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História do Bairro de Itaquera

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Prefeitura do Municipio de Sao Paulo
Prefeito Celso Pitta
Secretaria Municipal de Cultura
secretarto Rodolfo Konder
Serie Historia dos Bairros de Sao Paulo
Volume 24 - "Itaquera"
Lemos, Amalia Ines Geraiges de
Itaquera / Amalia Ines Geraiges de Lemos e Maria Cecilia
Franca
Sao Paulo: Departamento do Patrimonio Historico, 1999.
(Historia dos Bairros de Sao Paulo; 24)
2' lugar no XVIII Concurso de Monografias
"Historia de Bairros de Sao Paulo", realizado em 1985.
AMALIA INES GERAIGES DE LEMOS
MARIA CEciLIA FRANl;A
"ITAQUERA"
Departamento do Patrim6nio Historico
Diretor Luis Soares de Carmargo
Arquivo Hist6rico Municipal "Washington Luis"
Diretora Liliane Schrank Lehmann de Barros
© 1999 Departamento do Patrim6nio Hist6rico
Praca Cel. Fernando Prestes 152 - Born Retiro
CEP 01124-060 - Sao Paulo - SP
2' lugar do XVIII Concurso de Monografias sobre a Historia dos
Bairros de Sao Paulo, instituido pela Lei n' 8.248, de 7 de maio
de 1965, promovido pela Divisao do Arqu ivo Historico do
Departamento do Patrim6nio Historico da Secretaria Municipa l
de Cultura, e outorgado pela Comissao Julgadora, const ituida
pelos Prefessores Celso Frederico, Janice Theodore da Silva e
Paulo de Mello Bastos.
Capa: Cohab I - Itaquera, 1986
Foto: Israel dos Santos Marques
Departamento do Patrim6nio Histonco
Divisao de Iconoarafia po MlJ!=;eus
Impresso no Brasil I Printed in Brazil
Deposito Legal na Biblioteca Nacional, contorme Decreta n°
1.825 de 20 de dezembro de 1907.
o BAIRRO DE ITAQUERA
Processo de insercao melropolilana
Amalia lnes Geraiges de Lemos
Maria Cecilia Franca
fNDICE
Assunto Pilgs.
INTRODUCAo 9
I. 0 APRESAMENTO, A CATA AO OURO E 0 INic lO
DA FIXACAo DO HOMEM AO SOLO 21
II. A ESTAGNACAO DA PAULICEIA E 0 ISOLAMENTO DE
ITAQUERA 33
III. A ESTRADA DE FERRO DO NORTE E A CARACTERIZACAo
DE ITAQUERA COMO AREA SUBURBANA 43
IV. EXPANSAo DA AGRICULTURA E ESTAGNACAO DO
EMBRIAo DE CIDADE 57
V. ITAQUERA E ABSORVIDA PELO PROCESSO DE
METROPOLIZACAo DE sAo PAULO 73
VI. A NOVA ITAQUERA DE CONCRETO 81
VII. 0 CONFLITO ESTA CRIADO 93
CONCLusAo 109
ANEXOS 111
BIBLIOGRAFIA GERAL 143
7
INTRODUCAO
Pensar 0 urbano num momento em que cada dia rnais as
problemas de nossa Capital extravasam par todos as anqulos e
agora uma neces-sidade urgente. Urgente para todas,
governantes, administradores, 0 cida-dao comum e 0 cientis ta.
Todos que participam, ativa au pacificamente desse
movimento continuo e progressive de mvasao da grande
cidade, sao parte e agentes de urn processo hist6rico atual - a
atracao dos centres urbanos melhor equipados. Cabs 80
cientista social, mormente aquele que viva no chamado terceiro
mundo , a tarafa inicial de interpretar as causas do fen6meno
urbano que ai esta aos seus olhos.
Ninquern pode fiear indiferente a asses movimentos
humanos, contfnuos e superlativos das massas populares,
cada vez mais espoliadas no seu poder aquisitivo e expulsas
para a periferia, num tributo resignado ao progresso.
Nos parses do centro ou nos perifericos, os
deslocamentos de populacao das areas rurais ou dos centros
urbanos rnenos equipados para os grandes centros industrials
e um aspecto da hist6ria s6cio-econ6mica de nossos dias,
talvez 0 mais abordado, nos seus dois capi tulos gerais - de urn
lado a atracao irresistivel da gama de possibilidades
oferecidas, quer na proliferacao da divisao do trabalho, quer
em termos de educacao, vida espiritual e artistica, lazer, etc.
De outro lado, e a penetracao capita lista tarnbern no campo, a
consequents liberacao da mao-de-obra substituida, cada dia
rnais, pela rnaquinaria e 0 exodo rural incontrolavel,
Nem mesmo os parses ricos , com uma hist6ria rnais longa
de industrializacao ia encontraram solucces de equilibrio no
9
controle desse movimento geral da populacao a procura dos
grandes centres. E 0 problema se agrava muito mais no
terceiro mundo, 0 mundo periferico, onde as disparidades sao
colossais na oistribuicao da renda, onde falta uma infra-
estrutura adequada que acompanhe de perto 0 crescimento.
Na cidade de Sao Paulo os problemas tornam-se cada
vez mais agudos, na medida em que a grande cidade invade
sua periferia e os municipios adjacentes, precedendo ou
ultrapassando rapidamente a planiflcacao. Basta acompanhar
as cifras dos recenseamentos da populacao para sentirmos os
enormes problemas criados no usa do solo urbano. E isso, num
lapse muito curto da hist6ria, se pensarmos que a verdadeiro
processo de agigantamento, a transforrnacao radical da "capital
provinciana" se deu de 1950 em diante, quando de lato ,
desencadeia-se a grande industrializacao do capi tal
monopolista
E a partir de entao que os pacatos suburbios servidos
pela estrada de lerro, participancc alguns do "cinturao verde",
outros jil tendo evoluido como "cidades-dormit6rio" para a mao-
de-obra da industria nascente, vao integrar-se ao centro
urbano. Tal integrac;ao se faz num processo tentacular e
avassalador da grande cidade, de inicio sem mesmo privilegiar
direcoes. De uma populacao avaliada em 2.200.000 habitantes
pelo recenseamento de 1950 (sem Osasco) Sao Paulo passa
para 3.170.000 em 1960. Em 1970 [a sao 5.922.000 (ainda
sem Osasco) e 8.493.600 (Osasco incluido) em 1980. Isto quer
dizer que no decorrer de 30 anos Sao Paulo quadruplica sua
populacao. Isso s6 para la lar no Municipio da Capital, pois se
falarmos nos 37 municipios que constituem a Grande Sao
Paulo, a populacao salta de 2.662.800 em 1950, para
12.719.000, em 1980. A estimativa do SEADE para a Capital
de Sao Paulo loi de 9.718.260 habitantes nesse ano de 1984.
Sem duvida, 0 processo de expansao, embora a ritmo
vertiginoso, vai privilegiando areas de ocupacao, quer para a
to
industria, quer de carater residencial, sob uma legislaC;ao que
nao consegue acertar 0 passo com a velocidade da instalacao
dos que vao chegando. Loteamentos, legalizados ou nao,
precedem a infra-estrutura necessaria ao estabelecimento
dessa populacao que , do Nordeste, de Minas, do interior de
Sao Paulo e demais regioes do Brasil, procedentes do meio
rural ou urbano despencam em massa, a cada dia, sobre a
cidade de Sao Paulo.
Privilegiados pelo trem, antes da primazia da estrada de
rodagem, os suburbios foram os primeiros a serem atingidos,
quer pela expansao da industria que precisava sair do centro
urbano, quer por essa populacao al6gena, de escasso poder
aquisitivo. Dentro desse processo, cedo a periferia urbana vai
tomar esse aspecto ca6tico que tem hoje - ba irros imensos que
crescem como cogumel6 na periferia, pouco ou bem
articulados com 0 centro, mas sempre apresentando a aspecto
tristonho do improviso e da pobreza.
Hoje os antigos suburbios do principio do seculo fazem
parte integrante do entorno, daquilo que se convencionou
chamar genericamente, a periferia de Sao Paulo, mesmo que
sua genese nao seja identica daquela dos bairros que ficaram
a margem da estrada de ferro. Os suburbios, alem de outras
caracteristicas proprias, tern tradicao. Tradicao de suburbio e
tarnbern anterior ao trem. Mas como nao estamos mais na era
da ferrovia, aquilo que foi urn grande privileqio ha cinquenta
anos deixou de ser uma linha diretriz da ocupacao do solo nos
dias atuais. A industrializacao deixou a margem alguns desses
antigos suburbios, embora possam estar intimamente ligados
ao processo, como reservat6rio residencial de mao-de-obra. E
o caso de Itaquera, distrito da Capital, na Zona Leste, a area
atual de maior expansao de Sao Paulo.
Foi ltaquera que escolhemos para pensar a urbano a
partir da periferia de uma enorme cidade do mundo periferico.
I I
Porque estudar Itaquera, tao longinqua para os habitantes
do centro, quando, excecao feita de alguns trabalhos, a maioria
dos bairros centrais ainda nao mereceu a atencao dos
estudiosos? E ainda mais. muitos desses trabalhos, de
reconhecido valor, nao sairam dos arquivos da Universidade,
apes uma defesa de tese, senao para 0 proprio meio
universitario.
Varias raz6es privilegiaram a escolha , sendo a principal 0
desafio que constitui a periferia da grande cidade, onde asproblemas da mesma tornam-se rnais penetrantes, por serem,
quase sempre, agudos. Tambern, par causa do dinamismo
desse processo evolutivo que, na periferia esta longe de poder
ser considerado cristalizado por exaustao de espaco ou de
infra-estrutura adequada, tal como nos bairros nobres e
tradicionais da cidade.
Itaquera nao e urn bairro sem hist6ria anterior a estrada
de ferro. Muito pelo contrario! No proximo dia 10 de novembro
estara comemorando 0 seu 2980 aniversario, mas se
remontarmos a sua funcao de passagem para 0 aldeamento de
Sao Miguel do Ururai, a hist6ria do apresamento de indigenas
au da busca do ouro pelos bandeirantes, sua historia Iiga-se
intimamente a do desbravamento paulista dos prirnordios da
colonizacao jesuitica.
E so com a via terrea, no tronco da Central do Brasil,
antiga Estrada do Norte, que em 1877 iniciava a liga9i3o Sao
Paulo-Rio (trecho Sao Paulo-Jacarei j, que Itaquera passa a ser
urn capitulo da nistoria rnais conhecida da pauliceia.
Antes da estrada de ferro , que marca a primeira e ainda
incipiente fase de industrializacao de Sao Paulo, concomitante
a grande expansao do cafe no Estado, a historia de Itaquera e
urn capitulo de desbravamento e depois uma historia rural. E 0
rural foi ali tao marcante que, nem mesmo a enorme invasao
urbana que se processou sobretudo de 1970 para ca,
12
conseguiu ainda elirnina-lo de todo. Alias, e esse resquicio do
"cinturao verde", coabitando com 0 pulsar intenso da
Megal6polis, no seu espaco urbano recem-conquistado em
Itaquera, que constitui a novidade, a atracao maior do bairro
para 0 cientista social.
Como ja dissemos acima, no pr6ximo dia 10 de novembro
Itaquera comemora 0 seu aniversario, Nesse dia, a primeira
locomotiva que serviu 0 atual distrito da Capital sera reativada
para uma viagem entre Artur Alvim e Itaquera. A maria-furnaca
que abriu caminho para 0 povoamento dos suburbios vai
relembrar a populacao a importancia que teve na primeira
metade do seculo XX. De I'; para ca, a hist6ria de Itaquera se
enriquece de episodios conhecidos e passa a ter sentido no
aqui e agora.
Das sesmarias as grandes fazendas (a dos carmelitas
tendo servido para 0 embasamento do nucleo atual), passando
pelo parcelamento das terras e uma efetlva ocupacao agricola,
como pela fixacao do nucleo urbano com a estrada de ferro,
houve um lapso de tempo multo grande, com uma hist6ria
pouco agilizada, por escassez da populacao. Em meados do
seculo XX, quando a periferia de Sao Paulo corneca
efetivamente a ser ocupada , Itaquera era conhecida par sua
dupla tuncao, onde 0 rural emais significativo que 0 urbano. De
um lado e a terra do pesseqo, em que 0 imigrante nlponico se
sobressai na cultura de frutas, hortalicas e pequena criacao. De
outro , e 0 ernbriao da cidade em volta da estacao terroviaria, a
"cidade-dormit6rio", reflexo imediato da industrializacao de Sao
Paulo e consequents especulacao irnobiliaria do solo urbano. A
cidade inicia 0 processo de repelir para a periferia , cada vez
com maior impulse, aqueles que nao podiam arcar com os
custos da casa propria ou dos aluqueis no nucleo ja
densamente ocupado .
Itaquera vai permanecer assim, como parte ativa do
"cinturao verde" de Sao Paulo e nucleo modesto de "cidade-
13
darmit6rio" par mais de sessenta anos deste seculo. De 1970
para ca, profundas transtorrnacoes ali se verificam, na medida
em que a Zona Leste da Capital vai ser alvo da grande
expansao urbana, e que toda uma infra-estrutura de circulacao
moderna, quer de vias mais rapid as de acesso rodoviario, quer
da pr6xima exten sao do metro, vao tornando-se realidade.
a espaco, ate entao rnais ou menos ocupado por
pequenas propriedades, capoeiras, varzeas vazias ou com
olarias, corneca a ser altamente valorizado e alvo de
desenfreada especulacao imobiliaria. Tal especulacao ativada
a partir de 1950, processa-se do centro para a periferia, como
tarnbern do centro para outros municipios da Grande Sao
Paulo. Ao contrario da periferia, os municipios que nao se
industrializaram na Grande Sao Paulo vao ser loteados para
chacaras de lazer e repauso.
A grande industria nao procurou a area de ltaquera,
principalmente par deficiencia do transporte rodov iario na
epoca de sua instala cao rnacica , mas, provavelmente, tarnbern
pela necessidade de abastecimento da Capital em gimeros
alimenticios. Dai perdurarem, ate 1970 mais ou menos,
enarmes vaz ios au areas semi-ocupadas, que chamaram a
atencao dos poderes publicos para um gigantesco plano
habitacional. A finalidade das COHAB's I, II e III que se
instalaram ali na decada de 70, era a de atender a uma
populacao pobre, carente de recursos para a aquisicao da casa
propria.
A partir de entao, 0 rural recua rapidamente diante da
avassaladara invasao do urbano. Itaquera deixa de ser
conhecida pela qualidade dos seus pesseqos e, de repente,
tad a a fisionomia da area transforma-se com a instalacao dos
gigantescos blocos dos conjuntos populares de habitacao. S6
nos conjuntos, instalam-se, de 1980 a 1984, mais de 200 mil
pessoas. Em consequencia e, concomitantemente, aparecem,
de iniciativa particular, varies outros conjuntos. Em dez anos e,
14
considerando-se apenas a populacao urbana do distrito,
Itaquera passa de 17.700 habitantes em 1960, para 182.551
em 1970 e pula para 320.132 em 1980. Se considerarmos 0
conjunto administrativo da regional de Itaquera (Itaquera -
Guaianazes e Sao Mateus) ultrapassou 1.500.000 de
habitantes no inicio de 1984.
Em 1950, a populacao total do distrito de Itaquera era de
14.886, sendo recenseados apenas 4.410 na area urbana. Em
1960,0 total era de 33.570 estando ja rnais da metade (17.700)
na area urbana e 15.870 na rural. Em 1970, 0 rural cai para
6.592 e nao e registrado em 1980.
Hoje 0 bairro de Itaquera sozinho pode ser considerado
como uma grande cidade, refletindo todos os problemas do
crescimento desenfreado da Capital. E a segunda area mais
crucial quanta aos problemas urbanos. Com um passado
aqrario ainda muito recente e mesmo residual , Itaquera nao
possufa, de forma alguma, as condicoes necessaries para
suportar 0 peso dessa populacao que ali caiu de chofre. Hoje
esse bairro ocupa, cada vez com mais frequencia, as
manchetes de jornais. Nao mais para celebrar os
acontecimentos alegres e festivos que marcaram a testa do
pesseqo numa prospera area agricola, mas para d amar pela
agua, pelos esgotos, por canalizacao de c6rregos, pela coleta
do lixo, por melhores condicoes de transportes, contra a
violencia, 0 abandono, etc.
A "cidade-dormit6rio" se avoluma em passos de gigante e
com ela todos os problemas antes minimizados pela escassa
populacao que, pacatamente, tinha 0 seu refugio ao lade dos
trilhos ou na colonia agricola, tornam-se agudos e c1amam par
solucoes.
Estudar a historia antiga nas fontes pnrnanas, pelos
viajantes e cronistas e, sem duvida, algo necessano num pais
em que 0 acesso a tais tontes nem sempre e uma tareta
15
simples e onde muito se perde por falta de abertura para 0
significado cientifico de tais pesquisas. A hist6ria factual e sem
duvida necessaria para servir de base a mterpretacao. Mas a
cocumentacao do periodo colonial e multo fragmentada e dai a
necessidade de aproxirnar, de inferir, tarefa ardua do
historiador. Nossa objetivo, contudo, nao e esse. Utilizarnos
aqui a hist6ria, em parte baseados nessa docurnentacao
escassa para 0 periodo colonial, na medida apenas em que ela
pudesse servir de subsidio para uma interpretacao socio-
econbmica de outra hist6ria que nos interessa mais de perto.
Dos fates truncados, procuramos aqueles que serviriam de
subsidio para 0 quadro s6cio-poliltico-econbmico atual, Nosso
abjetivD e 0 de auxiliar com essa pesquisa a comunidade de
Itaquera, para urn conhecimento mais aprofundado do seu
bairro. E na medida do possive l, colaborar com 0 governo
municipal para elucidar as causas dos problemas locais, na
tentativa de encaminhar solucoes objetivas. A hist6ria
cronol6gica dos fates sem interpretacao para projecao no atual,
a nosso ver, 56 serve para engrossar arquivos e encher as
cabecinhasde nossos pobres escolares.
Na procura de dados sobre a hist6ria de Itaquera, tivemos
acesso a urn sem nurnero de fontes, quer de arquivos como os
da Curia Metropolitana de Sao Paulo, do Estado, do Municipio,
do Museu Paulista, da Igreja Matriz de Itaquera, de jornais, do
acervo de particulares, quer de publicaybes antigas ou
recentes. Obtivemos cartas antigas no Museu Paulista, na
EMPLASA, no IG (Institute GeoI6gico). Uma bibliografia da
Faculdade de Arquitetura, da Secretaria da Habitacao e da
administracao das COHAB's tambern foi objeto de consulta,
assim como da Regional de Itaquera. Contudo, 0 que rnais nos
fez vivenciar, de fato, 0 bairro nao estava nos livros nem nas
cartas. Estava no local mesmo, nos excelentes informantes que
tivemos, na pesquisa de campo, e, sobretudo, numa longa
vivencia (de carater cientifico e nao residencial) com a
poputacao, de tres anos para ca. Sem os habitantes de
Itaquera, que souberam entender os objetivos de nossa
16
pesquisa enos acolher tao bem, nao terlamos realizado este
trabalho. A eles e aos arquivistas que nos facilitaram muito a
tarefa de consulta , queremos deixar aqui os nossos
agradecirnentos.
Nosso objetivo inicial, que ainda permanece, em projeto,
era a abordagem socio-econornica do impacto causado pelas
COHAB's na populacao "tradicional" de Itaquera, tendo como
ponto de partida os criterios de escolha da area para a
irnplantacao do proieto. Quando iniciamos a pesquisa de
campo em Itaquera , as COHAB's ja eram uma realidade
concreta. Comecarnos, entao, por ai, aplicando questionarios
aos mutuaries , convivendo com eles, na medida do posslvel , e
procurando informantes que trabalhassem, em carater social,
com a nova populacao dos conjuntos.
Tal procedimento nos levou, naturalmente, a fazer
indaqacoes do passado e dai ir recuando ate as prim6rdios.
Nas paqinas que se seguem, comecarernos do passado,
tentando urn encadeamento que nos leve a integrar Itaquera na
Metropole, Dessa inteoracao, pensamos partir, num segundo
momenta mais arrojado , para uma abordagem te6rica que a
situe no contexte dos grandes centros urbanos do mundo "dito
em desenvolvimento", sob regime capitalista.
Nessa busca de explicacoes no passado, a cartografia
nos foi muito util, servindo para interpretar e visualizar a usa do
solo na sua evolucao para 0 conjunto metropolitano. Terfamos
dificuldade em c1assificar a presente estudo numa area
determinada das Cisncias Humanas, pois, quase todas elas
nos serviram de apoio para tentar entender 0 processo
hist6rico, econornico, politico-social de ltaquera.
Sem querer rotular a metodologia de dialetica, pois nem
sempre 0 e, a intencao inicial era a de abordar a estudo de
Itaquera a partir dos conflitos ali criados pela expansao da
17
Metr6pole e os problemas advindos dai, criados par pressao da
pcpulacao.
NEIO iremos entrar a fundo nessa dialetica da contra dicao
(no caso, entre 0 progresso e a miseria) que e espacialmente
pa lpavel. 1550 porque teriamos de passar ainda alguns anos
num convivio mais intrrno com a poputacao do bair ro, para
senti-Ia melhor.
Resta-nos apenas complementar esse longo preambulo
em que pretendemos dar um ligeiro apanhado do conteudo que
se segue e esclarecer nossos objetivos, com 0 plano de
desenvolvimento do trabalho, que assim foi esbocado:
lntroducao - 0 enfoque do estudo - a metodologia e
as limitacoes presentes.
Capitulo 1- 0 apresamento, a cata ao ouro e 0 infcio da
fixacao do homem ao solo - a sesrnaria - os caminhos de Sao
Miguel de Ururai - 0 patrimbnio do Carmo.
Capitulo II - A estaqnacao da pauliceia e 0
isolamento de Itaquera - 0 cintu rao caipira - a vida de relacoes.
Capitulo III - A E.F. do Norte e a caracterizacao de
Itaquera como area suburbana - 0 ernbr iao da "cidade-
dormit6rio" - Itaquera se integra no cint urao verde.
Capitulo IV - Expansao da agricultura comercial e
estaqnacao da "cidade-dorrnitorio" - A Colonia Niponica e a
cultura de pesseqos - perrnanencia dos vazios urbanos.
18
Capitulo V - Itaquera absorvida pelo processo de
metropollzacao - A busca do Leste e a ocupacao macica do
solo urbano - 0 metro no encalco da expansao - aspeculacao
irnobiliaria e recuo do "cinturao verde",
Capitulo VI - A nova Itaquera de Concreto - As
COHAB's I, II e III - planejamento, instalacao e infra-estrutura -
a vida nas COHAB's - as duas faces da questao, ou visao
extern a e interna do problema.
Capitulo VII - 0 confiito esta criado - 0 impacto da
cidade - cogumelo sobre a vida tradicional de Itaquera - a
transposicao brusca dos problemas da Megalopolis - tradicao
versus irniqracao - a busca de solucoss.
Conclusiio - 0 Bairro de Itaquera em 1984.
19
Capitulo I
o APRESAMENTO. A CATA ,1.0 OU RO E 0 INi n o DA
FIXACAO DO 1I0MEM ,1.0 SOLO
As sesmarias - 0.1' caminhos de Sao Miguel de Ururaf - a
Patrimonio do Carma
Itaquera ira comemorar em breve (10/1 1/84) 0 seu 2980
aniversario. A data de sua origem nao e. contudo, ponto tao pacifico
assim .
Na edicao cornemorativa do 2970 aniversano da cidade ha, a
pagina 2 do jornal Not icias de Itaquera, urn artigo denominado
"Origens e Aspectos Historicos de Itaquera" (V. Doc. I - pag. 11 5).
Ali se da a data de 1675 como a do primeiro documento referente a
posse de terras na area de Itaquera. Trata-se do inventario de Fernando
Munhoz que teria sido 0 construtor da Capela de Sao Miguel,
inaugurada em 1620. 0 referido Fernando Munhoz recebeu como
pagamento de seus services, terras situadas entre as rios Jacui e
ltaquera, estendendo-se para 0 norte ate 0 Rio Tiete . 0 noticiario fala
que tal capela comecou a ser construida no ana de 1556,0 que e de se
estranhar, pois a data mais provavel de fundaceo do aldeamento de
Sao Miguel, e a de 1580. Teriam levado 64 anos para construi-la? Em
que epoca teria Fernando Munhoz cornecado a trabalhar nela, pois,
entre a data do inicio da construcao e 0 seu inventario escoarn-se III
anos ? Para ter recebido tanta terra, deveria estar trabalhando ja ha
muito na Capela e, no entanto, entre a inauguracao da mesma e 0 seu
inventario passam-se 55 anos! Ou as terras eram realmente tao pouco
valiosas que, tendo ele trabalhado uns dcis ou tres anos no final da
construcao da Capela tivesse recebido duas enormes glebas em
pagamento?
De qualquer forma, considerando-se essa data como a da origem
de Itaquera, comemorar-se-a nesse ana 0 seu 30~ aniversario e nao 0
298°.
21
o Diario Popular de Sao Paulo de 02/05/197 3. num artigo sobre
Itaquera da a data de 06/ 11/ 1775 como sendo a da origem. na fazenda
do Carmo. Em 1800, foi rezada a primeira missa carnpal. pois 56 em
18 15 e fundada a primeira Igreja naquela fazenda . Sem apontar fontes,
em quaisquer dos casos. refere-se ainda a noticia as (res primeiras
casas edificadas em 180I, onde hoje encontra-se a estacao da Central
do Brasil.
Num outro trabalho dati lografado, sem data nem nome de autor,
que se encontra em uma pasta com 0 titulo "ltaquera", no Arquivo
Municipal de Sao Paulo, pode-se ler, logo de inicio: "A referencia
mais remota que se faz de Itaquera e datada do seculo XVII. A mesma
e encontrada no livro de Cartas e Datas de Terras paginas 12 1-122.
Em 2 1 de ju1ho de 1682, Salvador Cardoso de Almeida, juiz dos
orfaos nesta vita. por morar perto da mesma, esra lavrando em terras
de indios em Cahaguassu, perto do curral sobre 0 Rio de Taquera . No
mesmo livro ha outra referencia, datada de 5 de agosto de 1686: 0
suplicante Simile Fernandes Ramalho principia nas terras dos indios
de Sam Miguel sobre 0 Rio da Taquera. Nas referencias antigas de
Itaquera, sempre se refere num tal caminho de Embiasigua. Mais ou
menos em 1722 esta fazenda foi doada a Provincia Carmel itana
Fluminense". 0 referido trabalho esta reproduzido. na integra, no final
deste capitulo, sendo desneces sario alongarmo-nos mais aqui (Doc. 2
- pag. 116).
o intuito de reproduzir aqui tres documentos dando datas
diversas para a origem de Itaquera, nao e 0 de criticar os mesmos. uma
vez que sabemos ser a historia colonial. mormente nas origens. multo
parca de dados e que os jornaisraramente indicam as fontes. Nao
temos elementos para. de catedra, colocar por terra 0 que foi transcrito
acima. Ao contrario, na falta de documenracao de apoio. para fixar as
origens numa data determinada. 0 que nos parece desnecessario dentro
da abordagem a que nos propusemos, iremos explorar esses trechos e
procurar ler nas entrelinhas. 0 importante, a nosso ver e saber, a partir
dai, que ltaquera, nos seus primordios esta intimamente Iigada a
historia do aldeame nto de Sao Miguel do Ururai. Podemos ver pelos
documentos 1,2 e 3 (pags. l iS a 119) que ltaquera , antes da instalacao
22
dos carmel itas, era frequentada por indios de Sao Miguel e que havia
caminhos para essas incursoes E a data de 1686 na qual e feita
refere ncia explicita a indios de Sao Miguel que sera comemorada no
prox imo dia 10/11. Everdade que nao encontra mos nada que auto rize
esse 10/1 1, pois 0 documento refere-se a 05/08. De qualquer forma,
nao ha referencia tambern alguma na documentacao consultada sobre
o efetivo estabelecimento humano na area antes do seculo XVIII, ja
com os carmelitas .
Ate que ponto e valida uma documentacao vazia (isto e, sem
provas de fixacao do homem a terra) para marcar-se as origens de urn
dete rminado local? Nesse caso , porque nao considerar. entao, as datas
de 1610 e 16 1I, as de conccsszes de sesmarias na area? De acordo
com urn mapa (Carta n." 1 - peg. 127) encontrada no Arquivo Aguirre
(acervo do Museu Paulista), entre 1610 e 1611 havia quatro sesmarias
na area compreendida entre Sao Miguel e as cabeceiras do Rio
Arica nduva, a saber: Bartholomeu Bueno, a nordeste do ribeirao
Itaquera-Miri m e da atual estacao da estrada de ferro, sendo as teITas
cortadas pelo ribeireo Jacu. Pela local izacao dessa sesmaria, ela
englobaria terras do atual bairro de Santana, antigo bairro da Casa
Pintada. 0 nome antigo do bairro foi dado por causa da celebre e
pouco conhecida Casa Pintada, pouso de bande irantes que se dirigiam
as minas de Cataguazes. Sobre ela Spix e Martius, como tambem
Saint Hilaire fazem refe rencias (A. Azevedo - Suburbios Orie ntais de
Sao Paulo, pag. 37), dizendo nao passar, na epoca, de m inas. (Saint
Hilaire - Segunda Viagem, peg. 164). No Arquivo Aguirre ha uma
foto da Casa Pintada que aqu i reproduzimos (pag. 113), tirada de urn
quadro cuja auto ria e ainda discutida, mas, segu ndo estudos
minuciosos apresenta muitas evidencias de ser de Debret. Anexo
tambern a planta da Casa Pinta da (pag. 114).
Urn outro traba lho existente no Arquivo Municipa l cuja autoria,
dado 0 estilo, deve ser do mesmo autor do anteriormente citado,
comeca referindo-se a Itaquera como pouso de bandeirantes que iam
para as Gerais, em busca do ouro. "Logo que 0 ouro comecou a ser
explorado intensamente nas Minas Gerais , ondas de bandeirantes para
23
la se dirigiram ; a regiao passou a ser obrigatoriamente palmilhada.
Surgiu 0 chamado Caminho dos Guaianazes, que ia se entroncar nas
alturas do "Guaratingueta'' com 0 caminho velho que ate ali chegara
passando por Cunha, procedente do literal de Parati. Ao iniciar 0
seculo XVIII (1700), a Penha de Franca, Itaquaquecetuba, Mogi das
Cruzes eram as primeiras etapas dessa longa viagem de dois meses.
Foi deste caminho que surgiu urn simples pouso de viajantes chamado
Itaquera., a mesma denominacao de urn corrego ali existente. Na
lingua indigena, este vocabulo significa Buraco de Pedra, por
corruptela de Ita-coera ou Margens Graniticas, por corrupte1a de Ita-
ique-ru.*1 Durante muito tempo assim permaneceu, como pouso de
viajantes, dos bandeirantes. Proximo ao nucleo central de Itaquera
existiu a famosa Casa Pintada que, em 1830 nao passava de urn
modesto e muito mau rancho; este estaria na atual Vila Santana".
Caio Jardim, no trabalho intitulado Sao Paulo no Seculo XVIII
(Rev. Arquivo Municipal, Ano IV, Vol. XLI) escreve: "E a historia
dos paulistas desde os fins do seculo 17 aos meados do 18 seria
principalmente a historia do ouro" . Relata todas as lutas dos paulistas
a prccura do aura e apresamento dos indios, a separacao
administrativa de Minas Gerais e 0 despovoamento de Sao Paulo por
causa do ouro.
Quanto aexistencias de varios pousos de bandeirantes na mesma
epoca e relativamente proximos uns dos outros, Langenbuch
(Estruturacao da Grande Sao Paulo) faz longas referencias aos
mesmos, entre as paginas 36 e 41, destacando na area as da Casa
Pintada, Penha, Inhazinha, Baixa da Bananeira e Lageado, explicando
terem os bandeirantes opcces alternativas de uso.
As demais sesmarias da area, pela localieacao no mapa (V.
Carta n." 1 - pag. 127) so em parte foram ocupadas pelo atual distrito
de Itaquera, excecao feita a de Joao Bicudo do Espirito Santo. Eram as
de Maria Alvarez localizando-se ao norte da atual variante da E.F.C.B.
e do nuclec Baquiriva, hoje em Sao Miguel; a de Joao Bicudo do
' 1 Ha varias imcrprctacccs para a etimologia da pala\Ta Itaqucra, a saber: pcdra de dormir, buraco de
pedras. margcus granuicas. pcdra avcrtuclhada c a '111C nos dell um professor de linguistice. pcdta em
dceom]'O,i,30. '1"'" nos pare"e ser a mais prod.\"d. dado 0 cararcr fria,'d das rochas ali predominant..,
24
Espir ito Santo entre OS nos Verde e Jacu (hoje no distrito de Itaquera e
Guaianazes) ao suI da estrada de ferro , correspondendo. grosse modo,
a fazenda Caguacu . A quaila sesmaria foi doada a Manoel Caetano e
situa -se ao suI de Guabimbeira - seria Guabirobei ra. como na calla de
1943?(V. Carta n.' 2 - pag 128)
Pela importancia da sesmaria de Joao Bicudo do Espirito Santo,
constituindo grande parte do atual solo urbano de Itaquera, julgarnos
interessante aqui transcrever urna ficha do Arquivo Aguirre (Museu
Paulista) que reproduz a calla de sesmaria :
"Pcnha
Sesmaria Rio Guayauna Cab'
Concedida a Joao Bicudodo Espirito Samo
S, Paulo 2010911717 (Liv. n° ~ fl . 288 - Registro Goral da Cam. dc S.
Paulo).
D. Pedro de Almeida Portugal Comdr. dc S, Cosme c Damiao. Capt.
General da Capitania dc $.'10 Paulo c Minas Gerais.
Face saber aos que csra Cana de Sesmaria vircm, que havendo
rcspcito no que por sua pcucao mc cnviou a dizcr Joao Bicudo do
Espirito Santo morador n'csta Cidade rcprcscntando-rnc que na
paragcm chamada Cabcccira Rio Guayauna cstac urnas terms que
foram dos seus avos e de scus pacs. os quais vendcram havia 10anos
pouco mars ou mcnos. que 0 ditc Joao Bicudo do Espirito Santo as
resgatou tomando-a cornprar e nas vizinhancas dcssas mcsmas terras
tambern comprou duas tapcras feitorias anngas com alguns de
espinhos e uma que em si contem urn pomar de manneios e
alguns de espinhos etc. Comecando a testada no caminho e
sen-entia de Jose Pires ate dar na paragem chamada Rio Verde e de
comprimcmo tomando desde 0 ccrcado de Francisco Pinheiro de
Sepeda e rurnodireito pcla esuada do dito Francisco Pinheiro - ale dar
na ponte e passagem do Ribci rao Aricandiba e da mesma sortc. pcla
outra banda de ondc comcca a testada se tornara rumo dircito para 0
comprimento parundo com as terms que Iorao de Ana Pereira e
atravcssando 0 mesmo rio Guayauna ale dar no Rio Arieandiba
ficando de fora das ditas terms 0 culuvado que nelle tem Pedro de
Manos".
Silvio Bontempi, no seu livre "0 Bairro de Sao Miguel Paul ista"
aponta, tambem. vasta doc umentacao que interessa aos primord ios de
Itaquera, cruao sernpre Iigada ao aldearnento de Sao Miguel de Ururai .
25
A pagina 69 fala dos varies caminhos que, partindo do aldeament o
levavam a numerosas paragens formadas nos limites da sesmaria des
indios. Em geral, tais caminhos palmilhados pelas indigenas seguiam
os cursos da margem esquerda do Tiete. como 0 Itaquera e 0 Jacu.
Apagjna 99 da tese de Pasqua le Petrone sobre os aldeamentos
paulistas, descrevendo 0 sitio de Sao Miguel, refere-se a situacao
privilegiada para a epoca. "como se fosse uma peninsula, circundada
pelas varzeas do Tiete e seus afluentes, Itaquera e Jacu, entre 730 e
740 m de altitude, apoiada ao sui as colinas terciarias que se elevam
gradativamente ate 795 m. Abrigada ate mesmo em relacao as maiores
inundacoes, dispondo de amplas areas para0 cultivo do solo, ticava,
entretanto, muito proxima do rio, com facilidades de obtencao de agua
potavel, de pesca e de circulacao''. Eram, portanto, muitc faceis as
Iigacoes do aldeamento de Sao Miguel do Ururai com as terra s da
atual ltaquera e, sem duvida, os indios guainas (Petrone, op. cit. pag.
86) dos campos de Piratininga que habitavam 0 aldeamento de Sao
Miguel, usaram aquelas paragens como sua hinterlandia de
subsistencia. Tanto Petrone (op. cit. pag. 228) como Bontempi (op. cit.
pag.130) lembram a area de 6 leguas de todos os lados da aldeia de
Sao Miguel, que englobaria, largamente, a atual Itaquera e muito mais
ainda. Bontemp i, a esse respeito, cita urn oficio da Camara de Sao
Paulo, datado de 1828, conforme aparece no Registro Geral da
Camara de Sao Paulo, VoL XIX, pag. 344.
A data de 10 de novembro em que se comemora 0 aniversario de
ltaquera nao coincide tambem com nenhum desses documentos acima
citados. A carta de sesmaria de Amador Bueno e de 15 de marco de
161 1; a de Bartholomeu Bueno e de 4 de dezembro de 16 10 e a de
Joao Bicudo do Espirito Santo e de 20 de setembro de 1717.
Segundo Bontempi (op.c it. pag.zn), "em 1683, Andre Lopes,
que no ano de 1682, ja aforara terras no Anga (conhecido como
Jaguaporeruba) sucedendo a seu pai que ali j a era posseiro desde
1612, regulariza a posse de urn sltio proximo da tapera de Damiao de
Moraes. Tal sitio ficava entre dois ribeiroes, sendo urn deles 0 Jacui.
Naquela regno Fernao Munhoz, seu sogro e urn dos construtores da
26
Capel a de Sao Miguel, deixou extensas area s. No ano anterior, 0 Juiz
de orfaos. Salvador Cardoso de Alme ida, tambern com carta de
aforamento. estabelece na regno urn curra l, com cern bracas em
quadra e recebe outras terras ainda em Cahaquassu, banhadas pelo rio
Itaquera e finalmente mais 300 brac as a partir do Taque-Mirim. perto
da lavoura de sua sogra, Maria Raposo".
Na pag. 153 do citado livro, diz 0 autor "Itaquera, ja no Iimiar
do seculo XVII era nominal mente conhecida. Em 1620, arrola-se urn
pedaco de roca, que esta em Taquera, no inventario de Viola nte
Cardoso". E ainda: "Slmao Fernandes Ramalho ou Camacho e Inacio
de Mello Coutinho afo ram terras em ltaquera "dos indios de Sao
Miguel" respectivamente em 1686 e 1693, esc larecendo-se no titulo
do primeiro que se localizava 0 seu sitio nas margens do R. Itaquera,
ao longo do cami nho de Biacic a. As mencionadas cartas de
aforamento de terra s de Anga, Itaquera e Caaguassu encontram-se em
Cartas e Datas de Te rra, Vol. Ill , paginas 115-1 17; 132-134; 147-149;
121-123; 2 19-221 e 257-260".
Como se pode ver, de tod a essa documentacao do Arqu ivo
Aguirre, dos estudos aprofundados que fez Pasquale Petrone sobre os
aldeamentos indigenas e do Iivro de Bontemp i. varias possib ilidades
apresentam-se para fixar a data de orige m de Itaquera. Entramos nesta
disc ussao por que dispunhamos desse material, que podera ser
ut ilizado por histor iadores, mas temos duvidas sobre 0 merito da
mes ma. Voltamos a afirmar que para nos, ela serviu para constata r
essa estreita Iigacao entre a area de Itaquera e 0 aldeamento de Sao
Miguel, como tambern para const atar a frag ilidade de algumas
afirmativas quan do se privilegia uma data de orig em, sem maiores
preocupacoes de encadeamento dos fatos para a necessar ia
interpretacao dos mesmos.
Dados ext raidos da topografia da area, da rede hidrografica, da
pequena distancia entre Itaquera e Sao Miguel, da presenca dos
caminhos ligando os aldeamentos da area (Sao Miguel, Guarul hos,
ltaquaquecetuba e Escada ) e esses ao Colegio de Sao Paulo e a Casa
Pintada no cami nho para Sao Miguel sao muito mais elucidativos que
27
as referidas datas.
Itaquera teria. pois. fimcionado. nos seus pnmordio s. como
hinterhindia de abastecimento dos indios guainas. como passagem
para bandeiras de apresamento e de mineracao nas Gerais. Sabe-se,
tambern. que os indios do aldeamento de Sao Miguel participavam
dessas bandeiras de rnineracao, A pagina 127 (Petrone, op. cit.).
apontando Atas da Camara de Sao Paulo (VoL VII, pag.505) le-se:
"em 1697 nao aviso indios nas Aldeas por averern ido todos para as
minas de ouro_.."
Sao Miguel, cuja data de origem do aldearnento tambem e
incerta (l560?, 1580?) atinge sua maxima prosperidade em 1589. E
nesse ana que se abre 0 caminho novo para Sao Paulo, 0 que significa
que ja havia urn carninho rnais antigo. Ora, 0 caminho mais curto e
mais favorecido pela topografia e pelos cursos d'agua deveria passar
por Itaquera. As paginas 143 e \4 5 (op. cit.) Petrone refere-se ao
emprego dos indigenas para a penetracao no interior, devassamento do
territorio e os descobrimentos, para explorar os sertoes e,
principalmente, para a procura de riquezas em metais e pedras
preciosas, havendo absoluta necessidade de indios para as minas de
"Cataguas". Apagina 146, refere-se adirninuicao da populacao de Sao
Miguel em 1730. por causa das minas de ouro.
Apes a expulsao dos jesuitas de Sao Paulo, em 1640, os
aldeamentos do padroado real caem em decadencia e Sao Miguel nac
consegue se reerguer. nem apes a volta dos mesmos. A miseria
instala-se ali e a sangria causada pelas minas e acrescida daquela feita
pela fome e pela fuga. No seculo XVIII. quando toda a area era urn
deserto de homens, Itaquera inicia urn novo capitulo. ja mais desligada
do aldeamento; ali se instalam os carmelitas. na fazenda Caguassu.
Antes de prosseguirmos com a etapa seguinte, em' que a homem
(0 branco, 0 mesttco e 0 negro), efetivamente, flxa-se em Itaquera,
com 0 sedentarismo necessario a uma economia agricola, seria
interessante destacar aqui, a tese de Petrone sobre a sequencia dos
aldeamentos, em volta de Sao Paulo de Piratininga. Segundo 0 autor
que elaborou a carta Regiao de Sao Paulo e Literal de Santos - Os
28
Aldeamentos e 0 Povoament o ate fins do Seculo XVII , tais
aldea mentos contornavam a cidade, form ando 0 que chama de
cinturao de terras Nesses aldeamentos havia sempre uma agricuitura
incipiente, de iniciativa dos jesuita s, para co mplementar a dieta do
silvicola, baseada na co leta vegetal, na caca e pesca. Tais atividades
organizadas. rnais os nucleos estabelecidos em volta da Capela, com 0
todo cercado por palicadas, ter iam sido a causa da persiste ncia, no
tempo, desses pequenos aglomerados. Everdade que apos a expulsao
dos jesuitas do Brasil, tais aglomerados como que pararam no tempo .
o cinturao de terras e que teria sido 0 embrieo do cinturac
caipira que foi desenvolver-se ape s a desativaceo dos aldeamentos.
Na Gazeta do Tatuape. data da de 19 a 25 de fevereiro de 1984, a
pagina 5, com 0 titulo "A Velha Fazenda e 0 Futu ro Parque", pode-se
ler sobre a faze nda do Carmo que teria dado or igem a cidade: "Sua
histor ia segundo alguns, e muito antiga, rnarcando suas origens em
1580, quando a regiao fo i doada aos indios pelo rei de Portugal".
Trata-se , acreditamos, da cart a regia do aldeame nto do padro ado
regie , em Sao Miguel do Ururai. Mais abaixo, prossegue 0 artigo do
jornal: "Embora suas origens remontem ao seculo XVI, a ocu pacao da
Faze nda co mecou . realment e, em fins do seculo XVIII, quando a
Provi ncia Carmel ita Fluminense (atual Ordem Tercei ra do Carmo)
recebeu as terras do Caaguacu. em doacao de urn dos seus irmaos. Nas
terras de Caaguacu foram plant ados pes de cafe, laranjeiras, chis,
ale m de verduras e outras frutas, sendo nelas feita a crtacao de gado.
Por volta de 1910, quase 200 anos apes . as terr as perderam a
fert ilidade, sendo, entao, 0 motivo que levou adivisao da faze nda em
varies glebas e uma delas sendo adquirida pe lo coronel Bento Pires de
Cam pos".
As referencias aos carmelitas na area desde 0 seculo XV I e XV II
devem dizer respe ito a Biacica ou Embiacica, co mo era conhec ido urn
cam inho da epoca. Parece-nos haver confusao entre 0 local de Biacica
(at ual Itaim Pau lista) , banhado pelos co rregos Itaim e Tiju co Preto e 0
da faze nda Caguassu, que serviu de palco para a historia de Itaquera.
Nada encontramos sobre 0 estabeleci mento de carmelitas em Biacica;
29simplesmente pe1a localizacac gecgrafica sabemos nee se tratar da
Fazenda do Carmo que estava em terras do Caguassu ou Caguacu
(ambas as grafias sao encontradas). Contudo, a confusao que se
estabeleceu nao esta so nos jornais que nao citam as fontes, via de
regra, mas tambem em alguns historiadores conhecidos.
No Memorial da Curia Metropolitana. que esta em parte
reproduzido com 0 numerc 4, no final do capitulo, pode-se ler, na
parte nao reproduzida nesse trabalho : "A via principal de comunicacao
com 0 Jardim Nossa Senhora do Carmo e a Estrada do Caguassu,
denominacao que vern da fundacao do Aldeamento de Sao Miguel,
criacao do Veneravel Anchieta. Essa estrada ligava 0 aldeamento it
Estrada das Lagrimas, antes chamada Caminho do Mar. Foi obra dos
jesuitas, Caaguacu (mato grande) era a denominacao do lugar. Ainda
existem vestigios dessa estrada, nao so em Itaquera, como em Vila
Prudente". A pagina 5 desse memorial, tem-se a descricao das
fazendas que formaram a do Carmo que, via de regra, e citada como
tendo sido parte apenas da Caguacu . Nao hi a fonte tambem ali. A
titulo de curiosidade, transcrevemos 0 trecho: "As terras que
constituem a Fazenda de Nossa Senhora do Carmo. propriedade que
era da Ordem Carmelita Fluminense , localizam-se na outrora
"Paragem de ltaquera". Itaquera era formada por quatro grandes
fazendas, destacando-se. pela sua extensao. a do Canno. Essas
propriedades agricolas . colocadas em forma de uma perfeita cruz,
erarn: a Fazenda do Carmo, assim popularmente chamada e que ate 0
ano de 1919 foi propriedade da Ordem Terceira do Carmo. situada ao
SuI; junto desta a de Cacapava. mista de cafe e pasto, que foi
propriedade do padre Francisco do Carmo Frees, da cidade de
Rezende, no Rio; a seguir para Oeste, a Rincao das Taipas que
ultimamente foi propriedade do oleiro Egydio Campanella; para os
lados do Norte, 0 velho Sitio da Casa Pintada, a que Saint-Hilaire
refere-se em seu roteiro pela Provincia de Sao Paulo. Fechando 0
perimetro vinha 0 sitio do Jacu, que foi propriedade tambem do citado
padre Frees."
Pelas capias dos documentos, anexados ao Memorial (Docs. 4 -
pag. 119 ), pode-se acompanhar a aquisicao da Fazenda do Carmo.
30
Assim. apagina 10 pode-se leT: "Metade da dita fazenda foi comprada
de Isabel Pedrosa, no ano de 1722. e a outra metade foi produto de
doacao feita ao Convento pelo capitao Tome Alvares de Castro, pai do
carmelita Frei Thome Alvares de Cristo". (Ver a documentacao mais
pormenorizada e outras da epoca, em Doc. 5 - pag. 120 e 4 - pag.
119)
No Registro Paroquial (Arquivo Aguirre) existe tambem a copia
do documento que relata a posse inicial da Fazenda Caguassu, por
compra de Isabel Pedrosa em 1722 e doacao do capitao Thome
Alvares de Castro (sem data). Possui os limites da mesma (Y. Doc. 5 -
pag. 120). Desse Arquivo , tambern, sao outros documentos
catalogados sob a rubrica de "Penha", dois referentes a Caguassu , urn
aCasa Pintada e urn aConceicao (Doc. 6 - pag. 124).
Lendo nas entrelinhas desses documentos e de outros mais,
encontrados nos arquivos da Curia e Aguirre. pode-se ter uma
pequena ideia da area e da vida, nas propriedades da epoca. Pelo
tamanho das propriedades e pela constante referenda a matagais
(capams, na gratia da epoca), aguadas e demais cursos d'agua. pode-se
falar nurna populacao extremamente dispersa e rarefeita. Currais,
planracces de rocas, arvores frutiferas tambem sao mencionados. E
natural pensar que a propriedade tivesse de ser auto-suficiente, dado a
isolamento na epoca . Tambem, no caso da Fazenda Caguassu. dos
Carmelitas, pode-se inferir que as atividades agricolas existentes,
tivessem se revestido de uma certa importdncia entao, pais possuiram
ate feitor de escravos. Interessante e tarnbern notar a falta de
conhecimento das letras. 0 que denota, mais uma vez, 0 carater rural e
de isolamento em que viviam.
No Arquivo Aguirre do Museu Paulista ha varias fichas de
copias de escrituras em ltaquera. a maioria delas de terrenos e
edificios em Casa Pintada. De 1772 a 1821 ha 2S fichas de venda.
Depois so vee reaparecer em 19 11 , intensificando-se as vendas ate
1936, num total de 267. Mas entao, ja estamos num outro capitulo da
historia de Itaquera, posterior a estrada de ferro. De qualquer forma,
tais documentos comprovam a importancia do aglomerado da Casa
31
Pintada (hoje Santana) neste periado a que estamos nos referindo. Que
hgacao teria isso com 0 antigo pouso de bandeirantes conhecido par
Casa Pimada? Teria 0 pouso funcionado como embrlao populacional
ja nos tempos coloniais?
Fica 0 desafio para algum historiador que se interesse por
aprofundar 0 estudo de tais documentos.
32
Capitulo II
A ESTAGNA<;:AO DA PAULICEIA E 0 ISOLAMENTO DE
ITAQUERA -
() cinturao caipira - a vida de relacoes.
Da fundacao de Sao Paulo em 1554 ate, praticamente, 0 inicio
do seculo XIX, a cidade nao teve condico es que favorecessem 0 seu
crescimento, sobretudo por raz6es historico-economicas. Mesmo seu
sit io urbano, que vai se most rar privilegi ado quan do as grandes linhas
de circu lacao se de lineiam, tornando-a urn centro irradiador de
estradas, nao apresentava uma vantagem entao. lsolada do mar e
circundada por morros, a bac ia terciaria de Sao Paulo rae era de
molde a facilitar os cantatas numa epoca em que 0 rneio privilegiado
de locomocao era a agua. Dai a import ancia que teve 0 Rio Tiete na
penet racao para 0 interior, tendo sido largamente utilizado pelas
rnoncoes. como foi magistralmente mostrado per Sergio Buarque de
Holanda. E seus afluentes tiveram, em ambito mais local, ta nta
importancia como ele, quando a agua era 0 elemento essencial para a
conq uista do solo.
A cidade foi crescendo de forma extremamente lenta, durante 0
periodo colon ial. Nao havia, praticamente, pelas cercanias, nenhuma
fonte de renda que possibilit asse ao homem, melhores cond icoes
economicas que Ihe permitissem gran des pianos futuros e conseque nte
estabi lizacao socia l. Bem ao contrario, as fontes de renda nesse
periodo estavam longe e os paulistanos despovoaram a sua cidade,
indo acata do indio e do ouro.
Dessa forma, a populacao da cidade foi se exaurindo e nso se
criaram bases econcmicas efetivas de molde a ligar 0 homem a sua
terra original.
33
o solo e 0 subsolo das cercanias da cidade nao apresentavam
grandes perspectivas para a exploracao. lsolada da "area core" do
Brasil colonial, numa epoca em que os caminhos eram precarios ou
inexistentes, Sao Paulo foi entrar muito tardiamente no cenario
econornico do pais. Ao finalizar 0 seculo XVIII a cidade de Sao Paulo
e urn reflexo das acanhadas iniciativas da Capitania, para assegurar a
sua sobrevive ncia.
Nada ali que se comparasse acana de acucar no Nordeste existia
para garantir uma economia mais estavel. 0 indigena cativo revelou-
se pessirno auxiliar na lavoura, e 0 ouro muito distante e ja ern
decadencia acentuada no final do seculo, nao entrava mais. Alias esse
ouro, mais canalizado para dar brilho aCoroa que para aqueles que 0
exploravam, nao deixou marcas indeleveis na arquitetura paulista,
como 0 fez em Minas e no Nordeste.
Nao se faziam investimentos na cidade. Para 0 paulistano dos
tempos coloniais, a sua cidade funcionava assim como se fosse apenas
urn lugar proviso rio de abrigo, 0 repouso para 0 homem cansado que
desbravava os sertoes. A populacao estavel era de mulheres, velhos e
criancas; 0 brace ativo deslocava-se para as minas, permanecendo fora
a maior parte do tempo.
Em meados do seculo XVIII, 0 valor da propriedade, quer
urbana, quer rural, era infimo, 0 que mereceu aquela comparacso de
Taunay, dizendo que urn par de escarpins de seda para senhoras
custava mais que uma casa no conhecido Triangulo da cidade.
A longo termo, no entanto, 0 desbravamento do territorio feito
pelos intrepidcs bandeirantes que se aventuraram por quase todo 0
pais, nao deixou de ter consequencias das mais positivas nos seculos
seguintes. Ea partir do momento ern que realmente e encontrada uma
base econo mica para impuls ionar 0 crescimento - 0 cafe, no caso - que
se pode sentirbern 0 resultado das grandes andancas do habitante das
terras de Piratininga, pois foi corn 0 bandeirismo que Sao Paulo
ampliou enormemente 0 seu raio de acao futura. 0 professor Monbeig
analisa bern as consequencias desse desbravamento para os paulistas,
34
de uma forma geral, e para a Capital, em seu trabalho "Aspectos
Geog raficcs do Crescimento da Cidade de Sao Paulo", do qual
achamos conveniente reproduzir urn trecho das paginas 9 e 10, aqui:
"De fato, as consequencias foram a urn tempo felizes e prejudiciais. 0
beneficio foi em primeiro lugar a ampliacao do seu raio de acao, 0 que
nao teve reflexo imediatamente proveitoso para a funcao comerc ial da
cidade nem acarretou uma fase de impulso urbano. Porem, mais tarde,
quando os paulistas, acostumados aos longos caminhos e as viagens
longinquas, transformarem-se de penetradores em comerciantes, a
cidade aproveitara indiretamente com isso.
No tim do seculc XVIII, terminado 0 cicio das bande iras,
reduzida a atividade mineira, vemos os descendentes dos bandeirantes
traticarem desde Sao Paulo ate 0 suI do Brasil, em Minas e no Rio de
Janeiro. Essas primeiras relacoes comerciais cont inham os germes do
comercio paulista. tal como ainda existe: os limites do raio de acao
comerc ial foram praticamente atingidos desde essa epoca. Foi,
tambem durante esse periodo heroico da historia paulista, que se
constitu iram algumas das grandes familias cujo credito mora l, senao
financeiro , produzira os Iideres do Pais.
Sao Paulo tirou das Bandeiras outro proveito, de ordem moral
mais que material, embora suas consequencias praticas fossem mais
tarde particularmente frutuosas. Sob 0 controle dos jesuitas, "a regiao
de Sao Paulo apresentava os rudimentos de uma nacao enquanto a
Bahia e as dependencias do Norte eram urn dominio de Portugal na
Amer ica" (Paulo Prado) , "Essa nacao em potencia voltou-se contra os
seus fundado res. os jesuitas. que foram expulsos em 1643. 0 Governo
Real, provavelmente, nao ficou descontente, pois aproveitou-se disso
para instalar em Sao Paulo altos representantes de sua autoridade, a
fim de melhor afirmar a sua presenya e a sua forca. No inicio do
seculo XVIII foi a criaceo da Capitania e em 1745 a instalacao de urn
bispado. 0 proprio nome de Sao Paulo era celebre em todas as regioes
da imensa colon ia portuguese. Envolvia-o uma incontestavel aura de
prestigio. Sao Paulo tornara -se capita l administrativa no momento em
que a comunidade paulista tornara-se uma realidade. Mas era uma
pequena capita l para urn terr itorio demasiado vasto, muito pouco
35
povoado e de modo irregular de exploracao quase nula. Uma
cabecinha minuscule para urn corpo gigantesco . No tim do seculo
XVIII a cidade estava tao empobrecida em homens e em riqueza,
como os sertces descobertos pelos bandeirantes. Em 1776, 0 censo
revelou apenas 534 casas e 2.026 pessoas."
o longo trecho acima reproduzido, da uma 6tima ideia geral das
consequencias para Sao Paulo do tipo de povoamento do seu territ6rio
no periodo colonial.
No tinal do seculo XVIII toda a vida da cidade eoneentrava-se,
ainda, em volta do patio do Colegio e essa situacao nao muda muitc
durante 0 primeiro quartel do seculo XIX.
Desde 1766, 0 antigo Colegio passara a ser resldencta dos
Capitaes-Gerais, transformando-se em administrative a antiga funcao
religiosa e edueativa do mesmo.
Sao Paulo havia sido tao poueo dinamica nesse seculo XVIII
que, em 1748, a Coroa submete a administracac da Capitania ao
governo do Rio de Janeiro, 0 que vai persistir ate 1765, quando e
restaurado 0 governo, ro m os Capitaes-Gerais.
Estudiosos, cronistas e viajantes (Ver Daniel Pedro Muller, Spix
e Martins, Aires de Casal, Daniel P. Kidder, John Mawe, Saint Hilaire
e outros) deixaram farto material para se ter urn quadro da cidade de
Sao Paulo no inicio do seculo XIX, quando a maioria das construcoes
era ainda de taipa e a vida pacata e simples. Do que viviam entao? De
urn cc mercio incipiente com a sua hinterlandia e 0 seu porto e,
sobretudo do comercio de gado com 0 SuI, onde iam. pelos trilhos e
eaminhos dos bandeirantes, buscar a came e levar 0 sal, sobretudo. As
ligacoes comerciais com Minas tambem vac se reorganizar em novas
bases e no decorrer do seculo vao estreitando-se os contatos com 0
porto do Rio de Janeiro.
Eprecise chegar asegunda metade do seculo XIX (entre 1850 e
70) para que transfcrrnacoes substanciais sejam sentidas na Capital
36
paulista. Os fatos sao sobejamente conhecidos e acreditamos ser, a
partir de 1850, que corneca 0 periodo mais explorado para 0 estudo de
sociologos, historiadores, geografos, antropologos e demais cientistas
sociais. Isso porque houve toda uma transfc rmacao socio econdmica
na sociedade paulistana com 0 advento do cafe que vai ter
prosseguimento, sem solucao de continuidade no processo de
industrializacao e urbanlzacao de nossos dias.
Vale a pena apenas recordar que, nao tendo tido urn passado
proximo de desenvolvimento agricola, a Provincia de Sao Paulo nao
utilizou, em grande escala, como no Nordeste, 0 brace escravo. 0 que
foi urn entrave para a economia agricola nos seculos XVIII e XIX
acabou transformando-se nurn dos principais motives de dinamisrno
da lavoura, quando da entrada do cafe no Vale do Paraiba. A data de
1850 e chave para 0 desenvolvimento economico de Sao Paulo, pois
marca nao so 0 cafe ja vitorioso, como a abolicao do trafego negreiro,
o que vai propiciar a entrada de imigrantes, 0 emprego da mao de obra
livre. A partir dessa iniciat iva dos fazendeiros paulistas, Sao Paulo
comeca a deslanchar. Mas como a riqueza estava no Vale do Paraiba e
depois no Oeste de Sao Paulo, houve urn lapso de tempo relativo para
que os seus efeitos fossem sentidos na propria capital, em termos de
estrururacao do solo urbano. Em 1836, 0 "termo" da cidade de Sao
Paulo (0 municipio) possuia uma populacao de 21.933 habitantes, mas
apenas 9.391 na cidade mesmo. Por ocasiao do primeiro
recenseamento organizado no Brasil, a area municipal aparece com
31.385 habitantes, dos quais so 19.347 no centro urbano. Em 1886, a
capital ja era a cidade dos fazendeiros e 0 municipio possuia 47.697
dos quais 38.997 (81%), na area urbana. E so em 1920 que a
populacac da Capital paulista vai dar 0 primeiro saito, com
praticamente 580.000 habitantes, Entao, a estrada de ferro ja era uma
realidade concreta ha mais de quarenta anos e Sao Paulo corneca a
primeira conquista dos seus arredores. (Y. Carta n." 2 - pag. 128)
Esse rapido resumo da passagem de uma econornia predatoria e
despovoadora para urna acao organizada era necessario, para tentar
seguir urn pouco, apesar da falta de documentacao pertinente, 0 que se
passou em Itaquera, enquanto a Capital mourejava sem grandes
37
perspectivas. Era de se espera r que, tarnbem, ali se fizessem sentir, de
modo mais crucial ainda, os efeitos dessa "Parada no tempo" que se
verificou no centro urbane E, dada a disrancia do centro, e so muito
depois de Sao Paulo ter-se tornado 0 emporio comercial do cafe e
iniciado 0 seu desenvolvimento industrial que havera consequencias
diretas sobre a sua area adjacente.
Consequencias indiretas, contudo, sempre houve como ja
tivemos ocas iao de ver no 10 capitulo e as marcas da influencia do
centro vao aumentando, primeiro em progressao aritrnetica, depois, a
partir de 1950, a perder de vista.
lnstalados os carmehtas na Fazenda Ceguacu. comecaram por
explorar 0 solo agricolamente. Quanto prcduzi ram, 0 que produziram,
qual a finalidade dessas culturas, e uma incognita, cujas respostas nao
obtivemos nos documentos consultados. Sabe-se que fizeram muitas
experiencias de cultivos e que possuiam escravos. Havia tambem
outras fazendas na area e, nos meados do seculo XVIII, pela
documentacao sobre as vendas de terrenos e casas na Casa Pintada, ao
norte de Itaquera, havia ali urn agIomerado humano com parcelas
muito restritas de terras. Supoe-se, dadas as condicoes precarias de
circulacao da epoca, que uma pequena agricultura de subsistencia era
ali feita. aprend ida que fora no contato com os jesuitas.
Comopreencher a imensa lacuna que vai do seculo XVIII ate,
praticamente, a entrada da estrada de ferro no cenario de Itaquera?
Tarefa de folego. que ainda flcara por ser feita, caso encontre-se
docume ntacao adequada. Nem sequer podemos , agora, fazer
exrrapolacces. pois os documentos de urn nucleo modesto como 0 era
a Capital antes do cafe guardam a fisionomia do seu povo, conciso e
herrnetico. Nao iremos arriscar muito, sense dizendo com Petrone que
o cinturao de terras formado pelos aldeamentos que cercavam Sao
Paulo vai, com 0 tempo, transformando-se no cinturao caipira da
cidade. Apagina 231/232 da tese desse autor (op. cit.) pode-se lee" A
antiguidade do povoamento no Planalto Paulistano, com uma
utilizacao do espaco fundamentada em sistemas e tecnicas que
levaram ao depauperamento dos solos, as condicoes peculiares a area,
38
com caracteristicas particu lares e solos naturalmente pobres, somados
aos fatos relativos ao cinturao de terras dos aldeamentos, contribuem
para explicar por que, nos arredores de Sao Paulo nao se definiram
formas de organizacao do espaco fundamentadas em atividades
comerciais rentaveis e que, inevitavelmente, iriam influir no
desaparecimen to dos traces de cultura caipira ai enra izados. Dai
decorre que a presenca do citado cinturao de terra dos aldeamentos
deve ser correlac ionada com a perrnanencia, praticamente ate os dias
atuais, de urn cinturao caipira em torno de Sao Paulo". Pode-se ver na
carta de localizacao do cinrurao caipira de Sao Paulo, organ izado por
Petrone e aqui reprodu zida (Carta n." 3 - pag. 129) que Itaquera esta
incluida (embora nao mencionada) no circulo de abrangencia desse
cinturao.
Na tese de doutorame nto da professora Amalia Ines Geraiges de
Lemos, sobre Itaquaquecetuba, defendida na USP, em 1980, ha toda
uma discussao sobre 0 cinturao caipi ra que se segue a varies trechos
extraidos de autores contem poranecs sobre a ext rema pobreza de Sao
Paulo e seus arredore s (pags. 97 a 10I). Mas tambem , as referencias
que se tern do "cinturao caipira" sao muito recentes, datando apenas
dos fins do seculo XIX e sobretudo xx. Everdade que a cxprcssao e
recente, criada por Petrone. Deve-se pois, ao referir-se ao passado,
lembrar que trata-se da cultura de subsistencia, com venda ou nao do
excedente. Tal agriculture, feita nos moldes caboclos, tsto e, com
queima do mato, sem adubagem, nem cuidados com 0 solo, com 0
auxilio so da enxada e da foice, caracteriza-se pela dispersao das rocas
e rotacao das ter ras, nunca das culturas. E praticada por portugueses,
por mesticos com os indigenas, e, as vezes, ate por urn ou outro grupo
de imigrantes aculturados rapidamente em decorrencia das condicoes
adversas do meio (natural e humane) - e 0 caso dos alemaes de Santo
Amaro, por exemplo .
Aqui e ali Itaque ra aparece citada, quase sempre conjuntamente
corn a Penha, como loca l de onde provinham produtos da agricu ltura
cabocla. Na referida tese sobre Itaquaquecetuba, ha uma referencia de
Jacob Penteado para 0 inicic do seculo XX, a pagina 102: "...e que,
esse local era conhecido , tambern por Mercadinho dos Caip iras, que
39
chegavam de Nazare, Mogi das Cruzes, Santa Isabel, Poa.
ltaquaque cetuba. Guarulhos. Penha e ltaquera. rumo ao Mercado
Central - e serviam-se do pousc para pernoita r".
o bairro da Penha tambem tern uma ligacao muito grande com 0
cinturao caipira, nao so per ter havido ali sitios de caboclos, antes de
se ter integrado totalmente ao centro pela continuidade das
edificacoes. como tambem per ter sido uma especie de entreposto ou
posto avancado entre 0 centro e a regiao teste. No seculo XIX,
segund o varies relatos, a Penha era para os povoados que existiam
alem, urn local de pouso e descanso dos animais . Era grande 0 numero
de selaria s e casas de hospede s. Muitos caboclo s procedentes da area
que ficava sob sua Juri sdicao (como Itaquera) nao chegavam sequer
ao centro, negoc iando ali suas parcas mercadorias, produtos da
agricultura, da pequena cnacao ou da coleta vegeta l, mineral e
artesanato.
Na medida em que 0 excedente da producao caipira passa a ser
absorvid a pela pcpulacao do centro urbano, as hgacoes de Itaquera
com a Penha vao inrensificand o- se, como passagem obrigatcria para
os caipiras que demandavam 0 mercado do centro .
A Penha aparece tardiamente no cenanc colonial, se
considerarmos os aldeamentos indigenas do seculo XVI e XVII que
estao prcximos. Sendo conhecida a partir da segunda metade do
seculo XVII , em 1796 e elevada a categoria de paroquia, passando
enrao a englobar ltaquera. Sua funcao religiosa que a fez conhecida
como local de peregrinacao . desde 0 seculo XVIII, consistiu num
chamariz para os caboclos da redondeza, tendo 0 bairro funcionado
como posto avancado de contato entre 0 centro e os nucleos de
populacao que eram seus satelites, no dizer de Aroldo de Azevedo.
Como centro religioso, ter ia desempenhado uma importante funcao
socia l - local de encontro dos cabcclos das redondezas e de lazer,
pelos folguedos e jogos que faziam parte da festa de Nossa Senhora da
Penha.
40
Ate 0 final do seculo XIX, a vida no bairro da Penha era muito
acanhada. Em 1876, quando foi inaugurado 0 trecho ate Jacarei da
Estrada de Ferro do Norte (depois Central do Brasil) a Penha tinha
apenas 1983 habitantes. Em 1880, foi incorporada a Guarulhos, pe1a
lei n." 34 de 24/3 e pela lei n." 71 1, de 03/0 5/ 1886 foi incorporada a
Sao Paulo.
Quando D. Pedro II hi esteve, em 1886, 0 pequeno aglomerado
era rodeado por chacaras de subsistencia.
Para se ter ideia do que significava a Penha para 0 paulistano e
como estava ainda mal aniculada com 0 centro urbano em 1886, e
interessante reproduzir aqui urn trecho do artigo de Everardo V.
Pereira de Souza, intitulado "A Pauliceia ha 60 anos" (Rev. do
Arquivo Munic ipal, Ano XIII, VoL eXI, 1946). Apagina 55, escreve:
"Para leste a cidade era insignificante . Quem, da encantadora
Esplanada do Carmo. descesse pela ingreme e mal calcada ladeira,
transpunha imediatamente 0 Tamanduatei em colonial ponte e por
estreito aterrado sabre os igap6s existentes no vargeado, iria ter it
modesta Capela do Senhor Born Jesus de Matosinhos, apos
transformada em Igreja pelo portugues Jose Braz, 0 iniciador da
grande parte da cidade que tradicionaImente conserva seu nome". E
indica 0 mapa ali reproduzido para mostrar que 0 Bras era 0 ponto
mais avancado a leste, no "continuum" da cidade, aparecendo a Penha
apes urn grande vazio. E apagina 56, escreve "com a inauguracao da
E.F. do Norte de Sao Paulo, em 1877, mais ainda intensificou-se a
povoamento do bairro, ja entao denominado do Braz, que nao
ultrapassava 0 Largo da Concordia". E finaliza as consideracoes.
dizendo: "A Penha... flcava la onde ainda se acha! Para atingi-la,
porem faziam-se discutidos projetos de viagens e preparavam-se
substanciosos farneis. Nos anuais tempos de festa dedicados a
milagrosa Santa, 0 pitoresco arrabalde, garrido e magicamente
transformava-se em alegre feira, com variadissimo jogo franco e toda
sorte de divers6es, das quais todo 0 pacato Sao Paulo de entao,
gostosamente partilhava ..."
4 1
Bairros como a Penha que se integraram a Sao Paulo no "rush"
do cafe, deixaram de fazer pane do cinturao caipira ja no inicio do
seculo XX antes da implantacao da grande industria de capital
monopolista. Mas aqui e ali persistiram chacaras de verduras e flores
ate meados do seculo XX, como refere-se Alice Canabrava a pagina
98 do seu trabalho sobre as chacaras paulistanas. Ebern verdade que
essas ja faziam parte do cinturao verde que, em alguns lugares
substituiram espacialmente 0 caipira, mormente nas areas mais
prematuramente valorizadas dos mesmos.
Ja nos "satel ites" da Penha, 0 cinturao caipira permaneceu muito
mais tempo e ainda e encontrado aqui e ali, nao mais como cinturao,
mas com caracteris ticas das culturas caboc1as. Itaquera, enquanto
perma neceu isolada, por deficiencia de transporte, do centro da
Capital continuou a sua pequena producao caipira. ate que esta foi
engolida pelo cinturao verde que ali se instalou coma Colonia
japcn esa.
Em resumo, para uma fase da histcria de Sao Paulo que se
caracteriza por uma pobreza enorme de recursos, tanto humanos como
economicos, Itaquera esconde-se, por muito tempo, dentro dos limites
de suas fazendas ... e posteriormente do seu cinturao caipira, tao
pouco conhecido .
42
Capitulo III
E A
AREA
NORTE
COMO
FERRO DO
DE ITAQUERA
A ESTRADA DE
CARACTERIZACAO
SUBURBANA
o primeiro embriao da "cidade-dormitorio " - Itaquera se
integra no cinturao verde.
A partir do momento em que a est rada de ferro lanca os seus
trilhos em direcao ao Rio de Janeiro, Itaquera comeca a sair do
isolam ento a que est ivera re legada nos seculos XVIII e XIX.
o capitulo das estradas de ferro no Estado de Sao Paulo se liga,
intimamente, a historia do cafe. A partir de 1870, 0 Estado de Sao
Paulo, em consequencia do surto do cafe que dara 0 impulso decisivo
ao seu dese nvolv imento , ent ra numa fase total mente nova, ados
trilhos - a estrada de ferro segue a marcha do cafe, indo povoar onde a
rubiacea ja se instalara.
Em consequencia do cafe e dos trilhos, a Capita l do Estado, para
onde j a se haviam des locado as "barces" do cafe, enriquecidos em
suas fazendas, comeca realmente a se projetar no cenario nacional e
internacional. Os investimentos deixam de serem feitos so no campo e
a cidade comeca a se expandir e se embelezar. Contudo, vai guardar
ainda as seus ares provi ncianos, em relacao aos dois grandes centros
sul-americanos (Buenos Aires e Rio de Janeiro) ate muito mais tarde,
quase urn seculo apos te r se tornado a capita l do cafe, em plena era
industri al.
Por volta de 1875, 0 Estadc de Sao Paulo tinha co nsolidado a
sua rede ferrovia ria, em suas linhas gerais. E, entao, que a Capi tal vai
mostrar todo 0 poder do seu sitio urbano e de sua localizacao
geografica. como emporio ag lutinador e redistribuidor das riquezas do
43
interior. A bacia terciaria ira funcionar, a partir de entao. como polo
centripeto e centrifugo das estradas de ferro.
Com a estrada de ferro, Sao Paulo comeca a conquista de seu
municipio, criando a sua zona suburbana, inteiramente ligada it via
ferrea. E quando se inaugura 0 trecho S.Paulo-Jacarei, da estrada de
ferro Sao Paulo-Rio, ou Estrada do Norte, como era entao chamada.
ltaquera e privilegiada na Iinha tronco entre Sao Paulo e Magi das
Cruzes. A estacao de ltaquera so foi inaugurada dois anos depois, em
1877, com 0 nome de Sao Miguel. Sao Miguel, alias, foi deixada de
lado pela linha tronco e so em 1932 einaugurada a variante que ligara
Sao Miguel a Pea.
Pode-se imaginar 0 que teria significado a estrada de ferro para
ltaquera, numa epoca em que 0 trem passa a ser 0 transporte per
excelencia, vindo desbancar todos os demais meios de transporte ate
ali existentes!
De uma forma ou de outra, todos os aglomerados que foram
servidos prematuramente pela estrada de ferro passaram a ter uma
evolucao estreitamente ligada aos trilhos. Em volta da Capital, alguns
desses nucleos vao se industrializar, outros vao servir de residencia
aos operarios que trabalham no centro.
o eixo Sao Paulo - Santos se industrializa bern antes do Sao
Paulo - Rio, por causa da presence do porto. A industria, no entanto,
so vai procurar esses suburbios da estrada de ferro, na medida em que
os terrenos vao tornando-se mais valiosos nos bairros pr6ximos ao
centro e a urbanizacao mais acentuada, expulsando-a para a periferia.
Nao se cogitava, ainda entao, da poluicao e as primeiras industrias vao
se localizar em areas bern centrais.
o processo de expulsao da industria do centro para a periferia e
o mesmo que sofre 0 setor menos privilegiado da populacao. 0
deslocamento das massas proletarias para as periferias, expulsas pela
valorlzacao. cada vez maior dos terrenos, precede mesmo 0 da
industria. E precise lembrar que, nessa epoca, a favela ainda nao
44
irrompera como urn cancro na estrutura urbana da Capital. A OCUpalYaO
da area periferica precede-a no tempo, pois a industria nascente nac
precisava ainda do exercito de reserva e os nordestinos nao vinham
em massa tombar sobre a cidade de Sao Paulo.
Itaquera nao foi escol hida como polo industrial, por razzes
varias que sao, scbretudo, de ordem administrativa. Nem com 0
advento do autcmovel 0 foi . A eta parece ter sido reservado 0 papel de
suburbio dormitorio. que perpetuou no tempo, com a recente
instalaca o dos conjunt os habitaciona is da COHAB.
A partir da inauguracao da estacao, as primeiras casas comecam
a aparecer em volta dela, mas tambern, ate a decada de 40 0 suburbio
dormitorio nao vai ter urn desenvolvimento espetacular. Aos poucos,
forma-se ali urn embriao de cidade . Os trilhos haviam desapropriado
uma parte da antiga fazenda do Carmo . Quanto s se instalaram ali,
desde 0 principio, nao se sabe. E provavel que so os funcionanos da
estrada e seus familiares. Para que, realmente, 0 suburbio se
concretizasse nas suas funcoes de "cidade-dormho rio" era necessari o
que houvesse maior frequencia e regu laridade de horario s. Ha
reivindicacoes. nesse sentido , mas so bern posteriore s, na decada de
40.
Como ha sempre uma defasagem entre a utilidade publica e os
resultad os dessa para a populacao, e so a partir de 1920, mas
sobretudo de 1940 que Itaquera tera bern nitida a sua funcao de
suburb io dormitorio. De inicio servia de dormitorio para trabalhadores
do centro; a partir de 1950, ja em plena era das rodovias. 0 ambito da
area de emprego dos operarios vai se estender bern mais, para Mogl.
Santo Andre, Itaquaquecetuba e.Guarulhos.
A principio, parece que as terrenos comprados ao lade da via
ferrea eram grandes , 0 que dava 0 aspecto de dispersao do habitat
lembrado por Aroldo de Azevedo e que pode ser constatado na foto de
1920 que obtivemos no arquivo do jornal Noticia s de ltaquera.
No Arquivo Aguirre do Museu Paulista existem algumas fichas.
45
copras de escr ituras de venda ali realizadas, na epoca
Transcreveremos duas. uma datada de 1893 e outra de 1925 . a ultima
ja com localizacao precisa ao lade da estacao
la) Escritura de venda de parte de terms no sino Itaqucra Sao Miguel
16 de marco de 1893 Cart' Escnvao de Pal
Vendedor Francisco Antonio Mariano e sin
Comprador Manocl Soares Fernandes.
Rs. 100/ 1000 nurna parte de tcrras no lugar dcnominado ltaqucra cuja
parte csta colocada em frente a casa de propricdadc do adquirinte
dividindo pclo lado de baixo eom a referida casa e pclo lado de cima
com a cstrada que segue dc Sao Miguel para a cidadc de Mogi das
Cruzcs ale cncontrar 0 corrego denominado Ponte Alta e dah i
descendo ate 0 rio ltaqucra.
Transcripcac n" 1~065 . ,aCircunscnpcao
2a) Escntura de vcnda des lotes 53 e 5~ na Estacao ltaqucra
Sao Paulo 22 de junho de 19B Cart ° 12° tab.
Vendcdor Alberto Augusto Cordei ro cs/m'
Comp rador D" Ignacia Pagano
Rs _ dois terrenos n. 53 e 5 ~ a Estrada que val para a Esracao. no
Bairro de ltaqucra tendo 0 primciro a area dc 2835 111 ' 0 segundo 8600
mZ
Transcripcno 33~67 - 3' Ctrcunscripcao
E dessa epoca 0 3° numero do primeiro jornal de ltaquera
(1926), que. embora nao elucide sobre a aglorneracao de entao.
constitui uma prova de que comecava a progredir. 0 referido jornal
da. no entanto, alguns arumcios interessantes sobre uma convocacao
da Liga dos Lavradores e Proprietarie s de Terrenos no Municipio de
Sao Paulo para tratar de assuntos refere ntes a terras sitas oa Penha,
Sao Miguel . Itaquera e outros pontos. Ha urn outro intitulad o "Villa
Carmozina (800m de altitude), situada na estacao de ltaquera
E,F.C.B ,", onde se chama a atencao para os precos reduzidos dos
terrenos, a pequena distancia do centro (30 minutos de trem), 0 preco
da passagem e 0 pitoresco da paisagem. Cita , ainda , a existencia de
600 predios no local. Ha. ainda , outra propaganda de lotes avenda na
Villa Klaunig. a 800 metros da estacao. Embora nao muito legfvel. 0
46
jornalzinho e urn documento interessante que faz parte do acervo do
jornal "Noticias de Itaquera"
Tambern e da mesma epoca a Provisao para construir Cape lla (6
de maio de 1919) que faz 0 procurador do Conventodo Carmo, do
acervo da Curia Metropolitana de Sao Paulo, que tambem anexamos
(Doc. n° 8 - pag. 130). E interessante notar que Itaquera e chamada,
na epoca, Estacao de Itaquera, ou Itaquera E.F.C.H. (como no Jornal
"A Verdade''), 0 que pode criar algumas confusces quanto it
localizacao.
Dutro documentc do inicio do seculo, segundo nos informaram,
mas sem data, e 0 rudimentar croq ui acompanhado de manuscrito
sobre as divisas de Itaquera, da paroquia de Sao Miguel (Doc. n." 7 -
pag. 130). A preocupacao corn as divisas e uma constante do inicio do
seculo, 0 que significa estar a area em dese nvclvimento. Entre as
varias acoes de demarcacao da epoca (Arquivo Aguirre) a mais
celebre e a de n." 241 "Juizo de Direito da 23 Vara Civel da Capital
Accao de Demarcacao. Entre Partes. Promovente - 0 Convento de
N.S. do Carmo Confinante - 0 Dr. Rodrigo Pereira Barreto. Razoes
finaes do confinante pelo Advogado Dr. Hyppo lito de Camargo S.
Paulo - 1902", como reza a pagina de rosto (acervo do Museu
Paulista) . Sao nove paginas em que 0 Dr. Pereira Barreto acusa os
padres de rna fe na apreseruacao de uma falsa documentacao.
Renato Silveira Mendes, apagina 252 da obra "A Cidade de Sao
Paulo" (Vol. III) escreve: "Foi a partir da decada de 1920-30 que se
registrou a ocupacao urbana que tern a Penha por centro. A pcpulacao
nao rnais pede ser contida na colina sagrada; derramou-se por suas
encostas, atingiu os limites da varzea do Tiete e, sobretudo,
conquistou as colinas modeladas pelo Tiquatira e pelo Guaiauna, guer
no rumo de Sao Miguel Paulista, guer em direcao a Itaquera. Essa
rnarcha avassaladora se processou gracas ao loteamento de antigas
propriedades rurais e obedeceu, como alhures, as grandes vias de
comunicacao - no caso, particularmente, a Estrada de Sao Miguel
Paulista e a linha tronco da Central do Bras il". E continua, citando A.
de Azevedo: "Estudando a regiao e depois de mostrar a importancia
47
dos dois eixos do povoamento - a Iinha -tronco da "Central do Brasil"
e a antiga Rodovia Sao Paulo - Rio (Est rada de Sao Miguel Paulista) ,
escreveu Aroldo de Azevedo , em 1945: "Em torno deles, por isso
mesmo. vai-se processando essa marcha avassaladora. cujos limites
hoje estao em Vila Marieta e Vila Guilhermina, mas amanha poderao
ser encontrados na regiao de Sao Miguel ou de ltaquera". Apenas dez
anos decorrtdos. 0 "amanha'' passou a ser hoje".
Para a epoca, 0 avanco da populacao em direcao ao leste deveria
ser uma enorme conquista, mas, entre uma vila e outra, grandes vazios
permaneciam. Irradiando-se a partir da Penha, 0 avanco se dava por
bolsces que iam se formando onde ja havia urn nucleo qualquer
anterior, a estrada de ferro ortentando e dando as proporcoes dos
mesmos.
Os loteamentos foram sendo feitos na febre da expansac, a partir
das velhas fazendas entao em franca decadencia. Os problemas vee se
criando a partir da instalacao, pois a rede de services publicos nao
acompanha. de perto, a proliferacao dos bairros perifericos. A agua em
Itaquera nao era encanada ate agora e a luz so entra ali em 1951, apos
uma longa historia de lutas que foi relatada par urn morador e grande
conhecedo r da area, numa das edicoes do jornal Noticias de Itaquera.
Ate hoje, a cidade dormitorio que originou-se em funcac da estrada de
ferro, nac possui esgotos. 0 conjunto das COHABs que ali se instalou
no final da decada de 70 teve mais sorte a esse respeito.
Enessa epoca, em que as construcces se ativam na Capital, que
Itaquera, assim como a Penha e arredores, vao desenvolve r uma
intensa atividade de olarias nas suas varzeas. Na carta de 1943 (Carta
n." 2 - pag.l Zg} pode-se ver ainda a localizacjio de varias delas,
desaparecendo quase todas corn 0 avanco posterior da urbanizacao.
Esse periodo da primeira expansao, em que Itaquera comeca a se
ligar ao centro como residencia de operarios, pode ser acompanhada,
ern parte, por documentos do Arquivo da Curia Metropolitana de Sao
Paulo. Por ali se sabe que ate 1928 nao existia a paroquia do Carma,
que e hoje a Igreja Matriz. Como vimos pelo documento de 6 de maio
de 1919, data dessa epoca a peticao para a provisao da Capela.
48
A igreja mais anti ga estava loca lizada no bairro de Santana (ex - Casa
Pintada). 0 que vern co rroborar, mais uma vez, com 0 que dissemos
arras sabre ter sido a Casa Pintada 0 primeirc nucleo de ltaquera,
quando ainda nao se desenvolvera a Vila Carmozina.
Ha no Arqu ivo da Curia. varies peticoes para celebrar missas e
procissoes. como para provisoes de capel as e igrejas (Nossa Senhora
Apa recida, por exemplo).
o professor Aroldo de Azevedo, em dois magis trais trab alhos
sobre os Suburbios Orientais de Sao Paulo, 0 primeiro publicado em
1945, 0 segundo para 0 40 Centenario da Cidade de Sao Paulo , foi 0
unico cient ista que se ocu pou especifi camente de ltaquera . Desses
dois t rabalhos e mais dos outros que utilizamos, mas rae sao
espec ificos, procuramos retirar aquilo que servisse para mostrar a
evolucao da area,
o estudo do professor Aroldo de Azevedo que focaliza mais
ltaquera, nessa decada de 40, quando foram feitas as suas pesquisas, e,
no entanto, de suma importancia para os estudiosos. Em vez de cita-
los, sem cessar aqui , preferimos anex ar urn resumo do rnais completo
dos documentos (0 da obra comemorativa do 40 centenario), no final
desse cap itulo, indicando as ilustracces que conrem localizacao e os
aspectos naturais da area . Nosso estudo, que pretende dar urn
encadeamento aos fatos que marcaram a ocupacao do solo em
ltaquera, dos prirnordios ate a data de hoje, nao teve a preocupacao de
aborda r determinados. aspectos da paisagem natural. lsso porque 0
importante era apanhar, no desenro lar da hist6r ia, aqu ilo que passou
de uma fase para a outra, t ransforrnando-se sim, mas marcand o a fase
segu inte. Ora, quanto resta da paisagem natural que possa, ainda,
or ienta r 0 homem na esco lha do sit io para suas edificacoes? Basta
chegar a Itaquera e divisar os conjuntos da COHAB para se ter certeza
que, em nossos dias, quem cria a paisagem e 0 homem e nao rnais a
natureza que vai determinar suas acoes. Vivemos a era do espaco
criado pelo preco da te rra e pelo poder aquisitivo da sua populacao .
o que e interessante extrair dos traba lhos de Aroldo de Azevedo
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e saber 0 quanto ltaquera apresentava ainda ares de rural, ja por volta
de 1950. Basta lembrar aqui que, pela lei n." 14 334 de 30 de
novembro de 1954, Itaquera passa a se chamar Itaquera do Campo.
Nao nos esquecamos que datam do inicio do seculo xx muitas
das referencias ao cinturao caipira (ao menos sobre a venda de
produtos da area), 0 que nos faz supor que 0 suburbio dormitorio
continuou a funcionar, tambem, como cinturao caipira ate que se
instalassem ali os japoneses na Colonia. Em 1919, e vendida uma
grande gleba da fazenda Carmo e a partir de 1925 Itaquera ve
transformada a sua area rural - da agricultura de subsistencia passa a
comercial, com produtos hortifrutigranjeiros.
Como veremos no capitulo seguinte, a atracao de Itaquera
passara a ser a Festa do Pessegc e muito pouco se fala no nucleo
urbano. A vida se desloca para a Colonia que constitui a parte
dinamica da area. Os nucleos habitacionais. sem duvida. continuam a
crescer, mas mantem enormes lacunas ocupadas pelas capoeiras, entre
eles. E verdade que a "cidade-dormitorio" enquanto funciona apenas
como abrigo, enquanto nao desenvolve ao menos a sua funcao
comercial, 0 que sc acontece quando 0 efetivo humano e
razoavelmente grande, nao se caracterizou nunca pelo seu dinamismo.
o trabalhador ai vern para dormir e como vai encontrar mais
facilmente aquilo que necessita nas proximidades do service e a
precos melhores, normalmente nao incentive, logo de inicio, urn
comercio local mais desenvolvido. Foi 0 que aconteceu em ltaquera -
o comercio mais diversificado, as areas de lazer (dentre as quais se
sobressal 0 Parque do Carmo) so vao se instalar ali, bern mais tarde
(por volta de 1950). 0 que nao esta dito na bibliografia sobre a area,
no entanto, e que Itaquera tenha desempenhado , mesmo

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