parte da medida de segurança
em detrimento de sua obrigação sanitária, já que o prazo mínimo para a realização do
primeiro exame de aferição de cessação da periculosidade é de um ano, conforme o
parágrafo primeiro do art. 97 do Código Penal:
§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado,
perdurando enquanto não foraveriguada, mediante perícia médica, a cessação
de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. [...].
(BRASIL, 1984, art. 97, § 1º).
A positivação da presunção de periculosidade é apenas um dos vários pontos
em que a medida de segurança vai contra o que foi também positivado na Lei nº 10.216
23
de 2001. No art. 4º da tal lei, fica vedada a internação, em qualquer uma de suas
modalidades, como primeiro recurso quando se trata de pessoa acometida de
transtorno mental. (BRASIL, 2001, art. 4). In verbis:
Art. 4 - A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
Outro exemplo de visível incongruência entre o que prega a lei da reforma
psiquiátrica e outras leis penais está no art. 319, inciso VII, do Código de Processo
Penal, que teve sua redação alterada pela Lei n.º 12.403 de 2011. (BRASIL, 2011, art.
319). In verbis:
Art. 319 - São medidas cautelares diversas da prisão:
[...]
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou
semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração [...].
Sobre a mudança na redação no supracitado artigo e analisando os dados
recolhidos por inspeções a hospitais de custódia, o relatório realizado pelo Conselho
Federal de Psicologia comenta:
No caso de crimes praticados com violência ou ameaça, se o juiz considerar
que existe a possibilidade de reincidência, permite-se a internação provisória.
Ou seja, a hospitalização ocorre antes mesmo da realização do exame de
saúde mental adequado, realizado por equipe especializada em saúde mental,
podendo ficar o indivíduo internado, aguardando a perícia, por largo período de
tempo. Torna-se urgente a reversão desta prática generalizada de internação
face aos danos que esta acarreta. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2015, p.137).
Além de embasar a fundamentação da medida de segurança, a periculosidade
também é o fator que dita a possibilidade de desinternação, a qual só pode ser possível
mediante perícia médica que demonstre a cessação da periculosidade do sujeito
submetido à medida de segurança. (BRASIL, 1984, art. 79).
Após decorrido um ano de internação do acusado, este será submetido a perícia
médica que averiguará seu nível de periculosidade. Em caso de ser constatada a
cessação da periculosidade, o agente pode ser desinternado, independente da ação
24
delituosa praticada que gerou a aplicação da medida de segurança. Porém, no caso de
constatação de periculosidade no indivíduo, este permanecerá internado e sob
tratamento, devendo ser refeita a perícia anualmente, ou de acordo com pedido de
ofício do juiz. (BITENCOURT, 2012, e-book não paginado).
Este quadro, aplicado sistematicamente, pode tornar a medida de segurança em
uma sansão perpétua.
3.4 PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA 
Os conceitos de pena e medida de segurança diferem em pontos cruciais, sendo
alguns destes a natureza, o fundamento de aplicação, o limite de duração e o estado
mental do sujeito aos quais elas podem ser aplicadas.
No que se refere à natureza da pena, esta tem tanto o caráter retributivo quanto
o preventivo, conforme consta no Art. 59, caput do Código Penal. (BRASIL, 1984, art.
59). In verbis:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social,
à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do
crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Outrossim, a medida de segurança tem apenas o caráter preventivo, não
havendo o caráter retributivo. Tal ausência se dá em razão da qualidade do indivíduo
ao qual a medida de segurança é aplicada, enquanto a pena é aplicada aos imputáveis
e semi-imputáveis, a medida de segurança é aplicável apenas aos inimputáveis e,
excepcionalmente, aos semi-imputáveis. Sobre o assunto, Bitencourt discorre:
Atualmente, o imputável que praticar uma conduta punível sujeitar-se-á
somente à pena correspondente; o inimputável, à medida de segurança, e o
semi-imputável, o chamado ‘fronteiriço’, sofrerá pena ou medida de segurança,
isto é, ou uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário.
(BITENCOURT, 2012, e-book não paginado).
Ainda assim, mesmo não havendo explicitamente em sua fundação o caráter
retributivo, Carvalho defende que há uma retributividade vestigial na medida de
25
segurança presente no regramento do prazo mínimo desta:
Conforme antecipado, o prazo mínimo parece indicar a marca retributiva que
acompanha as medidas de segurança. Marca retributiva que se instaura nas
intermitências da legitimação do discurso do tratamento da doença mental. Em
realidade, esta tarifa retributiva parece confirmar a tese proposta por Mariana
Weigert no sentido de que a prática do delito apaga (ou, no mínimo embaça) a
compreensão da extensão do sofrimento psíquico e das formas de cuidado com
os seus portadores. Apesar da absolvição (imprópria) e do reconhecimento da
incapacidade do sujeito, é o cometimento do crime que permanece como um
dado congelado em sua biografia. em consequência, algo de retributivo, mesmo
que mínimo, deve ser imposto. (CARVALHO, 2020, e-book não paginado).
Por ser aplicada aos inimputáveis e semi-imputáveis, a medida de segurança
não se baseia na culpabilidade como a pena, mas é fundamentada na periculosidade
do sujeito. A periculosidade, de acordo com Soler (apud Jesus, 2011, p.589), “é a
potência, a capacidade, a aptidão ou a idoneidade que um homem tem para converter-
se em causa de ações danosas”.
Nucci (2014, e-book não paginado), ao versar sobre as características de pena e
de medida de segurança, doutrina que, mesmo sendo ambas sanções penais, a
segunda “Trata-se, pois, de medida de defesa social, embora se possa ver nesse
instrumento uma medida terapêutica ou pedagógica destinada a quem é doente”. Já
Jacobina, também sobre a categorização da Medida de segurança, discorre:
Dizer que a medida de segurança é um tratamento de natureza terapêutica, que
visa ao restabelecimento e à reintegração do louco, garantindo-se apenas
circunstancialmente a segurança da sociedade contra sua periculosidade, seria
afirmar que, em matéria de medida de segurança, estamos tratando de direito
sanitário e não de direito penal strictu sensu.
(...). Por outro lado, ao dizer claramente que a medida de segurança é uma
sanção penal, ter-se-ia o poder de expor as contradições de um sistema penal
construído com base em pressupostos filosóficos e constitucionais liberais e
clássicos, mas que admitiria a responsabilização penal objetiva daquele que,
por ser louco, reconhecidamente não pode compreender o caráter ilícito do fato
ou comportar-se na conformidade desse entendimento. (JACOBINA, 2008,
p.133).
Em outras palavras, ao contrário da pena, a medida de segurança não tem base
apenas no Direito Penal, tem também base no Direito Sanitário. Este caráter híbrido da
Medida de Segurança possibilita que mesmo quando não houver a incidência de
culpabilidade, o que inviabilizaria a aplicação de pena, ainda é possível aplicar a outra
26
sanção penal: a medida de segurança.
3.5 O INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL
O incidente de insanidade mental é o processo pelo qual se busca averiguar,
quando há dúvida de sanidade, o estado mental do acusado na hora da prática do
delito. Tem como principais motivadores de aplicação: a existência de histórico de
trânsito pelo sistema psiquiátrico, o modo pelo qual o delito foi praticado, a inadequação
aos atos processuais ou pode ser motivado por iniciativa da defesa do acusado.
Havendo a dúvida quanto à viabilidade da doença mental, instaura-se noprocesso o
incidente de insanidade, procedimento este extremamente invasivo e potencialmente
restritivo de liberdade pessoal do réu, que é regrado pelos art.149 ao art.154 do Código
de Processo Penal. (JACOBINA, 2008, p.116).
Conforme estipulam os parágrafos primeiro e segundo do art. 149 do Código de
Processo Penal, o incidente poderá ser determinado por juiz, tanto na fase pré-
processual quanto na processual, ficando suspenso o processo caso já haja ação penal
correndo no momento da determinação. (BRASIL, 1941, art. 149). In verbis:
Art. 149 - Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz
ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do
curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este
submetido a exame médico-legal.
§ 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante
representação da autoridade policial ao juiz competente.
§ 2o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando
suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências
que possam ser prejudicadas pelo adiamento. (BRASIL, 1941, art. 149).
No momento em que a ordem judicial autorizar a realização da perícia para
constatação da insanidade do acusado ou investigado, é ordenada a sua internação em
hospital de custódia, se este já estava preso no momento da decisão, ou em local
adequado diverso, caso esteja solto e isto for requerido pelos peritos, os quais têm um
prazo de 45 dias, que pode ser estendido se fundamentada a necessidade, para a
realização dos exames, conforme o art. 150 e seu §1º, do Código de Processo Penal.
(BRASIL, 1941, art. 150, § 1). In verbis: 
27
Art. 150 - Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado
em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e o requererem os
peritos, em estabelecimento adequado que o juiz designar.
§ 1o O exame não durará mais de quarenta e cinco dias, salvo se os peritos
demonstrarem a necessidade de maior prazo. (BRASIL, 1941, art. 150)
Não há, até o momento da internação do acusado ou investigado, qualquer
parecer médico que embase sua internação, porém este é internado mesmo assim.
Sobre o assunto, Jacobina disserta:
Parece contraditório, então, que alguém cuja insanidade não foi estabelecida
ainda – pelo menos não juridicamente – seja encaminhado a uma instituição
hospitalar, por ordem estritamente judicial (e não por ordem médica), sem
indicação de submissão a tratamento, mas apenas para submissão a exame
médico-legal de natureza declaratória. (JACOBINA, 2008, p.119).
Ao final do processo, é constatada, ou não, a insanidade do acusado, caso
constatada, este é tido como inimputável ou semi-imputável, possibilitando assim, a
aplicação da medida de segurança a ele, e se este já estiver cumprindo pena, esta
poderá ser convertida em medida de segurança, a ser cumprida em hospital de
custódia. No caso de ser constatada a sanidade mental do acusado, este ainda deverá
aguardar decisão judicial para dar andamento ao processo ainda internado.
Segundo o censo realizado em 2011, 35% da população temporária dos
hospitais já havia recebido laudo de sanidade mental, porém não poderia ser
desinternada pois faltava decisão judicial determinando sua desinternação. (DINIZ,
2013, p.41).
3.6 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL 
A dependência química é uma mazela social que gera consequências na vida de
sociedades e indivíduos em uma escala global. Estudo de 2013, realizado pela Fiocruz,
apontou que somente nas capitais existem 370 mil usuários de crack, que por ser
altamente viciante e relativamente barato, quando comparado a outras drogas de
grande circulação no Brasil, acabou se popularizando, principalmente entre a população
que sofre algum tipo de exclusão social. (D’ALAMA; CÉO; FORMIGA, 2013).
28
A Lei nº 11.343 de 2006, conhecida como Lei de Drogas, positivou em seu artigo
45, o entendimento de que a dependência química é motivo suficiente para que não
haja a aplicação de pena, desde que o dependente químico ao tempo da ação e por
uso de substância entorpecente, não fosse inteiramente capaz de entender o caráter
ilícito de sua conduta. Segundo o parágrafo único do art. 45, da Lei N.11.343/2006,
deverá ser feita perícia para constatar a falta de culpabilidade do sujeito na ação
delituosa, e se constatada, deverá ser determinada a absolvição do agente e seu
encaminhamento para tratamento médico. (BRASIL, 2006, art. 45). Em outras palavras,
alegada a dependência química do réu, deverá ser realizado o incidente de insanidade
mental, e se constatada a inimputabilidade ou semi-imputabilidade, deverá ser imposta
a medida de segurança. (BRASIL, 2006, art. 45). In verbis:
Art. 45 - É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o
efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da
ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial,
que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições
referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu
encaminhamento para tratamento médico adequado.
A Pastoral Carcerária, em seu relatório sobre os hospitais de custódia, versa
acerca da estratégia da defesa de réu dependente químico na realização de incidente
de insanidade mental:
Muitos réus considerados dependentes químicos são orientados por seus
advogados, sobretudo dativos e particulares, a alegar que não estavam
conscientes no momento do suposto crime praticado, na esperança de serem
enviados para clínicas de reabilitação ou instituições análogas, a fim de evitar a
prisão. No entanto, a estratégia mostra-se como uma armadilha e, na maioria
das vezes, desemboca na medida de segurança a ser cumprida em hospitais de
custódia. Muitas pessoas, se tivessem recebido uma pena comum, já teriam
conseguido a liberdade. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018, p.49).
A dependência química é objeto de diversos estudos no meio médico e seus
efeitos têm profundo impacto no direito penal, sendo um dos problemas jurídicos
emergentes desta situação a relação entre o vício e uso de substâncias psicoativas por
pessoas que praticam delito e a possibilidade de responsabilização penal destas. O
29
vício em entorpecentes ocasiona, em muitos casos, a impossibilidade de considerar
como imputável o sujeito viciado infrator, já que o juízo de culpabilidade aplicado à
conduta deste fica prejudicado. (LIMA, 2017).
Existe diferença, porém, entre o simples uso de entorpecente e o vício em
entorpecente (a dependência), a relação destes dois conceitos com a culpabilidade tem
resultados completamente diversos. Usando o álcool como substância psicoativa e que
pode gerar dependência química, temos a embriaguez e alcoolismo, respectivamente.
A embriaguez por si só não gera o fim da culpabilidade, um sujeito pode sofrer pena ao
atropelar alguém enquanto conduz veículo em estado alcoolizado, a embriaguez neste
caso não é considerada doença mental, ao contrário do alcoolismo, que é considerada
doença mental por dependência química. Uma vez constatado que o sujeito que
cometeu o crime apresenta a doença de alcoolismo, fica comprometida a sua
culpabilidade, poderá ele ser absolvido e contra ele será imposta medida de segurança.
(NUCCI, 2014, e-book não paginado).
Bitencourt (2012, e-book não paginado) sobre o caráter de doença mental que
possui o alcoolismo, por ele referido como embriaguez patológica: “A embriaguez
patológica manifesta-se em pessoas predispostas,e assemelha-se à verdadeira
psicose, devendo ser tratada, juridicamente, como doença mental, nos termos do art.
26 e seu parágrafo único”, e sobre a aplicabilidade do disposto sobre a dependência
química por álcool, Bitencourt (2012, e-book não paginado) doutrina que: “Tudo o que
foi dito sobre a embriaguez pelo álcool aplica-se aos efeitos decorrentes de outras
substâncias tóxico-entorpecentes ou outras substâncias de efeitos análogos”.
Entretanto, não somente o viés jurídico deve ser analisado no caso das medidas
de segurança impostas aos dependentes químicos, deve ser analisado também o viés
social. Em relatório produzido pela Pastoral Carcerária de São Paulo, ficou evidenciado
um aumento no número de internos nos hospitais de custódia que possuem
envolvimento com drogas, na maioria o crack, nos últimos anos, a ponto de já existirem
pavilhões inteiros, nesses hospitais de custódia, dedicados apenas aos dependentes
químicos. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018, p.49-50).
 Segundo o mesmo relatório, o aumento do envio de dependentes químicos para
os hospitais de custódia e o não cumprimento da medida de segurança em regime
30
ambulatorial, ao contrário do que prega a reforma psiquiátrica, serve para o propósito
político de exílio dos indesejáveis, que acabam habitando os grandes centros urbanos,
a exemplo da cracolândia em São Paulo. Os hospitais de custódia tornam-se depósitos
humanos onde ocorre a dupla penalização do paciente detento, a penalização do
suposto crime e da suposta loucura. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018, p.49-50).
31
4 HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E OS INTERNADOS
4.1 O PERFIL DO INTERNADO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA
No ano de 2011, existiam no Brasil 26 estabelecimentos de custódia e
tratamento psiquiátrico, sendo 23 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico e 3
alas de tratamento psiquiátrico. Nestes estabelecimentos estavam internados 3989
indivíduos, dos quais 2839 estavam cumprindo medida de segurança, 117 estavam
cumprindo medida de segurança por conversão de pena e 1033 estavam em internação
temporária. (DINIZ, 2013, p.35).
A população era majoritariamente masculina, 3684 homens enquanto apenas
291 mulheres, não se pôde coletar a informação de 14 internados. Cerca de 60% dos
indivíduos estavam na faixa dos 25 aos 44 anos, sendo a média de idade feminina um
pouco mais baixa que a média de idade masculina. Entre os internados, 38%, ou 1535,
dos indivíduos eram brancos, enquanto pretos e pardos somavam 44%, ou 1772 dos
indivíduos. Cerca de 23% eram analfabetos, 43% não haviam completado o ensino
fundamental e 13% completaram apenas o ensino fundamental, e ainda não foi possível
coletar informação de escolaridade de 14% dos internados, ou seja, confirmados, são
3180 internados que não concluíram o ensino médio, não havia diferença significativa
de escolaridade entre os homens e as mulheres. (DINIZ, 2013, p.35-39).
A situação financeira não foi abordada diretamente no censo realizado em 2011,
porém, em pesquisa realizada no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da
Bahia, ficou constatado que:
A população carcerária do Hospital de Custódia é composta basicamente de
pessoas com baixo poder aquisitivo, muitas delas beneficiárias de programas
sociais do governo ou de auxílios previdenciários, como o Benefício de
Prestação Continuada (BPC). (PRADO; SCHINDLER, 2017, p.643).
De acordo com os dados supracitados, o perfil médio de um internado em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico é de um homem, não branco, entre os 25
e os 44 anos, de baixa ou nenhuma escolaridade e de baixo poder aquisitivo.
32
4.2 OS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E OS DIREITOS DO INTERNADO 
De acordo com o art. 99 da Lei n.º 7.210 de 1984, os hospitais de custódia são
os locais adequados para o cumprimento das medidas de segurança. (BRASIL, 1984,
art. 99). In verbis:
Art. 99 - O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos
inimputáveis e semi-imputáveis referidos no artigo 26 e seu parágrafo único do
Código Penal.
Parágrafo único. Aplica-se ao hospital, no que couber, o disposto no parágrafo
único, do artigo 88, desta Lei.
No parágrafo único do supracitado artigo ficam estipulados os requisitos básicos
que, por tratar de local de cumprimento de sanção penal, são os mesmos destinados às
penitenciárias, conforme disposto no parágrafo único do art. 88 da mesma Lei.
(BRASIL, 1984, art. 88). In verbis:
Art. 88 - O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,
aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação
e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
 Sobre os hospitais de custódia e tratamento, Bitencourt faz a seguinte crítica:
Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico” não passa de uma expressão
eufemística utilizada pelo legislador da Reforma Penal de 1984 para definir o
velho e deficiente manicômio judiciário, que no Rio Grande do Sul é chamado
de Instituto Psiquiátrico Forense. Ocorre que, apesar da boa intenção do
legislador, nenhum Estado brasileiro investiu na construção dos novos
estabelecimentos. (BITENCOURT, 2012, e-book não paginado).
Mesmo sendo um local de cumprimento de sanção penal, os hospitais de
custódia têm sua diferenciação das penitenciárias ditada pela necessidade de fornecer
tratamento psiquiátrico para os internos, e, por esse motivo, tornam-se aplicáveis os
direitos elencados no parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.216 de 2001, também, aos
internados em hospitais de custódia compulsoriamente por meio de medida de
segurança. (BRASIL, 2011, art. 2). In verbis:
33
Art. 2o - Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e
seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos
enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na
família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a
necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos
possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Ocorre que relatos de inspeções, realizadas por diferentes instituições em uma
variedade de hospitais de custódia no território brasileiro, têm demonstrado um
descumprimento deliberado de diversos direitos listados no parágrafo acima citado, os
quais possuem o objetivo de assegurar o tratamento digno e efetivo dos portadores de
transtornos mentais.
4.3 O MITO DA IMPUNIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA
Quando o incidente de insanidade mental é finalizado e constata, de acordo com
o estado mental do acusado no momento da prática do crime, a inimputabilidade, fica
prejudicada a culpabilidade e, por consequência, não pode o acusado ser alvo de pena,
mas submetido à medida de segurança. Por gerar a absolvição imprópria do acusado, a
aplicação de medida de segurança por meio de constatação de insanidade aparenta ser
uma opção tentadora para os advogados quando formulam as estratégias de defesa de
seus clientes. Sobre o assunto, Jacobina (2008, p.116) disserta: 
A questãoda falsa alegação de problemas mentais sempre preocupou os
juristas e os profissionais da saúde mental que atuam parajudicialmente. Existiu
sempre certo receio de que o fingimento de doença mental pudesse representar
uma porta para a impunidade.
Existe ainda a crença viva no imaginário popular de que é preferível a internação
34
à prisão, que a medida de segurança é uma sanção branda quando comparada à pena.
Acontece, porém, que quando o sujeito é internado, na maioria dos casos, acaba
ficando sem sua liberdade por tempo superior ao que ficaria caso fosse condenado à
pena comum. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018, p.49).
Com o entendimento fixado pela súmula 527 do Superior Tribunal de Justiça,
que limita a duração da medida de segurança no máximo da pena abstratamente
cominada ao delito praticado, e o parágrafo primeiro do art. 97 do Código Penal, que
estipula o prazo mínimo para a medida de segurança de 1 a 3 anos, o sujeito que,
simulando insanidade por estratégia de defesa, for alvo de medida de segurança,
passará no mínimo 1 ano internado e, dependendo das perícias que constatarem sua
periculosidade, poderá ficar até o máximo da pena possível. Deve-se levar em conta,
também, o período de no máximo 45 dias, prorrogáveis, em que a perícia do incidente
de insanidade está sendo realizada, a qual é feita com a internação do sujeito. Durante
este período, assim como se estivesse cumprindo pena em penitenciária comum, o
indivíduo terá sua liberdade cerceada. (BRASIL, 1941, art. 150).
A situação em que se encontra o indivíduo mentalmente saudável internado em
hospital de custódia é temerária, muito pelo desgaste mental diário que pode vir a
corroer a sanidade mental de tal sujeito. Jacobina, faz crítica à internação como meio
de averiguar a situação de sanidade mental do acusado ou investigado durante o
processo do incidente de insanidade mental, porém, o trecho também é aplicável ao
caso de um sujeito mentalmente são internado por medida de segurança:
Imagine-se um cidadão mentalmente saudável trancafiado durante quarenta e
cinco dias ou mais em um manicômio. Como foi dito acima, a sua sanidade está
posta entre parênteses no mundo jurídico, pois está à mercê de um curador
processual. Ocorre uma série de efeitos estritamente subjetivos e sociais de
alteração da imagem e das relações desse cidadão. Não seria difícil imaginar
uma loucura iatrogênica – sabendo-se que a loucura é um processo que não se
resume à subjetividade do louco, mas abrange a sua relação com a sociedade
circundante. (JACOBINA, 2008, p.120).
Levanta-se então a possibilidade de um indivíduo, que não possuía nenhum
distúrbio mental, ao receber o tratamento que seria direcionado a um paciente insano,
desenvolver um distúrbio. O indivíduo chega a um local onde será privado do apoio
social e familiar que teria fora do hospital de custódia e tem um tratamento, muitas
35
vezes, humilhante e degradante e, por consequência disso, acaba passando por
mudanças significativas em sua carreira moral e tem o seu eu mortificado.
(GOEFFMAN, 2007, p.24).
Na hipótese acima, o indivíduo, mentalmente hígido, que por estratégia de
defesa alegou insanidade para tentar fugir de pena longa e, ao seu ver, mais severa,
acaba não só tendo sua saúde mental afetada pelo tratamento indevido, via de regra
farmacêutico, como também tem seu período de cumprimento da medida de segurança
levado ao máximo, já que, para ser desinternado, precisa ter sua cessação de
periculosidade atestada por laudo médico.
4.4 A REALIDADE NOS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA BRASILEIROS 
No ano de 2015 diversos grupos do Conselho Nacional de Psicologia realizaram
vistorias em dezessete hospitais de custódia em diferentes estados brasileiros, nestas
vistorias foram recolhidos dados que ilustram a alarmante realidade dos locais onde são
cumpridas as medidas de segurança. As condições físicas dos locais foram avaliadas
por um sistema de pontos de acordo com os nove itens: iluminação, ventilação,
temperatura, dormitório, cama, limpeza geral, conservação do edifício, mobiliário e
banheiro, recebendo 1 ponto para cada item em que a vistoria julgasse suficiente e
perdendo 1 ponto se julgasse insuficiente. Em outras palavras, uma pontuação de 9
significaria que há uma perfeita adequação da infraestrutura do hospital de custódia
inspecionado, enquanto uma pontuação de -9 significaria uma total inadequação.
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2015, 99). 
Nesse sistema de pontuações, apenas duas das dezessete instituições
receberam pontuações positivas, duas receberam pontuação 0 e treze receberam
pontuações negativas. Dentre as treze com pontuações negativas, quatro instituições
receberam a pontuação -8, incluindo o, já referenciado no presente trabalho, Instituto
Psiquiátrico Forense de Porto Alegre. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2015,
p.98).
O relatório demonstra que, junto do resto do sistema carcerário brasileiro, os
hospitais de custódia sofrem de falta de infraestrutura mínima para que sejam atendidos
36
os direitos mínimos conquistados pelos acometidos por transtornos mentais. Não há
como se falar em melhora no quadro psicótico, cessação de periculosidade e menos
ainda em possibilidade de reintegração do indivíduo submetido à medida de segurança
na sociedade.
Após realizada vistoria no Instituto Psiquiátrico Forense - IPF, foi formulado um
relatório pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Consta, em um
trecho deste relatório, a descrição da Ordem de Serviço n.º 001/2013, que estipula as
regras internas básicas de funcionamento do Instituto Psiquiátrico Forense. Nela há a
permissão para que funcionários, sempre que acharem necessário, apliquem
isolamento, preventivo ou de segurança, aos internos, devendo ser informados o
terapeuta e o diretor do IPF no extenso prazo de 24 horas em dias de semana ou 72
horas em finais de semana. (BRASIL, 2015, p.9).
Mais além, no relatório do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, é
analisada a conduta citada acima sob a luz da Lei da Reforma Psiquiátrica:
A Lei 10.216/2001 aponta que as pessoas com transtorno mental devem ser
tratadas em ambientes terapêuticos por meios menos invasivos possíveis (Art.
2" VIII). No caso descrito acima, quando há suspeitas de que a pessoa está
entrando em surto ("pré-surto"), a equipe técnica já a coloca em isolamento, que
deve ser considerado um procedimento equivocado, hostil e vulnerabilizante.
Essa prática em hipótese alguma deveria ser empregada como uma medida
que precaveria um surto. As boas práticas apontam para a necessidade de uma
intervenção progressiva, tendo como técnica terapêutica constante o manejo
verbal, realizada pelo profissional de referência da pessoa internada. (BRASIL,
2015, p.10).
Não só por meio da infraestrutura precária ou de maus tratos por funcionários é
prejudicada a vida do indivíduo internado em hospital de custódia, a morosidade dos
únicos procedimentos que tem o poder de lhe tirar da situação a que ele é exposto
acaba tornando sua estadia lá ainda pior.
Segundo o censo de 2011, 69% dos indivíduos que estavam internados
esperando o laudo de sanidade mental ser feito, o faziam há mais tempo que o prazo
máximo estipulado por lei de 45 dias. (DINIZ, 2013, p.41).
À luz dos relatórios analisados, não há como se chegar em outra conclusão
senão a da total impossibilidade, tanto infraestrutural quanto técnica, dos hospitais de
custódia cumprirem sua obrigação terapêutica para com os seus internados. Nas
37
palavras do relatório realizado pela Pastoral Carcerária:
Em outras palavras, o funcionamento dos HCTPs guarda estreita relação com
uma larga tradição de segregar determinadas parcelas da população em
espaços prisionais e manicomiais que vão, não obstante, renovando-se eganhando novos contornos no decorrer dos anos, uma espécie de composição
entre o velho e o novo. Assim, se por um lado os hospitais de custódia têm as
marcas dessa história, por outro, são um retrato do momento histórico atual.
(PASTORAL CARCERÁRIA, 2018, p.33).
 Analisando os dados do relatório realizado pela organização acima referida,
conclui-se que tais locais acabam se tornando apenas injustas penitenciárias onde a
culpabilidade de seus detentos é, assim como suas chances de ressocialização,
inexistente.
4.5 O ABANDONO SOCIOFAMILIAR DO INTERNADO
Em pesquisa realizada no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da
Bahia, revelou-se que, naquele estabelecimento, das 85 pessoas cumprindo medida de
segurança, 17 delas encontravam-se com sentenças judiciais favoráveis à sua
desinternação, seja pela cessação de periculosidade ou por conversão ao tratamento
ambulatorial. Dentre esses 17 indivíduos, 8 estavam em estado de abandono social
total, pois, apesar do esforço dos profissionais do hospital de custódia, não foram
encontrados família, parentes ou amigos do internado. (PRADO; SCHINDLER, 2017,
p.640-643). O relatório elaborado pela Pastoral Carcerária enfatiza sobre o isolamento
social do qual os internados por medida de segurança são vítimas:
Em suma, a condenação penal em cruzamento com o diagnóstico psiquiátrico é
a lâmina que corta os laços sociais e familiares, resultando num isolamento que
extrapola a própria custódia e que se faz sentir mesmo quando esta cessa, uma
vez que o estigma permanece. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018, p.50).
Ainda no estudo realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da
Bahia, foram constatados que 8 dos 17 internados, que já haviam recebida sentença
autorizando as suas respectivas desinternações, tiveram suas famílias localizadas,
porém cinco delas alegaram falta de condições financeiras de recebê-los de volta, e
38
uma alegou não querer receber o internado por este estar já em sua terceira
reinternação. Já em outros dois casos, as famílias retinham os documentos do
internado e recebiam o benefício previdenciário devido a que o paciente fazia jus.
(PRADO; SCHINDLER, 2017, p. 643-644).
Por mais que a Lei da Reforma Psiquiátrica busque afastar ao máximo a figura
dos antigos manicômios, que serviam como ferramenta ostracizadora dos internados,
comumente é o que os hospitais de custódia acabam se tornando. 
Tal esquecimento do internado pela família não é um fenômeno recente, como
ilustra Arbex no trecho em que fala de uma antiga interna no famigerado Hospital
Colônia de Barbacena:
Pela atitude de rebeldia da adolescente, o pai aplicou o castigo. Decidiu colocar
Conceição no famigerado “trem de doido”, único no país que fazia viagens sem
volta. Em 10 de maio de 1942, ela deu entrada no hospital, de onde nunca mais
saiu. Em trinta anos, nunca recebeu visita. (ARBEX, 2013, e-book não
paginado).
No art. 2º, parágrafo único, inciso II da Lei nº 10.216 de 2011, fica claro o intuito
de manter o internado inserido no ambiente sociofamiliar como meio de tratamento
(BRASIL, 2011, art. 2, parágrafo único, inciso II. (BRASIL, 2011, art. 2, II). In verbis:
Art. 2o - Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e
seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos
enumerados no parágrafo único deste artigo.
[...]
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na
família, no trabalho e na comunidade [...]. 
Sobre a ausência da família no tratamento do internado, interferindo no fim de
reinserção deste na sociedade, o relatório da Conselho Federal de Psicologia revela:
Difícil vencer a inércia do movimento cíclico e perverso de, mesmo saindo, não
saírem. Melhor explicando: sem retaguarda familiar, sem atendimento contínuo
por equipe multidisciplinar, sem a possibilidade de serviços residenciais
terapêuticos, o que acontece quando saem é voltarem. (CONSELHO FEDERAL
DE PSICOLOGIA, 2015, p.156).
39
Por mais que seja necessário levar em conta a situação da família e que esta
deverá receber assistência e acompanhamento, tanto no quesito financeiro quanto no
quesito emocional, não se pode deixar de perceber o retrato da aversão preconceituosa
aos internos e ex-internos pela sociedade. Tal aversão aos indesejados é ilustrada no
exemplo trazido na pesquisa realizada no hospital de custódia baiano, no qual
moradores da cidade natal do internado formularam um abaixo assinado solicitando
para a Secretaria de Administração Penitenciária que o internado não retornasse a sua
cidade, o caráter estigmatizante da medida de segurança é duplo, primeiramente há o
preconceito contra o internado por ele possuir transtorno mental, e a seguir há o
preconceito contra o internado por este ter habitado unidade prisional. (PRADO;
SCHINDLER, 2017, p.644).
Muitas vezes, essa vergonha e esse preconceito com os indivíduos que
precisaram ser internados em hospitais de custódia, acabam gerando o isolamento
desse indivíduo. Inexistência de visitas, falta de contato com amigos ou familiares e até
o desinteresse da família em lidar com o retorno do familiar doente, podem custar a
liberdade do indivíduo, que, em alguns casos pode vir a ficar internado até a sua morte.
40
5 LIMITE DE DURAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA
5.1 PRINCÍPIOS PENAIS CONTRA OS EXCESSOS PUNITIVOS
Sendo ambas sanções penais, pena e medida de segurança, todos os princípios
que regem a primeira são aplicáveis à segunda, conforme explica Bitencourt:
A medida de segurança e a pena privativa de liberdade constituem duas formas
semelhantes de controle social e, substancialmente, não apresentam diferenças
dignas de nota. Consubstanciam formas de invasão da liberdade do indivíduo
pelo Estado, e, por isso, todos os princípios fundamentais e constitucionais
aplicáveis à pena, examinados em capítulo próprio, regem também as medidas
de segurança. (BITENCOURT, 2012, e-book não paginado)
Os princípios que garantem uma proteção contra os possíveis excessos
praticados na imputação de penas e também, por analogia, medidas de segurança e
medidas socioeducativas são: os princípios da legalidade, da irretroatividade, da
pessoalidade, da individualização e da humanidade (CARVALHO, 2020, e-book não
paginado).
O princípio da legalidade está presente no inciso XXXIX do art. 5º da
Constituição Federal, que tem a seguinte redação. (BRASIL, 1988, art. 5, XXXIX). In
verbis:
Art. 5 - [...]
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal [...].
Segundo Bitencourt (2012, e-book não paginado), pelo princípio da legalidade
“nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada
sem que antes exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção
correspondente”, tal princípio serve como limitador do estado que não poderá
considerar crime conduta não tipificada, e não poderá atribuir a esta conduta sanção
diversa da relacionada ao tipo.
O princípio da irretroatividade da lei penal tem fulcro no inciso XL do art.5º da
Constituição Federal, o que dispõe:
41
Art. 5 - [...]
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu [...]. (BRASIL, 1988,
art. 5, XL).
Ainda se relaciona o art. 2º do Código Penal como fundamentador e delimitador
da irretroatividade da lei, pois em seu parágrafo único estipula a retroatividade de lei
posterior mais benéfica. (JESUS, 2011, 52). De acordo com o Código Penal:
Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais

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