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História Local O reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificancia

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HISTÓRIA LOCAL: O RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE PELO 
CAMINHO DA INSIGNIFICÂNCIA 
 
Márcia de Almeida Gonçalves1 
 
Uma cidade, um campo, de longe são uma cidade e um 
campo, mas à medida que nos aproximamos são casas , 
árvores, telhas, folhas, capins, formigas, pernas de 
formigas, até o infinito. Tudo isso está envolto no nome 
campo. 
Blaise Pascal 
 
O subtítulo proposto para nossas reflexões acerca da História Local é, na sua 
qualidade primeira, uma chave de leitura. É também, como complemento dessa 
perspectiva de entendimento, uma provocação, vale acrescentar, tomada de empréstimo 
das ponderações do historiador John Lewis Gaddis, no seu livro The landscape of 
History, versão em português para a edição brasileira sob o título Paisagens da 
História. Como os historiadores mapeiam o passado
2. 
Para Gaddis, “o estabelecimento da identidade requer o reconhecimento de nossa 
relativa insignificância no grande esquema das coisas”. Este seria, no seu entender, um 
dos significados da maturidade nas relações humanas e mais, do próprio valor de uso da 
consciência histórica. Citando as idéias de outro historiador, Geoffrey Elton, John 
Gaddis afirma que “o caminho da insignificância” conforma um aprendizado capaz de 
fazer com que sujeitos humanos, tão viciosamente inclinados a relacionar o mundo para 
si mesmos, passem a relacionar-se com o mundo3. 
Nesses termos, cabe então precisar que nossa chave de leitura nos guia na 
direção do desafio de pensar e conceber a História Local como campo de produção de 
uma consciência histórica, cujos usos, valores e sentidos nos interessa diagnosticar. 
Antes de enfrentarmos tal desafio, julgamos necessário realizar alguns 
esclarecimentos acerca da história e da memória de nossas proposições sobre história 
local. O uso da primeira pessoa do plural nesse texto/exposição não é mera formalidade 
acadêmica ou vício defensivo apagador de rastros individuais. O pronome nós, a 
interferir na inflexão dos verbos, traduz o pertencimento das idéias em discussão a um 
 
1 Professora da UERJ e da PUC-RJ. 
2 John Lewis Gaddis. Paisagens da História. Como os historiadores mapeiam o passado. Trad. de Marisa 
Rocha Motta. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 
3 Cf. John Lewis Gaddis. Op. cit., p. 20. 
grupo de pesquisa formado, originalmente, pelos idos de 1995, na Faculdade de 
Formação de Professores, campus regional da UERJ, situado no município de São 
Gonçalo4. 
Talvez não seja esse o espaço de historiar uma experiência de trabalho que já 
beira quase o seu primeiro decênio de trajetória. Vale, contudo, frisar alguns aspectos do 
passo a passo de reflexões, práticas e realizações que, no seu desenho atual, ocupam 
quatro professores – Luís Reznik, coordenador do projeto, a mim, Márcia Gonçalves, 
Alix P. S. de Oliveira e Marcelo Magalhães -, ex-alunos, bolsistas do PROATEC – Rui 
Aniceto e Henrique Mendonça -, e cerca de quatorze alunos, distribuídos em atividades 
variadas que o projeto, hoje intitulado História de São Gonçalo: memória e identidade, 
engloba5. 
No passo a passo de nossas investigações, a associação entre a história de São 
Gonçalo e o local, como eixo de problematizações, não se estabeleceu a priori, tendo 
sido articulada a partir de uma intensa complementaridade entre o fazer das práticas de 
pesquisa e as dúvidas e definições teóricas e conceituais que informaram, tanto quanto 
foram informadas, por essas mesmas práticas de pesquisa. Pensar e escrever sobre a 
História de São Gonçalo nos levou à história local, na mesma medida que nossas 
indagações sobre o local redimensionaram possibilidades de narrar histórias de um lugar 
chamado São Gonçalo. 
Talvez por isso nossa concepção sobre história local, como anteriormente 
anunciada, tenha se sedimentado sobre a perspectiva de compreendê-la como uma 
determinada consciência histórica, em especial, na dimensão de um saber ordenado e 
ordenador e que, nessa qualidade, condiciona a própria percepção das experiências de 
vida partilhadas por determinados sujeitos6. 
 
4 O município de São Gonçalo é hoje um dos mais populosos do Estado do Rio de Janeiro, possuindo 
cerca de um milhão de habitantes. Integra a região metropolitana, ocupando, ao lado de Niterói, a orla 
oriental da Baía de Guanabara. São Gonçalo sofreu, no decorrer da segunda metade do século XX, um 
intenso, acelerado e desordenado processo de crescimento urbano e populacional. 
5 Entre os produtos e publicações elaborados pelo projeto em questão, cabe destacar: 
- Márcia de Almeida Gonçalves e Luís Reznik (org.). Guia de fontes para a história de São Gonçalo. São 
Gonçalo: UERJ, 1999. 
- Luís Reznik, Haydee da Graça F. Figueiredo e Márcia de Almeida Gonçalves. Imagens de São Gonçalo. 
São Gonçalo: UERJ, 2001. (Catálogo de exposição fotográfica). A exposição itinerou por escolas da rede 
municipal de São Gonçalo, tendo sido acompanhada por um caderno de atividades pedagógicas, sob a 
coordenação da Prof ª Haydee Figueiredo. 
- Luís Reznik (org). O intelectual e a cidade. Luiz Palmier e a São Gonçalo moderna. Rio de Janeiro: 
Eduerj, 2003. A publicação acompanhou a exposição fotográfica intitulada Luiz Palmier – o intelectual e 
a cidade. 
6 A discussão sobre o conceito de consciência histórica não se esgota nessa única perspectiva. Entre os 
textos que nos auxiliaram, além do já citado livro de John Lewis Gaddis, vale acrescentar: 
Retomemos, então, o desafio que orienta nossas reflexões nesse texto/exposição. 
Se a história local produz uma determinada consciência histórica, a mesma pressupõe, 
como toda consciência, como todo saber sobre algo, usos, valores e sentidos. Não 
pretendendo esgotá-los, nos limitaremos a inventariar algumas proposições que, 
esperamos, fomentem o debate e a troca de idéias sobre o tema. 
A história, enquanto conceito polissêmico, remete a dois grandes sentidos, quais 
sejam, a história como experiência, a história como conhecimento7. O adjetivo local, por 
sua vez, responde por uma qualificação que estabelece a circunscrição de um lugar. 
Esse sentido se manifesta mais claramente no uso do verbo localizar, qual seja, situar 
algo em um lugar, o que, por outro lado, nos leva a uma ação. A história local é, em 
intrínseca complementaridade, conjunto de experiências de sujeitos em um lugar e 
também, o conhecimento sobre o conjunto dessas experiências. 
Um autor, em particular, nos auxilia no desenvolvimento dessas argumentações: 
Alain Bourdin e seu livro intitulado A questão local8. Em suas indagações sobre o 
objeto local, Bourdin, em grande parte interessado em caracterizar efeitos e marcas da 
mundialização de valores culturais, em especial, quanto às práticas políticas, privilegia o 
local como categoria de análise de processos nos quais se manifesta a relação entre ação 
e lugar. Nesses termos, o local seria um recorte eleito por aquele que desejasse refletir 
sobre as experiências de sujeitos humanos em espaços sociais delimitados pelas 
proporções do que o saber matemático, no estabelecimento de medições e grandezas, 
identifica como a unidade. 
Diferentemente da lógica matemática, contudo, o recorte do local, para 
sociólogos, historiadores, antropólogos e tantos outros estudiosos de sujeitos humanos 
em suas vidas mundanas, não segue rigidamente os ditames de uma classificação 
ordenadora de sua extensão. Nas suas materialidades históricas, e exatamente pelas 
múltiplas variações que essas assumem, o que é reconhecido e identificado como 
pertencente ao âmbito local possui configurações diversificadas. A título de 
exemplificação, o local pode ser associado a uma aldeia, a uma cidade, a um bairro, a 
uma instituição – escolas, universidades, hospitais -, e como escolha por vezesHans-Georg Gadamer. O problema da consciência histórica. Organização de Pierre Fruchon. Rio de 
Janeiro: Editora da FGV, 1998. 
Jörn Rüsen. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora da 
Universidade de Brasília, 2001. 
7 Cf. Ilmar R. de Mattos e Selma R. de Mattos. “História: uma palavra, múltiplas significações”. In 
Ensinar e aprender História, hoje. Mimeo. 
8 Alain Bourdin. A questão local. Trad. de Orlando dos Santos Reis. Rio de janeiro: DP&A, 2001. 
recorrente, a um espaço político-administrativo, como distritos, freguesias, paróquias, 
municipalidades. A despeito das variações, como destaca Alain Bourdin, o local é um 
lugar de sociabilidades marcado pela proximidade e pela contigüidade das relações 
entre os sujeitos que as estabelecem e talvez, por isso, seu uso, entre sociólogos, em 
muito tenha sido articulado ao conceito de comunidade9. 
Usar o local como categoria de análise centrada nas relações entre ação e lugar, 
como nos sugere Alain Bourdin, é, no nosso entender, uma tentativa de dar conta da 
enorme variação histórica que o qualificativo local passou a designar, não só ao longo 
do próprio uso acadêmico dessa circunscrição, mas, em especial, em função de nossa 
contemporaneidade de sociedades em rede. 
Nos limites de nossos objetivos nesse texto/exposição, não caberiam maiores 
digressões sobre uma história dos usos acadêmicos do conceito de local. De todo, em 
alguma medida, é sobre esse pano de fundo, talvez ainda por ser melhor desenhado, no 
que se refere a escrita da história do Brasil, no Brasil, que repousem nossos 
questionamentos e interrogações. Alain Bourdin propõe chaves conceituais e teóricas 
para categorizar o local pautando-se, no mais das vezes, nos estudos de autores sobre 
comunidades rurais na França. Por outro lado, explicita que uma reflexão sobre o objeto 
local, nos últimos trinta anos, se estabeleceu em estreita conexão com os estudos sobre 
os efeitos da globalização, destacando, entre eles, os revisionismos e debates sobre a 
questão nacional
10. 
A nós interessa, no entanto, destacar uma concepção de história local que a 
entenda como conhecimento histórico produtor de uma consciência acerca das relações 
entre as ações de sujeitos individuais e/ou coletivos em um lugar, dimensionado em sua 
ordem de grandeza como uma unidade. O estabelecimento desses lugares/unidades, por 
seu turno, se materializa na ação dos homens no mundo, ou seja, no curso de suas 
experiências históricas, nas quais se inserem os atos de nomear, leia-se identificar e 
localizar, os lugares onde se vive. 
Se o local condiciona e é condicionado pelas experiências de vida de sujeitos 
individuais e coletivos, se é, enquanto unidade, campo onde se estabelecem relações 
marcadas pela proximidade e pela contigüidade, a possibilidade de estudá-lo e conhecê-
lo está hoje profundamente vinculada ao conceito de escala de observação. 
 
9 Cf. Zygmunt Bauman. Comunidade; a busca por segurança no mundo atual. Trad. de Plínio Dentzien. 
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 
10 Cf. Alain Bourdin. Op. cit., pp. 25-92. 
De uso alargado entre geógrafos e cartógrafos, a escala de observação é o 
alicerce que fundamenta grande parte das operações cognitivas associadas à produção 
do conhecimento histórico. No caso das escolhas procedidas pelo historiador, a 
explicitação epistemológica de seus procedimentos teóricos e metodológicos tornou-se, 
em tempos hodiernos, um caminho de garantia das mazelas e paradoxos de seu ofício. 
É, nesses termos, por um lado, que o uso do conceito de escala de observação adquire 
significação ao viabilizar a construção de uma abordagem requalificadora de adjetivos – 
nacional, regional, local, individual, macrossocial, microssocial - há muito empregados 
pelos que gostam de contar histórias. 
O uso do conceito de escala de observação, por seu turno, adquiriu 
problematizações detalhadas, em especial, entre autores associados à micro-história. 
Termo imputado a historiadores italianos - Carlo Ginzburg e Giovanni Levi -, 
fundadores da revista intitulada Quaderne Storici, e diretores da coleção Microstorie, 
publicada pela Editora Einaudi, na década de oitenta11, a micro-história acabou por 
adquirir status de variante, com contornos muito próprios, entre os caminhos até então 
trilhados por autores afinados com a construção de uma história social e cultural 
centrada em recortes mais circunscritos de análise das relações sociais. 
Segundo esse ponto de vista, enfoques sobre as histórias particulares de 
indivíduos, vilarejos, grupos específicos - entre instituições, associações e classes - 
passaram a ser privilegiados entre os objetos e objetivos dos que procuraram valorizar o 
“micro”. Mais do que uma diferenciação em termos de objetos de estudo, a micro-
história definiu-se por escolhas metodológicas que, hoje, passaram a ser mais discutidas 
por seus realizadores, entusiastas e críticos12. 
Para Jacques Revel, ela deve ser encarada como um sintoma historiográfico, 
pois constitui-se, na prática, como uma espécie de reação contra certas metodologias e 
eixos conceituais consagrados por produções dimensionadas pelo paradigma de uma 
inteligibilidade global do social. O questionamento desses pressupostos, trouxe, entre 
outras contribuições, o ato de submeter certos recortes de análise até então consagrados 
pelos métodos de quantificação - a paróquia, o conjunto regional, a cidade, a profissão - 
 
11 Cf. Jacques Revel. “Microanálise e construção do social”. In Jogos de escalas. A experiência da 
microanálise. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988, p.16. Ver também Giovanni 
Levi. “Sobre a micro-história”. In Peter Burke(org). A escrita da história. Novas perspectivas. São Paulo: 
Editora da UNESP, 1992. p. 135. 
12 Para uma abordagem sintética acerca dessas polêmicas ver: Ronaldo Vainfas. Micro-história. Os 
protagonistas anônimos da História. Rio de Janeiro: Campus, 2002. 
a revisões do uso dessas categorias13. Assim a preferência pela construção de séries, em 
particular na demografia histórica, onde somente a correlação de diversos dados 
isolados sustentaria reflexões sobre aspectos da vida social, veio a ser relativizada sob o 
prisma de valorização de casos particulares e únicos. 
Revel acrescenta que a micro-história pautou-se na mudança das escalas de 
análise, com isso produzindo diferentes efeitos de conhecimento. Como no uso de uma 
lente objetiva, em fotografia, o enquadramento do objeto focado não se limita a mera 
ampliação ou redução do mesmo, mas a própria maneira de apresentar sua forma. Em 
uma outra perspectiva, a arte e as técnicas cartográficas não consistem apenas em 
apresentar em diversos tamanhos uma paisagem que se quer fixa e constante, a escolha 
da escala e sua explicitação é a chave de criação e de leitura para os conteúdos desse 
tipo de representação, e de apropriação cognitiva, do espaço geográfico14. 
Guardando as devidas diferenças, o trabalho do historiador poderia ser 
apresentado como uma espécie de cartografia do social. A imagem pode ser já um tanto 
desgastada, mas nos serve. Nesse papel, o espaço a ser conhecido teria fronteiras largas, 
fluídas e móveis: o social. Precisar as fronteiras dos inúmeros lugares sociais nos quais 
os sujeitos históricos protagonizam seus dramas e misérias humanas é, no nosso ponto 
de vista, uma das tarefas fundamentais do historiador, e pode vir a ser balizada pela 
escolha de uma escala de observação, desde que a mesma esteja subordinada a um 
determinado efeito de conhecimento perseguido pelo investigador. Ao esquadrinhar 
vestígios de experiências passadas, o historiador as elabora, sob intencionalidades 
diversas, como um efeito cognitivo, um algo a dizer, sob a forma de uma narrativa, que 
nos aproxima e nos afastadesse outro, o passado, que se quis conhecer. 
Ao delimitar lugares sociais de sujeitos e coletividades, ao circunscrever efeitos 
de conhecimento próprios, o conceito de escala de observação nos insere no 
entendimento de que uma fronteira não é o ponto onde algo termina, mas, como os 
gregos reconheceram, “a fronteira é o ponto a partir do qual algo começa a se fazer 
presente”15. 
Ao elegermos o local como perspectiva de abordagem para as histórias de São 
Gonçalo estabelecemos um recorte, uma fronteira onde algo começou a se fazer 
presente: sociabilidades diversas, em temporalidades e territorialidades variadas, 
 
13 Cf. Jacques Revel. Op. cit.. pp.16-19. 
14 Idem. p.20. 
15 Martin Heidegger. “Building, Dwelling, Thinking”. Apud Homi K. Bhabha. O local da cultura. Belo 
Horizonte, Ed da UFMG, 1998, p. 19. 
passaram a ganhar forma, retratadas que eram na busca de outros efeitos de 
conhecimento. 
Nesse ponto de nossa reflexão, uma interrogação se faz necessária. Em que 
medida a eleição do local, sob a ênfase da valorização das escalas microscópicas de 
abordagem das relações sociais, se antagoniza ou desqualifica escolhas centradas em 
outras perspectivas, como as delegadas às histórias da nação? 
A resposta para essa questão nos encaminha, por um lado, para o deslocamento 
da noção de história nacional, e por outro nos remete a discussão de outros conceitos 
fundamentais para o ofício do historiador, são eles: memória e identidade. 
Segundo Benedict Anderson, a nação pode ser compreendida como uma 
comunidade imaginada
16, construída e utilizada, como categoria central, por tantas 
narrativas históricas oitocentistas fundadoras de identidades, cuja circunscrição e 
reprodução figuraram como garantias supremas do que poderíamos denominar de 
processo de naturalização das entidades nacionais, sob a unidade tripartida do Estado, 
do Território e do Povo. 
Seguindo as ponderações de Ernest Renan17, toda unidade nacional, entendida 
como ética de partilha de valores culturais, e também como pilar de sustentação de 
Estados nacionais, foi estabelecida brutalmente, e na dependência direta da 
sedimentação de esquecimentos e lembranças – leiam-se, registros e apagamentos de 
memória -, atualizados pela escrita da história. Na tríade história-memória-identidade, 
identificamos a chave de compreensão e de deslocamento da escala da nação como 
categoria privilegiada das produções historiográficas acadêmicas e didáticas. Uma 
chave que nos permite responder a interrogação anteriormente proposta, asseverando 
que não existe antagonismo entre abordagens centradas nos recortes do local e do 
nacional, mas sim complementaridades, fundamentais, no nosso ponto de vista, para a 
formalização de críticas às diversas éticas de pertencimento que regem nossas inserções 
existenciais. 
Em tempos de gobalizações e mundializações, onde fronteiras culturais cada vez 
mais se deslocam numa vertiginosa circulação de idéias, valores, práticas e 
comportamentos, nos parece relevante enfocar as análises sobre as relações entre o local 
e o nacional como um dos caminhos de esquadrinhamento das identidades sociais. 
 
16 Benedict Anderson. Imagined Communities. Reflections on the origin and spread of nationalism. 
Revised edition. London-New York: Verso, 1991. 
17 Ernest Renan. “O que é uma nação?” In Maria Helena Rouanet (org). Nacionalidade em questão. 
UERJ: Instituto de Letras, 1997. pp. 12-43 ( Cadernos da Pós/Letras, nº 19). 
Nesse ponto o conceito de escala de observação retorna com todas as suas 
possibilidades de aplicação e nos faz, mais uma vez, dialogar com os interlocutores da 
micro-história: 
 
(...) não existe portanto hiato, menos ainda oposição, entre história local e 
história global. O que a experiência de um indivíduo, de um grupo, de 
um espaço permite perceber é uma modulação particular da história 
global. Particular e original, pois o que o ponto de vista micro-histórico 
oferece à observação não é uma versão atenuada, ou parcial, ou mutilada, 
de realidades macrossociais: é (...) uma versão diferente.18 
 
Nesses termos, podemos concluir que a ênfase sobre a história local não se opõe 
às histórias nacionais. O recorte sobre a história local apenas designa uma delimitação 
temática mais ou menos inclusiva, em função das redes de interdependência e 
sociabilidade entre determinados atores, no lugar escolhido. 
A eleição da história local não diminui ou reduz ou simplifica o número de 
aspectos, variantes e interferentes de uma trama social. No recorte priorizador do local, 
cada detalhe mais ou menos aparente pode adquirir significação própria, o que não 
ocorre em uma abordagem centrada em planos mais macroscópicos de análise. 
As análises sobre história local permitem redimensionar a aparente dicotomia 
entre centro/periferia, deslocando tais categorias por intermédio da noção de rede e dos 
jogos de negociação, apropriação e circulação que informam as relações entre grupos e 
indivíduos, em especial, no campo das micropolíticas do quotidiano, espaços marcados 
pela proximidade e pela contigüidade das relações. 
Em especial, no curso de nossas indagações sobre os que viveram e vivem em 
terras gonçalenses, a história local constituiu-se como um campo privilegiado de 
investigação do traçado e da configuração das relações de poder entre grupos, 
instituições e indivíduos e, por conseguinte, dos processos movediços de sedimentação 
das identidades sociais. 
Como afirmamos anteriormente, e essa é uma proposição que gostaríamos de 
frisar, o recorte do local propicia outros efeitos de conhecimento que, na suas diferenças 
e especificidades, deslocam hierarquias e sobreposições entre o nacional e o regional, 
recortes tradicionalmente utilizados pelas narrativas da historiografia acadêmica. É 
preciso, contudo, evitar que a história local seja tomada como uma panacéia, espécie de 
resolução para os inevitáveis impasses e escolhas que envolvem a escrita da história. 
Equívoco de iguais proporções seria supor o recorte do local como substitutivo do 
nacional e do regional. O local, o regional e o nacional, na nossa perspectiva de 
análise, deixam de possuir uma relação meramente inclusiva, para se constituírem em 
modulações, cujos sentidos e valores, cabe, entre outros, aos historiadores diagnosticar e 
redimensionar. 
Nessas modulações, a história local pode viabilizar uma outra escrita para a 
história do Brasil, pondo em xeque a própria construção da categoria Brasil como 
unidade territorial, política, nacional. Nesse ponto, a história local emoldura, na sua 
narrativa, outros lugares de ação para sujeitos situados nas margens de certos locus de 
exercício de poder, ostentados por uma escrita da história comprometida com a 
fundação de uma consciência nacional. 
Nessa proposição, diríamos, não há nenhuma novidade. Outros, aliás, já a 
constataram. Alguns, inclusive, a materializaram, em belos trabalhos. Exemplos atuais 
são: o livro organizado pelos professores Flávio Gomes e Mary Del Priore, Os senhores 
dos rios. Amazônia, margens e histórias, e a obra, resultado de seminário temático, 
intitulada Brasil: formação do Estado e da Nação, dirigida pelo professor István 
Jancsó19. Em ambas, a despeito de todas as diferenças conceituais e metodológicas, 
encontramos narrativas historiográficas inventoras de outros brasis, ou melhor, 
encontramos maneiras de contar histórias sobre sujeitos variados que viveram nas terras 
de um lugar, em algum momento, batizado de Brasil. Olhado sob determinadas escalas 
de observação, o nome do lugar Brasil pode vir a ser, como nos sugere Blaise Pascal, na 
epígrafe que abre esse nosso texto/exposição, um universo plural. 
Se na historiografia acadêmica, o uso dos recortes do local e do regional já 
informa outras modulações para a história nacional, noâmbito da historiografia didática 
tais modulações ocorrem em iniciativas, sem dúvida numerosas e valiosas, mas que, em 
função da dispersão e do isolamento, acabam por não adquirir o merecido 
reconhecimento institucional, carecendo de um diálogo interdisciplinar viabilizador do 
maior refinamento das discussões conceituais e metodológicas que toda escrita da 
história pressupõe e exige. 
 
18 Cf. Jacques Revel. “Microanálise e construção do social”. Op. cit. p. 28. 
19 Cf. Mary Del Priore e Flávio Gomes (org.). Os senhores dos rios. Amazônia, margens e histórias. Rio 
de Janeiro: Elsevier, 2003. István Jancsó (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: 
Hucitec, 2003. 
 
Nesses termos, no nosso entendimento, o desafio maior da história local hoje é o 
de produzir outra pedagogia da história, em especial, uma historiografia didática que 
incorpore o local, parta dele e nisso valorize um caminho de sensibilização que 
configure a consciência histórica, na sua materialidade historiográfica, como 
possibilidade de “reconhecer a identidade pelo caminho da insignificância”. Crianças, 
jovens e adultos, sensibilizados, por intermédio de uma reflexão sobre o local, unidade 
próxima e contígua, historicizando e problematizando o sentido de suas identidades, 
relacionando-se com o mundo de forma crítica, mudando, ou não, enquanto sujeitos, a 
própria vida.

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