Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN A Alma do Homem 1 I. A natureza substancial da alma humana No início do nosso livro dissemos que há duas maneiras de olhar para a alma do homem: <entitativamente>, como a forma de seu corpo; e <operacionalmente>, como a raiz de suas potências. Como forma de seu corpo, a alma do homem é parte de sua essência. Como a raiz de suas potências, a alma do homem é o princípio fundamental pelo qual ele vive, sente e pensa. Agora, nossas potências humanas estão divididas em duas classes gerais: aquelas que pertencem <unitariamente> ao corpo e à alma; e aquelas que pertencem <exclusivamente> à alma. As primeiras [i.e., potências unitariamente do corpo e da alma] são <psicossomáticas>; as últimas [i.e., potências exclusivamente da alma] são <puramente psíquicas>. É por suas potências psíquicas, ou por causa de seu intelecto e de sua vontade, que a alma do homem se distingue de todas as formas inferiores [de seres animados e inanimados]. Além disso, as potências psíquicas são idênticas à mente; e a mente, por extensão, é idêntica à alma. Então, perguntar: "a mente do homem é uma substância?" significa, na verdade, perguntar: 'a alma do homem é uma substância?' A resposta à esta questão é abundantemente revelada a partir de nossa análise da natureza do homem, bem como de nosso estudo de seus atos, de suas potências e de seus hábitos. Assim, o homem é uma criatura <hilomórfica>. Ele é composto de dois co-princípios básicos: <matéria> e <forma>. Cada um [dos co- princípios] é uma parte necessária da essência [humana]. Como peças, cada uma está incompleta sem a outra. Cada um [dos co-princípios] pertence à categoria de <substância>, embora nenhum dos dois seja uma substância completa, pois nenhum deles é uma espécie completa. A questão é que, entitativamente falando, a alma do homem, como todas as almas, é uma <forma substancial de matéria>. Isso significa Robert, Brenan, "The Soul of Man". In Thomistic Psychology: A Philosophic Analysis of the Nature 1 of Man. (Book II, chap. XII). Cluny Media, LLC. Edição do Kindle, 2016. Tradução de Sylvio Allan R. Moreira. Adições entre colchetes e grifos ocasionais são de responsabilidade do tradutor. Obra originalmente publicada em 1941. "1 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN que ela exige um substrato material como um coeficiente de seu próprio ser, em conjunto com o qual estabelece a substância corporal completa que chamamos de <homem>. Além disso, a alma do homem é o objeto imediato de suas potências racionais. Como objeto, [a alma humana] não precisa ser possuída por mais nada. Ela existe, em suma, por si só, o que significa que é uma substância. Pois, obviamente, atos suspensos no vácuo são inadmissíveis. Pensar exige, não apenas uma potência para pensar, mas também uma substância na qual a potência intelectiva está enraizada. Da mesma forma, querer demanda não apenas uma potência que quer, mas também uma substância na qual a potência volitiva está embutida. Agora, pensar e querer são atos exclusivamente da alma , já que a alma 2 sozinha é o princípio fundamental de tais operações. Como base nos processos racionais, então, a alma do homem deve ser uma substância. O que dissemos sobre a alma do homem também é verdade sobre sua mente, uma vez que sua mente está operacionalmente identificada com a essência de sua alma intelectual. II. A noção de alma na psicologia moderna A noção de <alma> como substância declinou quando a noção de <mente> 3 como substância começou a decair. Após o entrincheiramento da filosofia de Descartes, a mente e a matéria não eram mais consideradas como unidas em uma união substancial. Alguns psicólogos ficaram intrigados com o estudo da mente independente da matéria; e estes eram os idealistas extremos. Outros ficaram fascinados com o estudo da matéria independente da mente; e estes eram os materialistas extremos. Mas a natureza humana, ao que parece, é mais facilmente seduzida pelas tangibilidade da matéria do que pela intangibilidade da mente. A importância da matéria cresceu; a importância da mente diminuiu. O fenomênico Nota do tradutor: Segundo Santo Tomás de Aquino, as potências vegetativas, locomotoras, 2 apetitivas e sensitivas são unitariamente do corpo e da alma, portanto, potências <psicossomáticas>. Já o intelecto e a vontade são potências exclusivamente da alma, portanto, <puramente psíquicas>. Nota do tradutor: Substância (lat. substantia; greg. ant. οὐσία) é um conceito filosófico para 3 designar algo que subsiste (lat. sub stat), que não depende de um suporte para existir. Aristóteles define substância como aquilo que é necessariamente. "2 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN fez sua aparição. Seus grandes líderes, como [David] Hume e [Hyppolite] Taine, afirmaram que a mente do homem não passa de uma série de atos conscientes. A psicologia associativa surgiu, defendida por estudiosos como James Mill, [Herbert] Spencer e [Wiliam] James. A mente agora estava definitivamente reduzida à consciência. Esse tipo de teoria estava em ascensão quando Wilhelm Wundt e Gustav Fechner separaram a <ciência da mente> da <filosofia da mente>. Os primeiros pesquisadores no campo da psicologia científica mostraram evidências inconfundíveis da influência do associacionismo. Foi uma influência destinada a sobreviver até nossos contemporâneos. O funcionalismo, na teoria de [John] Dewey e seus discípulos, é simplesmente uma doutrina associacionista disfarçada ou, mais fundamentalmente, um fenomenalismo disfarçado. A mente é um evento histórico em que a estabilidade deu lugar à mudança. É simplesmente parte de um maior complexo de eventos chamado 'natureza'. A mente, portanto, é um processo e não processos; de modo que o conceito de mente como uma natureza substancial passa a ser considerado sem sentido e não prático. Um dos primeiros defensores da ideia funcional foi [John B.] Watson. Mas não por muito tempo! Insatisfeito com a noção de eventos mentais como objeto da psicologia, Watson buscou um recomeço sob uma base estritamente objetiva. O comportamento no lugar da consciência. A observação externa em vez da introspecção. Os reflexos tomam o lugar das sensações. E o princípio do condicionamento suplanta o princípio do associacionismo. Agora, o homem está sem alma, sem mente e sem consciência... sem nada, além das funções fisiológicas de seu sistema nervoso. Mas o fim ainda não chegou; e o pêndulo está voltando para uma posição moderada. Como apontamos antes, certos grupos de investigadores — notadamente os psicólogos fatoriais, os psicanalistas e os personalistas — parecem estar operando com base numa abordagem integral do homem. Tal abordagem é fundada, é claro, no princípio de uma união hilomórfica entre corpo e alma. E assim como não podemos negar a substancialidade do corpo humano, não podemos negar a substancialidade da alma humana. Caso contrário, devemos nos "3 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN comprometer com a visão de que os atos exclusivos da alma humana não têm suporte ou meio para sustentar-se a si mesmos. A alma humana, portanto, deve ser uma substância. III. A natureza imaterial da alma humana A) Abordagem histórica do problema. Que tipo de substância é essa mente ou alma do homem? A partir da análise fundamental dos atos e potências do homem, Santo Tomás responde que a alma humana é essencialmente <imaterial>. Dizer que [a alma humana] é imaterial é dizer que [ela] é incorpórea: que não é um corpo. Além disso, dizer que [a alma humana] é imaterial é dizer que é subsistente: que não éintrinsecamente dependente de um corpo. Obviamente, qualquer sistema da psicologia moderna que se baseia em princípios sensoriais está comprometido com a negação de uma alma ou mente incorpórea e subsistente. Tal, por exemplo, é a escola de Watson e sua interpretação behaviorista dos processos do pensamento como movimentos minuciosos dos mecanismos da laringe. Tal, também, é a escola de Titchener, e sua interpretação estruturalista do pensamento como uma imagem, sentimento ou sensação refinados. Tal, aliás, é a escola de Köhler e sua interpretação gestáltica do pensamento como um processo sensorial, determinado por padrões na matéria cortical ou cósmica. Tal, finalmente, é a escola de Freud e sua interpretação psicanalítica dos processos intelectuais superiores como emergências do id ou instinto. No final, teorias desse tipo são obrigadas a rebaixar os mais altos níveis de realização humana para as dimensões materiais. As escolas filosóficas, por outro lado, trabalhando nas principais tradições estabelecidas por Sócrates, Platão e Aristóteles, e até mesmo por pensadores anteriores a estes — exceto, é claro, os seguidores de Demócrito — sempre mantiveram consistentemente a natureza imaterial da mente humana. Na verdade, esse ponto de vista é comum a vários pensadores cujas teorias, em outros aspectos, são amplamente divergentes: por exemplo, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, René Descartes, G. W. Leibniz, Immanuel Kant, G. W. F. Hegel, e seus sucessores, e, mais modernos, Francis H. Bradley, Benedetto Croce e Henri Bergson. "4 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN Uma convicção tão firme e consistente, embora tenha chegado por diferentes rotas, ganhou relevância e impulso à medida que os fenômenos da experiência privada e da introspecção foram examinados e devidamente avaliados. Que existem realidades que são essencialmente imateriais, que as operações intelectuais, as potências intelectivas e a substância intelectual se enquadram nessa categoria, torna-se cada vez mais claro à medida que a reflexão filosófica é levada a suas conclusões finais. B) A alma humana não é um corpo. A linha de raciocínio que Santo Tomás emprega no estabelecimento do caráter incorpóreo e subsistente da alma humana repousa, principalmente, em uma análise de suas operações cognitivas. O conhecimento é uma experiência vital, em que objeto e sujeito estão intencionalmente unidos. Sua perfeição, como função 4 viva, é julgada pelo grau de abstração da matéria. Nas cognições sensíveis, há semi-desapego [da matéria]. Nas cognições intelectuais, há um completo desprendimento [da matéria]. No primeiro [cognições sensíveis], a forma é separada da matéria, mas não das condições da matéria. No segundo [cognições intelectuais], a forma é separada da matéria, e também das condições da matéria. Esta é simplesmente outra maneira de dizer que a forma do conhecimento sensível é particular e concreta; enquanto a forma do conhecimento intelectual é universal e abstrata. Falamos do desprendimento da forma da matéria, no ato do conhecimento humano, porque as substâncias hilomórficas são os objetos próprios e conaturais da mente humana. Agora, suponhamos, seguindo Santo Tomás, que a mente humana não é incorpórea: que é, de fato, uma entidade corpórea, um corpo. Nesse caso, o tipo particular de corpo que ele é impediria que ele se tornasse e, portanto, conhecesse, todos os outros corpos. No entanto, a introspecção nos diz que a mente humana conhece corpos indiferentemente; que não há limitação no número ou tipo de corpos que ela [a mente humana] pode conhecer; que [ela] é tudo, na Nota do tradutor: <Intencionalmente> significa que o ato de conhecimento implica necessariamente 4 um sujeito e um algo (objeto) que é conhecido. "5 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN medida em que pode se tornar tudo através de seu conhecimento. A questão é que nenhuma substância corpórea é incapaz de ser apreendida pela mente humana. Pois, qualquer tipo que seja [a substância corpórea], a mente humana pode reconhecê-la como uma substância de natureza específica. Observe que quando dizemos que a mente humana 'pode' conhecer todos os corpos, não implicamos, assim, que ela realmente 'conhece' todos os corpos. Também não se segue a isso que, porque a natureza corpórea é conhecida, [ela] é conhecida completamente, pela diferença específica fundamental pela qual ela se distingue de todos os outros corpos. O que o intelecto do homem pode e compreende é o fato de que em sua presença está uma substância corpórea que, por certas propriedades apuradas, é distinta de outras substâncias corpóreas. Além disso, pode e compreende o fato de que algumas substâncias corpóreas, como elementos e compostos, são essencialmente distintas de outras substâncias corpóreas, como organismos vivos. Além disso, discerne que alguns organismos vivos são plantas, outros são animais, outros são homens. Em suma: a mente do homem apreende uma hierarquia de seres cósmicos, onde uma ordem da realidade é separada de outra. O argumento pontual é simplesmente este: como a mente humana é capaz de entender a natureza determinante de todas as substâncias corpóreas, não pode, por si só, ser uma substância corpórea. C) A alma humana não é subjetivamente dependente de um corpo. Além disso, a mente do homem não funciona e não pode funcionar por meio de um órgão corporal. Porque? Porque a natureza fixa e determinante do órgão o impediria de conhecer todos os corpos. O olho, por exemplo, vê tudo como colorido ou imerso em luz. Não sabe nada sobre as outras propriedades da matéria. Agora, se o intelecto fosse como os sentidos, seria constrito por estruturas materiais. Nesse caso, não poderia conhecer os corpos em si, mas apenas em relação ao caráter determinante do órgão que mediaria seu conhecimento. Mas a introspecção atesta o fato de que, em cada ato que realiza, a mente humana conhece "6 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN substâncias corpóreas precisamente ao abstrair-las dos acidentes que as tornam 5 concretas e individuais, removendo-as das dimensões do espaço e do tempo, e considerando-as de acordo com suas formas, absoluta e universalmente. Seu ato de compreensão, portanto, deve ser subjetivamente livre do corpo. Tal liberdade, é claro, não exclui a necessidade das administrações dos sentidos. É o ensinamento de Santo Tomás de que, no curso natural da vida do homem, nenhuma ideia é produzida sem conversão a partir de fantasmas . É 6 apropriado dizer, então, que a mente humana exibe uma dependência objetiva dos sentidos, uma vez que os dados dos sentidos fornecem-lhe os objetos da intelecção. Mas, na ordem subjetiva, isto é, no ato de abstrair e compreender, o intelecto do homem é completamente desprovido de matéria e dos apêndices da matéria. Mas se é imaterial em suas operações intelectuais, deve ser imaterial em sua natureza intelectual.† D) A alma humana conhece o ente em si. Os argumentos anteriores baseiam-se em uma análise do objeto próprio da intelecção humana, que é o ente corpóreo. Eles ganham força adicional quando consideramos seu objeto próprio, que é o ente em si . Podemos afirmar a diferença 7 aqui envolvida dizendo que o objeto próprio da compreensão humana pertence ao homem enquanto homem; mas que seu objeto próprio é comum a todos os agentes intelectuais. Fora deste objeto próprio, nada pode ser entendido, uma vez que ele inclui tudo o que é inteligível. Tal objeto deve ser o ente: primeiro, porque nada é Nota do tradutor: Acidente (lat. accidens) é qualquer determinação ou qualidade que pode 5 pertencer ou não à substância, mas não é necessáriopara a definição desta. Nota do tradutor: Fantasmas (greg. ant. Φάντασμα/phántasma; lat. phantasma, imago: aparição, 6 imagem) são representações, na alma humana e dos animais, dos dados sensíveis da realidade objetiva. Estas representações são o produto de uma potência sensitiva denominada <imaginação> (greg. ant. Φαντασία/phantasíā; lat. imāginātiō, phantasia: tornar algo visível. criar imagens), que reúne os dados obtidos pelos sentidos externos (visão, audição, olfato, tato, paladar) e percepção. Nota do tradutor: Ente (lat. ens, entis: está sendo), é aquilo que tem ser, que realiza o ato de 7 existir. No português, o termo foi substantivado como <entidade>. Segundo a classificação escolástica, os entes podem ser incorpóreos (sem matéria, constituídos somente de forma) ou corpóreos (constituídos de ambas matéria e forma); os entes corpóreos podem ser inanimados (sem alma) ou animados (com alma); os entes animados podem ser vegetativos, sensitivos ou racionais; os entes racionais são exclusivamente o ser humano. "7 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN compreensível a menos que seja um ente de algum tipo; segundo, porque o ente enquanto ente é o único objeto que é inclusivo de todos os objetos da inteligência. Cada novo fator adicionado ao ente limita-o, e assim transforma-o em um tipo particular de ente. Assim, todos os objetos de inteligência concordam quanto à noção de ente, mesmo que não concordem em mais nada. Todo pensamento da mente humana, portanto, deve ser finalmente solucionável no conceito de ente. Se perguntarmos, por exemplo: o que é <o homem>? a resposta final é, <um animal racional>. Se perguntarmos: o que é <o animal>? a resposta final é, <uma substância que tem vida e sentimento>. Se perguntarmos, finalmente: o que é <a substância>? a resposta final é, <um ente, cuja natureza é devido à existência em si mesma e não em outro ente>. Isso se dá com todas as outras coisas que sabemos: a análise sempre nos leva eventualmente à noção de ente. Até os acidentes são 'entes do ente', como diziam os antigos. A mente do homem é capaz de apreender todos os vários tipos de ente em uma única noção de ente precisamente porque [a mente] pode abstrair a partir da concretude deste ou daquele ente em particular. Sua vasta visão arrebatadora da realidade vê algo básico para toda a sequência ordenada de perfeições existentes: emergindo das cogências da matéria inerte, através das plantas, dos animais e humanos, até a esfera das substâncias angelicais; encerrando, de fato, apenas quando atingir o centro de todo o ser, a realidade não-criada e não-participativa, que é Deus. Se a essência corpórea, então, não escapa da inteligência humana, ou se o corpo não impede a vôo da compreensão humana desde a potencialidade pura da matéria primária até a pura realidade do Ser absoluto, não deve ser porque a matéria não tem parte nas operações da mente humana? Mais uma vez, chegamos à conclusão de que o princípio da intelecção do homem, que é sua alma, é uma substância imaterial. IV. A natureza simples da alma humana A) Ausência de partes entitativas e quantitativas. Pelo fato da completa falta de materialidade na alma, somos capazes de inferir à sua absoluta simplicidade. Dizemos que a alma é simples, em primeiro "8 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN lugar, porque [a alma] não é composta de partes entitativas, da [mesma] maneira que uma substância corpórea é composta de matéria e forma; segundo, porque [a alma] não é composta de partes quantitativas, da [mesma] maneira como a matéria é composta de unidades discretas ou contínuas. Que a alma do homem não é feita de partes entitativas é óbvio pelo fato de que ela é, em si, uma forma de matéria, ou seja, uma forma que, em conjunto com a matéria, constitui a substância composta do homem. Que a alma do homem não é composta de partes quantitativas pode ser concluída a partir de sua natureza incorpórea. Sua falta de partes quantitativas também pode ser deduzida da análise empírica. Pois, a introspecção nos diz que um pensamento não tem componentes co-extensivos no espaço. Não possui arranjo comparável à posição local dos prótons, elétrons, átomos ou moléculas, em uma determinada quantidade de matéria. B) Total reflexão da mente sobre si. Além disso, a mente humana pode refletir sobre si mesma. É capaz de compreender que compreende, examinando tanto sua ação quanto a si mesma em um movimento completo, totalmente imanente. Em tais atitudes auto-reflexivas, ela apreende a si mesma não como uma parte, mas como um todo. A matéria, por outro lado, nunca é movida para si, exceto em relação a uma parte sua, de modo que uma parte dela é o motor e a outra a coisa movida. A matéria, de fato, não contém nada exceto por comensuração quantitativa. A mente do homem, ao contrário, é enriquecida de idéias precisamente por se libertar das contingências da matéria. O objetivo de suas operações é compreender o universo e todas as suas partes: e a ideia perfeita seria aquela que, do fundo de sua simplicidade absoluta, representasse todo o esquema da realidade cósmica em um único ato de compreensão. Podemos conceber uma correspondência ponto a ponto entre um determinado objeto material e nossa imagem singular dele; mas não somos capazes de conceber qualquer correspondência ponto a ponto entre o mesmo objeto material e nossa ideia universal dele. Na verdade, é a mais pura futilidade tentar uma aplicação dos critérios pelos quais governamos e medimos a matéria a um "9 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN intelecto ou mente ou alma que não oferece base para tal comensuração quantitativa. V. A presença da alma no corpo Como, pode-se perguntar a esta altura, a alma humana está presente no corpo? Se [a alma] for imaterial por natureza, não pode ser materialmente conjugada à matéria. Isso significa que seu modo de co-habitação [com o corpo] não é circunscrito - como a água em um copo ou a mão em uma luva. Por ser imaterial, [a alma] não possui partes quantitativas e nenhuma extensão e, portanto, nenhum contato dimensional com o corpo. Está [a alma] definitivamente presente no organismo, sendo limitada pela matéria e pelos órgãos materiais apenas no exercício de suas faculdades. Pois, embora não tenha partes fora das partes, [a alma] tem potências fora das potências; e suas potências são exercidas dentro de áreas definidas . Por ser a forma do organismo, [a alma] está presente em todo o 8 organismo. Não apenas em todo o corpo, mas em todas as partes do corpo. Repetindo: embora presente em todos os lugares, a alma humana não exerce suas potências em todos os lugares, uma vez que algumas potências dependem de estruturas materiais e operam apenas em e por meio dessas estruturas materiais. VI. A origem da alma humana O corpo do homem é essencialmente material. Sua alma, como concluímos, é essencialmente imaterial. O fato da imaterialidade [humana] está imediatamente ligado ao problema da origem [do homem], pois, como ente incorpóreo e subsistente, [o homem] não pode ter seu início na matéria. Além disso, a alma do homem é essencialmente simples. O fato de [a alma] não ter partes e ser indivisível também está imediatamente relacionado com o problema da origem [do Nota do tradutor: Quer dizer, a alma humana não é uma substância composta de partes, algumas 8 presentes no corpo e outras existindo para além do corpo; a alma humana é completamente independente do corpo. Mas a alma humana possui potências que são <necessariamente> dependentes do corpo (como a reprodução, alimentação, os sentimentos, a imaginação e memória); e outras potências que são <circunstancialmente> dependentesdo corpo (o intelecto e a vontade), no sentido de se utilizarem do corpo para expressar suas operações. As primeiras potências são <psicossomáticas> e as segundas são <puramente psíquicas>. "10 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN homem], uma vez que seu nascimento não pode ser atribuído à divisão de outra alma. Deve, portanto, como disse Aristóteles, vir à existência 'de fora'. Em primeiro lugar, notemos que a alma do animal, ao contrário da [alma] do homem, está tão completamente imersa na matéria que não pode existir nem operar separada de um corpo. Sua dependência da matéria é, de fato, absoluta. Ao contabilizar sua origem, portanto, não é necessário sair do reino das estruturas materiais e dos processos materiais. O caso do homem, porém, é bem diferente, pois é um ente que, no que diz respeito ao corpo, é de natureza material; mas, no que diz respeito à alma, é imaterial por natureza. Agora, a alma do animal pode ser educada a partir das potencialidades da matéria. É possível que a alma do homem também saia do seio da matéria? É um produto do corpo dos pais, ou uma emergência dos elementos cósmicos do universo, ou um efeito das tendências de desenvolvimento constantes e onipresentes da natureza? Em resposta a essas perguntas, notemos, em segundo lugar, que se diz que uma coisa é feita quando é trazida à existência. Além disso, deve ser feita de um modo que seja adequado ao seu modo de existência. Se a alma do animal é totalmente dependente da matéria para sua existência, então a geração material é suficiente para explicar sua origem. Se a alma do homem é independente da matéria para sua existência, então a geração material não é suficiente para explicar sua origem. A rigor, o fim de qualquer processo reprodutivo não é nem a matéria nem a forma isoladamente, mas o ente composto de ambas. Na geração humana, por meio da fusão do espermatozóide e do óvulo, é criado um organismo que está apto a receber uma alma humana. Dizer que os pais produzem a sua própria descendência não significa que gerem uma alma humana, mas simplesmente que produzem um corpo capaz de funcionar como receptáculo de uma alma humana. Qual modo de origem, então, é adequado ao modo imaterial de existência de que desfruta a alma humana? Certamente, não ser feito de matéria, como afirma Santo Tomás: do contrário, [a alma] teria um caráter corpóreo, o que é incompatível com seu modo imaterial de existência. Certamente, também, não ser feito de outra alma: do contrário, [a alma] teria uma natureza divisível, o que é "11 PSICOLOGIA TOMISTA: UMA ANÁLISE FILOSÓFICA DA NATUREZA DO HOMEM ROBERT BRENNAN incompatível com sua forma simples de existência. Visto que nenhuma dessas alternativas é logicamente justificada, somos levados a concluir, com Santo Tomás, que [a alma] não pode existir, exceto "por um ato especial de criação". É produzida do nada pela mão de Deus, Daquele do qual tudo procede, não como uma emanação do Ser divino, visto que Deus é ato puro; mas como uma substância "que às vezes tem potência para saber, que adquire conhecimento de alguma forma das coisas e que é equipada com uma multiplicidade de potências". Sugestões de leitura Sobre a natureza subsistente da alma humana: Suma Teológica I, q. 75, a. 2. Sobre a simplicidade da alma humana: Suma contra os Gentios II, cap. 49. Sobre a presença da alma no corpo: Suma contra os Gentios II, cap. 72. Sobre a origem da alma humana: Suma Teológica I, q. 90, aa. 1-3. Suma contra os Gentios II, cap. 85-87. "12
Compartilhar