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Prefeitura do Municipio de Sao Paulo Prefeito Celso Pitta Secretaria Municipal de Cultura secretarto Rodolfo Konder Serie Historia dos Bairros de Sao Paulo Volume 24 - "Itaquera" Lemos, Amalia Ines Geraiges de Itaquera / Amalia Ines Geraiges de Lemos e Maria Cecilia Franca Sao Paulo: Departamento do Patrimonio Historico, 1999. (Historia dos Bairros de Sao Paulo; 24) 2' lugar no XVIII Concurso de Monografias "Historia de Bairros de Sao Paulo", realizado em 1985. AMALIA INES GERAIGES DE LEMOS MARIA CEciLIA FRANl;A "ITAQUERA" Departamento do Patrim6nio Historico Diretor Luis Soares de Carmargo Arquivo Hist6rico Municipal "Washington Luis" Diretora Liliane Schrank Lehmann de Barros © 1999 Departamento do Patrim6nio Hist6rico Praca Cel. Fernando Prestes 152 - Born Retiro CEP 01124-060 - Sao Paulo - SP 2' lugar do XVIII Concurso de Monografias sobre a Historia dos Bairros de Sao Paulo, instituido pela Lei n' 8.248, de 7 de maio de 1965, promovido pela Divisao do Arqu ivo Historico do Departamento do Patrim6nio Historico da Secretaria Municipa l de Cultura, e outorgado pela Comissao Julgadora, const ituida pelos Prefessores Celso Frederico, Janice Theodore da Silva e Paulo de Mello Bastos. Capa: Cohab I - Itaquera, 1986 Foto: Israel dos Santos Marques Departamento do Patrim6nio Histonco Divisao de Iconoarafia po MlJ!=;eus Impresso no Brasil I Printed in Brazil Deposito Legal na Biblioteca Nacional, contorme Decreta n° 1.825 de 20 de dezembro de 1907. o BAIRRO DE ITAQUERA Processo de insercao melropolilana Amalia lnes Geraiges de Lemos Maria Cecilia Franca fNDICE Assunto Pilgs. INTRODUCAo 9 I. 0 APRESAMENTO, A CATA AO OURO E 0 INic lO DA FIXACAo DO HOMEM AO SOLO 21 II. A ESTAGNACAO DA PAULICEIA E 0 ISOLAMENTO DE ITAQUERA 33 III. A ESTRADA DE FERRO DO NORTE E A CARACTERIZACAo DE ITAQUERA COMO AREA SUBURBANA 43 IV. EXPANSAo DA AGRICULTURA E ESTAGNACAO DO EMBRIAo DE CIDADE 57 V. ITAQUERA E ABSORVIDA PELO PROCESSO DE METROPOLIZACAo DE sAo PAULO 73 VI. A NOVA ITAQUERA DE CONCRETO 81 VII. 0 CONFLITO ESTA CRIADO 93 CONCLusAo 109 ANEXOS 111 BIBLIOGRAFIA GERAL 143 7 INTRODUCAO Pensar 0 urbano num momento em que cada dia rnais as problemas de nossa Capital extravasam par todos as anqulos e agora uma neces-sidade urgente. Urgente para todas, governantes, administradores, 0 cida-dao comum e 0 cientis ta. Todos que participam, ativa au pacificamente desse movimento continuo e progressive de mvasao da grande cidade, sao parte e agentes de urn processo hist6rico atual - a atracao dos centres urbanos melhor equipados. Cabs 80 cientista social, mormente aquele que viva no chamado terceiro mundo , a tarafa inicial de interpretar as causas do fen6meno urbano que ai esta aos seus olhos. Ninquern pode fiear indiferente a asses movimentos humanos, contfnuos e superlativos das massas populares, cada vez mais espoliadas no seu poder aquisitivo e expulsas para a periferia, num tributo resignado ao progresso. Nos parses do centro ou nos perifericos, os deslocamentos de populacao das areas rurais ou dos centros urbanos rnenos equipados para os grandes centros industrials e um aspecto da hist6ria s6cio-econ6mica de nossos dias, talvez 0 mais abordado, nos seus dois capi tulos gerais - de urn lado a atracao irresistivel da gama de possibilidades oferecidas, quer na proliferacao da divisao do trabalho, quer em termos de educacao, vida espiritual e artistica, lazer, etc. De outro lado, e a penetracao capita lista tarnbern no campo, a consequents liberacao da mao-de-obra substituida, cada dia rnais, pela rnaquinaria e 0 exodo rural incontrolavel, Nem mesmo os parses ricos , com uma hist6ria rnais longa de industrializacao ia encontraram solucces de equilibrio no 9 controle desse movimento geral da populacao a procura dos grandes centres. E 0 problema se agrava muito mais no terceiro mundo, 0 mundo periferico, onde as disparidades sao colossais na oistribuicao da renda, onde falta uma infra- estrutura adequada que acompanhe de perto 0 crescimento. Na cidade de Sao Paulo os problemas tornam-se cada vez mais agudos, na medida em que a grande cidade invade sua periferia e os municipios adjacentes, precedendo ou ultrapassando rapidamente a planiflcacao. Basta acompanhar as cifras dos recenseamentos da populacao para sentirmos os enormes problemas criados no usa do solo urbano. E isso, num lapse muito curto da hist6ria, se pensarmos que a verdadeiro processo de agigantamento, a transforrnacao radical da "capital provinciana" se deu de 1950 em diante, quando de lato , desencadeia-se a grande industrializacao do capi tal monopolista E a partir de entao que os pacatos suburbios servidos pela estrada de lerro, participancc alguns do "cinturao verde", outros jil tendo evoluido como "cidades-dormit6rio" para a mao- de-obra da industria nascente, vao integrar-se ao centro urbano. Tal integrac;ao se faz num processo tentacular e avassalador da grande cidade, de inicio sem mesmo privilegiar direcoes. De uma populacao avaliada em 2.200.000 habitantes pelo recenseamento de 1950 (sem Osasco) Sao Paulo passa para 3.170.000 em 1960. Em 1970 [a sao 5.922.000 (ainda sem Osasco) e 8.493.600 (Osasco incluido) em 1980. Isto quer dizer que no decorrer de 30 anos Sao Paulo quadruplica sua populacao. Isso s6 para la lar no Municipio da Capital, pois se falarmos nos 37 municipios que constituem a Grande Sao Paulo, a populacao salta de 2.662.800 em 1950, para 12.719.000, em 1980. A estimativa do SEADE para a Capital de Sao Paulo loi de 9.718.260 habitantes nesse ano de 1984. Sem duvida, 0 processo de expansao, embora a ritmo vertiginoso, vai privilegiando areas de ocupacao, quer para a to industria, quer de carater residencial, sob uma legislaC;ao que nao consegue acertar 0 passo com a velocidade da instalacao dos que vao chegando. Loteamentos, legalizados ou nao, precedem a infra-estrutura necessaria ao estabelecimento dessa populacao que , do Nordeste, de Minas, do interior de Sao Paulo e demais regioes do Brasil, procedentes do meio rural ou urbano despencam em massa, a cada dia, sobre a cidade de Sao Paulo. Privilegiados pelo trem, antes da primazia da estrada de rodagem, os suburbios foram os primeiros a serem atingidos, quer pela expansao da industria que precisava sair do centro urbano, quer por essa populacao al6gena, de escasso poder aquisitivo. Dentro desse processo, cedo a periferia urbana vai tomar esse aspecto ca6tico que tem hoje - ba irros imensos que crescem como cogumel6 na periferia, pouco ou bem articulados com 0 centro, mas sempre apresentando a aspecto tristonho do improviso e da pobreza. Hoje os antigos suburbios do principio do seculo fazem parte integrante do entorno, daquilo que se convencionou chamar genericamente, a periferia de Sao Paulo, mesmo que sua genese nao seja identica daquela dos bairros que ficaram a margem da estrada de ferro. Os suburbios, alem de outras caracteristicas proprias, tern tradicao. Tradicao de suburbio e tarnbern anterior ao trem. Mas como nao estamos mais na era da ferrovia, aquilo que foi urn grande privileqio ha cinquenta anos deixou de ser uma linha diretriz da ocupacao do solo nos dias atuais. A industrializacao deixou a margem alguns desses antigos suburbios, embora possam estar intimamente ligados ao processo, como reservat6rio residencial de mao-de-obra. E o caso de Itaquera, distrito da Capital, na Zona Leste, a area atual de maior expansao de Sao Paulo. Foi ltaquera que escolhemos para pensar a urbano a partir da periferia de uma enorme cidade do mundo periferico. I I Porque estudar Itaquera, tao longinqua para os habitantes do centro, quando, excecao feita de alguns trabalhos, a maioria dos bairros centrais ainda nao mereceu a atencao dos estudiosos? E ainda mais. muitos desses trabalhos, de reconhecido valor, nao sairam dos arquivos da Universidade, apes uma defesa de tese, senao para 0 proprio meio universitario. Varias raz6es privilegiaram a escolha , sendo a principal 0 desafio que constitui a periferia da grande cidade, onde asproblemas da mesma tornam-se rnais penetrantes, por serem, quase sempre, agudos. Tambern, par causa do dinamismo desse processo evolutivo que, na periferia esta longe de poder ser considerado cristalizado por exaustao de espaco ou de infra-estrutura adequada, tal como nos bairros nobres e tradicionais da cidade. Itaquera nao e urn bairro sem hist6ria anterior a estrada de ferro. Muito pelo contrario! No proximo dia 10 de novembro estara comemorando 0 seu 2980 aniversario, mas se remontarmos a sua funcao de passagem para 0 aldeamento de Sao Miguel do Ururai, a hist6ria do apresamento de indigenas au da busca do ouro pelos bandeirantes, sua historia Iiga-se intimamente a do desbravamento paulista dos prirnordios da colonizacao jesuitica. E so com a via terrea, no tronco da Central do Brasil, antiga Estrada do Norte, que em 1877 iniciava a liga9i3o Sao Paulo-Rio (trecho Sao Paulo-Jacarei j, que Itaquera passa a ser urn capitulo da nistoria rnais conhecida da pauliceia. Antes da estrada de ferro , que marca a primeira e ainda incipiente fase de industrializacao de Sao Paulo, concomitante a grande expansao do cafe no Estado, a historia de Itaquera e urn capitulo de desbravamento e depois uma historia rural. E 0 rural foi ali tao marcante que, nem mesmo a enorme invasao urbana que se processou sobretudo de 1970 para ca, 12 conseguiu ainda elirnina-lo de todo. Alias, e esse resquicio do "cinturao verde", coabitando com 0 pulsar intenso da Megal6polis, no seu espaco urbano recem-conquistado em Itaquera, que constitui a novidade, a atracao maior do bairro para 0 cientista social. Como ja dissemos acima, no pr6ximo dia 10 de novembro Itaquera comemora 0 seu aniversario, Nesse dia, a primeira locomotiva que serviu 0 atual distrito da Capital sera reativada para uma viagem entre Artur Alvim e Itaquera. A maria-furnaca que abriu caminho para 0 povoamento dos suburbios vai relembrar a populacao a importancia que teve na primeira metade do seculo XX. De I'; para ca, a hist6ria de Itaquera se enriquece de episodios conhecidos e passa a ter sentido no aqui e agora. Das sesmarias as grandes fazendas (a dos carmelitas tendo servido para 0 embasamento do nucleo atual), passando pelo parcelamento das terras e uma efetlva ocupacao agricola, como pela fixacao do nucleo urbano com a estrada de ferro, houve um lapso de tempo multo grande, com uma hist6ria pouco agilizada, por escassez da populacao. Em meados do seculo XX, quando a periferia de Sao Paulo corneca efetivamente a ser ocupada , Itaquera era conhecida par sua dupla tuncao, onde 0 rural emais significativo que 0 urbano. De um lado e a terra do pesseqo, em que 0 imigrante nlponico se sobressai na cultura de frutas, hortalicas e pequena criacao. De outro , e 0 ernbriao da cidade em volta da estacao terroviaria, a "cidade-dormit6rio", reflexo imediato da industrializacao de Sao Paulo e consequents especulacao irnobiliaria do solo urbano. A cidade inicia 0 processo de repelir para a periferia , cada vez com maior impulse, aqueles que nao podiam arcar com os custos da casa propria ou dos aluqueis no nucleo ja densamente ocupado . Itaquera vai permanecer assim, como parte ativa do "cinturao verde" de Sao Paulo e nucleo modesto de "cidade- 13 darmit6rio" par mais de sessenta anos deste seculo. De 1970 para ca, profundas transtorrnacoes ali se verificam, na medida em que a Zona Leste da Capital vai ser alvo da grande expansao urbana, e que toda uma infra-estrutura de circulacao moderna, quer de vias mais rapid as de acesso rodoviario, quer da pr6xima exten sao do metro, vao tornando-se realidade. a espaco, ate entao rnais ou menos ocupado por pequenas propriedades, capoeiras, varzeas vazias ou com olarias, corneca a ser altamente valorizado e alvo de desenfreada especulacao imobiliaria. Tal especulacao ativada a partir de 1950, processa-se do centro para a periferia, como tarnbern do centro para outros municipios da Grande Sao Paulo. Ao contrario da periferia, os municipios que nao se industrializaram na Grande Sao Paulo vao ser loteados para chacaras de lazer e repauso. A grande industria nao procurou a area de ltaquera, principalmente par deficiencia do transporte rodov iario na epoca de sua instala cao rnacica , mas, provavelmente, tarnbern pela necessidade de abastecimento da Capital em gimeros alimenticios. Dai perdurarem, ate 1970 mais ou menos, enarmes vaz ios au areas semi-ocupadas, que chamaram a atencao dos poderes publicos para um gigantesco plano habitacional. A finalidade das COHAB's I, II e III que se instalaram ali na decada de 70, era a de atender a uma populacao pobre, carente de recursos para a aquisicao da casa propria. A partir de entao, 0 rural recua rapidamente diante da avassaladara invasao do urbano. Itaquera deixa de ser conhecida pela qualidade dos seus pesseqos e, de repente, tad a a fisionomia da area transforma-se com a instalacao dos gigantescos blocos dos conjuntos populares de habitacao. S6 nos conjuntos, instalam-se, de 1980 a 1984, mais de 200 mil pessoas. Em consequencia e, concomitantemente, aparecem, de iniciativa particular, varies outros conjuntos. Em dez anos e, 14 considerando-se apenas a populacao urbana do distrito, Itaquera passa de 17.700 habitantes em 1960, para 182.551 em 1970 e pula para 320.132 em 1980. Se considerarmos 0 conjunto administrativo da regional de Itaquera (Itaquera - Guaianazes e Sao Mateus) ultrapassou 1.500.000 de habitantes no inicio de 1984. Em 1950, a populacao total do distrito de Itaquera era de 14.886, sendo recenseados apenas 4.410 na area urbana. Em 1960,0 total era de 33.570 estando ja rnais da metade (17.700) na area urbana e 15.870 na rural. Em 1970, 0 rural cai para 6.592 e nao e registrado em 1980. Hoje 0 bairro de Itaquera sozinho pode ser considerado como uma grande cidade, refletindo todos os problemas do crescimento desenfreado da Capital. E a segunda area mais crucial quanta aos problemas urbanos. Com um passado aqrario ainda muito recente e mesmo residual , Itaquera nao possufa, de forma alguma, as condicoes necessaries para suportar 0 peso dessa populacao que ali caiu de chofre. Hoje esse bairro ocupa, cada vez com mais frequencia, as manchetes de jornais. Nao mais para celebrar os acontecimentos alegres e festivos que marcaram a testa do pesseqo numa prospera area agricola, mas para d amar pela agua, pelos esgotos, por canalizacao de c6rregos, pela coleta do lixo, por melhores condicoes de transportes, contra a violencia, 0 abandono, etc. A "cidade-dormit6rio" se avoluma em passos de gigante e com ela todos os problemas antes minimizados pela escassa populacao que, pacatamente, tinha 0 seu refugio ao lade dos trilhos ou na colonia agricola, tornam-se agudos e c1amam par solucoes. Estudar a historia antiga nas fontes pnrnanas, pelos viajantes e cronistas e, sem duvida, algo necessano num pais em que 0 acesso a tais tontes nem sempre e uma tareta 15 simples e onde muito se perde por falta de abertura para 0 significado cientifico de tais pesquisas. A hist6ria factual e sem duvida necessaria para servir de base a mterpretacao. Mas a cocumentacao do periodo colonial e multo fragmentada e dai a necessidade de aproxirnar, de inferir, tarefa ardua do historiador. Nossa objetivo, contudo, nao e esse. Utilizarnos aqui a hist6ria, em parte baseados nessa docurnentacao escassa para 0 periodo colonial, na medida apenas em que ela pudesse servir de subsidio para uma interpretacao socio- econbmica de outra hist6ria que nos interessa mais de perto. Dos fates truncados, procuramos aqueles que serviriam de subsidio para 0 quadro s6cio-poliltico-econbmico atual, Nosso abjetivD e 0 de auxiliar com essa pesquisa a comunidade de Itaquera, para urn conhecimento mais aprofundado do seu bairro. E na medida do possive l, colaborar com 0 governo municipal para elucidar as causas dos problemas locais, na tentativa de encaminhar solucoes objetivas. A hist6ria cronol6gica dos fates sem interpretacao para projecao no atual, a nosso ver, 56 serve para engrossar arquivos e encher as cabecinhasde nossos pobres escolares. Na procura de dados sobre a hist6ria de Itaquera, tivemos acesso a urn sem nurnero de fontes, quer de arquivos como os da Curia Metropolitana de Sao Paulo, do Estado, do Municipio, do Museu Paulista, da Igreja Matriz de Itaquera, de jornais, do acervo de particulares, quer de publicaybes antigas ou recentes. Obtivemos cartas antigas no Museu Paulista, na EMPLASA, no IG (Institute GeoI6gico). Uma bibliografia da Faculdade de Arquitetura, da Secretaria da Habitacao e da administracao das COHAB's tambern foi objeto de consulta, assim como da Regional de Itaquera. Contudo, 0 que rnais nos fez vivenciar, de fato, 0 bairro nao estava nos livros nem nas cartas. Estava no local mesmo, nos excelentes informantes que tivemos, na pesquisa de campo, e, sobretudo, numa longa vivencia (de carater cientifico e nao residencial) com a poputacao, de tres anos para ca. Sem os habitantes de Itaquera, que souberam entender os objetivos de nossa 16 pesquisa enos acolher tao bem, nao terlamos realizado este trabalho. A eles e aos arquivistas que nos facilitaram muito a tarefa de consulta , queremos deixar aqui os nossos agradecirnentos. Nosso objetivo inicial, que ainda permanece, em projeto, era a abordagem socio-econornica do impacto causado pelas COHAB's na populacao "tradicional" de Itaquera, tendo como ponto de partida os criterios de escolha da area para a irnplantacao do proieto. Quando iniciamos a pesquisa de campo em Itaquera , as COHAB's ja eram uma realidade concreta. Comecarnos, entao, por ai, aplicando questionarios aos mutuaries , convivendo com eles, na medida do posslvel , e procurando informantes que trabalhassem, em carater social, com a nova populacao dos conjuntos. Tal procedimento nos levou, naturalmente, a fazer indaqacoes do passado e dai ir recuando ate as prim6rdios. Nas paqinas que se seguem, comecarernos do passado, tentando urn encadeamento que nos leve a integrar Itaquera na Metropole, Dessa inteoracao, pensamos partir, num segundo momenta mais arrojado , para uma abordagem te6rica que a situe no contexte dos grandes centros urbanos do mundo "dito em desenvolvimento", sob regime capitalista. Nessa busca de explicacoes no passado, a cartografia nos foi muito util, servindo para interpretar e visualizar a usa do solo na sua evolucao para 0 conjunto metropolitano. Terfamos dificuldade em c1assificar a presente estudo numa area determinada das Cisncias Humanas, pois, quase todas elas nos serviram de apoio para tentar entender 0 processo hist6rico, econornico, politico-social de ltaquera. Sem querer rotular a metodologia de dialetica, pois nem sempre 0 e, a intencao inicial era a de abordar a estudo de Itaquera a partir dos conflitos ali criados pela expansao da 17 Metr6pole e os problemas advindos dai, criados par pressao da pcpulacao. NEIO iremos entrar a fundo nessa dialetica da contra dicao (no caso, entre 0 progresso e a miseria) que e espacialmente pa lpavel. 1550 porque teriamos de passar ainda alguns anos num convivio mais intrrno com a poputacao do bair ro, para senti-Ia melhor. Resta-nos apenas complementar esse longo preambulo em que pretendemos dar um ligeiro apanhado do conteudo que se segue e esclarecer nossos objetivos, com 0 plano de desenvolvimento do trabalho, que assim foi esbocado: lntroducao - 0 enfoque do estudo - a metodologia e as limitacoes presentes. Capitulo 1- 0 apresamento, a cata ao ouro e 0 infcio da fixacao do homem ao solo - a sesrnaria - os caminhos de Sao Miguel de Ururai - 0 patrimbnio do Carmo. Capitulo II - A estaqnacao da pauliceia e 0 isolamento de Itaquera - 0 cintu rao caipira - a vida de relacoes. Capitulo III - A E.F. do Norte e a caracterizacao de Itaquera como area suburbana - 0 ernbr iao da "cidade- dormit6rio" - Itaquera se integra no cint urao verde. Capitulo IV - Expansao da agricultura comercial e estaqnacao da "cidade-dorrnitorio" - A Colonia Niponica e a cultura de pesseqos - perrnanencia dos vazios urbanos. 18 Capitulo V - Itaquera absorvida pelo processo de metropollzacao - A busca do Leste e a ocupacao macica do solo urbano - 0 metro no encalco da expansao - aspeculacao irnobiliaria e recuo do "cinturao verde", Capitulo VI - A nova Itaquera de Concreto - As COHAB's I, II e III - planejamento, instalacao e infra-estrutura - a vida nas COHAB's - as duas faces da questao, ou visao extern a e interna do problema. Capitulo VII - 0 confiito esta criado - 0 impacto da cidade - cogumelo sobre a vida tradicional de Itaquera - a transposicao brusca dos problemas da Megalopolis - tradicao versus irniqracao - a busca de solucoss. Conclusiio - 0 Bairro de Itaquera em 1984. 19 Capitulo I o APRESAMENTO. A CATA ,1.0 OU RO E 0 INi n o DA FIXACAO DO 1I0MEM ,1.0 SOLO As sesmarias - 0.1' caminhos de Sao Miguel de Ururaf - a Patrimonio do Carma Itaquera ira comemorar em breve (10/1 1/84) 0 seu 2980 aniversario. A data de sua origem nao e. contudo, ponto tao pacifico assim . Na edicao cornemorativa do 2970 aniversano da cidade ha, a pagina 2 do jornal Not icias de Itaquera, urn artigo denominado "Origens e Aspectos Historicos de Itaquera" (V. Doc. I - pag. 11 5). Ali se da a data de 1675 como a do primeiro documento referente a posse de terras na area de Itaquera. Trata-se do inventario de Fernando Munhoz que teria sido 0 construtor da Capela de Sao Miguel, inaugurada em 1620. 0 referido Fernando Munhoz recebeu como pagamento de seus services, terras situadas entre as rios Jacui e ltaquera, estendendo-se para 0 norte ate 0 Rio Tiete . 0 noticiario fala que tal capela comecou a ser construida no ana de 1556,0 que e de se estranhar, pois a data mais provavel de fundaceo do aldeamento de Sao Miguel, e a de 1580. Teriam levado 64 anos para construi-la? Em que epoca teria Fernando Munhoz cornecado a trabalhar nela, pois, entre a data do inicio da construcao e 0 seu inventario escoarn-se III anos ? Para ter recebido tanta terra, deveria estar trabalhando ja ha muito na Capela e, no entanto, entre a inauguracao da mesma e 0 seu inventario passam-se 55 anos! Ou as terras eram realmente tao pouco valiosas que, tendo ele trabalhado uns dcis ou tres anos no final da construcao da Capela tivesse recebido duas enormes glebas em pagamento? De qualquer forma, considerando-se essa data como a da origem de Itaquera, comemorar-se-a nesse ana 0 seu 30~ aniversario e nao 0 298°. 21 o Diario Popular de Sao Paulo de 02/05/197 3. num artigo sobre Itaquera da a data de 06/ 11/ 1775 como sendo a da origem. na fazenda do Carmo. Em 1800, foi rezada a primeira missa carnpal. pois 56 em 18 15 e fundada a primeira Igreja naquela fazenda . Sem apontar fontes, em quaisquer dos casos. refere-se ainda a noticia as (res primeiras casas edificadas em 180I, onde hoje encontra-se a estacao da Central do Brasil. Num outro trabalho dati lografado, sem data nem nome de autor, que se encontra em uma pasta com 0 titulo "ltaquera", no Arquivo Municipal de Sao Paulo, pode-se ler, logo de inicio: "A referencia mais remota que se faz de Itaquera e datada do seculo XVII. A mesma e encontrada no livro de Cartas e Datas de Terras paginas 12 1-122. Em 2 1 de ju1ho de 1682, Salvador Cardoso de Almeida, juiz dos orfaos nesta vita. por morar perto da mesma, esra lavrando em terras de indios em Cahaguassu, perto do curral sobre 0 Rio de Taquera . No mesmo livro ha outra referencia, datada de 5 de agosto de 1686: 0 suplicante Simile Fernandes Ramalho principia nas terras dos indios de Sam Miguel sobre 0 Rio da Taquera. Nas referencias antigas de Itaquera, sempre se refere num tal caminho de Embiasigua. Mais ou menos em 1722 esta fazenda foi doada a Provincia Carmel itana Fluminense". 0 referido trabalho esta reproduzido. na integra, no final deste capitulo, sendo desneces sario alongarmo-nos mais aqui (Doc. 2 - pag. 116). o intuito de reproduzir aqui tres documentos dando datas diversas para a origem de Itaquera, nao e 0 de criticar os mesmos. uma vez que sabemos ser a historia colonial. mormente nas origens. multo parca de dados e que os jornaisraramente indicam as fontes. Nao temos elementos para. de catedra, colocar por terra 0 que foi transcrito acima. Ao contrario, na falta de documenracao de apoio. para fixar as origens numa data determinada. 0 que nos parece desnecessario dentro da abordagem a que nos propusemos, iremos explorar esses trechos e procurar ler nas entrelinhas. 0 importante, a nosso ver e saber, a partir dai, que ltaquera, nos seus primordios esta intimamente Iigada a historia do aldeame nto de Sao Miguel do Ururai. Podemos ver pelos documentos 1,2 e 3 (pags. l iS a 119) que ltaquera , antes da instalacao 22 dos carmel itas, era frequentada por indios de Sao Miguel e que havia caminhos para essas incursoes E a data de 1686 na qual e feita refere ncia explicita a indios de Sao Miguel que sera comemorada no prox imo dia 10/11. Everdade que nao encontra mos nada que auto rize esse 10/1 1, pois 0 documento refere-se a 05/08. De qualquer forma, nao ha referencia tambern alguma na documentacao consultada sobre o efetivo estabelecimento humano na area antes do seculo XVIII, ja com os carmelitas . Ate que ponto e valida uma documentacao vazia (isto e, sem provas de fixacao do homem a terra) para marcar-se as origens de urn dete rminado local? Nesse caso , porque nao considerar. entao, as datas de 1610 e 16 1I, as de conccsszes de sesmarias na area? De acordo com urn mapa (Carta n." 1 - peg. 127) encontrada no Arquivo Aguirre (acervo do Museu Paulista), entre 1610 e 1611 havia quatro sesmarias na area compreendida entre Sao Miguel e as cabeceiras do Rio Arica nduva, a saber: Bartholomeu Bueno, a nordeste do ribeirao Itaquera-Miri m e da atual estacao da estrada de ferro, sendo as teITas cortadas pelo ribeireo Jacu. Pela local izacao dessa sesmaria, ela englobaria terras do atual bairro de Santana, antigo bairro da Casa Pintada. 0 nome antigo do bairro foi dado por causa da celebre e pouco conhecida Casa Pintada, pouso de bande irantes que se dirigiam as minas de Cataguazes. Sobre ela Spix e Martius, como tambem Saint Hilaire fazem refe rencias (A. Azevedo - Suburbios Orie ntais de Sao Paulo, pag. 37), dizendo nao passar, na epoca, de m inas. (Saint Hilaire - Segunda Viagem, peg. 164). No Arquivo Aguirre ha uma foto da Casa Pintada que aqu i reproduzimos (pag. 113), tirada de urn quadro cuja auto ria e ainda discutida, mas, segu ndo estudos minuciosos apresenta muitas evidencias de ser de Debret. Anexo tambern a planta da Casa Pinta da (pag. 114). Urn outro traba lho existente no Arquivo Municipa l cuja autoria, dado 0 estilo, deve ser do mesmo autor do anteriormente citado, comeca referindo-se a Itaquera como pouso de bandeirantes que iam para as Gerais, em busca do ouro. "Logo que 0 ouro comecou a ser explorado intensamente nas Minas Gerais , ondas de bandeirantes para 23 la se dirigiram ; a regiao passou a ser obrigatoriamente palmilhada. Surgiu 0 chamado Caminho dos Guaianazes, que ia se entroncar nas alturas do "Guaratingueta'' com 0 caminho velho que ate ali chegara passando por Cunha, procedente do literal de Parati. Ao iniciar 0 seculo XVIII (1700), a Penha de Franca, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes eram as primeiras etapas dessa longa viagem de dois meses. Foi deste caminho que surgiu urn simples pouso de viajantes chamado Itaquera., a mesma denominacao de urn corrego ali existente. Na lingua indigena, este vocabulo significa Buraco de Pedra, por corruptela de Ita-coera ou Margens Graniticas, por corrupte1a de Ita- ique-ru.*1 Durante muito tempo assim permaneceu, como pouso de viajantes, dos bandeirantes. Proximo ao nucleo central de Itaquera existiu a famosa Casa Pintada que, em 1830 nao passava de urn modesto e muito mau rancho; este estaria na atual Vila Santana". Caio Jardim, no trabalho intitulado Sao Paulo no Seculo XVIII (Rev. Arquivo Municipal, Ano IV, Vol. XLI) escreve: "E a historia dos paulistas desde os fins do seculo 17 aos meados do 18 seria principalmente a historia do ouro" . Relata todas as lutas dos paulistas a prccura do aura e apresamento dos indios, a separacao administrativa de Minas Gerais e 0 despovoamento de Sao Paulo por causa do ouro. Quanto aexistencias de varios pousos de bandeirantes na mesma epoca e relativamente proximos uns dos outros, Langenbuch (Estruturacao da Grande Sao Paulo) faz longas referencias aos mesmos, entre as paginas 36 e 41, destacando na area as da Casa Pintada, Penha, Inhazinha, Baixa da Bananeira e Lageado, explicando terem os bandeirantes opcces alternativas de uso. As demais sesmarias da area, pela localieacao no mapa (V. Carta n." 1 - pag. 127) so em parte foram ocupadas pelo atual distrito de Itaquera, excecao feita a de Joao Bicudo do Espirito Santo. Eram as de Maria Alvarez localizando-se ao norte da atual variante da E.F.C.B. e do nuclec Baquiriva, hoje em Sao Miguel; a de Joao Bicudo do ' 1 Ha varias imcrprctacccs para a etimologia da pala\Ta Itaqucra, a saber: pcdra de dormir, buraco de pedras. margcus granuicas. pcdra avcrtuclhada c a '111C nos dell um professor de linguistice. pcdta em dceom]'O,i,30. '1"'" nos pare"e ser a mais prod.\"d. dado 0 cararcr fria,'d das rochas ali predominant.., 24 Espir ito Santo entre OS nos Verde e Jacu (hoje no distrito de Itaquera e Guaianazes) ao suI da estrada de ferro , correspondendo. grosse modo, a fazenda Caguacu . A quaila sesmaria foi doada a Manoel Caetano e situa -se ao suI de Guabimbeira - seria Guabirobei ra. como na calla de 1943?(V. Carta n.' 2 - pag 128) Pela importancia da sesmaria de Joao Bicudo do Espirito Santo, constituindo grande parte do atual solo urbano de Itaquera, julgarnos interessante aqui transcrever urna ficha do Arquivo Aguirre (Museu Paulista) que reproduz a calla de sesmaria : "Pcnha Sesmaria Rio Guayauna Cab' Concedida a Joao Bicudodo Espirito Samo S, Paulo 2010911717 (Liv. n° ~ fl . 288 - Registro Goral da Cam. dc S. Paulo). D. Pedro de Almeida Portugal Comdr. dc S, Cosme c Damiao. Capt. General da Capitania dc $.'10 Paulo c Minas Gerais. Face saber aos que csra Cana de Sesmaria vircm, que havendo rcspcito no que por sua pcucao mc cnviou a dizcr Joao Bicudo do Espirito Santo morador n'csta Cidade rcprcscntando-rnc que na paragcm chamada Cabcccira Rio Guayauna cstac urnas terms que foram dos seus avos e de scus pacs. os quais vendcram havia 10anos pouco mars ou mcnos. que 0 ditc Joao Bicudo do Espirito Santo as resgatou tomando-a cornprar e nas vizinhancas dcssas mcsmas terras tambern comprou duas tapcras feitorias anngas com alguns de espinhos e uma que em si contem urn pomar de manneios e alguns de espinhos etc. Comecando a testada no caminho e sen-entia de Jose Pires ate dar na paragem chamada Rio Verde e de comprimcmo tomando desde 0 ccrcado de Francisco Pinheiro de Sepeda e rurnodireito pcla esuada do dito Francisco Pinheiro - ale dar na ponte e passagem do Ribci rao Aricandiba e da mesma sortc. pcla outra banda de ondc comcca a testada se tornara rumo dircito para 0 comprimento parundo com as terms que Iorao de Ana Pereira e atravcssando 0 mesmo rio Guayauna ale dar no Rio Arieandiba ficando de fora das ditas terms 0 culuvado que nelle tem Pedro de Manos". Silvio Bontempi, no seu livre "0 Bairro de Sao Miguel Paul ista" aponta, tambem. vasta doc umentacao que interessa aos primord ios de Itaquera, cruao sernpre Iigada ao aldearnento de Sao Miguel de Ururai . 25 A pagina 69 fala dos varies caminhos que, partindo do aldeament o levavam a numerosas paragens formadas nos limites da sesmaria des indios. Em geral, tais caminhos palmilhados pelas indigenas seguiam os cursos da margem esquerda do Tiete. como 0 Itaquera e 0 Jacu. Apagjna 99 da tese de Pasqua le Petrone sobre os aldeamentos paulistas, descrevendo 0 sitio de Sao Miguel, refere-se a situacao privilegiada para a epoca. "como se fosse uma peninsula, circundada pelas varzeas do Tiete e seus afluentes, Itaquera e Jacu, entre 730 e 740 m de altitude, apoiada ao sui as colinas terciarias que se elevam gradativamente ate 795 m. Abrigada ate mesmo em relacao as maiores inundacoes, dispondo de amplas areas para0 cultivo do solo, ticava, entretanto, muito proxima do rio, com facilidades de obtencao de agua potavel, de pesca e de circulacao''. Eram, portanto, muitc faceis as Iigacoes do aldeamento de Sao Miguel do Ururai com as terra s da atual ltaquera e, sem duvida, os indios guainas (Petrone, op. cit. pag. 86) dos campos de Piratininga que habitavam 0 aldeamento de Sao Miguel, usaram aquelas paragens como sua hinterlandia de subsistencia. Tanto Petrone (op. cit. pag. 228) como Bontempi (op. cit. pag.130) lembram a area de 6 leguas de todos os lados da aldeia de Sao Miguel, que englobaria, largamente, a atual Itaquera e muito mais ainda. Bontemp i, a esse respeito, cita urn oficio da Camara de Sao Paulo, datado de 1828, conforme aparece no Registro Geral da Camara de Sao Paulo, VoL XIX, pag. 344. A data de 10 de novembro em que se comemora 0 aniversario de ltaquera nao coincide tambem com nenhum desses documentos acima citados. A carta de sesmaria de Amador Bueno e de 15 de marco de 161 1; a de Bartholomeu Bueno e de 4 de dezembro de 16 10 e a de Joao Bicudo do Espirito Santo e de 20 de setembro de 1717. Segundo Bontempi (op.c it. pag.zn), "em 1683, Andre Lopes, que no ano de 1682, ja aforara terras no Anga (conhecido como Jaguaporeruba) sucedendo a seu pai que ali j a era posseiro desde 1612, regulariza a posse de urn sltio proximo da tapera de Damiao de Moraes. Tal sitio ficava entre dois ribeiroes, sendo urn deles 0 Jacui. Naquela regno Fernao Munhoz, seu sogro e urn dos construtores da 26 Capel a de Sao Miguel, deixou extensas area s. No ano anterior, 0 Juiz de orfaos. Salvador Cardoso de Alme ida, tambern com carta de aforamento. estabelece na regno urn curra l, com cern bracas em quadra e recebe outras terras ainda em Cahaquassu, banhadas pelo rio Itaquera e finalmente mais 300 brac as a partir do Taque-Mirim. perto da lavoura de sua sogra, Maria Raposo". Na pag. 153 do citado livro, diz 0 autor "Itaquera, ja no Iimiar do seculo XVII era nominal mente conhecida. Em 1620, arrola-se urn pedaco de roca, que esta em Taquera, no inventario de Viola nte Cardoso". E ainda: "Slmao Fernandes Ramalho ou Camacho e Inacio de Mello Coutinho afo ram terras em ltaquera "dos indios de Sao Miguel" respectivamente em 1686 e 1693, esc larecendo-se no titulo do primeiro que se localizava 0 seu sitio nas margens do R. Itaquera, ao longo do cami nho de Biacic a. As mencionadas cartas de aforamento de terra s de Anga, Itaquera e Caaguassu encontram-se em Cartas e Datas de Te rra, Vol. Ill , paginas 115-1 17; 132-134; 147-149; 121-123; 2 19-221 e 257-260". Como se pode ver, de tod a essa documentacao do Arqu ivo Aguirre, dos estudos aprofundados que fez Pasquale Petrone sobre os aldeamentos indigenas e do Iivro de Bontemp i. varias possib ilidades apresentam-se para fixar a data de orige m de Itaquera. Entramos nesta disc ussao por que dispunhamos desse material, que podera ser ut ilizado por histor iadores, mas temos duvidas sobre 0 merito da mes ma. Voltamos a afirmar que para nos, ela serviu para constata r essa estreita Iigacao entre a area de Itaquera e 0 aldeamento de Sao Miguel, como tambern para const atar a frag ilidade de algumas afirmativas quan do se privilegia uma data de orig em, sem maiores preocupacoes de encadeamento dos fatos para a necessar ia interpretacao dos mesmos. Dados ext raidos da topografia da area, da rede hidrografica, da pequena distancia entre Itaquera e Sao Miguel, da presenca dos caminhos ligando os aldeamentos da area (Sao Miguel, Guarul hos, ltaquaquecetuba e Escada ) e esses ao Colegio de Sao Paulo e a Casa Pintada no cami nho para Sao Miguel sao muito mais elucidativos que 27 as referidas datas. Itaquera teria. pois. fimcionado. nos seus pnmordio s. como hinterhindia de abastecimento dos indios guainas. como passagem para bandeiras de apresamento e de mineracao nas Gerais. Sabe-se, tambern. que os indios do aldeamento de Sao Miguel participavam dessas bandeiras de rnineracao, A pagina 127 (Petrone, op. cit.). apontando Atas da Camara de Sao Paulo (VoL VII, pag.505) le-se: "em 1697 nao aviso indios nas Aldeas por averern ido todos para as minas de ouro_.." Sao Miguel, cuja data de origem do aldearnento tambem e incerta (l560?, 1580?) atinge sua maxima prosperidade em 1589. E nesse ana que se abre 0 caminho novo para Sao Paulo, 0 que significa que ja havia urn carninho rnais antigo. Ora, 0 caminho mais curto e mais favorecido pela topografia e pelos cursos d'agua deveria passar por Itaquera. As paginas 143 e \4 5 (op. cit.) Petrone refere-se ao emprego dos indigenas para a penetracao no interior, devassamento do territorio e os descobrimentos, para explorar os sertoes e, principalmente, para a procura de riquezas em metais e pedras preciosas, havendo absoluta necessidade de indios para as minas de "Cataguas". Apagina 146, refere-se adirninuicao da populacao de Sao Miguel em 1730. por causa das minas de ouro. Apes a expulsao dos jesuitas de Sao Paulo, em 1640, os aldeamentos do padroado real caem em decadencia e Sao Miguel nac consegue se reerguer. nem apes a volta dos mesmos. A miseria instala-se ali e a sangria causada pelas minas e acrescida daquela feita pela fome e pela fuga. No seculo XVIII. quando toda a area era urn deserto de homens, Itaquera inicia urn novo capitulo. ja mais desligada do aldeamento; ali se instalam os carmelitas. na fazenda Caguassu. Antes de prosseguirmos com a etapa seguinte, em' que a homem (0 branco, 0 mesttco e 0 negro), efetivamente, flxa-se em Itaquera, com 0 sedentarismo necessario a uma economia agricola, seria interessante destacar aqui, a tese de Petrone sobre a sequencia dos aldeamentos, em volta de Sao Paulo de Piratininga. Segundo 0 autor que elaborou a carta Regiao de Sao Paulo e Literal de Santos - Os 28 Aldeamentos e 0 Povoament o ate fins do Seculo XVII , tais aldea mentos contornavam a cidade, form ando 0 que chama de cinturao de terras Nesses aldeamentos havia sempre uma agricuitura incipiente, de iniciativa dos jesuita s, para co mplementar a dieta do silvicola, baseada na co leta vegetal, na caca e pesca. Tais atividades organizadas. rnais os nucleos estabelecidos em volta da Capela, com 0 todo cercado por palicadas, ter iam sido a causa da persiste ncia, no tempo, desses pequenos aglomerados. Everdade que apos a expulsao dos jesuitas do Brasil, tais aglomerados como que pararam no tempo . o cinturao de terras e que teria sido 0 embrieo do cinturac caipira que foi desenvolver-se ape s a desativaceo dos aldeamentos. Na Gazeta do Tatuape. data da de 19 a 25 de fevereiro de 1984, a pagina 5, com 0 titulo "A Velha Fazenda e 0 Futu ro Parque", pode-se ler sobre a faze nda do Carmo que teria dado or igem a cidade: "Sua histor ia segundo alguns, e muito antiga, rnarcando suas origens em 1580, quando a regiao fo i doada aos indios pelo rei de Portugal". Trata-se , acreditamos, da cart a regia do aldeame nto do padro ado regie , em Sao Miguel do Ururai. Mais abaixo, prossegue 0 artigo do jornal: "Embora suas origens remontem ao seculo XVI, a ocu pacao da Faze nda co mecou . realment e, em fins do seculo XVIII, quando a Provi ncia Carmel ita Fluminense (atual Ordem Tercei ra do Carmo) recebeu as terras do Caaguacu. em doacao de urn dos seus irmaos. Nas terras de Caaguacu foram plant ados pes de cafe, laranjeiras, chis, ale m de verduras e outras frutas, sendo nelas feita a crtacao de gado. Por volta de 1910, quase 200 anos apes . as terr as perderam a fert ilidade, sendo, entao, 0 motivo que levou adivisao da faze nda em varies glebas e uma delas sendo adquirida pe lo coronel Bento Pires de Cam pos". As referencias aos carmelitas na area desde 0 seculo XV I e XV II devem dizer respe ito a Biacica ou Embiacica, co mo era conhec ido urn cam inho da epoca. Parece-nos haver confusao entre 0 local de Biacica (at ual Itaim Pau lista) , banhado pelos co rregos Itaim e Tiju co Preto e 0 da faze nda Caguassu, que serviu de palco para a historia de Itaquera. Nada encontramos sobre 0 estabeleci mento de carmelitas em Biacica; 29simplesmente pe1a localizacac gecgrafica sabemos nee se tratar da Fazenda do Carmo que estava em terras do Caguassu ou Caguacu (ambas as grafias sao encontradas). Contudo, a confusao que se estabeleceu nao esta so nos jornais que nao citam as fontes, via de regra, mas tambem em alguns historiadores conhecidos. No Memorial da Curia Metropolitana. que esta em parte reproduzido com 0 numerc 4, no final do capitulo, pode-se ler, na parte nao reproduzida nesse trabalho : "A via principal de comunicacao com 0 Jardim Nossa Senhora do Carmo e a Estrada do Caguassu, denominacao que vern da fundacao do Aldeamento de Sao Miguel, criacao do Veneravel Anchieta. Essa estrada ligava 0 aldeamento it Estrada das Lagrimas, antes chamada Caminho do Mar. Foi obra dos jesuitas, Caaguacu (mato grande) era a denominacao do lugar. Ainda existem vestigios dessa estrada, nao so em Itaquera, como em Vila Prudente". A pagina 5 desse memorial, tem-se a descricao das fazendas que formaram a do Carmo que, via de regra, e citada como tendo sido parte apenas da Caguacu . Nao hi a fonte tambem ali. A titulo de curiosidade, transcrevemos 0 trecho: "As terras que constituem a Fazenda de Nossa Senhora do Carmo. propriedade que era da Ordem Carmelita Fluminense , localizam-se na outrora "Paragem de ltaquera". Itaquera era formada por quatro grandes fazendas, destacando-se. pela sua extensao. a do Canno. Essas propriedades agricolas . colocadas em forma de uma perfeita cruz, erarn: a Fazenda do Carmo, assim popularmente chamada e que ate 0 ano de 1919 foi propriedade da Ordem Terceira do Carmo. situada ao SuI; junto desta a de Cacapava. mista de cafe e pasto, que foi propriedade do padre Francisco do Carmo Frees, da cidade de Rezende, no Rio; a seguir para Oeste, a Rincao das Taipas que ultimamente foi propriedade do oleiro Egydio Campanella; para os lados do Norte, 0 velho Sitio da Casa Pintada, a que Saint-Hilaire refere-se em seu roteiro pela Provincia de Sao Paulo. Fechando 0 perimetro vinha 0 sitio do Jacu, que foi propriedade tambem do citado padre Frees." Pelas capias dos documentos, anexados ao Memorial (Docs. 4 - pag. 119 ), pode-se acompanhar a aquisicao da Fazenda do Carmo. 30 Assim. apagina 10 pode-se leT: "Metade da dita fazenda foi comprada de Isabel Pedrosa, no ano de 1722. e a outra metade foi produto de doacao feita ao Convento pelo capitao Tome Alvares de Castro, pai do carmelita Frei Thome Alvares de Cristo". (Ver a documentacao mais pormenorizada e outras da epoca, em Doc. 5 - pag. 120 e 4 - pag. 119) No Registro Paroquial (Arquivo Aguirre) existe tambem a copia do documento que relata a posse inicial da Fazenda Caguassu, por compra de Isabel Pedrosa em 1722 e doacao do capitao Thome Alvares de Castro (sem data). Possui os limites da mesma (Y. Doc. 5 - pag. 120). Desse Arquivo , tambern, sao outros documentos catalogados sob a rubrica de "Penha", dois referentes a Caguassu , urn aCasa Pintada e urn aConceicao (Doc. 6 - pag. 124). Lendo nas entrelinhas desses documentos e de outros mais, encontrados nos arquivos da Curia e Aguirre. pode-se ter uma pequena ideia da area e da vida, nas propriedades da epoca. Pelo tamanho das propriedades e pela constante referenda a matagais (capams, na gratia da epoca), aguadas e demais cursos d'agua. pode-se falar nurna populacao extremamente dispersa e rarefeita. Currais, planracces de rocas, arvores frutiferas tambem sao mencionados. E natural pensar que a propriedade tivesse de ser auto-suficiente, dado a isolamento na epoca . Tambem, no caso da Fazenda Caguassu. dos Carmelitas, pode-se inferir que as atividades agricolas existentes, tivessem se revestido de uma certa importdncia entao, pais possuiram ate feitor de escravos. Interessante e tarnbern notar a falta de conhecimento das letras. 0 que denota, mais uma vez, 0 carater rural e de isolamento em que viviam. No Arquivo Aguirre do Museu Paulista ha varias fichas de copias de escrituras em ltaquera. a maioria delas de terrenos e edificios em Casa Pintada. De 1772 a 1821 ha 2S fichas de venda. Depois so vee reaparecer em 19 11 , intensificando-se as vendas ate 1936, num total de 267. Mas entao, ja estamos num outro capitulo da historia de Itaquera, posterior a estrada de ferro. De qualquer forma, tais documentos comprovam a importancia do aglomerado da Casa 31 Pintada (hoje Santana) neste periado a que estamos nos referindo. Que hgacao teria isso com 0 antigo pouso de bandeirantes conhecido par Casa Pimada? Teria 0 pouso funcionado como embrlao populacional ja nos tempos coloniais? Fica 0 desafio para algum historiador que se interesse por aprofundar 0 estudo de tais documentos. 32 Capitulo II A ESTAGNA<;:AO DA PAULICEIA E 0 ISOLAMENTO DE ITAQUERA - () cinturao caipira - a vida de relacoes. Da fundacao de Sao Paulo em 1554 ate, praticamente, 0 inicio do seculo XIX, a cidade nao teve condico es que favorecessem 0 seu crescimento, sobretudo por raz6es historico-economicas. Mesmo seu sit io urbano, que vai se most rar privilegi ado quan do as grandes linhas de circu lacao se de lineiam, tornando-a urn centro irradiador de estradas, nao apresentava uma vantagem entao. lsolada do mar e circundada por morros, a bac ia terciaria de Sao Paulo rae era de molde a facilitar os cantatas numa epoca em que 0 rneio privilegiado de locomocao era a agua. Dai a import ancia que teve 0 Rio Tiete na penet racao para 0 interior, tendo sido largamente utilizado pelas rnoncoes. como foi magistralmente mostrado per Sergio Buarque de Holanda. E seus afluentes tiveram, em ambito mais local, ta nta importancia como ele, quando a agua era 0 elemento essencial para a conq uista do solo. A cidade foi crescendo de forma extremamente lenta, durante 0 periodo colon ial. Nao havia, praticamente, pelas cercanias, nenhuma fonte de renda que possibilit asse ao homem, melhores cond icoes economicas que Ihe permitissem gran des pianos futuros e conseque nte estabi lizacao socia l. Bem ao contrario, as fontes de renda nesse periodo estavam longe e os paulistanos despovoaram a sua cidade, indo acata do indio e do ouro. Dessa forma, a populacao da cidade foi se exaurindo e nso se criaram bases econcmicas efetivas de molde a ligar 0 homem a sua terra original. 33 o solo e 0 subsolo das cercanias da cidade nao apresentavam grandes perspectivas para a exploracao. lsolada da "area core" do Brasil colonial, numa epoca em que os caminhos eram precarios ou inexistentes, Sao Paulo foi entrar muito tardiamente no cenario econornico do pais. Ao finalizar 0 seculo XVIII a cidade de Sao Paulo e urn reflexo das acanhadas iniciativas da Capitania, para assegurar a sua sobrevive ncia. Nada ali que se comparasse acana de acucar no Nordeste existia para garantir uma economia mais estavel. 0 indigena cativo revelou- se pessirno auxiliar na lavoura, e 0 ouro muito distante e ja ern decadencia acentuada no final do seculo, nao entrava mais. Alias esse ouro, mais canalizado para dar brilho aCoroa que para aqueles que 0 exploravam, nao deixou marcas indeleveis na arquitetura paulista, como 0 fez em Minas e no Nordeste. Nao se faziam investimentos na cidade. Para 0 paulistano dos tempos coloniais, a sua cidade funcionava assim como se fosse apenas urn lugar proviso rio de abrigo, 0 repouso para 0 homem cansado que desbravava os sertoes. A populacao estavel era de mulheres, velhos e criancas; 0 brace ativo deslocava-se para as minas, permanecendo fora a maior parte do tempo. Em meados do seculo XVIII, 0 valor da propriedade, quer urbana, quer rural, era infimo, 0 que mereceu aquela comparacso de Taunay, dizendo que urn par de escarpins de seda para senhoras custava mais que uma casa no conhecido Triangulo da cidade. A longo termo, no entanto, 0 desbravamento do territorio feito pelos intrepidcs bandeirantes que se aventuraram por quase todo 0 pais, nao deixou de ter consequencias das mais positivas nos seculos seguintes. Ea partir do momento ern que realmente e encontrada uma base econo mica para impuls ionar 0 crescimento - 0 cafe, no caso - que se pode sentirbern 0 resultado das grandes andancas do habitante das terras de Piratininga, pois foi corn 0 bandeirismo que Sao Paulo ampliou enormemente 0 seu raio de acao futura. 0 professor Monbeig analisa bern as consequencias desse desbravamento para os paulistas, 34 de uma forma geral, e para a Capital, em seu trabalho "Aspectos Geog raficcs do Crescimento da Cidade de Sao Paulo", do qual achamos conveniente reproduzir urn trecho das paginas 9 e 10, aqui: "De fato, as consequencias foram a urn tempo felizes e prejudiciais. 0 beneficio foi em primeiro lugar a ampliacao do seu raio de acao, 0 que nao teve reflexo imediatamente proveitoso para a funcao comerc ial da cidade nem acarretou uma fase de impulso urbano. Porem, mais tarde, quando os paulistas, acostumados aos longos caminhos e as viagens longinquas, transformarem-se de penetradores em comerciantes, a cidade aproveitara indiretamente com isso. No tim do seculc XVIII, terminado 0 cicio das bande iras, reduzida a atividade mineira, vemos os descendentes dos bandeirantes traticarem desde Sao Paulo ate 0 suI do Brasil, em Minas e no Rio de Janeiro. Essas primeiras relacoes comerciais cont inham os germes do comercio paulista. tal como ainda existe: os limites do raio de acao comerc ial foram praticamente atingidos desde essa epoca. Foi, tambem durante esse periodo heroico da historia paulista, que se constitu iram algumas das grandes familias cujo credito mora l, senao financeiro , produzira os Iideres do Pais. Sao Paulo tirou das Bandeiras outro proveito, de ordem moral mais que material, embora suas consequencias praticas fossem mais tarde particularmente frutuosas. Sob 0 controle dos jesuitas, "a regiao de Sao Paulo apresentava os rudimentos de uma nacao enquanto a Bahia e as dependencias do Norte eram urn dominio de Portugal na Amer ica" (Paulo Prado) , "Essa nacao em potencia voltou-se contra os seus fundado res. os jesuitas. que foram expulsos em 1643. 0 Governo Real, provavelmente, nao ficou descontente, pois aproveitou-se disso para instalar em Sao Paulo altos representantes de sua autoridade, a fim de melhor afirmar a sua presenya e a sua forca. No inicio do seculo XVIII foi a criaceo da Capitania e em 1745 a instalacao de urn bispado. 0 proprio nome de Sao Paulo era celebre em todas as regioes da imensa colon ia portuguese. Envolvia-o uma incontestavel aura de prestigio. Sao Paulo tornara -se capita l administrativa no momento em que a comunidade paulista tornara-se uma realidade. Mas era uma pequena capita l para urn terr itorio demasiado vasto, muito pouco 35 povoado e de modo irregular de exploracao quase nula. Uma cabecinha minuscule para urn corpo gigantesco . No tim do seculo XVIII a cidade estava tao empobrecida em homens e em riqueza, como os sertces descobertos pelos bandeirantes. Em 1776, 0 censo revelou apenas 534 casas e 2.026 pessoas." o longo trecho acima reproduzido, da uma 6tima ideia geral das consequencias para Sao Paulo do tipo de povoamento do seu territ6rio no periodo colonial. No tinal do seculo XVIII toda a vida da cidade eoneentrava-se, ainda, em volta do patio do Colegio e essa situacao nao muda muitc durante 0 primeiro quartel do seculo XIX. Desde 1766, 0 antigo Colegio passara a ser resldencta dos Capitaes-Gerais, transformando-se em administrative a antiga funcao religiosa e edueativa do mesmo. Sao Paulo havia sido tao poueo dinamica nesse seculo XVIII que, em 1748, a Coroa submete a administracac da Capitania ao governo do Rio de Janeiro, 0 que vai persistir ate 1765, quando e restaurado 0 governo, ro m os Capitaes-Gerais. Estudiosos, cronistas e viajantes (Ver Daniel Pedro Muller, Spix e Martins, Aires de Casal, Daniel P. Kidder, John Mawe, Saint Hilaire e outros) deixaram farto material para se ter urn quadro da cidade de Sao Paulo no inicio do seculo XIX, quando a maioria das construcoes era ainda de taipa e a vida pacata e simples. Do que viviam entao? De urn cc mercio incipiente com a sua hinterlandia e 0 seu porto e, sobretudo do comercio de gado com 0 SuI, onde iam. pelos trilhos e eaminhos dos bandeirantes, buscar a came e levar 0 sal, sobretudo. As ligacoes comerciais com Minas tambem vac se reorganizar em novas bases e no decorrer do seculo vao estreitando-se os contatos com 0 porto do Rio de Janeiro. Eprecise chegar asegunda metade do seculo XIX (entre 1850 e 70) para que transfcrrnacoes substanciais sejam sentidas na Capital 36 paulista. Os fatos sao sobejamente conhecidos e acreditamos ser, a partir de 1850, que corneca 0 periodo mais explorado para 0 estudo de sociologos, historiadores, geografos, antropologos e demais cientistas sociais. Isso porque houve toda uma transfc rmacao socio econdmica na sociedade paulistana com 0 advento do cafe que vai ter prosseguimento, sem solucao de continuidade no processo de industrializacao e urbanlzacao de nossos dias. Vale a pena apenas recordar que, nao tendo tido urn passado proximo de desenvolvimento agricola, a Provincia de Sao Paulo nao utilizou, em grande escala, como no Nordeste, 0 brace escravo. 0 que foi urn entrave para a economia agricola nos seculos XVIII e XIX acabou transformando-se nurn dos principais motives de dinamisrno da lavoura, quando da entrada do cafe no Vale do Paraiba. A data de 1850 e chave para 0 desenvolvimento economico de Sao Paulo, pois marca nao so 0 cafe ja vitorioso, como a abolicao do trafego negreiro, o que vai propiciar a entrada de imigrantes, 0 emprego da mao de obra livre. A partir dessa iniciat iva dos fazendeiros paulistas, Sao Paulo comeca a deslanchar. Mas como a riqueza estava no Vale do Paraiba e depois no Oeste de Sao Paulo, houve urn lapso de tempo relativo para que os seus efeitos fossem sentidos na propria capital, em termos de estrururacao do solo urbano. Em 1836, 0 "termo" da cidade de Sao Paulo (0 municipio) possuia uma populacao de 21.933 habitantes, mas apenas 9.391 na cidade mesmo. Por ocasiao do primeiro recenseamento organizado no Brasil, a area municipal aparece com 31.385 habitantes, dos quais so 19.347 no centro urbano. Em 1886, a capital ja era a cidade dos fazendeiros e 0 municipio possuia 47.697 dos quais 38.997 (81%), na area urbana. E so em 1920 que a populacac da Capital paulista vai dar 0 primeiro saito, com praticamente 580.000 habitantes, Entao, a estrada de ferro ja era uma realidade concreta ha mais de quarenta anos e Sao Paulo corneca a primeira conquista dos seus arredores. (Y. Carta n." 2 - pag. 128) Esse rapido resumo da passagem de uma econornia predatoria e despovoadora para urna acao organizada era necessario, para tentar seguir urn pouco, apesar da falta de documentacao pertinente, 0 que se passou em Itaquera, enquanto a Capital mourejava sem grandes 37 perspectivas. Era de se espera r que, tarnbem, ali se fizessem sentir, de modo mais crucial ainda, os efeitos dessa "Parada no tempo" que se verificou no centro urbane E, dada a disrancia do centro, e so muito depois de Sao Paulo ter-se tornado 0 emporio comercial do cafe e iniciado 0 seu desenvolvimento industrial que havera consequencias diretas sobre a sua area adjacente. Consequencias indiretas, contudo, sempre houve como ja tivemos ocas iao de ver no 10 capitulo e as marcas da influencia do centro vao aumentando, primeiro em progressao aritrnetica, depois, a partir de 1950, a perder de vista. lnstalados os carmehtas na Fazenda Ceguacu. comecaram por explorar 0 solo agricolamente. Quanto prcduzi ram, 0 que produziram, qual a finalidade dessas culturas, e uma incognita, cujas respostas nao obtivemos nos documentos consultados. Sabe-se que fizeram muitas experiencias de cultivos e que possuiam escravos. Havia tambem outras fazendas na area e, nos meados do seculo XVIII, pela documentacao sobre as vendas de terrenos e casas na Casa Pintada, ao norte de Itaquera, havia ali urn agIomerado humano com parcelas muito restritas de terras. Supoe-se, dadas as condicoes precarias de circulacao da epoca, que uma pequena agricultura de subsistencia era ali feita. aprend ida que fora no contato com os jesuitas. Comopreencher a imensa lacuna que vai do seculo XVIII ate, praticamente, a entrada da estrada de ferro no cenario de Itaquera? Tarefa de folego. que ainda flcara por ser feita, caso encontre-se docume ntacao adequada. Nem sequer podemos , agora, fazer exrrapolacces. pois os documentos de urn nucleo modesto como 0 era a Capital antes do cafe guardam a fisionomia do seu povo, conciso e herrnetico. Nao iremos arriscar muito, sense dizendo com Petrone que o cinturao de terras formado pelos aldeamentos que cercavam Sao Paulo vai, com 0 tempo, transformando-se no cinturao caipira da cidade. Apagina 231/232 da tese desse autor (op. cit.) pode-se lee" A antiguidade do povoamento no Planalto Paulistano, com uma utilizacao do espaco fundamentada em sistemas e tecnicas que levaram ao depauperamento dos solos, as condicoes peculiares a area, 38 com caracteristicas particu lares e solos naturalmente pobres, somados aos fatos relativos ao cinturao de terras dos aldeamentos, contribuem para explicar por que, nos arredores de Sao Paulo nao se definiram formas de organizacao do espaco fundamentadas em atividades comerciais rentaveis e que, inevitavelmente, iriam influir no desaparecimen to dos traces de cultura caipira ai enra izados. Dai decorre que a presenca do citado cinturao de terra dos aldeamentos deve ser correlac ionada com a perrnanencia, praticamente ate os dias atuais, de urn cinturao caipira em torno de Sao Paulo". Pode-se ver na carta de localizacao do cinrurao caipira de Sao Paulo, organ izado por Petrone e aqui reprodu zida (Carta n." 3 - pag. 129) que Itaquera esta incluida (embora nao mencionada) no circulo de abrangencia desse cinturao. Na tese de doutorame nto da professora Amalia Ines Geraiges de Lemos, sobre Itaquaquecetuba, defendida na USP, em 1980, ha toda uma discussao sobre 0 cinturao caipi ra que se segue a varies trechos extraidos de autores contem poranecs sobre a ext rema pobreza de Sao Paulo e seus arredore s (pags. 97 a 10I). Mas tambem , as referencias que se tern do "cinturao caipira" sao muito recentes, datando apenas dos fins do seculo XIX e sobretudo xx. Everdade que a cxprcssao e recente, criada por Petrone. Deve-se pois, ao referir-se ao passado, lembrar que trata-se da cultura de subsistencia, com venda ou nao do excedente. Tal agriculture, feita nos moldes caboclos, tsto e, com queima do mato, sem adubagem, nem cuidados com 0 solo, com 0 auxilio so da enxada e da foice, caracteriza-se pela dispersao das rocas e rotacao das ter ras, nunca das culturas. E praticada por portugueses, por mesticos com os indigenas, e, as vezes, ate por urn ou outro grupo de imigrantes aculturados rapidamente em decorrencia das condicoes adversas do meio (natural e humane) - e 0 caso dos alemaes de Santo Amaro, por exemplo . Aqui e ali Itaque ra aparece citada, quase sempre conjuntamente corn a Penha, como loca l de onde provinham produtos da agricu ltura cabocla. Na referida tese sobre Itaquaquecetuba, ha uma referencia de Jacob Penteado para 0 inicic do seculo XX, a pagina 102: "...e que, esse local era conhecido , tambern por Mercadinho dos Caip iras, que 39 chegavam de Nazare, Mogi das Cruzes, Santa Isabel, Poa. ltaquaque cetuba. Guarulhos. Penha e ltaquera. rumo ao Mercado Central - e serviam-se do pousc para pernoita r". o bairro da Penha tambem tern uma ligacao muito grande com 0 cinturao caipira, nao so per ter havido ali sitios de caboclos, antes de se ter integrado totalmente ao centro pela continuidade das edificacoes. como tambem per ter sido uma especie de entreposto ou posto avancado entre 0 centro e a regiao teste. No seculo XIX, segund o varies relatos, a Penha era para os povoados que existiam alem, urn local de pouso e descanso dos animais . Era grande 0 numero de selaria s e casas de hospede s. Muitos caboclo s procedentes da area que ficava sob sua Juri sdicao (como Itaquera) nao chegavam sequer ao centro, negoc iando ali suas parcas mercadorias, produtos da agricultura, da pequena cnacao ou da coleta vegeta l, mineral e artesanato. Na medida em que 0 excedente da producao caipira passa a ser absorvid a pela pcpulacao do centro urbano, as hgacoes de Itaquera com a Penha vao inrensificand o- se, como passagem obrigatcria para os caipiras que demandavam 0 mercado do centro . A Penha aparece tardiamente no cenanc colonial, se considerarmos os aldeamentos indigenas do seculo XVI e XVII que estao prcximos. Sendo conhecida a partir da segunda metade do seculo XVII , em 1796 e elevada a categoria de paroquia, passando enrao a englobar ltaquera. Sua funcao religiosa que a fez conhecida como local de peregrinacao . desde 0 seculo XVIII, consistiu num chamariz para os caboclos da redondeza, tendo 0 bairro funcionado como posto avancado de contato entre 0 centro e os nucleos de populacao que eram seus satelites, no dizer de Aroldo de Azevedo. Como centro religioso, ter ia desempenhado uma importante funcao socia l - local de encontro dos cabcclos das redondezas e de lazer, pelos folguedos e jogos que faziam parte da festa de Nossa Senhora da Penha. 40 Ate 0 final do seculo XIX, a vida no bairro da Penha era muito acanhada. Em 1876, quando foi inaugurado 0 trecho ate Jacarei da Estrada de Ferro do Norte (depois Central do Brasil) a Penha tinha apenas 1983 habitantes. Em 1880, foi incorporada a Guarulhos, pe1a lei n." 34 de 24/3 e pela lei n." 71 1, de 03/0 5/ 1886 foi incorporada a Sao Paulo. Quando D. Pedro II hi esteve, em 1886, 0 pequeno aglomerado era rodeado por chacaras de subsistencia. Para se ter ideia do que significava a Penha para 0 paulistano e como estava ainda mal aniculada com 0 centro urbano em 1886, e interessante reproduzir aqui urn trecho do artigo de Everardo V. Pereira de Souza, intitulado "A Pauliceia ha 60 anos" (Rev. do Arquivo Munic ipal, Ano XIII, VoL eXI, 1946). Apagina 55, escreve: "Para leste a cidade era insignificante . Quem, da encantadora Esplanada do Carmo. descesse pela ingreme e mal calcada ladeira, transpunha imediatamente 0 Tamanduatei em colonial ponte e por estreito aterrado sabre os igap6s existentes no vargeado, iria ter it modesta Capela do Senhor Born Jesus de Matosinhos, apos transformada em Igreja pelo portugues Jose Braz, 0 iniciador da grande parte da cidade que tradicionaImente conserva seu nome". E indica 0 mapa ali reproduzido para mostrar que 0 Bras era 0 ponto mais avancado a leste, no "continuum" da cidade, aparecendo a Penha apes urn grande vazio. E apagina 56, escreve "com a inauguracao da E.F. do Norte de Sao Paulo, em 1877, mais ainda intensificou-se a povoamento do bairro, ja entao denominado do Braz, que nao ultrapassava 0 Largo da Concordia". E finaliza as consideracoes. dizendo: "A Penha... flcava la onde ainda se acha! Para atingi-la, porem faziam-se discutidos projetos de viagens e preparavam-se substanciosos farneis. Nos anuais tempos de festa dedicados a milagrosa Santa, 0 pitoresco arrabalde, garrido e magicamente transformava-se em alegre feira, com variadissimo jogo franco e toda sorte de divers6es, das quais todo 0 pacato Sao Paulo de entao, gostosamente partilhava ..." 4 1 Bairros como a Penha que se integraram a Sao Paulo no "rush" do cafe, deixaram de fazer pane do cinturao caipira ja no inicio do seculo XX antes da implantacao da grande industria de capital monopolista. Mas aqui e ali persistiram chacaras de verduras e flores ate meados do seculo XX, como refere-se Alice Canabrava a pagina 98 do seu trabalho sobre as chacaras paulistanas. Ebern verdade que essas ja faziam parte do cinturao verde que, em alguns lugares substituiram espacialmente 0 caipira, mormente nas areas mais prematuramente valorizadas dos mesmos. Ja nos "satel ites" da Penha, 0 cinturao caipira permaneceu muito mais tempo e ainda e encontrado aqui e ali, nao mais como cinturao, mas com caracteris ticas das culturas caboc1as. Itaquera, enquanto perma neceu isolada, por deficiencia de transporte, do centro da Capital continuou a sua pequena producao caipira. ate que esta foi engolida pelo cinturao verde que ali se instalou coma Colonia japcn esa. Em resumo, para uma fase da histcria de Sao Paulo que se caracteriza por uma pobreza enorme de recursos, tanto humanos como economicos, Itaquera esconde-se, por muito tempo, dentro dos limites de suas fazendas ... e posteriormente do seu cinturao caipira, tao pouco conhecido . 42 Capitulo III E A AREA NORTE COMO FERRO DO DE ITAQUERA A ESTRADA DE CARACTERIZACAO SUBURBANA o primeiro embriao da "cidade-dormitorio " - Itaquera se integra no cinturao verde. A partir do momento em que a est rada de ferro lanca os seus trilhos em direcao ao Rio de Janeiro, Itaquera comeca a sair do isolam ento a que est ivera re legada nos seculos XVIII e XIX. o capitulo das estradas de ferro no Estado de Sao Paulo se liga, intimamente, a historia do cafe. A partir de 1870, 0 Estado de Sao Paulo, em consequencia do surto do cafe que dara 0 impulso decisivo ao seu dese nvolv imento , ent ra numa fase total mente nova, ados trilhos - a estrada de ferro segue a marcha do cafe, indo povoar onde a rubiacea ja se instalara. Em consequencia do cafe e dos trilhos, a Capita l do Estado, para onde j a se haviam des locado as "barces" do cafe, enriquecidos em suas fazendas, comeca realmente a se projetar no cenario nacional e internacional. Os investimentos deixam de serem feitos so no campo e a cidade comeca a se expandir e se embelezar. Contudo, vai guardar ainda as seus ares provi ncianos, em relacao aos dois grandes centros sul-americanos (Buenos Aires e Rio de Janeiro) ate muito mais tarde, quase urn seculo apos te r se tornado a capita l do cafe, em plena era industri al. Por volta de 1875, 0 Estadc de Sao Paulo tinha co nsolidado a sua rede ferrovia ria, em suas linhas gerais. E, entao, que a Capi tal vai mostrar todo 0 poder do seu sitio urbano e de sua localizacao geografica. como emporio ag lutinador e redistribuidor das riquezas do 43 interior. A bacia terciaria ira funcionar, a partir de entao. como polo centripeto e centrifugo das estradas de ferro. Com a estrada de ferro, Sao Paulo comeca a conquista de seu municipio, criando a sua zona suburbana, inteiramente ligada it via ferrea. E quando se inaugura 0 trecho S.Paulo-Jacarei, da estrada de ferro Sao Paulo-Rio, ou Estrada do Norte, como era entao chamada. ltaquera e privilegiada na Iinha tronco entre Sao Paulo e Magi das Cruzes. A estacao de ltaquera so foi inaugurada dois anos depois, em 1877, com 0 nome de Sao Miguel. Sao Miguel, alias, foi deixada de lado pela linha tronco e so em 1932 einaugurada a variante que ligara Sao Miguel a Pea. Pode-se imaginar 0 que teria significado a estrada de ferro para ltaquera, numa epoca em que 0 trem passa a ser 0 transporte per excelencia, vindo desbancar todos os demais meios de transporte ate ali existentes! De uma forma ou de outra, todos os aglomerados que foram servidos prematuramente pela estrada de ferro passaram a ter uma evolucao estreitamente ligada aos trilhos. Em volta da Capital, alguns desses nucleos vao se industrializar, outros vao servir de residencia aos operarios que trabalham no centro. o eixo Sao Paulo - Santos se industrializa bern antes do Sao Paulo - Rio, por causa da presence do porto. A industria, no entanto, so vai procurar esses suburbios da estrada de ferro, na medida em que os terrenos vao tornando-se mais valiosos nos bairros pr6ximos ao centro e a urbanizacao mais acentuada, expulsando-a para a periferia. Nao se cogitava, ainda entao, da poluicao e as primeiras industrias vao se localizar em areas bern centrais. o processo de expulsao da industria do centro para a periferia e o mesmo que sofre 0 setor menos privilegiado da populacao. 0 deslocamento das massas proletarias para as periferias, expulsas pela valorlzacao. cada vez maior dos terrenos, precede mesmo 0 da industria. E precise lembrar que, nessa epoca, a favela ainda nao 44 irrompera como urn cancro na estrutura urbana da Capital. A OCUpalYaO da area periferica precede-a no tempo, pois a industria nascente nac precisava ainda do exercito de reserva e os nordestinos nao vinham em massa tombar sobre a cidade de Sao Paulo. Itaquera nao foi escol hida como polo industrial, por razzes varias que sao, scbretudo, de ordem administrativa. Nem com 0 advento do autcmovel 0 foi . A eta parece ter sido reservado 0 papel de suburbio dormitorio. que perpetuou no tempo, com a recente instalaca o dos conjunt os habitaciona is da COHAB. A partir da inauguracao da estacao, as primeiras casas comecam a aparecer em volta dela, mas tambern, ate a decada de 40 0 suburbio dormitorio nao vai ter urn desenvolvimento espetacular. Aos poucos, forma-se ali urn embriao de cidade . Os trilhos haviam desapropriado uma parte da antiga fazenda do Carmo . Quanto s se instalaram ali, desde 0 principio, nao se sabe. E provavel que so os funcionanos da estrada e seus familiares. Para que, realmente, 0 suburbio se concretizasse nas suas funcoes de "cidade-dormho rio" era necessari o que houvesse maior frequencia e regu laridade de horario s. Ha reivindicacoes. nesse sentido , mas so bern posteriore s, na decada de 40. Como ha sempre uma defasagem entre a utilidade publica e os resultad os dessa para a populacao, e so a partir de 1920, mas sobretudo de 1940 que Itaquera tera bern nitida a sua funcao de suburb io dormitorio. De inicio servia de dormitorio para trabalhadores do centro; a partir de 1950, ja em plena era das rodovias. 0 ambito da area de emprego dos operarios vai se estender bern mais, para Mogl. Santo Andre, Itaquaquecetuba e.Guarulhos. A principio, parece que as terrenos comprados ao lade da via ferrea eram grandes , 0 que dava 0 aspecto de dispersao do habitat lembrado por Aroldo de Azevedo e que pode ser constatado na foto de 1920 que obtivemos no arquivo do jornal Noticia s de ltaquera. No Arquivo Aguirre do Museu Paulista existem algumas fichas. 45 copras de escr ituras de venda ali realizadas, na epoca Transcreveremos duas. uma datada de 1893 e outra de 1925 . a ultima ja com localizacao precisa ao lade da estacao la) Escritura de venda de parte de terms no sino Itaqucra Sao Miguel 16 de marco de 1893 Cart' Escnvao de Pal Vendedor Francisco Antonio Mariano e sin Comprador Manocl Soares Fernandes. Rs. 100/ 1000 nurna parte de tcrras no lugar dcnominado ltaqucra cuja parte csta colocada em frente a casa de propricdadc do adquirinte dividindo pclo lado de baixo eom a referida casa e pclo lado de cima com a cstrada que segue dc Sao Miguel para a cidadc de Mogi das Cruzcs ale cncontrar 0 corrego denominado Ponte Alta e dah i descendo ate 0 rio ltaqucra. Transcripcac n" 1~065 . ,aCircunscnpcao 2a) Escntura de vcnda des lotes 53 e 5~ na Estacao ltaqucra Sao Paulo 22 de junho de 19B Cart ° 12° tab. Vendcdor Alberto Augusto Cordei ro cs/m' Comp rador D" Ignacia Pagano Rs _ dois terrenos n. 53 e 5 ~ a Estrada que val para a Esracao. no Bairro de ltaqucra tendo 0 primciro a area dc 2835 111 ' 0 segundo 8600 mZ Transcripcno 33~67 - 3' Ctrcunscripcao E dessa epoca 0 3° numero do primeiro jornal de ltaquera (1926), que. embora nao elucide sobre a aglorneracao de entao. constitui uma prova de que comecava a progredir. 0 referido jornal da. no entanto, alguns arumcios interessantes sobre uma convocacao da Liga dos Lavradores e Proprietarie s de Terrenos no Municipio de Sao Paulo para tratar de assuntos refere ntes a terras sitas oa Penha, Sao Miguel . Itaquera e outros pontos. Ha urn outro intitulad o "Villa Carmozina (800m de altitude), situada na estacao de ltaquera E,F.C.B ,", onde se chama a atencao para os precos reduzidos dos terrenos, a pequena distancia do centro (30 minutos de trem), 0 preco da passagem e 0 pitoresco da paisagem. Cita , ainda , a existencia de 600 predios no local. Ha. ainda , outra propaganda de lotes avenda na Villa Klaunig. a 800 metros da estacao. Embora nao muito legfvel. 0 46 jornalzinho e urn documento interessante que faz parte do acervo do jornal "Noticias de Itaquera" Tambern e da mesma epoca a Provisao para construir Cape lla (6 de maio de 1919) que faz 0 procurador do Conventodo Carmo, do acervo da Curia Metropolitana de Sao Paulo, que tambem anexamos (Doc. n° 8 - pag. 130). E interessante notar que Itaquera e chamada, na epoca, Estacao de Itaquera, ou Itaquera E.F.C.H. (como no Jornal "A Verdade''), 0 que pode criar algumas confusces quanto it localizacao. Dutro documentc do inicio do seculo, segundo nos informaram, mas sem data, e 0 rudimentar croq ui acompanhado de manuscrito sobre as divisas de Itaquera, da paroquia de Sao Miguel (Doc. n." 7 - pag. 130). A preocupacao corn as divisas e uma constante do inicio do seculo, 0 que significa estar a area em dese nvclvimento. Entre as varias acoes de demarcacao da epoca (Arquivo Aguirre) a mais celebre e a de n." 241 "Juizo de Direito da 23 Vara Civel da Capital Accao de Demarcacao. Entre Partes. Promovente - 0 Convento de N.S. do Carmo Confinante - 0 Dr. Rodrigo Pereira Barreto. Razoes finaes do confinante pelo Advogado Dr. Hyppo lito de Camargo S. Paulo - 1902", como reza a pagina de rosto (acervo do Museu Paulista) . Sao nove paginas em que 0 Dr. Pereira Barreto acusa os padres de rna fe na apreseruacao de uma falsa documentacao. Renato Silveira Mendes, apagina 252 da obra "A Cidade de Sao Paulo" (Vol. III) escreve: "Foi a partir da decada de 1920-30 que se registrou a ocupacao urbana que tern a Penha por centro. A pcpulacao nao rnais pede ser contida na colina sagrada; derramou-se por suas encostas, atingiu os limites da varzea do Tiete e, sobretudo, conquistou as colinas modeladas pelo Tiquatira e pelo Guaiauna, guer no rumo de Sao Miguel Paulista, guer em direcao a Itaquera. Essa rnarcha avassaladora se processou gracas ao loteamento de antigas propriedades rurais e obedeceu, como alhures, as grandes vias de comunicacao - no caso, particularmente, a Estrada de Sao Miguel Paulista e a linha tronco da Central do Bras il". E continua, citando A. de Azevedo: "Estudando a regiao e depois de mostrar a importancia 47 dos dois eixos do povoamento - a Iinha -tronco da "Central do Brasil" e a antiga Rodovia Sao Paulo - Rio (Est rada de Sao Miguel Paulista) , escreveu Aroldo de Azevedo , em 1945: "Em torno deles, por isso mesmo. vai-se processando essa marcha avassaladora. cujos limites hoje estao em Vila Marieta e Vila Guilhermina, mas amanha poderao ser encontrados na regiao de Sao Miguel ou de ltaquera". Apenas dez anos decorrtdos. 0 "amanha'' passou a ser hoje". Para a epoca, 0 avanco da populacao em direcao ao leste deveria ser uma enorme conquista, mas, entre uma vila e outra, grandes vazios permaneciam. Irradiando-se a partir da Penha, 0 avanco se dava por bolsces que iam se formando onde ja havia urn nucleo qualquer anterior, a estrada de ferro ortentando e dando as proporcoes dos mesmos. Os loteamentos foram sendo feitos na febre da expansac, a partir das velhas fazendas entao em franca decadencia. Os problemas vee se criando a partir da instalacao, pois a rede de services publicos nao acompanha. de perto, a proliferacao dos bairros perifericos. A agua em Itaquera nao era encanada ate agora e a luz so entra ali em 1951, apos uma longa historia de lutas que foi relatada par urn morador e grande conhecedo r da area, numa das edicoes do jornal Noticias de Itaquera. Ate hoje, a cidade dormitorio que originou-se em funcac da estrada de ferro, nac possui esgotos. 0 conjunto das COHABs que ali se instalou no final da decada de 70 teve mais sorte a esse respeito. Enessa epoca, em que as construcces se ativam na Capital, que Itaquera, assim como a Penha e arredores, vao desenvolve r uma intensa atividade de olarias nas suas varzeas. Na carta de 1943 (Carta n." 2 - pag.l Zg} pode-se ver ainda a localizacjio de varias delas, desaparecendo quase todas corn 0 avanco posterior da urbanizacao. Esse periodo da primeira expansao, em que Itaquera comeca a se ligar ao centro como residencia de operarios, pode ser acompanhada, ern parte, por documentos do Arquivo da Curia Metropolitana de Sao Paulo. Por ali se sabe que ate 1928 nao existia a paroquia do Carma, que e hoje a Igreja Matriz. Como vimos pelo documento de 6 de maio de 1919, data dessa epoca a peticao para a provisao da Capela. 48 A igreja mais anti ga estava loca lizada no bairro de Santana (ex - Casa Pintada). 0 que vern co rroborar, mais uma vez, com 0 que dissemos arras sabre ter sido a Casa Pintada 0 primeirc nucleo de ltaquera, quando ainda nao se desenvolvera a Vila Carmozina. Ha no Arqu ivo da Curia. varies peticoes para celebrar missas e procissoes. como para provisoes de capel as e igrejas (Nossa Senhora Apa recida, por exemplo). o professor Aroldo de Azevedo, em dois magis trais trab alhos sobre os Suburbios Orientais de Sao Paulo, 0 primeiro publicado em 1945, 0 segundo para 0 40 Centenario da Cidade de Sao Paulo , foi 0 unico cient ista que se ocu pou especifi camente de ltaquera . Desses dois t rabalhos e mais dos outros que utilizamos, mas rae sao espec ificos, procuramos retirar aquilo que servisse para mostrar a evolucao da area, o estudo do professor Aroldo de Azevedo que focaliza mais ltaquera, nessa decada de 40, quando foram feitas as suas pesquisas, e, no entanto, de suma importancia para os estudiosos. Em vez de cita- los, sem cessar aqui , preferimos anex ar urn resumo do rnais completo dos documentos (0 da obra comemorativa do 40 centenario), no final desse cap itulo, indicando as ilustracces que conrem localizacao e os aspectos naturais da area . Nosso estudo, que pretende dar urn encadeamento aos fatos que marcaram a ocupacao do solo em ltaquera, dos prirnordios ate a data de hoje, nao teve a preocupacao de aborda r determinados. aspectos da paisagem natural. lsso porque 0 importante era apanhar, no desenro lar da hist6r ia, aqu ilo que passou de uma fase para a outra, t ransforrnando-se sim, mas marcand o a fase segu inte. Ora, quanto resta da paisagem natural que possa, ainda, or ienta r 0 homem na esco lha do sit io para suas edificacoes? Basta chegar a Itaquera e divisar os conjuntos da COHAB para se ter certeza que, em nossos dias, quem cria a paisagem e 0 homem e nao rnais a natureza que vai determinar suas acoes. Vivemos a era do espaco criado pelo preco da te rra e pelo poder aquisitivo da sua populacao . o que e interessante extrair dos traba lhos de Aroldo de Azevedo 49 e saber 0 quanto ltaquera apresentava ainda ares de rural, ja por volta de 1950. Basta lembrar aqui que, pela lei n." 14 334 de 30 de novembro de 1954, Itaquera passa a se chamar Itaquera do Campo. Nao nos esquecamos que datam do inicio do seculo xx muitas das referencias ao cinturao caipira (ao menos sobre a venda de produtos da area), 0 que nos faz supor que 0 suburbio dormitorio continuou a funcionar, tambem, como cinturao caipira ate que se instalassem ali os japoneses na Colonia. Em 1919, e vendida uma grande gleba da fazenda Carmo e a partir de 1925 Itaquera ve transformada a sua area rural - da agricultura de subsistencia passa a comercial, com produtos hortifrutigranjeiros. Como veremos no capitulo seguinte, a atracao de Itaquera passara a ser a Festa do Pessegc e muito pouco se fala no nucleo urbano. A vida se desloca para a Colonia que constitui a parte dinamica da area. Os nucleos habitacionais. sem duvida. continuam a crescer, mas mantem enormes lacunas ocupadas pelas capoeiras, entre eles. E verdade que a "cidade-dormitorio" enquanto funciona apenas como abrigo, enquanto nao desenvolve ao menos a sua funcao comercial, 0 que sc acontece quando 0 efetivo humano e razoavelmente grande, nao se caracterizou nunca pelo seu dinamismo. o trabalhador ai vern para dormir e como vai encontrar mais facilmente aquilo que necessita nas proximidades do service e a precos melhores, normalmente nao incentive, logo de inicio, urn comercio local mais desenvolvido. Foi 0 que aconteceu em ltaquera - o comercio mais diversificado, as areas de lazer (dentre as quais se sobressal 0 Parque do Carmo) so vao se instalar ali, bern mais tarde (por volta de 1950). 0 que nao esta dito na bibliografia sobre a area, no entanto, e que Itaquera tenha desempenhado , mesmo
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