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Farmacologia da gestação e lactação A maior parte das mulheres em algum momento da gestação e/ou lactação vão estar expostas a algum tipo de fármaco, seja por prescrição ou por automedicação. Existem poucos estudos sobre esse tema porque pouco se sabe sobre a segurança dos fármacos nesses períodos da vida da mulher. O uso de talidomida foi uma tragédia do ponto de vista obstétrico, ela demonstra os riscos fetais que podem existir ao utilizar alguns fármacos. A talidomida foi desenvolvida na Alemanha para controle de náuseas, muitas vezes sendo usadas por gestantes. No Brasil a talidomida passa a ser comercializada no final da década de 50, na década de 60 foram descobertos os efeitos teratogênicos da talidomida. Um único comprimido usado no inicio da gestação causava uma anomalia fetal chamada de focomielia, que é uma aproximação/encurtamento dos membros junto ao tronco. Em 1982 no Brasil foi prevista uma pensão alimentícia vitalícia de acordo com o grau de deformação e comprometimento funcional. Durante o período gestacional diversas alterações fisiológicas acontecem, que são acompanhadas de alterações farmacocinéticas e isso reflete na fármacoterapia. Durante a gestação há secreção de hormônios estrógeno, progesterona, inicialmente pelo corpo lúteo e posteriormente pela placenta. A placenta é uma barreira semipermeável, então determinados fármacos conseguem atravessar a placenta enquanto que outros não. A normalidades fisiológicas na gestação a serem consideradas: ● Hipervolemia: o aumento do volume plasmático, os próprios hormônios etrógenos por exemplo pode aumentar a secreção de renina, o que pode contribuir para o aumento do volume plasmático, aliado a isso pode ocorrer um aumento do débito cardíaco. O volume plasmático pode alterar um parâmetro importante chamado de volume de distribuição que está relacionado com a quantidade total da droga no organismo dividido por sua concentração plasmática. Então, o aumento do volume sanguíneo pode alterar o volume de distribuição de alguns fármacos, como os fármacos hidrossolúveis, a alteração do volume de distribuição isso pode refletir na concentração plasmática de determinados fármacos. (Alteração farmacocinética). O aumento do volume plasmático pode reduzir a albumina, reduzindo ali o nível de proteínas plasmáticas, os fármacos podem se ligar em maior ou menor grau dependendo da afinidade em proteínas plasmáticas formando um complexo fármaco+proteína (FP) mantendo um equilíbrio de ligação. O complexo fármaco proteínas tem dificuldade de atravessar barreiras por ser muito grande, quem consegue atravessar com mais facilidade dependendo de suas características é o fármaco livre, mas quando ocorre uma redução da proteína albumina circulante o equilíbrio de ligação FP pode ser afetado, podendo levar ao aumento do fármaco livre. A exposição do feto depende da concentração do fármaco e o tempo do fármaco de permanência na circulação materna. A placenta pode ser identificada como uma barreira, mas recentemente foram descobertos alguns transportadores placentários que participam de um transporte mediado através da placenta facilitando que os fármacos alcancem a circulação fetal por meio de difusão passiva ou pelos transportadores. Existe um equilíbrio entre circulação materna e fetal e uma vez o fármaco atingindo a circulação fetal o fármaco pode ter efeitos direto no feto como: ● Defeitos abortivos (letais); ● Defeitos teratológicos: morfológicos, bioquímicos e comportamentais; ● Defeitos não teratológicos: aparecimento precoce ou tardio; Capacidade de transferência placentária A barreira placentária não é transponível, então dependendo das características do fármaco ela pode ser atravessada, os mecanismos de transportes podem ser por: ● Difusão passiva ● Transporte mediado Dentre os fatores que afetam o transporte - seletividade, encontram-se: ● Lipossolubilidade: quanto mais lipossolúvel for um fármaco, mais facilidade ele tem em atravessar a placenta, ocorre rápida de difusão. Ex: Tiopental (barbitúrico), a alta lipossolubilidade dele faz com que ele passe rapidamente pela placenta e cause estado de sedação no recém-nascido; ● Grau de ionização: a forma não ionizada de um fármaco é a forma mais lipossolúvel, enquanto que a forma mais ionizada tem menor solubilidade. Os fásmacos são ácidos ou bases fracas, então eles podem estar ionizados dependendo do seu PKa e do pH; ● Peso molecular: se o fármaco for muito grande, ex: a cima de 1000Da, ele não vai atravessar a placenta, já fármacos entre 250Da e 500Da não tem dificuldade de atravessar a placenta, mas isso depende de características físicas e químicas também. A heparina que além de ter alto peso molecular é polar, o que dificulta a transferência placentária da heparina; ● Transportadores placentários: ajudaram a elucidar muitos mecanismos de proteção do feto, porque muitos desses transportadores bombeiam para fora da circulação fetal em direção a circulação materna muitos fármacos. EX: um dos transportadores se chama P-glicoproteína; ● Ligação proteica – a ligação dificulta atravessar a placenta, importante levar em consideração o grau de ligação à proteínas plasmáticas do fármaco; Para o fármaco atingir a circulação fetal é necessário a translocação por meio do sinciciotrofoblasto, onde ele pode ser metabolizado e depois atravessar o endotélio capilar fetal. O feto está protegido de determinados fármacos que são encontrados na circulação materna por dois mecanismos, sendo eles: 1. Placenta: que é uma barreira semipermeável, o que limita o acesso de fármacos da circulação fetal. Além disso, ela possui enzimas de metabolismo que pode levar a metabolização de fármacos, por exemplo: a. Sabe-se que algumas reações de oxidação como a oxidação aromática podem acontecer na placenta tendo como consequência: i. Inativação de fármacos protegendo o feto; ii. Produção de metabólitos tóxicos que teriam efeitos deletérios; 2. Fígado fetal: uma vez que o fármaco atingiu o feto cerca de 40 a 60% é capaz de atingir o fígado fetal, de modo que ele possa ser parcialmente metabolizado, uma maior ou menor capacidade de metabolismo hepático depende da idade gestacional. Isso pode ter como consequência: a. Inativação de fármacos; b. Produção de metabólitos tóxicos podendo causar efeitos deletérios no feto; Os fármacos utilizados na gestante têm como objetivo ações terapêuticas na mãe com frequência por motivos desencadeados na gestação (como hipervolemia que causa sobrecarga cardíaca sendo necessário o uso de diurético). Os fármacos podem ser usados buscando uma ação terapêutica no feto, quando existe risco de parto prematuro a mãe pode receber injeções de corticoesteroides para que o efeito aconteça no feto, como maturação pulmonar fetal. Existem alguns fármacos com ações tóxicas previsíveis no feto. Por exemplo: o uso de estrogênios sintético Dietil estilbestrol pode causar um tipo de adenocarcinoma vaginal em fetos femininos. Os inibidores da ECA podem causar lesão renal fetal como ação previsível dos fármacos também. As ações teratogênicas dos fármacos que ocorre lesão de alguma estrutura fetal que está em rápido desenvolvimento fetal no momento em que ocorreu a exposição de fármacos. O agente teratogênico possui durante o período embrionário ou fetal capacidade de afetar a estrutura e a função Os agentes teratogênicos precisam preencher alguns requisitos, como: ● Seletividade para certos órgãos alvos: gerando malformações; ● Afeta um estágio particular do estágio/desenvolvimento fetal (alguns afetam o primeiro o trimestre, só segundo trimestre, só o terceiro trimestre ou todos os trimestres); ● Possui efeito dose-dependente; Quanto aos efeitos teratogênicos há: ● Capacidade de malformações fetais; ● Restrições do crescimento fetal; ● Abortamento – maior vulnerabilidade no primeiro trimestre; ● Natimortalidade; ● Retardo neurocognitivo – acontece em usuárias de álcool durante o período gestacional; O estágio do desenvolvimento gestacional é importante para as influencias dosteratógenos. Nas duas primeiras semanas de gestação se ocorre contato com teratógenos o resultado é morte pré-natal, durante o período embrionário há as principais anomalias morfológicas, no final da gestação pode ocorrer anomalias morfológicas e defeitos fisiológicas, dependendo da fase do estágio pode-se observar efeitos maiores, efeitos menores e efeitos diferenciados. Dentre os mecanismos teratogênicos associados à fármacos e um teratógeno pode atuar por meio de um ou mais dos 6 mecanismos existentes, sendo eles: ● Antagonismo do folato: o folato é importante para a síntese de purina, pirimidinas e metilação do DNA, ou seja, importante para o crescimento/desenvolvimento fetal. Fármacos que inibem competitivamente enzimas do folato como a DHFR (metrotexato) podem afetar diretamente no desenvolvimento fetal. Existem ainda fármacos que prejudicam a absorção do folato e/ou aumenta a degradação do folato, nesse grupo há a carbamazepina, ácido valpróico e feniltoína. ● Lesão de células da crista neural: derivados retinóicos como a isotretinoína que se baseiam em apoptose (usado com foco nas glândulas sebáceas), esses fármacos afetam diretamente o desenvolvimento fetal porque as células da crista neural vão originar algumas estruturas importantes como ossos, nervos músculos, como o fármaco pode levar as células da crista neural a apoptose o resulta costuma ser malformações. Além de induzir a apoptose, a isotretinoína pode reduzir migrações da crista neural e isso pode afetar causando defeitos no coração e malformações no arco aórtico por exemplo. ● Desreguladores endócrinos dos hormônios sexuais: é um agente exógeno (como um fármaco) que afeta o metabolismo dos hormônios (como a síntese, a secreção, a eliminação e a ligação) naturais do corpo. Estudos apontam que os desreguladores endócrinos hormonais podem ter forte relação com anomalias da genitália externa. Exemplo deles são fitalatos (encontrados no revestimento de alguns fármacos. ● Estresse oxidativo: é o aumento da produção de ERO’s, que tem potencial capacidade de causar lesão de macromoléculas (como DNA, lipídios e proteínas) podendo alterar processos de transcrição, transdução de sinal, expressão gênica e interfere durante o período gestacional podendo causar anomalias até a morte uterina; ● Lesão vascular: ocorre quando o fármaco que tem a teratogenicidade fica exposto a substâncias vasoativas, sendo um dos fatores para causar defeitos vasculares porque pode ocorrer alteração do fluxo sanguíneo placentário ou fetal, isso pode ser visto quando se usa alguns anti-hipertensivos; ● Teratogênese mediada por enzima ou receptor específico: exemplifica os inibidores da IECA e dos antagonistas dos receptores de angio II, porque quando eles agem o alterando o sistema renina angiotensina acontece um desequilíbrio de renina e angiotensina fetal podendo levar a hipotensão fetal, redução do tônus vascular fetal e lesão renal fetal Terapia farmacológica na lactação Da mesma forma que um fármaco pode atravessa a placenta e atingir a circulação fetal o fármaco pode atravessar a membrana celular e atingir o leite materno, algumas considerações devem ser feitas como: ● composição do leite materno: no inicio da amamentação há a presença de colostro, nesse período as células alveolares menores com maior espaço intercelular possibilitando/facilitando uma maior transferência de fármacos, porém nessa fase o lactante mame pouco (um volume limitado de colostro), o que reduz a exposição dele aos fármacos. ● Transferência de fármacos para o leite materno: depende de fatores farmacocinéticos, existem fatores relacionados a mãe, ao lactente e ao próprio fármaco. o Fatores relacionados a mãe: ▪ Colostro vs leite materno ▪ Metabolismo de fármacos – se a mãe tem algum problema hepático ou renal o fármaco permanece mais tempo na circulação materna em níveis aumentados sendo um fator primordial para ser excretado no leite materno ▪ Vias de administração – dependendo da via pode ocorrer alterações plasmáticas do fármaco e consequentemente ele seja transferido para o leite materno. Ex: via oral e via tópica. o Fatores relacionados ao lactente: ▪ Idade – quanto menor a idade menor é a capacidade de metabolismo e o efeito do fármaco pode ser maior do que em crianças maiores ▪ Absorção do fármaco – quanto mais os lactentes mamam maiores são os riscos por estarem mais expostos aos fármacos ▪ metabolismo do fármaco ▪ Volume de leite ingerido ▪ Segurança do fármaco para o bebê o Fatores relacionados ao fármaco ▪ Peso molecular – quanto menor mais facilmente o fármaco atravessa a membrana celular e chega no leite materno ▪ Grau de ionização – lembrando que fármacos são ácidos ou bases fracas e dependendo do pH ele pode estar na forma não ionizada fazendo com ele seja mais lipossolúvel e tenha mais facilidade em chegar no leite materno. Plasma lácteo tem pH por volta de 7,1 enquanto que o plasma materno é de 7,4, essa diferença de pH pode afetar os estados de ionização de determinados. Ex: fármacos que são bases fracas vão estar menos ionizados no plasma, mas dentro do compartimento lácteo vão permanecer na forma ionizada, a forma ionizada tem dificuldade em atravessar membranas, então isso favorece a concentração dele no leite materno. ▪ Ligação às proteínas – afinidade ou não ao fármaco que interferem na capacidade de atravessar membranas ▪ Lipossolubilidade – o leite maduro tem alta concentração de lipídios, então fármacos lipossolúveis que tem facilidade em atravessar a barreira celular e atinge mais facilmente o compartimento lácteo pode se concentrar no leite maduro ▪ Meia-vida – quanto maior o tempo na circulação materna maior são as chances de transferências para o leite materno ▪ Pico sérico na mãe coincide com o do leite ▪ Biodisponibilidade oral
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