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A psicologia no Brasil - Leitura histórica sobre sua constituição by Mitsuko Aparecida Makino Antunes (z-lib.org)-1

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M IT S U K O APA RECID A M A K IN O A N T U N E
A PSICOLOGIA
NO BRASIL
LEITURA H ISTÓ RICA SOBRE SUA CO N STITU IÇA
Este é um excelente livro. Serve a 
muttos e diferentes leitores, de es­
tudantes e profissionais da área de 
Psicologia a simples interessados 
em psicologia e história do Brasil, 
lêm um objeto bem claro — a his­
tória da Psicologia no Brasil —, mas 
que resulta de cuidadosa pesquisa 
baseada no princípio segundo o 
qual uma “abordagem social” nes­
ta área possibilita a apreensão do 
diálogo que se estabelece entre a 
Psicologia e a formação social na 
qual ela se produz, considerado o 
conhecimento como produto ftm- 
damentalmente histórico e social. 
E um texto bem escrito e muito 
vivo, envolvente, o que o toma de 
fácil e agradável leitura.
Os leitores encontrarão nele duas 
importantes novidades: a primeira 
tem a ver com a questão: de onde 
começar? Repassando a história des­
ta História, encontramos uma di­
versidade que torna o problema, ele 
mesmo, um problema de pesquisa. 
Com este livro, a autora oferece uma 
opção nova: por que não começar 
de onde estamos, isto é, da história 
da nossa psicologia? A segunda diz 
respeito a uma questão relacionada 
ao objetivo mesmo do ensino su­
perior: como estudar? Este livro 
corresponde a uma particular ma­
neira de entendê-la. Trabalhando di­
retamente com pesquisa na área,
M itsuko Aparecida M akino A ntunes
A PSICOLOGIA
NO BRASIL
LEITURA HISTÓRICA SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO
5a edição
edue
São Paulo 
2014
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri/PUC-SP
Antunes, Mitsuko Aparecida Makino
A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição / 
Mitsuko Aparecida Makino Antunes. 5. ed. - São Paulo: EDUC, 2014. 
1 34p.; 21 cm 
Bibliografia
ISBN 978-85-283-0451-0 
1. Psicologia - Brasil - História. I. Título.
CDD 150.981
Conselho Editorial: Anna Maria Marques Cintra (Presidente), 
Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladjslau Dowbor, Mary Jane Paris 
Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norval Baitello Junior, Rosa 
Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori.
Educ - Editora da PUC-SP
Direção: Miguel Wady Chaia 
Produção Editorial: Sonia Montone 
Revisão: Siméia Mello 
Editoração Eletrônica: Waldir Alves
Gabriel Moraes
Administração e Vendas: Ronaldo Decicino
Rua Monte Alegre, 984 - sala S16
05014-901 - São Paulo/SP
Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558
E-mail: educ@pucsp.br - Site: www.pucsp.br/educ
mailto:educ@pucsp.br
http://www.pucsp.br/educ
A
Nena e Luís, in memoriam 
Ana Carolina 
e Hermenegildo
Sumário
Apresentação ............................................................................................ 7
Introdução................................................................................................. 9
P arte I
Antecedentes ......................................................................................................... 15
Capítulo 1
A preocupação com os fenômenos psicológicos
no período colonial......................................................................................... 17
Capítulo 2
A preocupação com os fenômenos psicológicos fio séc. X IX ....... 23
2.1. O pensamento psicológico na Educação............................................ 23
2.2. O pensamento psicológico na M edicina..............................................26
2.3. À guisa de sín tese .................................................................................... 31
P arte II
A Psicologia Científica e seu processo
de autonomização no B ra sil .........................................................................37
Capítulo 1
A Psicologia em instituições m édicas .............................................. 41
1.1. Os hospícios e algumas instituições correlatas................................ 42
1.2. Medicina Legal, Psiquiatria Forense e Criminologia.................... 55
1.3. Teses de doutoramento das Faculdades de M edicina.................... 58
1.4. A guisa de sín tese .................................................................................... 60
Capítulo 2
A Psicologia em instituições educacionais ........................................... 63
2.1. Algumas instituições educacionais......................................................68
2.2. A Psicologia nas obras pedagógicas e psicológicas........................ 81
2.3. À guisa de sín tese .................................................................................... 8|^
Capítulo 3
A Psicologia na organização do trabalho ........................................ 87
P arte III
Conclusão ..............................................................................................101
Apêndice................................................................................................121
B ibliografia citada........................................................................... 133
6
Apresentação
E ste é um excelente livro. Serve a muitos e diferentes leitores, de estudantes e profissionais da área de Psicologia a simples 
interessados em psicologia e história do Brasil. Tem um objeto 
claro - a história da Psicologia no Brasil mas que resulta de 
cuidadosa pesquisa baseada no princípio segundo o qual uma “abor­
dagem social” nesta área possibilita a apreensão do diálogo que se esta­
belece entre a Psicologia e a formação social na qual ela se produz, 
considerado o conhecimento como produto fundamentalmente histó­
rico e social. Por outro lado, é apresentada em texto bem escrito e 
muito vivo, envolvente, o que o torna de fácil e agradável leitura.
Particularm ente, é um excelente livro para professores e 
estudantes em História da Psicologia. Acostumados a conhecer a 
história da psicologia em manuais escritos a partir de ou para cursos 
na área, mesmo assim em geral apenas os traduzidos e, entre estes, 
mais freqüentemente aqueles escolhidos para atender ao entendi­
mento da área como um conjunto de teorias e sistemas em psicolo­
gia, os leitores encontrarão neste livro duas importantes novidades.
A primeira tem a ver com a questão: de onde começar? Re­
passando a história desta História, desde o Baldwin, de 1913, ou o 
Brett, de 1921, mas também a maioria dos livros escritos especial­
mente como literatura pedagógica (Brock, 1998) - , encontramos 
uma Psicologia que freqüentemente começa na era pré-socrática. 
Mas há quem entenda que, para melhor compreendê-la, é preciso ir 
mais longe, encontrando suas raízes no pensamento oriental que a 
precedeu. Este livro pode atender a uma proposta diferente: por que 
não começar de onde estamos? É o que Mitsuko nos traz neste livro: 
uma história da Psicologia no Brasil.
A segunda novidade responde a uma questão relacionada 
ao objetivo mesmo do ensino superior. Como estudar? Este livro 
corresponde a uma particular maneira de entendê-la. Trabalhando
A Psicologia no Brasil
diretamente com pesquisa na área, professor e aluno familiarizam-se 
com o fazer histórico, preparando-se para ler criticamente qualquer 
livro em história da psicologia.
Em linguagem muito agradável, a autora - apaixonada pes­
quisadora do tema - leva o leitor a compreender como a Psicologia 
conquistou seu espaço próprio como área de conhecimento e cam­
po de práticas no Brasil. E o faz pesquisando não só o desenvolvi­
mento de idéias e práticas psicológicas e suas bases epistemológicas, 
como os fatores contextuais - sociais, políticos, culturais, no interior 
dos quais esta história se constrói.
Finalmente, cabe lembrar que, correspondendo a uma expecta­
tiva da autora, este livro deve contribuir também para estimular no­
vos estudos na área, para o que muito concorrerá uma cronologia de 
fatos significativos que, em Apêndice, completa a obra.
Maria do Carmo Guedes
BALDWIN, J. M. (1913). A history o f Psychology: a sketch and a 
interpretation (2 vols.). New York, Putnan.
BRETT, G. S. (1912-1921). A history o f Psychology (3 vols.). New 
York, Macmillan.
BROCK, A. (1998). Pedagogia e pesquisa.The Psychologist (Bulletin 
of The British Psychological Society), v o l .ll , n.4 (Special issue 
“History and philosophy. Out of margins”), p. 169/72.
Introdução
A Psicologia constitui-se numa ciência que, reconhecidamente, tem exercido uma função social de grande relevância, quer 
como área de conhecimento que tem contribuído para ampliar a com­
preensão dos problemas humanos, quer como campo de atuação 
cada vez mais vasto e efetivo na intervenção sobre estes.
No mundo atual, o desenvolvimento científico e tecnológico 
tem alcançado patamares nunca antes imaginados. Tempo e espa­
ço adquirem novos significados com a eliminação das distâncias 
pelas redes informatizadas. Novos conhecimentos vêm transfor­
mar profundamente a estrutura produtiva, a educação, a assistência 
à saúde, as artes, as relações humanas. Alguns velhos problemas, 
no entanto, não apenas permanecem como tendem a agravar-se: a 
miséria, a exclusão social, a violência, a limitação do acesso ao 
saber e à saúde, o desemprego, a xenofobia, o racismo, as guerras 
imperialistas, a escassez de perspectivas existenciais.
Nesse panorama, os problemas do presente e os que vislum­
bramos para um futuro próximo impõem à Psicologia tarefas cada 
vez maiores e mais desafiadoras; disso decorre a imperativa neces­
sidade de reflexão sobre seu significado e sua responsabilidade na 
construção do devir histórico.
É preciso, pois, que tenhamos uma compreensão mais am­
pla da Psicologia e de sua relação com a sociedade; nesse quadro, 
o conhecimento da História da Psicologia torna-se particularm en­
te importante. A compreensão do processo de construção histórica 
de uma área de conhecimento é tão imprescindível quanto o conteú­
do de suas teorias e o domínio de suas técnicas que, tomados atem­
poralmente, são meros fragmentos de uma totalidade que não se 
consegue efetivamente apreender.
Para se compreender a Psicologia como construção histórica 
devem ser considerados três aspectos: o desenvolvimento específi­
co das idéias e práticas psicológicas, sua base epistemológica e os 
fatores contextuais (aspectos estes só separáveis como recurso di­
dático). O conhecimento de tais elementos é condição necessária para 
uma reflexão profunda e para o estabelecimento de parâmetros a fim 
de responder aos desafios que se colocam hoje para esta ciência.
Paradoxalmente, pouco se tem investido em estudos e na difu­
são desse conhecimento. A História da Psicologia em geral e da His­
tória da Psicologia no Brasil em particular têm sido relegadas a um 
plano secundário. Poucos são os cursos de Psicologia que têm essa 
disciplina em seu currículo, são ainda escassos os estudos e pesquisas 
nessa área e a bibliografia é restrita. Essa situação agrava-se sensivel­
mente quando a referência é a História da Psicologia no Brasil. E 
possível afirmar que é generalizado o desconhecimento do processo 
de construção histórica da Psicologia em nosso país, reflexo possível 
do próprio desconhecimento da História do Brasil pela maioria da 
população brasileira. Esse quadro começa a se alterar com o incre­
mento de pesquisas na área, particularmente por núcleos e grupos de 
pesquisadores de várias universidades brasileiras, na sua maioria per­
tencentes ao Grupo de Trabalho em História da Psicologia da Associa­
ção Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia - ANPEPP.
Dessa constatação originou-se a m otivação para o em pre­
endim ento do presente trabalho, inicialm ente elaborado como 
tese de doutoram ento1. Buscou-se com preender como a Psicolo­
gia conquistou seu espaço próprio como área de conhecim ento e 
campo de práticas no Brasil, atingindo sua autonom ia e reconhe­
cim ento como ciência específica, em conseqüência da produção 
de idéias e práticas psicológicas no interior de outras áreas do 
saber. Assim, o foco desta obra incide de m aneira mais privilegia­
da no período que vai da última década do século XIX à terceira
1 ANTUNES, M. A. M. O processo de autonomização da Psicologia no Brasil - 1890/ 
1930: uma contribuição aos estudos em História da Psicologia. São Paulo, tese de 
doutoramento, Psicologia Social PUC/SP, 1991.
10
Leitura histórica sobre sua constituira»
década do século XX; período de grandes transformações sociais, 
econômicas e políticas no Brasil e, particularmente, de significa­
tiva produção cultural.
Para dar sustentação histórica a este estudo, procurou-se ex­
plicitar seus antecedentes, isto é, as bases sobre as quais a Psicolo­
gia conquistou sua autonomia no Brasil. Nesse quadro, os conteú­
dos serão apresentados em partes, a saber: Parte I: Antecedentes, 
composta por dois capítulos referentes à produção psicológica no 
período colonial e no século XIX; Parte II: A conquista da autono­
mia da Psicologia no Brasil, composta por três capítulos referentes 
à produção de conhecimento psicológico por instituições médicas, 
instituições educacionais e pela aplicação da Psicologia à organi­
zação do trabalho; Parte III: Conclusão e um apêndice, composto 
por uma cronologia dos fatos mais significativos para a História 
da Psicologia no Brasil - 1890 / 1930.
Deve-se destacar ainda a impossibilidade da escrita da his­
tória ser definitiva, sobretudo quando os estudos são iniciais, como 
é este. Em outras palavras, o processo será sempre inacabado e a 
história deverá ser continuamente escrita. Nesse sentido, solicita- 
se a todos aqueles que puderem contribuir com sugestões, corre­
ções, críticas e dados / fontes para o desenvolvimento deste e de 
outros trabalhos nessa área, que o remetam à autora que, desde já, 
se manifesta profundamente agradecida.
Pretende-se, assim, que este trabalho possa contribuir, naquilo 
que lhe cabe, para ampliar o pouco conhecimento que se tem sobre 
a Psicologia no Brasil. Não há, pois, a pretensão de esgotar o assunto 
ou considerá-lo definitivo, uma vez que, desde o início, a pesquisa 
apontava para a imensidão de estudos a serem feitos nesse campo 
praticamente intocado.
Há, no entanto, na publicação deste trabalho, a imodesta ex­
pectativa de que ele possa estimular o debate e a produção de novos 
estudos e pesquisas na área.
PARTE I
Antecedentes
A finalidade desta parte é expor brevemente a preocupação com os fenômenos psicológicos no período anterior à penetração da 
Psicologia científica no Brasil. Falaremos em pensamento psicológico 
e não em Psicologia, sendo esta última expressão utilizada para se refe­
rir à ciência psicológica. Deve-se lembrar que a Psicologia alcançou o 
estatuto de ciência autônoma somente no último quartel do século XIX, 
tendo como marco o estabelecimento de sua definição, objeto de estu­
do, métodos e objetivos por Wilhelm Wundt, na Alemanha, segundo 
interpretação de vários autores em História da Psicologia.
A preocupação com os fenôm enos psicológicos faz-se 
presente no Brasil desde os tempos da colônia, aparecendo em obras 
escritas nas diferentes áreas do saber e, mais tarde, durante o século 
XIX, em produções advindas de instituições como faculdades de 
medicina, hospícios, escolas e seminários.
A abordagem desses antecedentes tem por objetivo demons­
trar como o pensamento psicológico foi produzido por outras áreas 
do saber, sendo que seu desenvolvimento no seio destas foi funda­
mental para a absorção dos avanços que, no final do século passado, 
os estudos psicológicos alcançaram na Europa. Criaram-se assim as 
condições para a penetração e conseqüente desenvolvimento da Psi­
cologia no Brasil, a qual permaneceu ligada a outras áreas do saber 
por muitos anos ainda, e só gradativamente foi delas se separando e 
assumindo seu espaço próprio.
Capítulo 1
A preocupação com os fenômenos 
psicológicos no período colonial
A lgumas informações sobre o pensamento psicológico produ­zido no período colonial podiam ser encontradas no artigo de 
Samuel Pfromm Netto, intitulado “A Psicologia no Brasil”2. Entre­
tanto, somente a pesquisa pioneira realizada por Marina Massimi3, 
concluída em 1984, trouxe extenso e minucioso estudosobre essa 
temática. Com base nesse trabalho, procuraremos, neste capítulo, 
tão somente traçar uma breve caracterização da produção referente 
aos fenômenos psicológicos nesse período.
As mais antigas bases sobre as quais, mais tarde, veio a Psico­
logia a se estabelecer no Brasil são reveladas pelo pensamento psi­
cológico produzido nesse momento, denominado por Pessotti4 como 
período pré-institucional da Psicologia, por não terem as obras então 
produzidas vínculos diretos com instituições específicas, como viría 
a acontecer posteriormente.
A preocupação com os fenômenos psicológicos aparece em 
obras oriundas de outras áreas do saber, tais como: Teologia, Moral, 
Pedagogia, M edicina, Política e até mesmo Arquitetura; encon- 
tram-se, nestas, partes dedicadas ao estudo, análise e discussão de 
formas de atuação sobre os fatos psíquicos.
Os autores são brasileiros, com exceção de alguns que, em­
bora tenham nascido em Portugal, aqui passaram a m aior parte 
de suas vidas. Em geral, tiveram form ação jesu ítica e cursaram
2 PFROMM NETTO, S. A Psicologia no Brasil, in: FERRI, M. G. e MOTOYAMA, S. (orgs.) 
História das Ciências nó Brasil. São Paulo, EPU e EDUSP, 1978-1981, pp. 325/276.
3 MASSIMI, M. História das Idéias Psicológicas no Brasil em obras do período colonial. 
São Paulo, dissertação de mestrado, USP, 1984.
4 PESSOTTI, I. Notas para uma História da Psicologia brasileira, in: Quem é o psicólogo 
brasileiro? São Paulo, Edicon e CFP, 1988, pp. 17/31.
17
A Psicologia no Brasil
universidades européias, particularmente a Universidade de Coimbra. 
A maioria desses autores exercia função religiosa — eram prepon­
derantemente jesuítas - ou política, tendo vários deles ocupado im­
portantes cargos na colônia ou na metrópole.
As obras são impressas na Europa, sobretudo em Portugal, 
pois ainda não havia imprensa no Brasil. Encontram-se nessas obras 
fpreocupações com os seguintes temas: emoções, sentidos, auto- 
jconhecim ento, educação de crianças e jovens, características do 
' sexo feminino, trabalho, adaptação ao ambiente, processos psico­
lógicos, diferenças raciais, aculturação e técnicas de persuasão de 
“selvagens”, controle político e aplicação do conhecimento psico- 
vlógico à prática médica5.
São encontradas referências sobre emoções e prática de seu 
controle ou “cura”, geralmente em sermões de edificação ético-reli- 
giosa, de autores como Padre Vieira, Frei Mateus da Encarnação Pinna 
e Padre Ângelo Ribeiro de Sequeira; em obras de Filosofia Moral, 
como a de Mathias Aires Ramos da Silva de Eça, e obras médicas, 
como as de Francisco de Mello Franco. Tais obras apontam para aná­
lises de âmbito comportamental e tratam de assuntos como: amor, 
saudade, vaidade, ódio ou tristeza. Sobre isso, Massimi (1987, p. 100) 
afirma: “As emoções, chamadas de ‘paixões ’, são consideradas pe­
los autores ‘forças ’potentes e cegas que, se excessivas, podem afetar 
o equilíbrio do organismo, tomando-se ‘enfermidades’. ”
Sob diferentes enfoques, escreveram sobre o “conhecimento 
de si”, autores como Padre Vieira e Encarnação Pinna (obtenção de 
conhecimento de si pelo sujeito), Azeredo Coutinho (objetivação da 
experiência interior) e Mathias Aires (estudo da vaidade, com base 
no auto-conhecimento). Essa temática guarda íntima relação com 
questões posteriormente abordadas pela Psicologia, sendo o auto- 
conhecimento assunto que perm anece como objetivo da ciência 
psicológica e de sua prática, enquanto a preocupação com a
5 Sugere-se também a leitura de: MASSIMI, M. História da Psicologia Brasileira. São Paulo, 
EPU, 1990 e MASSIMI, M. As origens da psicologia brasileira em obras do período colonial, 
in: História da Psicologia - Cadernos PUC, n° 23. São Paulo, EDUC, 1987, pp. 95/117.
18
Leitura histórica sobre sua constituição
“objetivaçao da experiência interior” constitui ainda hoje uma ques­
tão fundamental para a pesquisa psicológica.
As sensações e os sentidos foram abordados principalmente 
no século XVIII e tiveram relação com o desenvolvimento das idéias 
empiristas. Muitos dos estudos então realizados valeram-se da obser­
vação e até mesmo de resultados obtidos pela experimentação. Nes­
ses estudos, temas característicos da Psicologia que viria a se desen­
volver já estavam prenunciados: loucura, fatores de natureza sexual, 
fantasias, instintos e ilusão de ótica. Trataram desses assuntos: Padre 
Vieira, Encarnação Pinna, Mathias Aires, Sequeira e Mello Franco.
A pesquisa de Massini revela que foram freqüentes e recor­
rentes as preocupações com a criança e seu processo educativo, tendo 
sido encontrados os seguintes temas: formação da personalidade; 
desenvolvimento da criança; controle e manipulação do comporta­
mento; aprendizagem; influência dos pais etc. Trataram desse tema: 
Alexandre de Gusmão, Mathias Aires, Mello Franco, Americus, 
Manoel de Andrade Figueiredo, Azeredo Coutinho e Femão Cardim.
O papel da mulher foi também abordado por diversos autores, 
como: Feliciano Souza Nunes, Alexandre de Gusmão, Azeredo 
Coutinho e Mello Franco. Várias obras tratam do papel da mulher na 
sociedade, abordando elementos de natureza psicológica ou a eles 
relacionados, tais como: gravidez, amamentação, comportamento ma­
ternal, sexualidade e seus desvios. Segundo Massimi (1984, p. 272):
"... O interesse pela psicologia da mulher nasce como parte da 
tentativa de definição do papel da mulher na sociedade colonial e 
pós-colonial. Há uma diferença muito grande entre a função ou 
valores atribuídos à mulher índia e os que se atribuem à mulher 
‘colonizada ’ de acordo com os hábitos da cultura portuguesa. ”
Vale a pena destacar, no trabalho de Massimi, a referência ás 
idéias de Alexandre de Gusmão, que defende a instrução feminina; 
de Feliciano de Souza Nunes, que refuta a afirmação corrente sobre 
a inferioridade mental da mulher e de Azeredo Coutinho que dosen 
volve uma metodologia específica para a instrução feminina, nos
A Psicologia no Brasil
“Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória”, primeiro 
colégio feminino brasileiro, fundado em 1802 e que custou a seu 
idealizador a retirada compulsória para Portugal.
Várias obras estudadas por Massimi abordam a problemática 
do trabalho, principalmente sob a perspectiva moral, social e psico­
lógica. É recorrente a condenação do ócio, especialmente nas suas 
relações com o vício, ao qual o trabalho se contrapõe. Nessa ques­
tão, o indígena é especialmente considerado, sendo visto como pre­
guiçoso e ocioso e, por isso, propenso ao pecado; nessa perspectiva, o 
trabalho é visto como meio de cura e instrumento para sua “civiliza­
ção”. São discutidas questões sobre: adaptação ao trabalho, impor­
tância do trabalho para a criança, controle sobre a atividade produtiva 
e trabalho como instrumento de controle. Mello Franco, Alexandre 
de Gusmão e Mathias Aires são autores que abordam esse tema.
O tema “adaptação ao ambiente” aborda a questão do “caráter 
brasileiro”, o que pode prenunciar elementos relacionados à Psicolo­
gia Social. Para vários autores, o ambiente é considerado como um 
dos fatores determinantes do comportamento; para Padre Vieira, o 
clima brasileiro favorece o ócio e a dissimulação, assim como para 
Mello Franco, para quem a natureza dispensa o homem da luta, le­
vando-o ao ócio. Concepções como estas serão freqüentes até mea­
dos do século XX e terão relações muito próximas com o pensamento 
psicológico-psiquiátrico desenvolvido no Brasil. Ainda sob esse tema 
são abordadas questões relativas à aculturação e ao aprimoramento 
do domínio sobre os índios.
A aplicação de conhecimentos psicológicos à Medicina é tema 
tratado já no final do período colonial por M ello Franco, o qual 
aborda questões relativas a: teorias sobre relação m ente-corpo; 
estudos sobre os nervos e o sistema nervoso; psicopatologia; tem ­
peramentos; terapêuticas; teorias sobre o sono e os sonhos e, vale 
destacar, dentre suas contribuições, a concepção a respeito da 
sexualidade como determinante da loucura.O processo de colonização do Brasil por Portugal, no contexto 
da expansão econômica européia, foi pautado fundamentalmente na
20
Leitura histórica sobre sua u>n.MÍnint.m
exploração. A metrópole decidia o que deveria ser produzido, a manei­
ra de fazê-lo e tinha seu monopólio, tendo como finalidade exclusiva o 
lucro. Não houve preocupação de fato com a colonização propriamente 
dita, o que caracteriza o Brasil meramente como colônia de exploração. -
Essa situação exigiu a_organização de um forte aparelho re.- 
pressivo de um lado e, de outro, um sólido aparato ideológico, sus­
tentado principalmente pela Igreja Católica, cuja função precípua 
era transm itir e manter uma ideologia que, em última instância, 
legitimasse a exploração da colônia.
Nesse contexto, a Companhia de Jesus exerceu papel funda­
mental e manteve sua influência mesmo após sua expulsão de Por­
tugal e, consequentemente, do Brasil, pelas Reformas Pombalinas.
A articulação entre o pensamento psicológico produzido no 
Brasil e os interesses metropolitanos revela-se em muitos dos con­
teúdos das obras estudadas por Massimi. Destes, deve-se destacar a 
preocupação com os índios, sobretudo no que diz respeito ao traba­
lho e à aculturação. Soma-se a isso a preocupação com o controle 
ou “cura” das emoções que, em algumas obras, sugere a busca de 
soluções para problemas enfrentados pela colônia, cuja natureza era 
fundamentalmente de ordem moral. As preocupações com a educa­
ção eram também relacionadas aos interesses metropolitanos, quer 
pela difusão da ideologia dominante, quer pela necessidade de for­
mação de quadros destinados à organização da empresa colonial.
Entretanto, se de um lado é patente a condição de dependência 
do pensamento psicológico produzido no Brasil em relação aos inte­
resses metropolitanos, por outro lado é impossível negar o caráter de 
originalidade em muitas obras, particularmente no que se refere às 
idéias psicológicas propriamente ditas, o que pode ser constatado em 
muitos elementos apontados por Massimi em sua pesquisa. Destes, 
vale destacar os prenúncios da psicoterapia, os estudos sobre as cri­
anças e sua educação, a determinação do ambiente sobre o comporta­
mento, as concepções contrárias à completa submissão da mulher, 
sobretudo o reconhecimento da capacidade intelectual feminina e, 
finalmente, as relações entre a prática médica e o saber psicológico.
21
A Psicologia no Brasil
Percebe-se, assim, que a produção de idéias psicológicas na, 
colônia refletia as contradições da sociedade colonial e, por decor­
rência, da metrópole, na medida em que a primeira constituía-se em 
função das relações determinadas pela segunda. Nesse sentido, é 
possível compreender que as idéias psicológicas produzidas apre­
sentassem concomitantemente articulações com os interesses me­
tropolitanos, posições de confronto com estes e, por outro lado, 
originalidade do ponto de vista dos estudos psicológicos. Essas idéias 
são faces de uma mesma realidade, pois refletem as contradições da 
formação social em questão. Assim, é possível compreender a ori­
ginalidade de várias idéias psicológicas como tendo surgido do fato 
de que, em busca de soluções para alguns problemas, a criatividade 
( tornou-se um imperativo; as necessidades impostas pela realidade 
í exigiram soluções que, ao mesmo tempo que buscavam a manuten- 
: ção da^ordem estabelecida, também se constituíam em forças 
; impuisionadoras do real em direção ao futuro, ou ainda, poderíam 
> estar articuladas às forças que colocavam em questão o próprio 
!rí‘status quo”, no sentido da busca de uma nova ordem, o que pode 
ser confirmado pelo fato de que vários autores estudados por Massimi 
tiveram em uma ou outra ocasião problemas com o poder metro­
politano ou com a Inquisição.
O pensamento psicológico produzido no período colonial é 
de extrema importância para a compreensão da construção histórica 
da Psicologia no Brasil, pois explicita suas mais antigas raízes, muitas 
das quais referentes a assuntos que permaneceram em pauta, às ve­
zes com profundas mudanças nas formas de abordagem e outras 
vezes mantendo, ao longo do tempo, sua forma e conteúdo, como 
será demonstrado adiante.
22
Capítulo 2
A preocupação com os fenômenos 
psicológicos no século XIX
O Brasil sofreu grandes mudanças no século XIX, deixando a condição de colônia e transformando-se em império, ainda 
que se mantendo sob o poder da realeza portuguesa. A condição de 
autonomia, mesmo que relativa, trouxe profundas transformações à 
sociedade brasileira, entre as quais incluem-se significativas mudan­
ças no plano cultural, inserindo-se aí a produção de idéias e práticas 
de natureza psicológica. Nesse contexto, o pensamento psicológico 
produzido nesse período diferenciou-se do precedente, particular­
mente pela vinculação às instituições então criadas. A produção do 
saber psicológico ainda foi gerada, no entanto, no interior de outras 
áreas de conhecimento, fundamentalmente na Medicina e na Edu­
cação, que serão tratadas a seguir, tendo em vista a explicitação da 
maneira como se deu, a partir delas, o desenvolvimento do pensa­
mento psicológico no período em questão.
Para melhor organizar a exposição, dividiu-se este capítulo 
em duas partes: o pensamento psicológico na Educação e o pensa­
mento psicológico na Medicina. No primeiro item serão abordados 
os aspectos gerais da Educação no período, os conteúdos psicológi­
cos no ensino e as idéias psicológicas na Pedagogia. Em relação à 
Medicina, serão abordadas as produções relativas às Faculdades de 
Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, do Hospício Pedro II e do 
Asilo Provisório de Alienados da Cidade de São Paulo.
2.1. O Pensamento Psicológico 
na Educação
Preocupações com o processo educativo na colônia perma­
neceram no século XIX, guardando muitas das características do
A Psicologia no Brasil
período precedente, porém, assumindo um caráter mais sistemático, 
seja pela gradativa vinculação institucional, seja pela maior elabo­
ração no trato de seus conteúdos.
Com a transferência da Corte para o Brasil, em 1808, novas 
necessidades surgiram, tornando necessária a formação de quadros 
para os aparatos repressivo e administrativo do governo, demandan­
do uma maior preocupação com a Educação e com o ensino. Assim, 
pode-se dizer que foi a partir desse momento que efetivamente /oram 
criados os cursos superiores no país, embora tendo como finalidade 
quase exclusiva a formação profissional, praticamente inexistindo 
p r e o c up aç ã o c o m a produção de conhecimento. O ensino secundário 
manteve ainda por um bom tempo a herança das aulas avulsas, de 
caráter precipuamente propedêutico,* voltado para o ensino quase 
exclusivo dos alunos do sexo masculino e sob o domínio da iniciativa 
privada, sobretudo da Igreja Católica; a exceção foi o Colégio Pedro 
II, de caráter universalista e enciclopédico, caracterizado por ser elitista 
e aristocrático, apesar de ter finalidade modelar. Na década de 30 foi 
criada, em Niterói, a primeira Escola Normal, seguida de muitas ou­
tras, oferecendo cursos de no máximo dois anos, sem garantia de 
formação profissional e com docentes pouco preparados; somente 
em 1880, em São Paulo, o curso passou para três anos de duração. 
Em 1890, no Rio de Janeiro, foi criado o “Pedagogium”, com a fina­
lidade de constituir-se em centro de pesquisas educacionais e museu 
pedagógico, sob a inspiração de Rui Barbosa.
No que diz respeito ao pensamento brasileiro no século XIX, 
extensivo à Educação, sofreu este profunda influência européia. As 
principais correntes de pensamento que aqui penetraram foram o 
liberalismo e o positivismo, embora houvesse ainda, no pensamento 
filosófico, forte presença dojom ism o e do empirismo, além de 
influências do espiritualismo francês e do idealismo alemão.
Essas idéias tiveram grande influência sobre o pensamento psi­
cológico, não apenas como tendência geral, mas por constituírem-se 
como conteúdos relacionados às questões de natureza psicológica.Leitura histórica sobre sua constituição
Esses conteúdos são revelados particularmente pelos programas de 
vários cursos, sobretudo pelas obras filosóficas então difundidas6.
Teólogos, professores e médicos são freqüentemente os au­
tores de tais obras filosóficas e tendem a considerar a Psicologia 
como parte integrante da m etafísica, tendo como objeto de estudo 
geralmente a “alma” , o “espírito” e o “eu” .
Em pesquisa empreendida por Massimi (1989), os assuntos en­
contrados em tais obras filosóficas são divididos pela autora em duas 
categorias: os conceitos relativos aos fundamentos da vida psíquica 
(alma, eu, consciência, identidade, caráter, faculdades etc.) e os concei­
tos referentes a fenômenos psíquicos específicos (percepção, emoção, 
cognição, motricidade etc.). Esses assuntos aparecem freqüentemente 
em obras psicológicas e pedagógicas das primeiras décadas do século 
XX, porém abordados mais cientificamente. Obras de Teologia Moral, 
nessa época, abordam também questões de ordem psicológica.
Além dos conteúdos de ensino, a preocupação especificamente 
pedagógica foi também fonte para o desenvolvimento do pensamento 
psicológico. Há uma crescente preocupação com os fenômenos psí­
quicos, especialmente no que diz respeito aos métodos de ensino, 
pois estes remetem à necessidade de conhecimento sobre o educando 
e à formação do educador, o qual deve dominar esse saber para reali­
zar mais eficazmente sua ação pedagógica. Esses conteúdos são en­
contrados nos programas da disciplina Pedagogia das Escolas Nor­
mais, os quais tratam geralmente de questões como: educação das 
faculdades psíquicas, aprendizagem e utilização de recompensas e 
castigos como instrumentos educativos. Há evidente influência de 
pensadores como Locke, Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Spencer, 
além da presença do dualismo interacionista de Descartes, conforme 
demonstra Massimi (1989).
6 Marina Massimi realiza em sua tese de doutoramento um extenso estudo sobre as idéias 
psicológicas difundidas em instituições de ensino de São Paulo e Rio de Janeiro, no século 
XIX, encontrando um material revelador da preocupação com os fenômenos psicológicos 
no período em questão. Ver MASSIMI, M. A Psicologia em Instituições de Ensino brasilei­
ras do século XIX. São Paulo, tese de doutoramento, USP, 1989.
25
A Psicologia no Brasil
Há grande preocupação pedagógica com a educação ou com 
o desenvolvimento das faculdades psíquicas da criança, especial­
mente a inteligência, seguida das sensações e da vontade. Encontra 
Massimi (1989), em sua análise, a concepção de inteligência "... como 
uma faculdade complexa, composta de várias funções: atenção, 
percepção, imaginação, intuição, abstração e generalização, asso­
ciação de idéias, comparação, juízo, raciocínio, razão, memória e 
linguagem. ” (p. 361)
As preocupações com as questões de ordem psicológica pela 
Pedagogia, no século XIX, esboçam a sistematização que será em­
preendida a partir de seu final e início do século seguinte, com 
maior aprofundamento e especialmente maior rigor m etodológico 
em seu estudo. Os temas pouco diferem nos dois períodos, o que 
permite afirmar que não há ruptura, mas uma evolução no trata­
mento dessas questões, confirmando a importância da relação entre 
Psicologia e Pedagogia.
Acrescenta-se a isso que a relação entre Psicologia e Peda­
gogia guarda íntima relação com o pensamento escolanovista, cuja 
penetração no Brasil inicia-se no século XIX, mas cuja efetiva 
explicitação e consolidação somente ocorrerá no século XX.
2.2. O Pensamento Psicológico na Medicina
As Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia 
foram criadas em 1832, tendo sua origem nas Cadeiras de Cirurgia, 
na Bahia, e de Cirurgia e Anatomia, no Rio de Janeiro, instaladas 
em 1808. Nessas faculdades, como exigência para a conclusão do 
curso, o aluno deveria defender publicamente uma tese de doutora­
mento ou inaugural, que lhe conferia o título de doutor. Grande 
parte dos trabalhos sobre assuntos psicológicos, nessa época, é pro­
veniente dessas teses, que tratavam de temas relacionados a: Psiquia­
tria, Neurologia, Neuriatria, M edicina Social e M edicina Legal. 
M uitas dessas teses antecedem a criação formal de uma cátedra 
afim às questões psicológicas, pois a prim eira delas, denominada
26
Leitura histórica sobre sua constituição
“Clínica das M oléstias M entais” , foi criada em-1.881 e. desde 
1836, encontram -se teses que tratam do fenôm eno psicológico. 
Os assuntos tratados são muito variados, dentre os quais: pai­
xões ou emoções, diagnóstico e tratam ento das alucinações m en­
tais, epilepsia, histeria, ninfomania, hipocondria, psicofisiologia, 
instrução e educação física e moral, higiene escolar, sexualidade 
e temas de caráter psicossocial.
Os mesmos assuntos foram também tratados em artigos 
publicados nos “Annaes Brasilienses de M edicina” e em outras 
revistas médicas, em obras isoladas e mesmo em teses de alunos 
brasileiros que fizeram sua formação na Europa.
A primeira tese que trata do fenômeno psicológico foi defen­
dida em 1836, por Manoel Ignacio de Figueiredo Jaime, denomina­
da “As paixões e afetos d ’alma em geral, e em particular sobre o 
amor, amizade, gratidão e o amor da pátria”, de influência cartesiana 
e muito próxim a das tem áticas abordadas no período colonial. 
Outras, além desta, tratam assunto semelhante, sendo que, no final 
do século, as expressões por elas usadas já não mais aparecem, dando 
lugar à palavra “emoção”.
Temas relativos à sexualidade são.muito.freqüentes, como: 
cópula, onanismo, histeria, ninfomania, prostituição etc., valendo 
ressaltar que, em 1914, a tese de Genserico Aragão de Souza Pinto 
evolui para um tratamento teórico baseado na Psicanálise.
Crescente interesse pela Medicina Legal é observado, assim como 
sua proximidade com a Psicologia Social. A tese de Júlio Afrânio 
Peixoto, denominada “Epilepsia e Crime”, é demonstrativa desse fato.
Nos anos finais desse período, temas bastante próximos da 
Psicologia propriamente dita começam a aparecer de maneira sig­
nificativa, revelando maior rigor metodológico e uma base cientí­
fica mais apurada. Vale lembrar que a Psicologia conquistou o 
estatuto de ciência autônoma no último quartel daquele século, 
momento em que aparecem teses que podem ser identificadas com 
a ciência psicológica.
A Psicologia no Brasil
No final do século XIX é defendida a tese “Duração dos 
Atos Psíquicos E lem entares” , de Henrique Roxo, considerada 
por Lourenço Filho, Pessotti e Pfrom m Netto como o prim eiro, 
trabalho de Psicologia Experim ental, baseado em número signi­
ficativo de dados obtidos experim entalm ente, com o uso do 
“psicôm etro de B uccola” .
Muitas teses podem ser consideradas como pertencentes à 
Medicina Social7 e tratam de questões relacionadas à higiene e àquilo 
que hoje consideramos como fatores ou fenômenos psicossociais.
As condições de saneamento das cidades e de saúde da popu­
lação eram extremamente precárias, sobretudo nas cidades e para as 
camadas mais pobres. A presença de “leprosos, loucos, prostitutas e 
mendigos” nas ruas, aliada ao clima quente e à posição geográfica da 
cidade (principalmente Rio de Janeiro) eram questões preocupantes 
para os médicos, para quem as “sujeiras” e “imundícies” — materiais 
e morais — que grassavam nas cidades deveriam ser eliminadas. 
É nesse contexto que se origina, segundo Roberto Machado (1978), 
a Medicina Social no Brasil, preocupada mais com a “saúde” do que 
com a “doença”, buscando as causas das moléstias para preveni-las. 
Busca-se, pois, a normalizaçãoda sociedade, com vistas a uma for­
mação social sadia, composta por indivíduos sadios; ou seja, é preciso 
que a sociedade seja organizada, livre da “desordem” e dos “desvios” 
que devem ser eliminados por meio de um projeto profilático.
A Medicina Social, nesse quadro, elaborará propostas para 
as várias instituições sociais, com finalidade de higienizá-las, preo- 
cupando-se com hospitais, cemitérios, quartéis,bordéis, prisões, 
fábricas e, de m aneira especial, com as escolas, tem a esse m uito 
freqüente nas teses de doutoramento.
Para a higienização das escolas são propostas formas de con­
trole do comportamento, em que se discute o uso de recompensas e 
castigos para eliminar, por exemplo, a desobediência e a prática da
7 Para aprofundamento nessa questão, ver: MACHADO, R. e outros. Danação da norma: 
Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1978.
28
Leitura histórica sobre sua constituição
masturbação. Esta última, segundo Machado (1978), é vista como algo 
que provoca a tísica, a loucura, a epilepsia, a hipocondria, a 
flegmasia crônica de todos os órgãos e finalmente a morte” (p. 304); 
acrescenta ainda o autor que uma das medidas preventivas para o 
onanismo é a prática da ginástica.
Deve ser lembrado que a Sociedade de Medicina e Cirurgia 
do Rio de Janeiro esteve articulada às Faculdades de Medicina na 
defesa da Medicina Social.
A Medicina Social contribuiu também no plano da intervenção 
social, o que remete à defesa da criação de hospícios, uma necessida­
de imperativa para a higienização e a normalização da sociedade.
Até meados do século XIX, não havia qualquer forma de assis­
tência específica aos doentes mentais. Os “loucos” erravam pelas ruas, 
eram encarcerados nas prisões ou reclusos em celas especiais das 
Santas Casas de Misericórdia, sendo que algumas destas possuíam 
suas “casinhas de doudos” .
Por volta de 1830 começam a aparecer as reivindicações 
para a criação de hospícios, partindo principalm ente dos m édi­
cos, sobretudo os higienistas ligados à Sociedade de M edicina e 
Cirurgia do Rio de Janeiro, por meio de artigos em que eram 
criticadas as condições de abandono dos “loucos” , propondo a 
criação de um asilo higiênico e tratam ento moral. Essa proposta 
vincula-se ao projeto da referida sociedade para organizar, disci­
plinar e norm alizar a cidade, em busca da salubridade geral do 
espaço urbano.
Para Machado (1978), a constituição da Psiquiatria no Brasil 
inicia-se com a criação dos hospícios, articulada às finalidades da 
Medicina Social; afirma ele:
“Coube à medicina social a tarefa de isolar preventivamente o lou­
co com o objetivo de reduzir o perigo e impossibilitar o efeito 
destrutivo que ela viu caracterizada em sua doença. Nasce assim, 
no Brasil dos meados do século XIX, não uma ‘psiquiatria preven­
tiva’, mas a psiquiatria como instrumento da prevenção. ” (p. 380)
A Psicologia no Brasil
Assim, em 1842, é inaugurado no Rio de Janeiro o Hospício 
Pedro II, cujas práticas foram fundamentadas nas idéias de Pinei e 
Esquirol. Seu funcionamento guiava-se pelos princípios de iso la­
mento, vigilância, distribuição e organização do tempo dos inter­
nos, com vistas à repressão, controle e individualização. Considera­
va-se a necessidade de afastar o “louco” das causas da loucura, isto é, 
da sociedade e da família, e romper com seus hábitos para realizar-se 
o tratamento. Via-se o trabalho como excelente terapêutica, por sua 
necessidade de disciplina, sendo o trabalho agrícola especialmente 
recomendado; entretanto, essa terapia não era igualmente aplicada, 
sendo prescrita sobretudo aos internos pobres.
Nesse sentido, a Psiquiatria brasileira evoluiu de uma con­
cepção que propunha a cura da “loucura” com sangrias e banhos 
para uma preocupação de natureza comportamental, em que o trata­
mento passou a basear-se em intervenções no plano moral.
Em 1848 é aprovada por lei provincial a criação de um hospí­
cio em São Paulo e, em 1852, é inaugurado o Asilo Provisório de 
Alienados da Cidade de São Paulo8, na Av. São João, nas proximida­
des da Av. Ipiranga, tendo ficado conhecido como Hospício Velho. 
Sua ação ficou limitada à reclusão, objetivando excluir os “loucos” 
das ruas da cidade. Sua direção ficou a cargo de um alferes, Tomé 
de Alvarenga, tendo negros libertos e egressos das prisões como 
funcionários, os quais eram mal vistos socialmente, o que explica 
a aceitação de um trabalho que era considerado repugnante e 
aviltante. Muitos dos internos eram estrangeiros, geralmente imi­
grantes italianos ou negros alforriados; a maioria era do sexo 
masculino. O hospício sofreu muitas rebeliões e vários surtos de 
epidemia. Para Cunha (1986), o hospício
“causava incômodo ou escândalo - quando não medo puro e sim­
ples - aos seus seletos vizinhos do centro da cidade. Seu administra­
dor não cessa de enfatizar, em seus relatórios, a impossibilidade de
8 Para aprofundamento sobre o hospício de São Paulo, ver: CUNHA, M. C. P. O espelho 
do mundo: Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
30
Leitura histórica sobre sua constituição
conter a loucura naqueles exíguos sete cômodos, sem ventilação, 
sem condições sanitárias, sem condições de segurança. O espaço do 
internamento produz o medo constante da contaminação da cidade, 
e tenderá a ser deslocado para longe das vistas temerosas. ” (p. 61)
Assim, em 1862, o Hospício Velho mudou-se para a Ladeira 
Tabatinguera. Essa mudança ocorre em função da problemática 
disciplinar, não havendo preocupação terapêutica específica. Per­
manecem, no entanto, os problem as de superlotação, altas taxas 
de m ortalidade e morbidade, fugas e violência. Os métodos dis­
ciplinares não são mudados.
Somente com o ingresso do médico alienista Francisco Franco 
da Rocha, o hospício paulista passa para uma fase em que a preocupa­
ção é de caráter m édico-terapêutico.
Vê-se, pois, que havia diferenças profundas entre os hospícios 
do Rio de Janeiro e de São Paulo. O primeiro teve, desde seu início, 
uma preocupação médico-psiquiátrica, com base em teorias e práti­
cas da Psiquiatria estrangeira. O hospício paulista, ao contrário, fun­
cionou tão somente como espaço de reclusão, aparecendo uma con­
cepção psiquiátrica apenas no final do século, com Franco da Rocha. 
Tal diferença pode ser em parte explicada pelo fato de que o Rio de 
Janeiro tinha, nessa época, um clima bastante propício à discussão e 
ao desenvolvimento do pensamento psiquiátrico, contando com a 
Sociedade de Medicina e Cirurgia e a Faculdade de Medicina, insti­
tuições estas que foram fundamentais para a evolução do pensamento 
e da prática alienista no Rio de Janeiro.
Ainda nesse século foram criados: o Hospício São João de 
Deus, em 1861, em Recife; um em Salvador, em 1874 e outro em 
Porto Alegre, em 1884.
v
2.3. A Guisa de Síntese
As transformações históricas por que passou a sociedade bra­
sileira, no seio da qual foi produzido o pensamento psicológico aqui
u
A Psicologia no Brasil
em estudo e o desenvolvimento das idéias psicológicas na Europa, 
que caminhavam para o estabelecimento de sua autonomia, são fatores 
fundamentais para a compreensão da História da Psicologia no Brasil.
O fim da condição colonial permitiu o desenvolvimento de vá­
rias instâncias da formação social brasileira, dentre as quais as de 
âmbito cultural. A criação de cursos superiores, a impressão de livros 
e o surgimento de várias instituições são exemplos dessa mudança. 
A busca de uma “identidade nacional”, principalmente advinda de 
intelectuais que buscavam a compreensão e a solução dos problemas 
nacionais, deve também ser destacada; a preocupação com a saúde e 
a educação encontram-se nesse plano. Ao mesmo tempo, é possível 
dizer que o Brasil, agora nação autônoma, adquiria maior facilidade 
de contato com o resto da Europa, isento da mediação de Portugal, o 
que facilitava a penetração de idéias correntes no Velho Mundo, espe­
cialmente na França, indiscutível centro intelectual da época.
A produção de idéias psicológicas foi também produto dessa 
sociedade em transformação, sobretudo na busca de respostas às 
necessidades que se diversificavam e se impunham pelos novos tem­
pos. As transformações econômicas, com suas conseqüências para 
o incremento do processo de urbanização, acabaram por trazer à 
tona novos problemas ou a explicitação de problemas antigos, que 
o país não se encontravapreparado para resolver. Nesse contexto, 
a Medicina e a Educação foram chamadas a contribuir para a solução 
dos problemas, incluindo-se aí a preocupação com o fenômeno 
psicológico em várias de suas dimensões.
O desenvolvimento do pensamento psicológico no Brasil, no 
século XIX, não pode ser visto porém apenas na sua dimensão lo­
cal. E necessário considerar que a preocupação com os fenômenos 
psicológicos vinha, durante séculos, se desenvolvendo; entretanto, 
é no século XIX que a evolução da Filosofia, de um lado, e dos 
conhecimentos produzidos pela Fisiologia, de outro, começaram a, 
caminhar em direção a uma possível síntese. E possível dizer que o 
século XIX foi, para a Psicologia, o momento fundamental que pre­
parou as condições para sua autonomia. Esse período não apenas
32
Leitura histórica sobre sua constituição
sintetizou e aprofundou o conhecimento a respeito dos fenômenos 
psicológicos, mas, mais que isso, as mudanças ocorridas na Europa 
do século XVIII criaram desafios e necessidades que precisavam 
ser respondidas pelo conhecimento produzido no século XIX. Apa­
rece aqui também a problemática do incremento do processo de 
urbanização decorrente, na Europa, do avanço do modo-de-produ- 
ção capitalista. Assim, uma sociedade que enfrentava, de um lado, 
os problemas relativos à saúde, saneamento, habitação e outros, cria­
dos pela densidade demográfica e, por outro lado, os movimentos 
sociais que questionavam as bases sobre as quais aquela sociedade 
se erigia, precisava de instrumentos para melhor compreender tais 
problemas e sobre eles intervir.'Era necessário buscar o controle^ 
não apenas de problemas como epidemias, mas também da conduta 
humana. A isso acrescenta-se que a ideologia burguesa colocava no 
indivíduo o fundamento de uma sociedade baseada na propriedade 
privada, portanto pessoal e individual; fazia-se necessário, pois, com­
preender o homem nessa dimensão. De resto, é preciso considerar 
que uma formação social baseada na divisão social do trabalho e no 
avanço técnico apontava para a especialização do conhecimento.
Nesse panorama, o contato de muitos brasileiros com os mo­
vimentos intelectuais europeus inevitavelmente fez com que essas 
idéias, lá em franca expansão, mais cedo ou mais tarde aqui chegas­
sem também. A profusão de idéias na Europa, somada às necessida­
des da sociedade brasileira, permitiu que aqui se desenvolvessem, 
dentre várias áreas de conhecimento, também as idéias psicológicas.
Parte II
A psicologia científica e seu processo 
de autonomização no Brasil
Novas e significativas transformações ocorreram, a partir do final do século XIX, tanto na sociedade brasileira quanto na Psicologia.
O Brasil adotou o modelo republicano, ao mesmo tempo em 
que se consolidava e atingia pleno desenvolvimento a economia 
de base agrário-comercial-exportadora, vinculada fundam ental­
mente à produção cafeeira, o que contribuiu para a geração de 
condições que possibilitaram a efetivação do processo de indus­
trialização do país. Tais fatores concorreram para a expansão do 
processo de urbanização e para a definição do pólo econômico-políti- 
co-cultural do país na região Sudeste. Assistiu-se, nesse momento, 
à expansão do ideário liberal entre os intelectuais brasileiros, cuja 
participação política e cultural tornou-se intensa, trazendo à tona 
a preocupação com a “questão nacional” e a busca de caminhos 
para o progresso e a modernidade.
A Psicologia, por sua vez, adquiriu no final do século pas­
sado o estatuto de ciência autônoma; processo esse originado na 
Europa e seguido de acelerada evolução dessa ciência não apenas 
em seu solo original, mas também nos Estados Unidos. Na virada 
do século, ocorreu intenso desenvolvimento da ciência psicológica 
em todas as instâncias, quer no plano teórico - destacando-se a di­
versidade de abordagens surgidas nessa época e o aumento signi­
ficativo da produção de pesquisas - , quer no plano prático, em que 
esta ciência penetrou e ampliou seu potencial de aplicação.
A concomitância desses dois conjuntos de fatores e a possi­
bilidade efetiva de estabelecimento de relações entre eles, em fun­
ção da articulação entre potencialidades e necessidades, passíveis 
de serem m utuam ente realizadas, perm itiram um avanço sem 
precedentes na história da Psicologia no Brasil.
S7
A Psicologia no Brasil... ■ w_______
Os problemas que o Brasil enfrentava no século XIX tende­
ram, com a virada do século, a agravar-se e outros vieram a eles se 
somar, de tal maneira que o pensamento psicológico, já em franco 
processo de desenvolvimento no país, encontrou terreno fértil para 
penetrar e estabelecer-se na sua dimensão científica e caminhando 
para sua autonomia teórica e prática em relação às áreas do saber no 
interior das quais havia se desenvolvido até então, como a M edici­
na e a Educação. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da ciência 
psicológica e a ampliação de seu campo de ação maximizavam as 
possibilidades concretas de a Psicologia contribuir com possíveis 
respostas para as questões que se impunham.
A Psicologia e outras áreas de conhecimento foram buscadas 
no sentido de contribuir com soluções para os problemas relaciona­
dos à saúde, à educação e à organização de trabalho, no interior de 
uma formação social dependente e atrasada, em busca da m o­
dernidade representada pela concretização do ingresso do Brasil 
no mundo industrializado.
Nesse contexto e em face de tais problemas ocorreram im­
portantes realizações da Psicologia no Brasil, cujas principais pro­
duções são ainda oriundas das instituições médicas c educacionais. 
A partir dessa base e em seu interior é que a Psicologia se desenvol­
veu, conquistando sua autonomia em relação às áreas do saber no 
interior das quais evoluira até então, por meio da definição e da 
delimitação cada vez mais explícitas de seu objeto de estudo e de 
seu campo próprio de ação. Tentaremos demonstrar que a produção 
psicológica no interior de algumas instituições delineia-se cada vez 
com maior clareza, de um lado pela diferenciação gradativa de 
outras áreas de conhecimento, como a Psiquiatria por exemplo, e de 
outro lado pela penetração das idéias e práticas já constitutivas 
daquilo que, na Europa e nos Estados Unidos, era considerado como 
Psicologia científica.
As personagens dessa história são principalmente médicos, 
educadores, bacharéis em direito e até engenheiros, sendo que mui­
tos deles acabaram por dedicar-se exclusivamente à Psicologia e
38
Leitura histórica sobre sua constituição
podem ser considerados como os primeiros psicólogos brasileiros. 
Acrescentam-se a eles vários psicólogos estrangeiros que para cá 
vieram m inistrar cursos, proferir palestras ou prestar assistências 
técnicas específicas, dos quais muitos aqui permaneceram e se radi­
caram definitivamente no país.
Abordaremos, a seguir, a produção psicológica na Medicina, 
na Educação e na sua aplicação à organização do trabalho, no perío­
do compreendido entre a última década do século XIX e as três 
primeiras décadas do século XX.
f)
Capítulo 1
A psicologia em 
instituições médicas
A tendência do século XIX manteve-se por algum tempo, dife­renciando-se gradativamente, sendo que as preocupações es­
tritamente psiquiátricas foram se delineando com maior clareza e 
delim itando mais explicitam ente suas fronteiras com a Psicolo­
gia. Tais fatos ocorreram ainda no interior da Medicina, mas já 
caracterizada como especialidade psiquiátrica, particularmente nas 
instituições asilares e em seu correlatos, como a M edicina Legal 
ou a Higiene Mental. A principal evidência disso foi a criação de 
laboratórios de Psicologia em diversas instituições psiquiátricas, 
cuja produção foi principalmente de natureza psicológica. O de­
senvolvimento dos saberes psiquiátrico e psicológico e suas decor­
rências práticas foram fatores fundamentais para que ambas as 
áreas adquirissem contornos mais nítidos e, conseqüentemente, 
uma maior delimitação entre si.
O paísencontrava-se ainda na mesma (e talvez pior) situação 
que no século anterior, no que diz respeito às precárias condições 
de saneamento e saúde do povo brasileiro. Intelectuais e políticos 
reclamavam da Medicina intervenções concretas por meio de um 
projeto profilático, com a finalidade de erradicar, ou pelo menos 
minimizar, as inúmeras doenças infecto-contagiosas que assolavam 
o país. Esse movimento, no âmbito da Medicina Geral, estava inti­
mamente relacionado à questão da Higiene que, nos anos iniciais 
do século XX, estava revestido de ampla responsabilidade frente à 
realidade. É no bojo de tais fatos que tanto o pensamento psiquiátri­
co quanto o psicológico encontraram fértil terreno para seus estu­
dos e para a aplicação de seus conhecimentos por meio da Higiene 
Mental, instância derivada da Higiene em sua expressão geral. As 
ligas de Higiene Mental foram, assim, importantes fontes de produ­
ção de pesquisa e de práticas relacionadas à Psicologia.
A Psicologia no Brasil
Para expor essa linha de desenvolvimento histórico da Psicolo­
gia, abordaremos a seguir as produções dos hospícios, incluindo a Liga 
Brasileira de Higiene Mental; as produções relativas às intermediações 
entre Psiquiatria e Direito, que foi um importante veio de desenvolvi­
mento da Psicologia, principalmente por meio da Medicina Legal, e 
das teses de doutoramento das Faculdades de Medicina.
1.1. Os hospícios e algumas instituições correlatas
O sustentáculo das produções que serão apresentadas a seguir 
foi o alienismo. Surgiu este na Europa, como área que se autonomizou 
em relação à Medicina tradicional, estabelecendo como seu objeto de 
estudo a “razão”, cuja compreensão não podería, segundo seus defen­
sores, situar-se na Anatomia ou na Fisiologia, pois teria aquela uma 
natureza diversa. Ao alienismo veio somar-se, mais tarde, o organicismo, 
que trazia a concepção de loucura como organicamente determinada.
O pensamento psiquiátrico brasileiro da época tinha como prin­
cipal característica o ecletismo, que conjugava o alienismo clássico, 
especialmente de Pinei e Tuke, com o organicismo, em particular numa 
de suas vertentes, a teoria da degenerescência, fortemente calcada na 
concepção da determinação hereditária da loucura.
A teoria da degenerescência propunha ações que extrapolavam 
os muros asilares, propondo a higienização e a disciplinarização da 
sociedade. Considerava ainda a mdstência de uma hierarquia racial, 
estando no ápice a raça ariana e na base a raça negra; muitos teóri­
cos acreditavam ser os negros mais propensos à degeneração por 
sua inferioridade biológica.
No Brasil, essas duas correntes juntam-se numa só experiên­
cia, em que a exclusão do “louco” deveria ser compartilhada com a 
prevenção “social” da loucura.
O alienismo havia sido, no século anterior, expressão da Me­
dicina Social, que incluía em seu projeto profilático a preocupa­
ção com a pobreza, a marginalidade social, o crime e a loucura.
42
Leitura histórica sobre sua constituição
Como solução apresentava-se a necessidade de um efetivo controle 
sobre a massa urbana, com vistas à sua disciplinarização. Nesse 
contexto, ganha força a teoria da degenerescência.
Essas idéias são incrementadas na virada do século, com o 
agravamento dos problemas urbanos, de tal maneira que o controle 
das massas im punha-se como prem ente necessidade para uma 
sociedade que almejava ingressar num efetivo processo de indus­
trialização. sobretudo no que diz respeito ao proletariado. Assim, 
a articulação entre pensamento psiquiátrico e controle do processo 
produtivo revela-se explicitamente.
A preocupação com a “ordem” urbana e com o “progresso” 
baseia-se tam bém nos princípios positivistas, ainda fortemente 
arraigados no ideário brasileiro. A questão da “ordem” assume gran­
de importância nessa conjuntura, devendo o asilo excluir do conví­
vio social aqueles que não se adaptassem às normas estabelecidas, 
isto é, os “desordeiros” , estando incluídos nessa categoria os indiví­
duos engajados nos movimentos sociais organizados.
Tais concepções, embora majoritárias, não foram unânimes, 
o que dem onstrarem os adiante pela experiência de U lysses 
Pernambuco em Recife. Além desta, apresentaremos a seguir algu­
mas considerações sobre o Hospício do Juquery, o Hospital Nacio­
nal de Alienados, a Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro e 
as Ligas de Higiene Mental.
Hospício do Juquery9
Os primórdios do Hospício do Juquery situam-se no Asilo 
Provisório de Alienados da Cidade de São Paulo. Sua criação é obra 
de Franco da Rocha, que empreendeu a reforma psiquiátrica em 
São Paulo, denunciando a precariedade da assistência aos doentes
9 Sobre o Hospício do Juquery, sugere-se a leitura do valioso estudo constante do livro: 
CUNHA, M. C. P. O espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro, Paz 
e Terra, 1986.
A Psicologia no Brasil
m entais e defendendo uma nova instituição, baseada em práticas 
científicas, sobretudo no “asilamento racional”.
O Hospício do Juquery foi construído fora da zona urbana, 
sendo seu projeto arquitetônico de autoria de Ramos de Azevedo. 
Em 1898 já funcionavam as colônias agrícolas; e suas depen­
dências foram várias vezes ampliadas ao longo do tempo, sendo 
anexados o pavilhão para “crianças anorm ais” , o laboratório 
histoquímico e o Manicômio Judiciário.
Franco da Rocha e seu sucessor, Pacheco e Silva, defendiam 
a centralização da assistência psiquiátrica como forma de gerar 
condições para o estudo da loucura, com base na descrição, com- 
jtaração e classificação, revelando concomitantemente a preocu­
pação em demonstrar a pertinência da teoria da degenerescência.
Segundo Cunha, a produção do hospício demonstrava que:
“o interesse se desdobra a partir de quadros nosológicos já configu­
rados e volta-se para a identificação das formas particulares das 
‘doenças’naquela sociedade particular, como decorrência de uma 
herança genética onde amalgamavam-se imigrantes, escravos e todo 
tipo de sangue degenerado: o impacto do crescimento urbano no 
crescimento da sífilis, deflagradora de um tipo determinado de pato­
logia mental (...); a loucura associada às características raciais e o 
significado disto em sua apresentação na sociedade miscigenada do 
país; a correspondência entre loucura e crime; a relação entre as 
formas de doença mental e os padrões culturais ‘atrasados ’ como 
(...) as religiões ‘primitivas’dos negros e dos pobres” (1986, p. 77).
O Juquery representou em São Paulo o pensamento psiquiá­
trico hegemônico no Brasil, nessa época. Sua prática articulou-se 
às necessidades trazidas pelo processo de industrialização que se 
acelerava na cidade e teve uma dimensão política que era a de
“conferir legitimidade à exclusão de indivíduos ou setores sociais 
não enquadráveis nos dispositivos penais; permitir a guarda (...) 
e a regeneração ou disciplinarização de ind/ resistentes às disci­
plinas do trabalho, da família e da vida urbana; reforçar papéis
44
Leitura histórica sobre sua constituição
socialmente importantes para o resguardo da ordem e da discipli­
na, medicalizando comportamentos desviantes (...) e permitindo 
que sua reclusão possa ser lida como um ato em favor do louco, e 
não contra ele’’ (Cunha, 1986, p. 80).
O hospício vai gradativamente abandonando sua preocupa­
ção com a loucura individual e assumindo tarefas de ordem social, 
sobretudo no que diz respeito ao controle da força de trabalho.
Do ponto de vista prático, as técnicas “científicas” utilizadas 
consistiam, por exemplo, em: alternância de banhos frios e quentes, 
malarioterapia, traumaterapia, laborterapia e terapias medicamentosas.
A produção do Juquery circunscreve-se especificamente no 
âmbito da Psiquiatria, não trazendo contribuição direta para o conheci­
mento e a prática da Psicologia. Entretanto, sua preocupação com a 
loucura abarca, sem sombra de dúvidas, o fenômeno psicológico, 
embora sua maior contribuição seja a de demarcar mais nitidamen­
te as fronteirasentre a Psicologia e a Psiquiatria e, conseqüentemente, 
demonstrar nesse caso um fator relevante para a compreensão do 
processo de autonomização da ciência psicológica.
É necessário reconhecer, entretanto, que ambas as áreas 
tratam, sob enfoques e fundam entos diversos, fenôm enos de uma 
mesma natureza e que é inquestionável que, apesar das frontei­
ras, há intersecções tanto do ponto de vista do objeto de estudo 
quanto do ponto de vista prático. Soma-se a isso que suas produ­
ções situam-se num a dada realidade, sendo que cada uma, a seu 
modo, busca responder às suas demandas.
Hospital Nacional dos Alienados
Após a proclamação da república, o Hospício Pedro II passou a 
ser chamado Hospital Nacional dos Alienados10 e sua administração
10 Sugere-se a leitura de: COSTA, J. F. História da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro, 
Documentário, 1976.
45
A Psicologia no Brasil
transferida ao Estado, em substituição à Santa Casa de Misericórdia. 
Em 1902, após a detecção de inúmeros problemas na instituição, foi 
nomeado para sua direção Juliano Moreira, cuja prática inaugura “uma 
psiquiatria cujos fundamentos teóricos, práticos e institucionais cons­
tituíram um sistema psiquiátrico coerente” (Costa, 1976, p. 26). Esse 
hospício pode ser visto como o primeiro no Brasil que tratou a loucu­
ra do ponto de vista eminentemente médico. Nomes consagrados como 
Henrique Roxo, Afrânio Peixoto e Maurício de Medeiros contribuíram 
com a constituição da prática psiquiátrica instalada na instituição.
Em 1907, sob a direção de Juliano Moreira, é criado o prová­
vel segundo laboratório de Psicologia no Brasil (o primeiro teria sido 
no “Pedagogium”, em 1906), denominado Laboratório de Psicologia 
Experimental da Clínica Psiquiátrica do Hospital Nacional dos Aliena­
dos11 . Esse laboratório foi chefiado por Maurício de Medeiros, construído 
sob a influência de Georges Dumas, com quem Medeiros trabalhou em 
Paris, no laboratório de Psicologia do Hospital de Saint’Anne.
Nesse hospício, também sob a direção de Juliano Moreira, res­
ponsabilizou-se Heitor Carrilho pelo setor que deveria abrigar os “cri­
minosos loucos”, gérmen do Manicômio Judiciário, criado em 1921.
O Hospital Nacional dos Alienados foi, como o Juquery, um 
asilo modelo para o pensamento psiquiátrico da época, representando 
a tendência vigente em que o ecletismo tomou-se posição pratica­
mente hegemônica. Para ele confluíram médicos cariocas e baianos, 
representando as orientações de Teixeira Brandão e Raimundo Nina 
Rodrigues respectivamente, sendo que ambas as tendências tiveram, 
apesar de suas particularidades, como seu principal fundamento a 
Medicina Social e seus motivos de natureza sócio-política.
Ao contrário do Juquery, no entanto, nesse hospício é explí­
cito o vínculo com a Psicologia, concretizado na existência do labo­
ratório. Nesse sentido, o Hospital Nacional dos Alienados pode ser 
visto como uma instância produtora desconhecimento psicológico,
11 Sobre isso, ver: PENNA, A. G. Apontamentos sobre as fontes e sobre algumas das figuras 
mais expressivas da Psicologia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, FGV, 1986.
46
Leitura histórica sobre sua constituição
tendo abrigado profissionais que, em seu laboratório ou fora dele, 
produziram relevantes obras psicológicas, como Maurício de Medeiros 
e Plínio Olinto. Isso remete à questão de que a Psiquiatria no Brasil, 
em sua manifestação institucional, assumiu parcela da produção psi­
cológica, vinda não somente da tradição passada, quando não havia 
qualquer forma de delimitação entre as duas áreas de saber, mas tam­
bém pelo fato de que a Psiquiatria necessita do intercâmbio com o 
conhecimento psicológico, fomentando e sediando sua pesquisa.
Por fim, deve-se dizer que a im possibilidade de acesso aos 
documentos que registram a produção do laboratório, pois esses 
encontram -se perdidos, comprom ete sobrem aneira a avaliação 
mais profunda da participação desse hospício e de seu laboratório 
na história da Psicologia no Brasil.
Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro
Fundada no Rio de Janeiro na década de 10, a Colônia produ­
ziu extensa contribuição à Psicologia por meio de seu fértil labo­
ratório12, criado em 1923.
Esse laboratório foi transformado em Instituto de Psicologia, 
subordinado ao Ministério de Educação e Saúde Pública, em 1932. 
Em 1937 foi incorporado à Universidade do Brasil, para contribuir, 
segundo Penna, com as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, 
de Educação e de Política e Economia.
Havia também na Colônia a Escola de Enfermagem, que con­
tinha em seu currículo a disciplina Psicologia, ministrada por Gustavo 
Rezende e Nilton Campos.
Criado por Gustavo Riedel, diretor da Colônia, o laboratório foi 
patrocinado pela Fundação Gafffée-Guinle. Sua finalidade, juntamente
12 Sobre esse laboratório, ver: PENNA, A. G. Sobre a produção científica do Laboratório de 
Psicologia da Colônia de Psicopatas, no Engenho de Dentro, in: História da Psicologia, n° 1, 
Rio de Janeiro, FGV, 1985.
1
A Psicologia no Brasil
com uma exposição de m otivos e até mesmo uma definição da 
função do psicólogo, foi assim expressa por Osvaldo N. de Sou­
za Guimarães: “atualmente todo Instituto destinado ao estudo, 
cura e profilaxia das moléstias mentais deve ter, como auxiliar 
indispensável, um laboratório de psicologia, a cargo de um 
psicólogo profissional. Este torna-se, então, valioso colabora­
dor do médico, para eficiência de tal Instituto” (Guimarães, apud 
Penna, 1985, p. 28). Para a direção do laboratório foi chamado o 
psicólogo polonês W aclaw Radecki.
f O laboratório, que contava com sofisticados equipamentos 
vindos de Paris e Leipzig, “funcionava como instituição auxiliar
j médica; (2) como auxiliar das necessidades sociais e práticas; (3) 
como núcleo de pesquisas científicas; (4) como centro didático para 
formação de psicólogos”. (Penna, 1985, p. 30).
A extensa produção do laboratório demonstra, em relação aos 
asilos já estudados, um imenso avanço em direção ao reconheci­
mento da autonomia científica e prática da Psicologia no Brasil. 
Explicita-se aí, com clareza, que a Psicologia é vista como campo 
próprio de conhecimento e ação, ao mesmo tempo em que é reco­
nhecida sua íntima relação com a Psiquiatria.
Do ponto de vista da produção do laboratório, além da quan­
tidade de pesquisas e ensaios, três elementos apresentam-se como 
particularmente significativos: a preocupação com a formação de 
psicólogos e a difusão do conhecimento psicológico; o trabalho clí­
nico e a aplicação da Psicologia a questões relativas ao trabalho.
O laboratório da Colônia contribuiu com uma das primeiras 
referências, no Brasil, da perspectiva psicoterápica, num momento 
em que tal campo de ação, quando existia, limitava-se à Psiquiatria. 
É possível tomar como hipótese que esse tipo de trabalho, ainda que 
incipiente, tenha lançado algumas bases para, mais tarde, tomar-se 
um dos mais importantes campos de atuação da Psicologia no país, 
o qual só nas décadas seguintes viria a ter contornos mais definidos 
como possibilidade de aplicação psicológica.
48
Leitura histórica sobre sua constituição
Merece referência também a contribuição do laboratório à 
organização do trabalho, que se mostra claramente definida, parti­
cularmente no que se refere à utilização de testes para fins de sele­
ção e orientação profissional. Foram realizados estudos e pesquisas 
sobre fadiga em “trabalhadores menores", seleção de candidatos à 
aviação militar, psicometria e questões profissionais etc. Além disso, 
é necessário dizer que o trabalho no laboratório, junto com outros 
que se realizavam em outras instituições, traz uma nova caracterís­
tica às contribuições que até então as instituições psiquiátricas da­
vam à problemática do trabalho, cuja principal finalidade era exer­
cer o controle e a disciplinarização do proletariado urbano fora dos 
muros da fábrica. A partir daí, a Psicologia penetra no interior do 
processo produtivo, com um caráter estritamentetécnico-científico, 
por meio da intervenção direta nos processos seletivos e no estabe­
lecimento de contingências e normas nas relações de produção, com 
base no saber psicológico.
Um destaque especial deve ser dado à importância da presen­
ça de Radecki nesse laboratório e, por decorrência, na história da 
Psicologia no Brasil. Foi ele o autor de grande parte dos trabalhos 
produzidos no laboratório, quando não colaborador ou orientador. Foi 
ele quem ministrou inúmeros cursos e conferências, com influência 
significativa na divulgação e difusão da Psicologia no país. Suas 
realizações constituem-se na quase totalidade da produção do labo­
ratório, devendo-se a ele também, provavelmente, a marcante cultura 
psicológica presente nos trabalhos produzidos, em que são freqüen- 
tes citações e referências a: Ribot, Claparède, William James, Janet, 
Forel, Babinski, Bernheim , K ráepelin, B leuler, M inkow ski e 
Kretschemer, dentre outros, devendo-se salientar a significativa 
presença da Psicanálise,
Finalmente, deve-se reafirmar que a Colônia de Psicopatas do 
Engenho de Dentro foi uma das mais importantes instituições que 
geraram condições para o estabelecimento da Psicologia no Brasil, 
quer pela consolidação desta área do saber como ciência, quer em 
relação ao reconhecimento de sua autonomia teórica e prática.
ei
A Psicologia no Brasil
Liga Brasileira de Higiene Mental 
e instituições correlatas
A Liga Brasileira de Higiene Mental foi fundada em 1923, 
por Gustavo Riedel, tendo em seus quadros os mais eminentes 
psiquiatras e intelectuais da época. Segundo Jurandir Freire Costa, 
o objetivo inicial da Liga idealizada por Riedel era a melhoria da 
assistência ao doente mental.
A partir de 1926, porém, esse objetivo foi cedendo lugar ao. 
ideal eugênico13, à profilaxia e à educação dos indivíduos. A preo­
cupação transferiu-se do indivíduo “doente” para o “normal”, da 
cura para a prevenção, ampliando seu raio de ação para a sociedade 
como um todo, definindo a ação psiquiátrica como prática higiênica, 
apoiada na noção de eugenia.
Essa concepção contribuiu para uma interpretação racista da 
sociedade brasileira, que tendia a atribuir os problemas sócio-econômi- 
cos às questões raciais, especialmente à presença de “raças inferiores”, 
numa explícita referência aos negros que, junto com o clima quente, 
eram responsabilizados pelo atraso do país. Essas idéias desemboca­
ram na defesa do “embranquecimento da raça brasileira” e, posterior­
mente, na busca da “pureza racial”.
No bojo dessa discussão, a problemática educacional ocupou 
lugar privilegiado, sendo que a ignorância era vista como uma das 
mais graves doenças sociais. Juntam ente com essa questão e a 
ela relacionada integra-se a problem ática das relações de traba­
lho; temas que estiveram diretamente articulados ao pensamento 
da Liga e constituíram-se em objetos de estudo e alvos de ação.
A Liga reconhecia a Psicologia como ciência afim à Psiquia­
tria e estimulava sua produção. Nesse sentido, foi criado um laborató­
rio de Psicologia, cuja direção foi inicialmente confiada ao francês 
Alfred Fessard e posteriormente a Plínio Olinto, que foi sucedido por
13 Eugenia, conceito criado por Galton, significa o estudo dos fatores responsáveis pela 
elevação ou rebaixamento das características raciais, do ponto de vista físico e mental.
50
Leitura histórica sobre sua constituição
Brasília Leme Lopes. Além disso, a Liga propôs em 1932, ao M i­
nistério da Educação e Saúde Pública, a presença obrigatória de “gabi­
netes de Psicologia” junto às clínicas psiquiátricas, sendo a proposta 
acolhida em instruções do referido ministério. Anualmente a Liga 
realizava as “Jornadas Brasileiras de Psicologia”, cujo objetivo era 
difundir pesquisas puras e aplicadas nessa área do conhecimento.
Preocupação com a Psicologia teve também a Liga Paulista de 
Higiene Mental, fundada em 1926, por Pacheco e Silva, funcionando 
em moldes semelhantes à sua correspondente nacional. Na Liga 
Paulista, a Psicologia aparecia expl icitamente articuladta às questões 
relativas à organização do trabalho, como instrumento de obtenção 
de conhecimento a respeito das funções psicológicas presentes no 
exercício profissional, tais como: funções psicomotoras, memória, 
atenção e julgamento; tais elementos articulavam-se, na prática, à apli­
cação da Psicologia à seleção e orientação profissional. Como ilus­
tração, vale a pena citar um trecho de Bonifácio Castro Filho14:
“A higiene mental nas oficinas e nas profissões em geral é um fator 
de grande prosperidade para a indústria, porque assegura um me- 
Ihor rendimentq. Ela pode ser realizada pela orientação profissio­
nal e pela seleção psicológica dos operários, tendo por efeito:
I o) a eliminação nas oficinas de certas classes de profissionais psi- 
copatas que constituem um peso morto e um grave prejuízo para a 
coletividade;
2°)jcolocar os indivíduos em seus devidos lugares, de acordo com 
as aptidões mentais, condições que favorecem o êxito do trabalho ” 
(Castro Filho, apud Cunha, 1986, p. 189).
Essas idéias buscavam na Psicologia não apenas fundamen­
tação teórica e corpo de técnicas úteis às suas finalidades de 
higienização social do trabalho e da família, como também prenun­
ciavam um outro tipo de prática que se aproximava da prática clínica
14 CASTRO FILHO, B. Higiene Mental nas fábricas, apud CUNHA, M. C. P., obra citada.
M
A Psicologia no Brasil
da Psicologia no momento subseqüente, pelas denominadas “clí­
nicas de higiene mental”, cuja finalidade era de origem profilática 
e, portanto, voltada para o indivíduo “normal” .
A isso deve-se acrescentar o papel desempenhado pelo Institu­
to de Higiene de São Paulo, cuja ação foi semelhante à da Liga Brasi­
leira de Higiene Mental. Esse instituto foi dirigido, a partir de 1926, por 
Geraldo Paula Sousa, que organizou um grupo de estudos de Psicolo­
gia Aplicada, do qual participaram médicos, educadores e engenhei­
ros; os estudos aí realizados versaram sobre a Psicologia do Trabalho 
e deram também origem ao “Serviço de Inspeção Médico-Escolar”, no 
qual foi criada uma escola especial para crianças com deficiência men­
tal e, em 1938, uma clínica de orientação infantil, provavelmente uma 
das primeiras no país, chefiada por Durval Marcondes.
A concepção psiquiátrica das Ligas de Higiene Mental, em­
bora fortemente arraigada nas idéias correntes na Psiquiatria brasi­
leira, não era contudo unânime. Segundo Freire Costa,
“na mesma época, Odilon Galotti, no Rio, James Ferraz Alvim, em 
São Paulo, e Ulisses Pernambucano em Recife (...) orientavam suas 
pesquisas numa direção totalmente oposta à higiene social da raça. 
Para esses psiquiatras, que mantinham também ligações com a 
L.B.H.M., a higiene mental continuava a ser aquilo que Riedel havia 
desejado que fosse: melhoramento e humanização da assistência. 
psiquiátrica aos doentes mentais” (1976, p. 63).
O pensamento e a ação das ligas são expressões de uma concep­
ção autoritária de mundo, representada na Psiquiatria principalmente 
pelo pensamento alemão, nas figuras de Rudin, Hoffmann e Meggen- 
dorfer, continuadores do organicismo de Kráepelin. Pretendia-se, em 
nome da ciência, abarcar o controle da sociedade e, para tal, defendia- 
se e estimulava-se a pesquisa e a aplicação da Psicologia como meio 
auxiliar para seus finsàÉ interessante notar que a Psicologia encon­
tra-se, nesse contexto, como detentora de um saber e de um corpo de 
técnicas, particularmente a psicometria, relacionada às práticas es- 
pecificamente psicológicas, numa versão bastante próxima das atuais?]
52
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O Movimento Psiquiátrico de Recife % *' ^"vv
: u v > • ú )
Esse movimento erigiu-se sobre o alicerce representado pelas 
idéias e ações de Ulysses Pernambucano, caminhando na contra­
mão do pensamento psiquiátrico corrente na época e contribuindo 
significativamente para a Educação (que será especificamente abor­
dada no próximo capítulo).
Formado na Faculdade de M edicina do Rio de

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