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M IT S U K O APA RECID A M A K IN O A N T U N E A PSICOLOGIA NO BRASIL LEITURA H ISTÓ RICA SOBRE SUA CO N STITU IÇA Este é um excelente livro. Serve a muttos e diferentes leitores, de es tudantes e profissionais da área de Psicologia a simples interessados em psicologia e história do Brasil, lêm um objeto bem claro — a his tória da Psicologia no Brasil —, mas que resulta de cuidadosa pesquisa baseada no princípio segundo o qual uma “abordagem social” nes ta área possibilita a apreensão do diálogo que se estabelece entre a Psicologia e a formação social na qual ela se produz, considerado o conhecimento como produto ftm- damentalmente histórico e social. E um texto bem escrito e muito vivo, envolvente, o que o toma de fácil e agradável leitura. Os leitores encontrarão nele duas importantes novidades: a primeira tem a ver com a questão: de onde começar? Repassando a história des ta História, encontramos uma di versidade que torna o problema, ele mesmo, um problema de pesquisa. Com este livro, a autora oferece uma opção nova: por que não começar de onde estamos, isto é, da história da nossa psicologia? A segunda diz respeito a uma questão relacionada ao objetivo mesmo do ensino su perior: como estudar? Este livro corresponde a uma particular ma neira de entendê-la. Trabalhando di retamente com pesquisa na área, M itsuko Aparecida M akino A ntunes A PSICOLOGIA NO BRASIL LEITURA HISTÓRICA SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO 5a edição edue São Paulo 2014 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri/PUC-SP Antunes, Mitsuko Aparecida Makino A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição / Mitsuko Aparecida Makino Antunes. 5. ed. - São Paulo: EDUC, 2014. 1 34p.; 21 cm Bibliografia ISBN 978-85-283-0451-0 1. Psicologia - Brasil - História. I. Título. CDD 150.981 Conselho Editorial: Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladjslau Dowbor, Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norval Baitello Junior, Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori. Educ - Editora da PUC-SP Direção: Miguel Wady Chaia Produção Editorial: Sonia Montone Revisão: Siméia Mello Editoração Eletrônica: Waldir Alves Gabriel Moraes Administração e Vendas: Ronaldo Decicino Rua Monte Alegre, 984 - sala S16 05014-901 - São Paulo/SP Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558 E-mail: educ@pucsp.br - Site: www.pucsp.br/educ mailto:educ@pucsp.br http://www.pucsp.br/educ A Nena e Luís, in memoriam Ana Carolina e Hermenegildo Sumário Apresentação ............................................................................................ 7 Introdução................................................................................................. 9 P arte I Antecedentes ......................................................................................................... 15 Capítulo 1 A preocupação com os fenômenos psicológicos no período colonial......................................................................................... 17 Capítulo 2 A preocupação com os fenômenos psicológicos fio séc. X IX ....... 23 2.1. O pensamento psicológico na Educação............................................ 23 2.2. O pensamento psicológico na M edicina..............................................26 2.3. À guisa de sín tese .................................................................................... 31 P arte II A Psicologia Científica e seu processo de autonomização no B ra sil .........................................................................37 Capítulo 1 A Psicologia em instituições m édicas .............................................. 41 1.1. Os hospícios e algumas instituições correlatas................................ 42 1.2. Medicina Legal, Psiquiatria Forense e Criminologia.................... 55 1.3. Teses de doutoramento das Faculdades de M edicina.................... 58 1.4. A guisa de sín tese .................................................................................... 60 Capítulo 2 A Psicologia em instituições educacionais ........................................... 63 2.1. Algumas instituições educacionais......................................................68 2.2. A Psicologia nas obras pedagógicas e psicológicas........................ 81 2.3. À guisa de sín tese .................................................................................... 8|^ Capítulo 3 A Psicologia na organização do trabalho ........................................ 87 P arte III Conclusão ..............................................................................................101 Apêndice................................................................................................121 B ibliografia citada........................................................................... 133 6 Apresentação E ste é um excelente livro. Serve a muitos e diferentes leitores, de estudantes e profissionais da área de Psicologia a simples interessados em psicologia e história do Brasil. Tem um objeto claro - a história da Psicologia no Brasil mas que resulta de cuidadosa pesquisa baseada no princípio segundo o qual uma “abor dagem social” nesta área possibilita a apreensão do diálogo que se esta belece entre a Psicologia e a formação social na qual ela se produz, considerado o conhecimento como produto fundamentalmente histó rico e social. Por outro lado, é apresentada em texto bem escrito e muito vivo, envolvente, o que o torna de fácil e agradável leitura. Particularm ente, é um excelente livro para professores e estudantes em História da Psicologia. Acostumados a conhecer a história da psicologia em manuais escritos a partir de ou para cursos na área, mesmo assim em geral apenas os traduzidos e, entre estes, mais freqüentemente aqueles escolhidos para atender ao entendi mento da área como um conjunto de teorias e sistemas em psicolo gia, os leitores encontrarão neste livro duas importantes novidades. A primeira tem a ver com a questão: de onde começar? Re passando a história desta História, desde o Baldwin, de 1913, ou o Brett, de 1921, mas também a maioria dos livros escritos especial mente como literatura pedagógica (Brock, 1998) - , encontramos uma Psicologia que freqüentemente começa na era pré-socrática. Mas há quem entenda que, para melhor compreendê-la, é preciso ir mais longe, encontrando suas raízes no pensamento oriental que a precedeu. Este livro pode atender a uma proposta diferente: por que não começar de onde estamos? É o que Mitsuko nos traz neste livro: uma história da Psicologia no Brasil. A segunda novidade responde a uma questão relacionada ao objetivo mesmo do ensino superior. Como estudar? Este livro corresponde a uma particular maneira de entendê-la. Trabalhando A Psicologia no Brasil diretamente com pesquisa na área, professor e aluno familiarizam-se com o fazer histórico, preparando-se para ler criticamente qualquer livro em história da psicologia. Em linguagem muito agradável, a autora - apaixonada pes quisadora do tema - leva o leitor a compreender como a Psicologia conquistou seu espaço próprio como área de conhecimento e cam po de práticas no Brasil. E o faz pesquisando não só o desenvolvi mento de idéias e práticas psicológicas e suas bases epistemológicas, como os fatores contextuais - sociais, políticos, culturais, no interior dos quais esta história se constrói. Finalmente, cabe lembrar que, correspondendo a uma expecta tiva da autora, este livro deve contribuir também para estimular no vos estudos na área, para o que muito concorrerá uma cronologia de fatos significativos que, em Apêndice, completa a obra. Maria do Carmo Guedes BALDWIN, J. M. (1913). A history o f Psychology: a sketch and a interpretation (2 vols.). New York, Putnan. BRETT, G. S. (1912-1921). A history o f Psychology (3 vols.). New York, Macmillan. BROCK, A. (1998). Pedagogia e pesquisa.The Psychologist (Bulletin of The British Psychological Society), v o l .ll , n.4 (Special issue “History and philosophy. Out of margins”), p. 169/72. Introdução A Psicologia constitui-se numa ciência que, reconhecidamente, tem exercido uma função social de grande relevância, quer como área de conhecimento que tem contribuído para ampliar a com preensão dos problemas humanos, quer como campo de atuação cada vez mais vasto e efetivo na intervenção sobre estes. No mundo atual, o desenvolvimento científico e tecnológico tem alcançado patamares nunca antes imaginados. Tempo e espa ço adquirem novos significados com a eliminação das distâncias pelas redes informatizadas. Novos conhecimentos vêm transfor mar profundamente a estrutura produtiva, a educação, a assistência à saúde, as artes, as relações humanas. Alguns velhos problemas, no entanto, não apenas permanecem como tendem a agravar-se: a miséria, a exclusão social, a violência, a limitação do acesso ao saber e à saúde, o desemprego, a xenofobia, o racismo, as guerras imperialistas, a escassez de perspectivas existenciais. Nesse panorama, os problemas do presente e os que vislum bramos para um futuro próximo impõem à Psicologia tarefas cada vez maiores e mais desafiadoras; disso decorre a imperativa neces sidade de reflexão sobre seu significado e sua responsabilidade na construção do devir histórico. É preciso, pois, que tenhamos uma compreensão mais am pla da Psicologia e de sua relação com a sociedade; nesse quadro, o conhecimento da História da Psicologia torna-se particularm en te importante. A compreensão do processo de construção histórica de uma área de conhecimento é tão imprescindível quanto o conteú do de suas teorias e o domínio de suas técnicas que, tomados atem poralmente, são meros fragmentos de uma totalidade que não se consegue efetivamente apreender. Para se compreender a Psicologia como construção histórica devem ser considerados três aspectos: o desenvolvimento específi co das idéias e práticas psicológicas, sua base epistemológica e os fatores contextuais (aspectos estes só separáveis como recurso di dático). O conhecimento de tais elementos é condição necessária para uma reflexão profunda e para o estabelecimento de parâmetros a fim de responder aos desafios que se colocam hoje para esta ciência. Paradoxalmente, pouco se tem investido em estudos e na difu são desse conhecimento. A História da Psicologia em geral e da His tória da Psicologia no Brasil em particular têm sido relegadas a um plano secundário. Poucos são os cursos de Psicologia que têm essa disciplina em seu currículo, são ainda escassos os estudos e pesquisas nessa área e a bibliografia é restrita. Essa situação agrava-se sensivel mente quando a referência é a História da Psicologia no Brasil. E possível afirmar que é generalizado o desconhecimento do processo de construção histórica da Psicologia em nosso país, reflexo possível do próprio desconhecimento da História do Brasil pela maioria da população brasileira. Esse quadro começa a se alterar com o incre mento de pesquisas na área, particularmente por núcleos e grupos de pesquisadores de várias universidades brasileiras, na sua maioria per tencentes ao Grupo de Trabalho em História da Psicologia da Associa ção Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia - ANPEPP. Dessa constatação originou-se a m otivação para o em pre endim ento do presente trabalho, inicialm ente elaborado como tese de doutoram ento1. Buscou-se com preender como a Psicolo gia conquistou seu espaço próprio como área de conhecim ento e campo de práticas no Brasil, atingindo sua autonom ia e reconhe cim ento como ciência específica, em conseqüência da produção de idéias e práticas psicológicas no interior de outras áreas do saber. Assim, o foco desta obra incide de m aneira mais privilegia da no período que vai da última década do século XIX à terceira 1 ANTUNES, M. A. M. O processo de autonomização da Psicologia no Brasil - 1890/ 1930: uma contribuição aos estudos em História da Psicologia. São Paulo, tese de doutoramento, Psicologia Social PUC/SP, 1991. 10 Leitura histórica sobre sua constituira» década do século XX; período de grandes transformações sociais, econômicas e políticas no Brasil e, particularmente, de significa tiva produção cultural. Para dar sustentação histórica a este estudo, procurou-se ex plicitar seus antecedentes, isto é, as bases sobre as quais a Psicolo gia conquistou sua autonomia no Brasil. Nesse quadro, os conteú dos serão apresentados em partes, a saber: Parte I: Antecedentes, composta por dois capítulos referentes à produção psicológica no período colonial e no século XIX; Parte II: A conquista da autono mia da Psicologia no Brasil, composta por três capítulos referentes à produção de conhecimento psicológico por instituições médicas, instituições educacionais e pela aplicação da Psicologia à organi zação do trabalho; Parte III: Conclusão e um apêndice, composto por uma cronologia dos fatos mais significativos para a História da Psicologia no Brasil - 1890 / 1930. Deve-se destacar ainda a impossibilidade da escrita da his tória ser definitiva, sobretudo quando os estudos são iniciais, como é este. Em outras palavras, o processo será sempre inacabado e a história deverá ser continuamente escrita. Nesse sentido, solicita- se a todos aqueles que puderem contribuir com sugestões, corre ções, críticas e dados / fontes para o desenvolvimento deste e de outros trabalhos nessa área, que o remetam à autora que, desde já, se manifesta profundamente agradecida. Pretende-se, assim, que este trabalho possa contribuir, naquilo que lhe cabe, para ampliar o pouco conhecimento que se tem sobre a Psicologia no Brasil. Não há, pois, a pretensão de esgotar o assunto ou considerá-lo definitivo, uma vez que, desde o início, a pesquisa apontava para a imensidão de estudos a serem feitos nesse campo praticamente intocado. Há, no entanto, na publicação deste trabalho, a imodesta ex pectativa de que ele possa estimular o debate e a produção de novos estudos e pesquisas na área. PARTE I Antecedentes A finalidade desta parte é expor brevemente a preocupação com os fenômenos psicológicos no período anterior à penetração da Psicologia científica no Brasil. Falaremos em pensamento psicológico e não em Psicologia, sendo esta última expressão utilizada para se refe rir à ciência psicológica. Deve-se lembrar que a Psicologia alcançou o estatuto de ciência autônoma somente no último quartel do século XIX, tendo como marco o estabelecimento de sua definição, objeto de estu do, métodos e objetivos por Wilhelm Wundt, na Alemanha, segundo interpretação de vários autores em História da Psicologia. A preocupação com os fenôm enos psicológicos faz-se presente no Brasil desde os tempos da colônia, aparecendo em obras escritas nas diferentes áreas do saber e, mais tarde, durante o século XIX, em produções advindas de instituições como faculdades de medicina, hospícios, escolas e seminários. A abordagem desses antecedentes tem por objetivo demons trar como o pensamento psicológico foi produzido por outras áreas do saber, sendo que seu desenvolvimento no seio destas foi funda mental para a absorção dos avanços que, no final do século passado, os estudos psicológicos alcançaram na Europa. Criaram-se assim as condições para a penetração e conseqüente desenvolvimento da Psi cologia no Brasil, a qual permaneceu ligada a outras áreas do saber por muitos anos ainda, e só gradativamente foi delas se separando e assumindo seu espaço próprio. Capítulo 1 A preocupação com os fenômenos psicológicos no período colonial A lgumas informações sobre o pensamento psicológico produzido no período colonial podiam ser encontradas no artigo de Samuel Pfromm Netto, intitulado “A Psicologia no Brasil”2. Entre tanto, somente a pesquisa pioneira realizada por Marina Massimi3, concluída em 1984, trouxe extenso e minucioso estudosobre essa temática. Com base nesse trabalho, procuraremos, neste capítulo, tão somente traçar uma breve caracterização da produção referente aos fenômenos psicológicos nesse período. As mais antigas bases sobre as quais, mais tarde, veio a Psico logia a se estabelecer no Brasil são reveladas pelo pensamento psi cológico produzido nesse momento, denominado por Pessotti4 como período pré-institucional da Psicologia, por não terem as obras então produzidas vínculos diretos com instituições específicas, como viría a acontecer posteriormente. A preocupação com os fenômenos psicológicos aparece em obras oriundas de outras áreas do saber, tais como: Teologia, Moral, Pedagogia, M edicina, Política e até mesmo Arquitetura; encon- tram-se, nestas, partes dedicadas ao estudo, análise e discussão de formas de atuação sobre os fatos psíquicos. Os autores são brasileiros, com exceção de alguns que, em bora tenham nascido em Portugal, aqui passaram a m aior parte de suas vidas. Em geral, tiveram form ação jesu ítica e cursaram 2 PFROMM NETTO, S. A Psicologia no Brasil, in: FERRI, M. G. e MOTOYAMA, S. (orgs.) História das Ciências nó Brasil. São Paulo, EPU e EDUSP, 1978-1981, pp. 325/276. 3 MASSIMI, M. História das Idéias Psicológicas no Brasil em obras do período colonial. São Paulo, dissertação de mestrado, USP, 1984. 4 PESSOTTI, I. Notas para uma História da Psicologia brasileira, in: Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo, Edicon e CFP, 1988, pp. 17/31. 17 A Psicologia no Brasil universidades européias, particularmente a Universidade de Coimbra. A maioria desses autores exercia função religiosa — eram prepon derantemente jesuítas - ou política, tendo vários deles ocupado im portantes cargos na colônia ou na metrópole. As obras são impressas na Europa, sobretudo em Portugal, pois ainda não havia imprensa no Brasil. Encontram-se nessas obras fpreocupações com os seguintes temas: emoções, sentidos, auto- jconhecim ento, educação de crianças e jovens, características do ' sexo feminino, trabalho, adaptação ao ambiente, processos psico lógicos, diferenças raciais, aculturação e técnicas de persuasão de “selvagens”, controle político e aplicação do conhecimento psico- vlógico à prática médica5. São encontradas referências sobre emoções e prática de seu controle ou “cura”, geralmente em sermões de edificação ético-reli- giosa, de autores como Padre Vieira, Frei Mateus da Encarnação Pinna e Padre Ângelo Ribeiro de Sequeira; em obras de Filosofia Moral, como a de Mathias Aires Ramos da Silva de Eça, e obras médicas, como as de Francisco de Mello Franco. Tais obras apontam para aná lises de âmbito comportamental e tratam de assuntos como: amor, saudade, vaidade, ódio ou tristeza. Sobre isso, Massimi (1987, p. 100) afirma: “As emoções, chamadas de ‘paixões ’, são consideradas pe los autores ‘forças ’potentes e cegas que, se excessivas, podem afetar o equilíbrio do organismo, tomando-se ‘enfermidades’. ” Sob diferentes enfoques, escreveram sobre o “conhecimento de si”, autores como Padre Vieira e Encarnação Pinna (obtenção de conhecimento de si pelo sujeito), Azeredo Coutinho (objetivação da experiência interior) e Mathias Aires (estudo da vaidade, com base no auto-conhecimento). Essa temática guarda íntima relação com questões posteriormente abordadas pela Psicologia, sendo o auto- conhecimento assunto que perm anece como objetivo da ciência psicológica e de sua prática, enquanto a preocupação com a 5 Sugere-se também a leitura de: MASSIMI, M. História da Psicologia Brasileira. São Paulo, EPU, 1990 e MASSIMI, M. As origens da psicologia brasileira em obras do período colonial, in: História da Psicologia - Cadernos PUC, n° 23. São Paulo, EDUC, 1987, pp. 95/117. 18 Leitura histórica sobre sua constituição “objetivaçao da experiência interior” constitui ainda hoje uma ques tão fundamental para a pesquisa psicológica. As sensações e os sentidos foram abordados principalmente no século XVIII e tiveram relação com o desenvolvimento das idéias empiristas. Muitos dos estudos então realizados valeram-se da obser vação e até mesmo de resultados obtidos pela experimentação. Nes ses estudos, temas característicos da Psicologia que viria a se desen volver já estavam prenunciados: loucura, fatores de natureza sexual, fantasias, instintos e ilusão de ótica. Trataram desses assuntos: Padre Vieira, Encarnação Pinna, Mathias Aires, Sequeira e Mello Franco. A pesquisa de Massini revela que foram freqüentes e recor rentes as preocupações com a criança e seu processo educativo, tendo sido encontrados os seguintes temas: formação da personalidade; desenvolvimento da criança; controle e manipulação do comporta mento; aprendizagem; influência dos pais etc. Trataram desse tema: Alexandre de Gusmão, Mathias Aires, Mello Franco, Americus, Manoel de Andrade Figueiredo, Azeredo Coutinho e Femão Cardim. O papel da mulher foi também abordado por diversos autores, como: Feliciano Souza Nunes, Alexandre de Gusmão, Azeredo Coutinho e Mello Franco. Várias obras tratam do papel da mulher na sociedade, abordando elementos de natureza psicológica ou a eles relacionados, tais como: gravidez, amamentação, comportamento ma ternal, sexualidade e seus desvios. Segundo Massimi (1984, p. 272): "... O interesse pela psicologia da mulher nasce como parte da tentativa de definição do papel da mulher na sociedade colonial e pós-colonial. Há uma diferença muito grande entre a função ou valores atribuídos à mulher índia e os que se atribuem à mulher ‘colonizada ’ de acordo com os hábitos da cultura portuguesa. ” Vale a pena destacar, no trabalho de Massimi, a referência ás idéias de Alexandre de Gusmão, que defende a instrução feminina; de Feliciano de Souza Nunes, que refuta a afirmação corrente sobre a inferioridade mental da mulher e de Azeredo Coutinho que dosen volve uma metodologia específica para a instrução feminina, nos A Psicologia no Brasil “Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória”, primeiro colégio feminino brasileiro, fundado em 1802 e que custou a seu idealizador a retirada compulsória para Portugal. Várias obras estudadas por Massimi abordam a problemática do trabalho, principalmente sob a perspectiva moral, social e psico lógica. É recorrente a condenação do ócio, especialmente nas suas relações com o vício, ao qual o trabalho se contrapõe. Nessa ques tão, o indígena é especialmente considerado, sendo visto como pre guiçoso e ocioso e, por isso, propenso ao pecado; nessa perspectiva, o trabalho é visto como meio de cura e instrumento para sua “civiliza ção”. São discutidas questões sobre: adaptação ao trabalho, impor tância do trabalho para a criança, controle sobre a atividade produtiva e trabalho como instrumento de controle. Mello Franco, Alexandre de Gusmão e Mathias Aires são autores que abordam esse tema. O tema “adaptação ao ambiente” aborda a questão do “caráter brasileiro”, o que pode prenunciar elementos relacionados à Psicolo gia Social. Para vários autores, o ambiente é considerado como um dos fatores determinantes do comportamento; para Padre Vieira, o clima brasileiro favorece o ócio e a dissimulação, assim como para Mello Franco, para quem a natureza dispensa o homem da luta, le vando-o ao ócio. Concepções como estas serão freqüentes até mea dos do século XX e terão relações muito próximas com o pensamento psicológico-psiquiátrico desenvolvido no Brasil. Ainda sob esse tema são abordadas questões relativas à aculturação e ao aprimoramento do domínio sobre os índios. A aplicação de conhecimentos psicológicos à Medicina é tema tratado já no final do período colonial por M ello Franco, o qual aborda questões relativas a: teorias sobre relação m ente-corpo; estudos sobre os nervos e o sistema nervoso; psicopatologia; tem peramentos; terapêuticas; teorias sobre o sono e os sonhos e, vale destacar, dentre suas contribuições, a concepção a respeito da sexualidade como determinante da loucura.O processo de colonização do Brasil por Portugal, no contexto da expansão econômica européia, foi pautado fundamentalmente na 20 Leitura histórica sobre sua u>n.MÍnint.m exploração. A metrópole decidia o que deveria ser produzido, a manei ra de fazê-lo e tinha seu monopólio, tendo como finalidade exclusiva o lucro. Não houve preocupação de fato com a colonização propriamente dita, o que caracteriza o Brasil meramente como colônia de exploração. - Essa situação exigiu a_organização de um forte aparelho re.- pressivo de um lado e, de outro, um sólido aparato ideológico, sus tentado principalmente pela Igreja Católica, cuja função precípua era transm itir e manter uma ideologia que, em última instância, legitimasse a exploração da colônia. Nesse contexto, a Companhia de Jesus exerceu papel funda mental e manteve sua influência mesmo após sua expulsão de Por tugal e, consequentemente, do Brasil, pelas Reformas Pombalinas. A articulação entre o pensamento psicológico produzido no Brasil e os interesses metropolitanos revela-se em muitos dos con teúdos das obras estudadas por Massimi. Destes, deve-se destacar a preocupação com os índios, sobretudo no que diz respeito ao traba lho e à aculturação. Soma-se a isso a preocupação com o controle ou “cura” das emoções que, em algumas obras, sugere a busca de soluções para problemas enfrentados pela colônia, cuja natureza era fundamentalmente de ordem moral. As preocupações com a educa ção eram também relacionadas aos interesses metropolitanos, quer pela difusão da ideologia dominante, quer pela necessidade de for mação de quadros destinados à organização da empresa colonial. Entretanto, se de um lado é patente a condição de dependência do pensamento psicológico produzido no Brasil em relação aos inte resses metropolitanos, por outro lado é impossível negar o caráter de originalidade em muitas obras, particularmente no que se refere às idéias psicológicas propriamente ditas, o que pode ser constatado em muitos elementos apontados por Massimi em sua pesquisa. Destes, vale destacar os prenúncios da psicoterapia, os estudos sobre as cri anças e sua educação, a determinação do ambiente sobre o comporta mento, as concepções contrárias à completa submissão da mulher, sobretudo o reconhecimento da capacidade intelectual feminina e, finalmente, as relações entre a prática médica e o saber psicológico. 21 A Psicologia no Brasil Percebe-se, assim, que a produção de idéias psicológicas na, colônia refletia as contradições da sociedade colonial e, por decor rência, da metrópole, na medida em que a primeira constituía-se em função das relações determinadas pela segunda. Nesse sentido, é possível compreender que as idéias psicológicas produzidas apre sentassem concomitantemente articulações com os interesses me tropolitanos, posições de confronto com estes e, por outro lado, originalidade do ponto de vista dos estudos psicológicos. Essas idéias são faces de uma mesma realidade, pois refletem as contradições da formação social em questão. Assim, é possível compreender a ori ginalidade de várias idéias psicológicas como tendo surgido do fato de que, em busca de soluções para alguns problemas, a criatividade ( tornou-se um imperativo; as necessidades impostas pela realidade í exigiram soluções que, ao mesmo tempo que buscavam a manuten- : ção da^ordem estabelecida, também se constituíam em forças ; impuisionadoras do real em direção ao futuro, ou ainda, poderíam > estar articuladas às forças que colocavam em questão o próprio !rí‘status quo”, no sentido da busca de uma nova ordem, o que pode ser confirmado pelo fato de que vários autores estudados por Massimi tiveram em uma ou outra ocasião problemas com o poder metro politano ou com a Inquisição. O pensamento psicológico produzido no período colonial é de extrema importância para a compreensão da construção histórica da Psicologia no Brasil, pois explicita suas mais antigas raízes, muitas das quais referentes a assuntos que permaneceram em pauta, às ve zes com profundas mudanças nas formas de abordagem e outras vezes mantendo, ao longo do tempo, sua forma e conteúdo, como será demonstrado adiante. 22 Capítulo 2 A preocupação com os fenômenos psicológicos no século XIX O Brasil sofreu grandes mudanças no século XIX, deixando a condição de colônia e transformando-se em império, ainda que se mantendo sob o poder da realeza portuguesa. A condição de autonomia, mesmo que relativa, trouxe profundas transformações à sociedade brasileira, entre as quais incluem-se significativas mudan ças no plano cultural, inserindo-se aí a produção de idéias e práticas de natureza psicológica. Nesse contexto, o pensamento psicológico produzido nesse período diferenciou-se do precedente, particular mente pela vinculação às instituições então criadas. A produção do saber psicológico ainda foi gerada, no entanto, no interior de outras áreas de conhecimento, fundamentalmente na Medicina e na Edu cação, que serão tratadas a seguir, tendo em vista a explicitação da maneira como se deu, a partir delas, o desenvolvimento do pensa mento psicológico no período em questão. Para melhor organizar a exposição, dividiu-se este capítulo em duas partes: o pensamento psicológico na Educação e o pensa mento psicológico na Medicina. No primeiro item serão abordados os aspectos gerais da Educação no período, os conteúdos psicológi cos no ensino e as idéias psicológicas na Pedagogia. Em relação à Medicina, serão abordadas as produções relativas às Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, do Hospício Pedro II e do Asilo Provisório de Alienados da Cidade de São Paulo. 2.1. O Pensamento Psicológico na Educação Preocupações com o processo educativo na colônia perma neceram no século XIX, guardando muitas das características do A Psicologia no Brasil período precedente, porém, assumindo um caráter mais sistemático, seja pela gradativa vinculação institucional, seja pela maior elabo ração no trato de seus conteúdos. Com a transferência da Corte para o Brasil, em 1808, novas necessidades surgiram, tornando necessária a formação de quadros para os aparatos repressivo e administrativo do governo, demandan do uma maior preocupação com a Educação e com o ensino. Assim, pode-se dizer que foi a partir desse momento que efetivamente /oram criados os cursos superiores no país, embora tendo como finalidade quase exclusiva a formação profissional, praticamente inexistindo p r e o c up aç ã o c o m a produção de conhecimento. O ensino secundário manteve ainda por um bom tempo a herança das aulas avulsas, de caráter precipuamente propedêutico,* voltado para o ensino quase exclusivo dos alunos do sexo masculino e sob o domínio da iniciativa privada, sobretudo da Igreja Católica; a exceção foi o Colégio Pedro II, de caráter universalista e enciclopédico, caracterizado por ser elitista e aristocrático, apesar de ter finalidade modelar. Na década de 30 foi criada, em Niterói, a primeira Escola Normal, seguida de muitas ou tras, oferecendo cursos de no máximo dois anos, sem garantia de formação profissional e com docentes pouco preparados; somente em 1880, em São Paulo, o curso passou para três anos de duração. Em 1890, no Rio de Janeiro, foi criado o “Pedagogium”, com a fina lidade de constituir-se em centro de pesquisas educacionais e museu pedagógico, sob a inspiração de Rui Barbosa. No que diz respeito ao pensamento brasileiro no século XIX, extensivo à Educação, sofreu este profunda influência européia. As principais correntes de pensamento que aqui penetraram foram o liberalismo e o positivismo, embora houvesse ainda, no pensamento filosófico, forte presença dojom ism o e do empirismo, além de influências do espiritualismo francês e do idealismo alemão. Essas idéias tiveram grande influência sobre o pensamento psi cológico, não apenas como tendência geral, mas por constituírem-se como conteúdos relacionados às questões de natureza psicológica.Leitura histórica sobre sua constituição Esses conteúdos são revelados particularmente pelos programas de vários cursos, sobretudo pelas obras filosóficas então difundidas6. Teólogos, professores e médicos são freqüentemente os au tores de tais obras filosóficas e tendem a considerar a Psicologia como parte integrante da m etafísica, tendo como objeto de estudo geralmente a “alma” , o “espírito” e o “eu” . Em pesquisa empreendida por Massimi (1989), os assuntos en contrados em tais obras filosóficas são divididos pela autora em duas categorias: os conceitos relativos aos fundamentos da vida psíquica (alma, eu, consciência, identidade, caráter, faculdades etc.) e os concei tos referentes a fenômenos psíquicos específicos (percepção, emoção, cognição, motricidade etc.). Esses assuntos aparecem freqüentemente em obras psicológicas e pedagógicas das primeiras décadas do século XX, porém abordados mais cientificamente. Obras de Teologia Moral, nessa época, abordam também questões de ordem psicológica. Além dos conteúdos de ensino, a preocupação especificamente pedagógica foi também fonte para o desenvolvimento do pensamento psicológico. Há uma crescente preocupação com os fenômenos psí quicos, especialmente no que diz respeito aos métodos de ensino, pois estes remetem à necessidade de conhecimento sobre o educando e à formação do educador, o qual deve dominar esse saber para reali zar mais eficazmente sua ação pedagógica. Esses conteúdos são en contrados nos programas da disciplina Pedagogia das Escolas Nor mais, os quais tratam geralmente de questões como: educação das faculdades psíquicas, aprendizagem e utilização de recompensas e castigos como instrumentos educativos. Há evidente influência de pensadores como Locke, Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Spencer, além da presença do dualismo interacionista de Descartes, conforme demonstra Massimi (1989). 6 Marina Massimi realiza em sua tese de doutoramento um extenso estudo sobre as idéias psicológicas difundidas em instituições de ensino de São Paulo e Rio de Janeiro, no século XIX, encontrando um material revelador da preocupação com os fenômenos psicológicos no período em questão. Ver MASSIMI, M. A Psicologia em Instituições de Ensino brasilei ras do século XIX. São Paulo, tese de doutoramento, USP, 1989. 25 A Psicologia no Brasil Há grande preocupação pedagógica com a educação ou com o desenvolvimento das faculdades psíquicas da criança, especial mente a inteligência, seguida das sensações e da vontade. Encontra Massimi (1989), em sua análise, a concepção de inteligência "... como uma faculdade complexa, composta de várias funções: atenção, percepção, imaginação, intuição, abstração e generalização, asso ciação de idéias, comparação, juízo, raciocínio, razão, memória e linguagem. ” (p. 361) As preocupações com as questões de ordem psicológica pela Pedagogia, no século XIX, esboçam a sistematização que será em preendida a partir de seu final e início do século seguinte, com maior aprofundamento e especialmente maior rigor m etodológico em seu estudo. Os temas pouco diferem nos dois períodos, o que permite afirmar que não há ruptura, mas uma evolução no trata mento dessas questões, confirmando a importância da relação entre Psicologia e Pedagogia. Acrescenta-se a isso que a relação entre Psicologia e Peda gogia guarda íntima relação com o pensamento escolanovista, cuja penetração no Brasil inicia-se no século XIX, mas cuja efetiva explicitação e consolidação somente ocorrerá no século XX. 2.2. O Pensamento Psicológico na Medicina As Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia foram criadas em 1832, tendo sua origem nas Cadeiras de Cirurgia, na Bahia, e de Cirurgia e Anatomia, no Rio de Janeiro, instaladas em 1808. Nessas faculdades, como exigência para a conclusão do curso, o aluno deveria defender publicamente uma tese de doutora mento ou inaugural, que lhe conferia o título de doutor. Grande parte dos trabalhos sobre assuntos psicológicos, nessa época, é pro veniente dessas teses, que tratavam de temas relacionados a: Psiquia tria, Neurologia, Neuriatria, M edicina Social e M edicina Legal. M uitas dessas teses antecedem a criação formal de uma cátedra afim às questões psicológicas, pois a prim eira delas, denominada 26 Leitura histórica sobre sua constituição “Clínica das M oléstias M entais” , foi criada em-1.881 e. desde 1836, encontram -se teses que tratam do fenôm eno psicológico. Os assuntos tratados são muito variados, dentre os quais: pai xões ou emoções, diagnóstico e tratam ento das alucinações m en tais, epilepsia, histeria, ninfomania, hipocondria, psicofisiologia, instrução e educação física e moral, higiene escolar, sexualidade e temas de caráter psicossocial. Os mesmos assuntos foram também tratados em artigos publicados nos “Annaes Brasilienses de M edicina” e em outras revistas médicas, em obras isoladas e mesmo em teses de alunos brasileiros que fizeram sua formação na Europa. A primeira tese que trata do fenômeno psicológico foi defen dida em 1836, por Manoel Ignacio de Figueiredo Jaime, denomina da “As paixões e afetos d ’alma em geral, e em particular sobre o amor, amizade, gratidão e o amor da pátria”, de influência cartesiana e muito próxim a das tem áticas abordadas no período colonial. Outras, além desta, tratam assunto semelhante, sendo que, no final do século, as expressões por elas usadas já não mais aparecem, dando lugar à palavra “emoção”. Temas relativos à sexualidade são.muito.freqüentes, como: cópula, onanismo, histeria, ninfomania, prostituição etc., valendo ressaltar que, em 1914, a tese de Genserico Aragão de Souza Pinto evolui para um tratamento teórico baseado na Psicanálise. Crescente interesse pela Medicina Legal é observado, assim como sua proximidade com a Psicologia Social. A tese de Júlio Afrânio Peixoto, denominada “Epilepsia e Crime”, é demonstrativa desse fato. Nos anos finais desse período, temas bastante próximos da Psicologia propriamente dita começam a aparecer de maneira sig nificativa, revelando maior rigor metodológico e uma base cientí fica mais apurada. Vale lembrar que a Psicologia conquistou o estatuto de ciência autônoma no último quartel daquele século, momento em que aparecem teses que podem ser identificadas com a ciência psicológica. A Psicologia no Brasil No final do século XIX é defendida a tese “Duração dos Atos Psíquicos E lem entares” , de Henrique Roxo, considerada por Lourenço Filho, Pessotti e Pfrom m Netto como o prim eiro, trabalho de Psicologia Experim ental, baseado em número signi ficativo de dados obtidos experim entalm ente, com o uso do “psicôm etro de B uccola” . Muitas teses podem ser consideradas como pertencentes à Medicina Social7 e tratam de questões relacionadas à higiene e àquilo que hoje consideramos como fatores ou fenômenos psicossociais. As condições de saneamento das cidades e de saúde da popu lação eram extremamente precárias, sobretudo nas cidades e para as camadas mais pobres. A presença de “leprosos, loucos, prostitutas e mendigos” nas ruas, aliada ao clima quente e à posição geográfica da cidade (principalmente Rio de Janeiro) eram questões preocupantes para os médicos, para quem as “sujeiras” e “imundícies” — materiais e morais — que grassavam nas cidades deveriam ser eliminadas. É nesse contexto que se origina, segundo Roberto Machado (1978), a Medicina Social no Brasil, preocupada mais com a “saúde” do que com a “doença”, buscando as causas das moléstias para preveni-las. Busca-se, pois, a normalizaçãoda sociedade, com vistas a uma for mação social sadia, composta por indivíduos sadios; ou seja, é preciso que a sociedade seja organizada, livre da “desordem” e dos “desvios” que devem ser eliminados por meio de um projeto profilático. A Medicina Social, nesse quadro, elaborará propostas para as várias instituições sociais, com finalidade de higienizá-las, preo- cupando-se com hospitais, cemitérios, quartéis,bordéis, prisões, fábricas e, de m aneira especial, com as escolas, tem a esse m uito freqüente nas teses de doutoramento. Para a higienização das escolas são propostas formas de con trole do comportamento, em que se discute o uso de recompensas e castigos para eliminar, por exemplo, a desobediência e a prática da 7 Para aprofundamento nessa questão, ver: MACHADO, R. e outros. Danação da norma: Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1978. 28 Leitura histórica sobre sua constituição masturbação. Esta última, segundo Machado (1978), é vista como algo que provoca a tísica, a loucura, a epilepsia, a hipocondria, a flegmasia crônica de todos os órgãos e finalmente a morte” (p. 304); acrescenta ainda o autor que uma das medidas preventivas para o onanismo é a prática da ginástica. Deve ser lembrado que a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro esteve articulada às Faculdades de Medicina na defesa da Medicina Social. A Medicina Social contribuiu também no plano da intervenção social, o que remete à defesa da criação de hospícios, uma necessida de imperativa para a higienização e a normalização da sociedade. Até meados do século XIX, não havia qualquer forma de assis tência específica aos doentes mentais. Os “loucos” erravam pelas ruas, eram encarcerados nas prisões ou reclusos em celas especiais das Santas Casas de Misericórdia, sendo que algumas destas possuíam suas “casinhas de doudos” . Por volta de 1830 começam a aparecer as reivindicações para a criação de hospícios, partindo principalm ente dos m édi cos, sobretudo os higienistas ligados à Sociedade de M edicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, por meio de artigos em que eram criticadas as condições de abandono dos “loucos” , propondo a criação de um asilo higiênico e tratam ento moral. Essa proposta vincula-se ao projeto da referida sociedade para organizar, disci plinar e norm alizar a cidade, em busca da salubridade geral do espaço urbano. Para Machado (1978), a constituição da Psiquiatria no Brasil inicia-se com a criação dos hospícios, articulada às finalidades da Medicina Social; afirma ele: “Coube à medicina social a tarefa de isolar preventivamente o lou co com o objetivo de reduzir o perigo e impossibilitar o efeito destrutivo que ela viu caracterizada em sua doença. Nasce assim, no Brasil dos meados do século XIX, não uma ‘psiquiatria preven tiva’, mas a psiquiatria como instrumento da prevenção. ” (p. 380) A Psicologia no Brasil Assim, em 1842, é inaugurado no Rio de Janeiro o Hospício Pedro II, cujas práticas foram fundamentadas nas idéias de Pinei e Esquirol. Seu funcionamento guiava-se pelos princípios de iso la mento, vigilância, distribuição e organização do tempo dos inter nos, com vistas à repressão, controle e individualização. Considera va-se a necessidade de afastar o “louco” das causas da loucura, isto é, da sociedade e da família, e romper com seus hábitos para realizar-se o tratamento. Via-se o trabalho como excelente terapêutica, por sua necessidade de disciplina, sendo o trabalho agrícola especialmente recomendado; entretanto, essa terapia não era igualmente aplicada, sendo prescrita sobretudo aos internos pobres. Nesse sentido, a Psiquiatria brasileira evoluiu de uma con cepção que propunha a cura da “loucura” com sangrias e banhos para uma preocupação de natureza comportamental, em que o trata mento passou a basear-se em intervenções no plano moral. Em 1848 é aprovada por lei provincial a criação de um hospí cio em São Paulo e, em 1852, é inaugurado o Asilo Provisório de Alienados da Cidade de São Paulo8, na Av. São João, nas proximida des da Av. Ipiranga, tendo ficado conhecido como Hospício Velho. Sua ação ficou limitada à reclusão, objetivando excluir os “loucos” das ruas da cidade. Sua direção ficou a cargo de um alferes, Tomé de Alvarenga, tendo negros libertos e egressos das prisões como funcionários, os quais eram mal vistos socialmente, o que explica a aceitação de um trabalho que era considerado repugnante e aviltante. Muitos dos internos eram estrangeiros, geralmente imi grantes italianos ou negros alforriados; a maioria era do sexo masculino. O hospício sofreu muitas rebeliões e vários surtos de epidemia. Para Cunha (1986), o hospício “causava incômodo ou escândalo - quando não medo puro e sim ples - aos seus seletos vizinhos do centro da cidade. Seu administra dor não cessa de enfatizar, em seus relatórios, a impossibilidade de 8 Para aprofundamento sobre o hospício de São Paulo, ver: CUNHA, M. C. P. O espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 30 Leitura histórica sobre sua constituição conter a loucura naqueles exíguos sete cômodos, sem ventilação, sem condições sanitárias, sem condições de segurança. O espaço do internamento produz o medo constante da contaminação da cidade, e tenderá a ser deslocado para longe das vistas temerosas. ” (p. 61) Assim, em 1862, o Hospício Velho mudou-se para a Ladeira Tabatinguera. Essa mudança ocorre em função da problemática disciplinar, não havendo preocupação terapêutica específica. Per manecem, no entanto, os problem as de superlotação, altas taxas de m ortalidade e morbidade, fugas e violência. Os métodos dis ciplinares não são mudados. Somente com o ingresso do médico alienista Francisco Franco da Rocha, o hospício paulista passa para uma fase em que a preocupa ção é de caráter m édico-terapêutico. Vê-se, pois, que havia diferenças profundas entre os hospícios do Rio de Janeiro e de São Paulo. O primeiro teve, desde seu início, uma preocupação médico-psiquiátrica, com base em teorias e práti cas da Psiquiatria estrangeira. O hospício paulista, ao contrário, fun cionou tão somente como espaço de reclusão, aparecendo uma con cepção psiquiátrica apenas no final do século, com Franco da Rocha. Tal diferença pode ser em parte explicada pelo fato de que o Rio de Janeiro tinha, nessa época, um clima bastante propício à discussão e ao desenvolvimento do pensamento psiquiátrico, contando com a Sociedade de Medicina e Cirurgia e a Faculdade de Medicina, insti tuições estas que foram fundamentais para a evolução do pensamento e da prática alienista no Rio de Janeiro. Ainda nesse século foram criados: o Hospício São João de Deus, em 1861, em Recife; um em Salvador, em 1874 e outro em Porto Alegre, em 1884. v 2.3. A Guisa de Síntese As transformações históricas por que passou a sociedade bra sileira, no seio da qual foi produzido o pensamento psicológico aqui u A Psicologia no Brasil em estudo e o desenvolvimento das idéias psicológicas na Europa, que caminhavam para o estabelecimento de sua autonomia, são fatores fundamentais para a compreensão da História da Psicologia no Brasil. O fim da condição colonial permitiu o desenvolvimento de vá rias instâncias da formação social brasileira, dentre as quais as de âmbito cultural. A criação de cursos superiores, a impressão de livros e o surgimento de várias instituições são exemplos dessa mudança. A busca de uma “identidade nacional”, principalmente advinda de intelectuais que buscavam a compreensão e a solução dos problemas nacionais, deve também ser destacada; a preocupação com a saúde e a educação encontram-se nesse plano. Ao mesmo tempo, é possível dizer que o Brasil, agora nação autônoma, adquiria maior facilidade de contato com o resto da Europa, isento da mediação de Portugal, o que facilitava a penetração de idéias correntes no Velho Mundo, espe cialmente na França, indiscutível centro intelectual da época. A produção de idéias psicológicas foi também produto dessa sociedade em transformação, sobretudo na busca de respostas às necessidades que se diversificavam e se impunham pelos novos tem pos. As transformações econômicas, com suas conseqüências para o incremento do processo de urbanização, acabaram por trazer à tona novos problemas ou a explicitação de problemas antigos, que o país não se encontravapreparado para resolver. Nesse contexto, a Medicina e a Educação foram chamadas a contribuir para a solução dos problemas, incluindo-se aí a preocupação com o fenômeno psicológico em várias de suas dimensões. O desenvolvimento do pensamento psicológico no Brasil, no século XIX, não pode ser visto porém apenas na sua dimensão lo cal. E necessário considerar que a preocupação com os fenômenos psicológicos vinha, durante séculos, se desenvolvendo; entretanto, é no século XIX que a evolução da Filosofia, de um lado, e dos conhecimentos produzidos pela Fisiologia, de outro, começaram a, caminhar em direção a uma possível síntese. E possível dizer que o século XIX foi, para a Psicologia, o momento fundamental que pre parou as condições para sua autonomia. Esse período não apenas 32 Leitura histórica sobre sua constituição sintetizou e aprofundou o conhecimento a respeito dos fenômenos psicológicos, mas, mais que isso, as mudanças ocorridas na Europa do século XVIII criaram desafios e necessidades que precisavam ser respondidas pelo conhecimento produzido no século XIX. Apa rece aqui também a problemática do incremento do processo de urbanização decorrente, na Europa, do avanço do modo-de-produ- ção capitalista. Assim, uma sociedade que enfrentava, de um lado, os problemas relativos à saúde, saneamento, habitação e outros, cria dos pela densidade demográfica e, por outro lado, os movimentos sociais que questionavam as bases sobre as quais aquela sociedade se erigia, precisava de instrumentos para melhor compreender tais problemas e sobre eles intervir.'Era necessário buscar o controle^ não apenas de problemas como epidemias, mas também da conduta humana. A isso acrescenta-se que a ideologia burguesa colocava no indivíduo o fundamento de uma sociedade baseada na propriedade privada, portanto pessoal e individual; fazia-se necessário, pois, com preender o homem nessa dimensão. De resto, é preciso considerar que uma formação social baseada na divisão social do trabalho e no avanço técnico apontava para a especialização do conhecimento. Nesse panorama, o contato de muitos brasileiros com os mo vimentos intelectuais europeus inevitavelmente fez com que essas idéias, lá em franca expansão, mais cedo ou mais tarde aqui chegas sem também. A profusão de idéias na Europa, somada às necessida des da sociedade brasileira, permitiu que aqui se desenvolvessem, dentre várias áreas de conhecimento, também as idéias psicológicas. Parte II A psicologia científica e seu processo de autonomização no Brasil Novas e significativas transformações ocorreram, a partir do final do século XIX, tanto na sociedade brasileira quanto na Psicologia. O Brasil adotou o modelo republicano, ao mesmo tempo em que se consolidava e atingia pleno desenvolvimento a economia de base agrário-comercial-exportadora, vinculada fundam ental mente à produção cafeeira, o que contribuiu para a geração de condições que possibilitaram a efetivação do processo de indus trialização do país. Tais fatores concorreram para a expansão do processo de urbanização e para a definição do pólo econômico-políti- co-cultural do país na região Sudeste. Assistiu-se, nesse momento, à expansão do ideário liberal entre os intelectuais brasileiros, cuja participação política e cultural tornou-se intensa, trazendo à tona a preocupação com a “questão nacional” e a busca de caminhos para o progresso e a modernidade. A Psicologia, por sua vez, adquiriu no final do século pas sado o estatuto de ciência autônoma; processo esse originado na Europa e seguido de acelerada evolução dessa ciência não apenas em seu solo original, mas também nos Estados Unidos. Na virada do século, ocorreu intenso desenvolvimento da ciência psicológica em todas as instâncias, quer no plano teórico - destacando-se a di versidade de abordagens surgidas nessa época e o aumento signi ficativo da produção de pesquisas - , quer no plano prático, em que esta ciência penetrou e ampliou seu potencial de aplicação. A concomitância desses dois conjuntos de fatores e a possi bilidade efetiva de estabelecimento de relações entre eles, em fun ção da articulação entre potencialidades e necessidades, passíveis de serem m utuam ente realizadas, perm itiram um avanço sem precedentes na história da Psicologia no Brasil. S7 A Psicologia no Brasil... ■ w_______ Os problemas que o Brasil enfrentava no século XIX tende ram, com a virada do século, a agravar-se e outros vieram a eles se somar, de tal maneira que o pensamento psicológico, já em franco processo de desenvolvimento no país, encontrou terreno fértil para penetrar e estabelecer-se na sua dimensão científica e caminhando para sua autonomia teórica e prática em relação às áreas do saber no interior das quais havia se desenvolvido até então, como a M edici na e a Educação. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da ciência psicológica e a ampliação de seu campo de ação maximizavam as possibilidades concretas de a Psicologia contribuir com possíveis respostas para as questões que se impunham. A Psicologia e outras áreas de conhecimento foram buscadas no sentido de contribuir com soluções para os problemas relaciona dos à saúde, à educação e à organização de trabalho, no interior de uma formação social dependente e atrasada, em busca da m o dernidade representada pela concretização do ingresso do Brasil no mundo industrializado. Nesse contexto e em face de tais problemas ocorreram im portantes realizações da Psicologia no Brasil, cujas principais pro duções são ainda oriundas das instituições médicas c educacionais. A partir dessa base e em seu interior é que a Psicologia se desenvol veu, conquistando sua autonomia em relação às áreas do saber no interior das quais evoluira até então, por meio da definição e da delimitação cada vez mais explícitas de seu objeto de estudo e de seu campo próprio de ação. Tentaremos demonstrar que a produção psicológica no interior de algumas instituições delineia-se cada vez com maior clareza, de um lado pela diferenciação gradativa de outras áreas de conhecimento, como a Psiquiatria por exemplo, e de outro lado pela penetração das idéias e práticas já constitutivas daquilo que, na Europa e nos Estados Unidos, era considerado como Psicologia científica. As personagens dessa história são principalmente médicos, educadores, bacharéis em direito e até engenheiros, sendo que mui tos deles acabaram por dedicar-se exclusivamente à Psicologia e 38 Leitura histórica sobre sua constituição podem ser considerados como os primeiros psicólogos brasileiros. Acrescentam-se a eles vários psicólogos estrangeiros que para cá vieram m inistrar cursos, proferir palestras ou prestar assistências técnicas específicas, dos quais muitos aqui permaneceram e se radi caram definitivamente no país. Abordaremos, a seguir, a produção psicológica na Medicina, na Educação e na sua aplicação à organização do trabalho, no perío do compreendido entre a última década do século XIX e as três primeiras décadas do século XX. f) Capítulo 1 A psicologia em instituições médicas A tendência do século XIX manteve-se por algum tempo, diferenciando-se gradativamente, sendo que as preocupações es tritamente psiquiátricas foram se delineando com maior clareza e delim itando mais explicitam ente suas fronteiras com a Psicolo gia. Tais fatos ocorreram ainda no interior da Medicina, mas já caracterizada como especialidade psiquiátrica, particularmente nas instituições asilares e em seu correlatos, como a M edicina Legal ou a Higiene Mental. A principal evidência disso foi a criação de laboratórios de Psicologia em diversas instituições psiquiátricas, cuja produção foi principalmente de natureza psicológica. O de senvolvimento dos saberes psiquiátrico e psicológico e suas decor rências práticas foram fatores fundamentais para que ambas as áreas adquirissem contornos mais nítidos e, conseqüentemente, uma maior delimitação entre si. O paísencontrava-se ainda na mesma (e talvez pior) situação que no século anterior, no que diz respeito às precárias condições de saneamento e saúde do povo brasileiro. Intelectuais e políticos reclamavam da Medicina intervenções concretas por meio de um projeto profilático, com a finalidade de erradicar, ou pelo menos minimizar, as inúmeras doenças infecto-contagiosas que assolavam o país. Esse movimento, no âmbito da Medicina Geral, estava inti mamente relacionado à questão da Higiene que, nos anos iniciais do século XX, estava revestido de ampla responsabilidade frente à realidade. É no bojo de tais fatos que tanto o pensamento psiquiátri co quanto o psicológico encontraram fértil terreno para seus estu dos e para a aplicação de seus conhecimentos por meio da Higiene Mental, instância derivada da Higiene em sua expressão geral. As ligas de Higiene Mental foram, assim, importantes fontes de produ ção de pesquisa e de práticas relacionadas à Psicologia. A Psicologia no Brasil Para expor essa linha de desenvolvimento histórico da Psicolo gia, abordaremos a seguir as produções dos hospícios, incluindo a Liga Brasileira de Higiene Mental; as produções relativas às intermediações entre Psiquiatria e Direito, que foi um importante veio de desenvolvi mento da Psicologia, principalmente por meio da Medicina Legal, e das teses de doutoramento das Faculdades de Medicina. 1.1. Os hospícios e algumas instituições correlatas O sustentáculo das produções que serão apresentadas a seguir foi o alienismo. Surgiu este na Europa, como área que se autonomizou em relação à Medicina tradicional, estabelecendo como seu objeto de estudo a “razão”, cuja compreensão não podería, segundo seus defen sores, situar-se na Anatomia ou na Fisiologia, pois teria aquela uma natureza diversa. Ao alienismo veio somar-se, mais tarde, o organicismo, que trazia a concepção de loucura como organicamente determinada. O pensamento psiquiátrico brasileiro da época tinha como prin cipal característica o ecletismo, que conjugava o alienismo clássico, especialmente de Pinei e Tuke, com o organicismo, em particular numa de suas vertentes, a teoria da degenerescência, fortemente calcada na concepção da determinação hereditária da loucura. A teoria da degenerescência propunha ações que extrapolavam os muros asilares, propondo a higienização e a disciplinarização da sociedade. Considerava ainda a mdstência de uma hierarquia racial, estando no ápice a raça ariana e na base a raça negra; muitos teóri cos acreditavam ser os negros mais propensos à degeneração por sua inferioridade biológica. No Brasil, essas duas correntes juntam-se numa só experiên cia, em que a exclusão do “louco” deveria ser compartilhada com a prevenção “social” da loucura. O alienismo havia sido, no século anterior, expressão da Me dicina Social, que incluía em seu projeto profilático a preocupa ção com a pobreza, a marginalidade social, o crime e a loucura. 42 Leitura histórica sobre sua constituição Como solução apresentava-se a necessidade de um efetivo controle sobre a massa urbana, com vistas à sua disciplinarização. Nesse contexto, ganha força a teoria da degenerescência. Essas idéias são incrementadas na virada do século, com o agravamento dos problemas urbanos, de tal maneira que o controle das massas im punha-se como prem ente necessidade para uma sociedade que almejava ingressar num efetivo processo de indus trialização. sobretudo no que diz respeito ao proletariado. Assim, a articulação entre pensamento psiquiátrico e controle do processo produtivo revela-se explicitamente. A preocupação com a “ordem” urbana e com o “progresso” baseia-se tam bém nos princípios positivistas, ainda fortemente arraigados no ideário brasileiro. A questão da “ordem” assume gran de importância nessa conjuntura, devendo o asilo excluir do conví vio social aqueles que não se adaptassem às normas estabelecidas, isto é, os “desordeiros” , estando incluídos nessa categoria os indiví duos engajados nos movimentos sociais organizados. Tais concepções, embora majoritárias, não foram unânimes, o que dem onstrarem os adiante pela experiência de U lysses Pernambuco em Recife. Além desta, apresentaremos a seguir algu mas considerações sobre o Hospício do Juquery, o Hospital Nacio nal de Alienados, a Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro e as Ligas de Higiene Mental. Hospício do Juquery9 Os primórdios do Hospício do Juquery situam-se no Asilo Provisório de Alienados da Cidade de São Paulo. Sua criação é obra de Franco da Rocha, que empreendeu a reforma psiquiátrica em São Paulo, denunciando a precariedade da assistência aos doentes 9 Sobre o Hospício do Juquery, sugere-se a leitura do valioso estudo constante do livro: CUNHA, M. C. P. O espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. A Psicologia no Brasil m entais e defendendo uma nova instituição, baseada em práticas científicas, sobretudo no “asilamento racional”. O Hospício do Juquery foi construído fora da zona urbana, sendo seu projeto arquitetônico de autoria de Ramos de Azevedo. Em 1898 já funcionavam as colônias agrícolas; e suas depen dências foram várias vezes ampliadas ao longo do tempo, sendo anexados o pavilhão para “crianças anorm ais” , o laboratório histoquímico e o Manicômio Judiciário. Franco da Rocha e seu sucessor, Pacheco e Silva, defendiam a centralização da assistência psiquiátrica como forma de gerar condições para o estudo da loucura, com base na descrição, com- jtaração e classificação, revelando concomitantemente a preocu pação em demonstrar a pertinência da teoria da degenerescência. Segundo Cunha, a produção do hospício demonstrava que: “o interesse se desdobra a partir de quadros nosológicos já configu rados e volta-se para a identificação das formas particulares das ‘doenças’naquela sociedade particular, como decorrência de uma herança genética onde amalgamavam-se imigrantes, escravos e todo tipo de sangue degenerado: o impacto do crescimento urbano no crescimento da sífilis, deflagradora de um tipo determinado de pato logia mental (...); a loucura associada às características raciais e o significado disto em sua apresentação na sociedade miscigenada do país; a correspondência entre loucura e crime; a relação entre as formas de doença mental e os padrões culturais ‘atrasados ’ como (...) as religiões ‘primitivas’dos negros e dos pobres” (1986, p. 77). O Juquery representou em São Paulo o pensamento psiquiá trico hegemônico no Brasil, nessa época. Sua prática articulou-se às necessidades trazidas pelo processo de industrialização que se acelerava na cidade e teve uma dimensão política que era a de “conferir legitimidade à exclusão de indivíduos ou setores sociais não enquadráveis nos dispositivos penais; permitir a guarda (...) e a regeneração ou disciplinarização de ind/ resistentes às disci plinas do trabalho, da família e da vida urbana; reforçar papéis 44 Leitura histórica sobre sua constituição socialmente importantes para o resguardo da ordem e da discipli na, medicalizando comportamentos desviantes (...) e permitindo que sua reclusão possa ser lida como um ato em favor do louco, e não contra ele’’ (Cunha, 1986, p. 80). O hospício vai gradativamente abandonando sua preocupa ção com a loucura individual e assumindo tarefas de ordem social, sobretudo no que diz respeito ao controle da força de trabalho. Do ponto de vista prático, as técnicas “científicas” utilizadas consistiam, por exemplo, em: alternância de banhos frios e quentes, malarioterapia, traumaterapia, laborterapia e terapias medicamentosas. A produção do Juquery circunscreve-se especificamente no âmbito da Psiquiatria, não trazendo contribuição direta para o conheci mento e a prática da Psicologia. Entretanto, sua preocupação com a loucura abarca, sem sombra de dúvidas, o fenômeno psicológico, embora sua maior contribuição seja a de demarcar mais nitidamen te as fronteirasentre a Psicologia e a Psiquiatria e, conseqüentemente, demonstrar nesse caso um fator relevante para a compreensão do processo de autonomização da ciência psicológica. É necessário reconhecer, entretanto, que ambas as áreas tratam, sob enfoques e fundam entos diversos, fenôm enos de uma mesma natureza e que é inquestionável que, apesar das frontei ras, há intersecções tanto do ponto de vista do objeto de estudo quanto do ponto de vista prático. Soma-se a isso que suas produ ções situam-se num a dada realidade, sendo que cada uma, a seu modo, busca responder às suas demandas. Hospital Nacional dos Alienados Após a proclamação da república, o Hospício Pedro II passou a ser chamado Hospital Nacional dos Alienados10 e sua administração 10 Sugere-se a leitura de: COSTA, J. F. História da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro, Documentário, 1976. 45 A Psicologia no Brasil transferida ao Estado, em substituição à Santa Casa de Misericórdia. Em 1902, após a detecção de inúmeros problemas na instituição, foi nomeado para sua direção Juliano Moreira, cuja prática inaugura “uma psiquiatria cujos fundamentos teóricos, práticos e institucionais cons tituíram um sistema psiquiátrico coerente” (Costa, 1976, p. 26). Esse hospício pode ser visto como o primeiro no Brasil que tratou a loucu ra do ponto de vista eminentemente médico. Nomes consagrados como Henrique Roxo, Afrânio Peixoto e Maurício de Medeiros contribuíram com a constituição da prática psiquiátrica instalada na instituição. Em 1907, sob a direção de Juliano Moreira, é criado o prová vel segundo laboratório de Psicologia no Brasil (o primeiro teria sido no “Pedagogium”, em 1906), denominado Laboratório de Psicologia Experimental da Clínica Psiquiátrica do Hospital Nacional dos Aliena dos11 . Esse laboratório foi chefiado por Maurício de Medeiros, construído sob a influência de Georges Dumas, com quem Medeiros trabalhou em Paris, no laboratório de Psicologia do Hospital de Saint’Anne. Nesse hospício, também sob a direção de Juliano Moreira, res ponsabilizou-se Heitor Carrilho pelo setor que deveria abrigar os “cri minosos loucos”, gérmen do Manicômio Judiciário, criado em 1921. O Hospital Nacional dos Alienados foi, como o Juquery, um asilo modelo para o pensamento psiquiátrico da época, representando a tendência vigente em que o ecletismo tomou-se posição pratica mente hegemônica. Para ele confluíram médicos cariocas e baianos, representando as orientações de Teixeira Brandão e Raimundo Nina Rodrigues respectivamente, sendo que ambas as tendências tiveram, apesar de suas particularidades, como seu principal fundamento a Medicina Social e seus motivos de natureza sócio-política. Ao contrário do Juquery, no entanto, nesse hospício é explí cito o vínculo com a Psicologia, concretizado na existência do labo ratório. Nesse sentido, o Hospital Nacional dos Alienados pode ser visto como uma instância produtora desconhecimento psicológico, 11 Sobre isso, ver: PENNA, A. G. Apontamentos sobre as fontes e sobre algumas das figuras mais expressivas da Psicologia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, FGV, 1986. 46 Leitura histórica sobre sua constituição tendo abrigado profissionais que, em seu laboratório ou fora dele, produziram relevantes obras psicológicas, como Maurício de Medeiros e Plínio Olinto. Isso remete à questão de que a Psiquiatria no Brasil, em sua manifestação institucional, assumiu parcela da produção psi cológica, vinda não somente da tradição passada, quando não havia qualquer forma de delimitação entre as duas áreas de saber, mas tam bém pelo fato de que a Psiquiatria necessita do intercâmbio com o conhecimento psicológico, fomentando e sediando sua pesquisa. Por fim, deve-se dizer que a im possibilidade de acesso aos documentos que registram a produção do laboratório, pois esses encontram -se perdidos, comprom ete sobrem aneira a avaliação mais profunda da participação desse hospício e de seu laboratório na história da Psicologia no Brasil. Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro Fundada no Rio de Janeiro na década de 10, a Colônia produ ziu extensa contribuição à Psicologia por meio de seu fértil labo ratório12, criado em 1923. Esse laboratório foi transformado em Instituto de Psicologia, subordinado ao Ministério de Educação e Saúde Pública, em 1932. Em 1937 foi incorporado à Universidade do Brasil, para contribuir, segundo Penna, com as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, de Educação e de Política e Economia. Havia também na Colônia a Escola de Enfermagem, que con tinha em seu currículo a disciplina Psicologia, ministrada por Gustavo Rezende e Nilton Campos. Criado por Gustavo Riedel, diretor da Colônia, o laboratório foi patrocinado pela Fundação Gafffée-Guinle. Sua finalidade, juntamente 12 Sobre esse laboratório, ver: PENNA, A. G. Sobre a produção científica do Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas, no Engenho de Dentro, in: História da Psicologia, n° 1, Rio de Janeiro, FGV, 1985. 1 A Psicologia no Brasil com uma exposição de m otivos e até mesmo uma definição da função do psicólogo, foi assim expressa por Osvaldo N. de Sou za Guimarães: “atualmente todo Instituto destinado ao estudo, cura e profilaxia das moléstias mentais deve ter, como auxiliar indispensável, um laboratório de psicologia, a cargo de um psicólogo profissional. Este torna-se, então, valioso colabora dor do médico, para eficiência de tal Instituto” (Guimarães, apud Penna, 1985, p. 28). Para a direção do laboratório foi chamado o psicólogo polonês W aclaw Radecki. f O laboratório, que contava com sofisticados equipamentos vindos de Paris e Leipzig, “funcionava como instituição auxiliar j médica; (2) como auxiliar das necessidades sociais e práticas; (3) como núcleo de pesquisas científicas; (4) como centro didático para formação de psicólogos”. (Penna, 1985, p. 30). A extensa produção do laboratório demonstra, em relação aos asilos já estudados, um imenso avanço em direção ao reconheci mento da autonomia científica e prática da Psicologia no Brasil. Explicita-se aí, com clareza, que a Psicologia é vista como campo próprio de conhecimento e ação, ao mesmo tempo em que é reco nhecida sua íntima relação com a Psiquiatria. Do ponto de vista da produção do laboratório, além da quan tidade de pesquisas e ensaios, três elementos apresentam-se como particularmente significativos: a preocupação com a formação de psicólogos e a difusão do conhecimento psicológico; o trabalho clí nico e a aplicação da Psicologia a questões relativas ao trabalho. O laboratório da Colônia contribuiu com uma das primeiras referências, no Brasil, da perspectiva psicoterápica, num momento em que tal campo de ação, quando existia, limitava-se à Psiquiatria. É possível tomar como hipótese que esse tipo de trabalho, ainda que incipiente, tenha lançado algumas bases para, mais tarde, tomar-se um dos mais importantes campos de atuação da Psicologia no país, o qual só nas décadas seguintes viria a ter contornos mais definidos como possibilidade de aplicação psicológica. 48 Leitura histórica sobre sua constituição Merece referência também a contribuição do laboratório à organização do trabalho, que se mostra claramente definida, parti cularmente no que se refere à utilização de testes para fins de sele ção e orientação profissional. Foram realizados estudos e pesquisas sobre fadiga em “trabalhadores menores", seleção de candidatos à aviação militar, psicometria e questões profissionais etc. Além disso, é necessário dizer que o trabalho no laboratório, junto com outros que se realizavam em outras instituições, traz uma nova caracterís tica às contribuições que até então as instituições psiquiátricas da vam à problemática do trabalho, cuja principal finalidade era exer cer o controle e a disciplinarização do proletariado urbano fora dos muros da fábrica. A partir daí, a Psicologia penetra no interior do processo produtivo, com um caráter estritamentetécnico-científico, por meio da intervenção direta nos processos seletivos e no estabe lecimento de contingências e normas nas relações de produção, com base no saber psicológico. Um destaque especial deve ser dado à importância da presen ça de Radecki nesse laboratório e, por decorrência, na história da Psicologia no Brasil. Foi ele o autor de grande parte dos trabalhos produzidos no laboratório, quando não colaborador ou orientador. Foi ele quem ministrou inúmeros cursos e conferências, com influência significativa na divulgação e difusão da Psicologia no país. Suas realizações constituem-se na quase totalidade da produção do labo ratório, devendo-se a ele também, provavelmente, a marcante cultura psicológica presente nos trabalhos produzidos, em que são freqüen- tes citações e referências a: Ribot, Claparède, William James, Janet, Forel, Babinski, Bernheim , K ráepelin, B leuler, M inkow ski e Kretschemer, dentre outros, devendo-se salientar a significativa presença da Psicanálise, Finalmente, deve-se reafirmar que a Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro foi uma das mais importantes instituições que geraram condições para o estabelecimento da Psicologia no Brasil, quer pela consolidação desta área do saber como ciência, quer em relação ao reconhecimento de sua autonomia teórica e prática. ei A Psicologia no Brasil Liga Brasileira de Higiene Mental e instituições correlatas A Liga Brasileira de Higiene Mental foi fundada em 1923, por Gustavo Riedel, tendo em seus quadros os mais eminentes psiquiatras e intelectuais da época. Segundo Jurandir Freire Costa, o objetivo inicial da Liga idealizada por Riedel era a melhoria da assistência ao doente mental. A partir de 1926, porém, esse objetivo foi cedendo lugar ao. ideal eugênico13, à profilaxia e à educação dos indivíduos. A preo cupação transferiu-se do indivíduo “doente” para o “normal”, da cura para a prevenção, ampliando seu raio de ação para a sociedade como um todo, definindo a ação psiquiátrica como prática higiênica, apoiada na noção de eugenia. Essa concepção contribuiu para uma interpretação racista da sociedade brasileira, que tendia a atribuir os problemas sócio-econômi- cos às questões raciais, especialmente à presença de “raças inferiores”, numa explícita referência aos negros que, junto com o clima quente, eram responsabilizados pelo atraso do país. Essas idéias desemboca ram na defesa do “embranquecimento da raça brasileira” e, posterior mente, na busca da “pureza racial”. No bojo dessa discussão, a problemática educacional ocupou lugar privilegiado, sendo que a ignorância era vista como uma das mais graves doenças sociais. Juntam ente com essa questão e a ela relacionada integra-se a problem ática das relações de traba lho; temas que estiveram diretamente articulados ao pensamento da Liga e constituíram-se em objetos de estudo e alvos de ação. A Liga reconhecia a Psicologia como ciência afim à Psiquia tria e estimulava sua produção. Nesse sentido, foi criado um laborató rio de Psicologia, cuja direção foi inicialmente confiada ao francês Alfred Fessard e posteriormente a Plínio Olinto, que foi sucedido por 13 Eugenia, conceito criado por Galton, significa o estudo dos fatores responsáveis pela elevação ou rebaixamento das características raciais, do ponto de vista físico e mental. 50 Leitura histórica sobre sua constituição Brasília Leme Lopes. Além disso, a Liga propôs em 1932, ao M i nistério da Educação e Saúde Pública, a presença obrigatória de “gabi netes de Psicologia” junto às clínicas psiquiátricas, sendo a proposta acolhida em instruções do referido ministério. Anualmente a Liga realizava as “Jornadas Brasileiras de Psicologia”, cujo objetivo era difundir pesquisas puras e aplicadas nessa área do conhecimento. Preocupação com a Psicologia teve também a Liga Paulista de Higiene Mental, fundada em 1926, por Pacheco e Silva, funcionando em moldes semelhantes à sua correspondente nacional. Na Liga Paulista, a Psicologia aparecia expl icitamente articuladta às questões relativas à organização do trabalho, como instrumento de obtenção de conhecimento a respeito das funções psicológicas presentes no exercício profissional, tais como: funções psicomotoras, memória, atenção e julgamento; tais elementos articulavam-se, na prática, à apli cação da Psicologia à seleção e orientação profissional. Como ilus tração, vale a pena citar um trecho de Bonifácio Castro Filho14: “A higiene mental nas oficinas e nas profissões em geral é um fator de grande prosperidade para a indústria, porque assegura um me- Ihor rendimentq. Ela pode ser realizada pela orientação profissio nal e pela seleção psicológica dos operários, tendo por efeito: I o) a eliminação nas oficinas de certas classes de profissionais psi- copatas que constituem um peso morto e um grave prejuízo para a coletividade; 2°)jcolocar os indivíduos em seus devidos lugares, de acordo com as aptidões mentais, condições que favorecem o êxito do trabalho ” (Castro Filho, apud Cunha, 1986, p. 189). Essas idéias buscavam na Psicologia não apenas fundamen tação teórica e corpo de técnicas úteis às suas finalidades de higienização social do trabalho e da família, como também prenun ciavam um outro tipo de prática que se aproximava da prática clínica 14 CASTRO FILHO, B. Higiene Mental nas fábricas, apud CUNHA, M. C. P., obra citada. M A Psicologia no Brasil da Psicologia no momento subseqüente, pelas denominadas “clí nicas de higiene mental”, cuja finalidade era de origem profilática e, portanto, voltada para o indivíduo “normal” . A isso deve-se acrescentar o papel desempenhado pelo Institu to de Higiene de São Paulo, cuja ação foi semelhante à da Liga Brasi leira de Higiene Mental. Esse instituto foi dirigido, a partir de 1926, por Geraldo Paula Sousa, que organizou um grupo de estudos de Psicolo gia Aplicada, do qual participaram médicos, educadores e engenhei ros; os estudos aí realizados versaram sobre a Psicologia do Trabalho e deram também origem ao “Serviço de Inspeção Médico-Escolar”, no qual foi criada uma escola especial para crianças com deficiência men tal e, em 1938, uma clínica de orientação infantil, provavelmente uma das primeiras no país, chefiada por Durval Marcondes. A concepção psiquiátrica das Ligas de Higiene Mental, em bora fortemente arraigada nas idéias correntes na Psiquiatria brasi leira, não era contudo unânime. Segundo Freire Costa, “na mesma época, Odilon Galotti, no Rio, James Ferraz Alvim, em São Paulo, e Ulisses Pernambucano em Recife (...) orientavam suas pesquisas numa direção totalmente oposta à higiene social da raça. Para esses psiquiatras, que mantinham também ligações com a L.B.H.M., a higiene mental continuava a ser aquilo que Riedel havia desejado que fosse: melhoramento e humanização da assistência. psiquiátrica aos doentes mentais” (1976, p. 63). O pensamento e a ação das ligas são expressões de uma concep ção autoritária de mundo, representada na Psiquiatria principalmente pelo pensamento alemão, nas figuras de Rudin, Hoffmann e Meggen- dorfer, continuadores do organicismo de Kráepelin. Pretendia-se, em nome da ciência, abarcar o controle da sociedade e, para tal, defendia- se e estimulava-se a pesquisa e a aplicação da Psicologia como meio auxiliar para seus finsàÉ interessante notar que a Psicologia encon tra-se, nesse contexto, como detentora de um saber e de um corpo de técnicas, particularmente a psicometria, relacionada às práticas es- pecificamente psicológicas, numa versão bastante próxima das atuais?] 52 /•DÍMlMÊfc iVV'> O Movimento Psiquiátrico de Recife % *' ^"vv : u v > • ú ) Esse movimento erigiu-se sobre o alicerce representado pelas idéias e ações de Ulysses Pernambucano, caminhando na contra mão do pensamento psiquiátrico corrente na época e contribuindo significativamente para a Educação (que será especificamente abor dada no próximo capítulo). Formado na Faculdade de M edicina do Rio de
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