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DALGALARRONDO ATENÇÃO Distúrbios neuropsiquiátricos e neuropsicológicos Quadros de delirium causados por distúrbios sistêmicos, neurológicos e neuropsicológicos em que se verificam diminuição do nível de consciência e déficit de atenção ocorrem em encefalopatias metabólicas (por alteração de níveis de oxigênio, glicose e do equilíbrio eletrolítico, acúmulo de catabólitos, etc.), meningoencefalites, acidentes vasculares cerebrais, esclerose múltipla e quadros tumorais. Os distúrbios da atenção estão sempre ou quase sempre presentes nos quadros de delirium. No transtorno cognitivo leve (TCL) (declínio cognitivo leve), comum em idosos, verificam-se alterações da atenção relacionadas a maior demora em realizar as tarefas do dia a dia. Devido ao déficit de atenção, o indivíduo passa a cometer mais erros em suas tarefas rotineiras e a ter dificuldades na atenção dividida (p. ex., dificuldade para ouvir o noticiário no rádio e preparar a refeição) (American Psychiatric Association, 2014). De modo geral, o déficit atencional no TCL vem associado a déficits em funções executivas: muitas vezes, a família relata que o paciente se apresenta com algumas novas dificuldades na vida diária (como dificuldade em preparar as refeições, assinar cheques ou documentos), se distrai com facilidade, etc., e os familiares se preocupam com a capacidade de autocuidado do indivíduo (Langa; Levine, 2014). Nas demências, as alterações de atenção costumam estar presentes desde as fases iniciais. Clinicamente, elas se revelam pelas marcantes perturbações do paciente em ambientes com múltiplos estímulos e nas limitações que apresenta no lidar com eventos e estímulos concomitantes. Os déficits atencionais nas demências também se entrelaçam com as funções executivas, a memória e a aprendizagem (American Psychiatric Association, 2014). Na demência de Alzheimer (DA), assim como na demência vascular (DV), os pacientes têm dificuldades em tarefas que requerem concentração e foco, assim como em atividades de controle executivo. A atenção seletiva e a atenção dividida já estão comprometidas em formas leves de DA e DV, implicando perturbação do controle executivo. O paciente geralmente tem dificuldades marcantes em testes que avaliam o efeito stroop (habilidade de inibir inferências cognitivas em estímulos conjuntos; ver adiante nos testes de atenção) e em testes que avaliam a atenção alternada (Kolanowski et al., 2012). Em contraste a tais déficits marcantes, no início da DA e da DV, o nível de consciência e o nível de alerta podem estar preservados, assim como a atenção sustentada, que pode estar relativamente preservada até estágios intermediários da doença (Parasuraman; Greenwood, 2002). Os déficits de atenção e concentração nas demências também se associam com lentificação da velocidade de processamento, impactando também quase todas as outras áreas da cognição. Por exemplo, o déficit atencional afeta o desempenho da memória, das funções executivas e, eventualmente, até de funções locomotoras, implicando a quase totalidade de comportamentos do indivíduo (Kolanowski et al., 2012). Na demência frontotemporal, a atenção é consideravelmente prejudicada, podendo haver pronunciada distraibilidade, impulsividade e dificuldades com estímulos distraidores, como no Stroop test. As alterações atencionais nessa demência estão intricadamente associadas a funções executivas frontais, como memória de trabalho e planejamento. As habilidades visuoespaciais costumam estar preservadas (Caixeta, 2006). Na demência com corpos de Lewy e na demência associada à doença de Parkinson, as alterações da atenção costumam ser mais acentuadas que na DA. Na demência com corpos de Lewy, as alterações de atenção e função executivas, junto com as flutuações no nível de consciência, parecem estar implicadas na origem das alucinações visuais, encontradas em tal demência (Firbank et al., 2016). Nas demências em que há um componente subcortical mais marcante, como na demência na doença de Huntington, na demência associada a HIV/aids e, sobretudo, em demências vasculares com predomínio subcortical, verifica-se maior prejuízo da atenção, maior lentificação na velocidade de procedimento e prejuízo nas funções executivas frontais (Wallin et al., 2016). Cabe lembrar, por fim, que, nas demências, alterações de atenção também podem estar relacionadas a quadros episódicos de rebaixamento do nível de consciência (delirium que se sobrepõe ao quadro demencial). Transtornos mentais Sabe-se, desde os primórdios da semiologia psicopatológica, no século XIX, que a atenção quase sempre está alterada nos transtornos mentais graves. Um dos fundadores da psicopatologia moderna, o francês Jean-Étienne-Dominique Esquirol (1772-1840) afirmou que: “[...] a atenção é fugitiva no maníaco, concentrada no monomaníaco (melancólico, delirante) e vaga e difusa no demente” (Mattos, 1884, p. 31). As alterações mais frequentes da atenção são encontradas nas seguintes condições: transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), transtornos do humor (depressão e mania), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e esquizofrenia. No TDAH, transtorno bastante importante na infância e na adolescência, mas também significativamente presente em adultos, há dificuldade marcante de direcionar e manter a atenção a estímulos internos e externos, pois o paciente tem a capacidade prejudicada em organizar e completar tarefas, assim como graves dificuldades em controlar seus comportamentos e impulsos. Pacientes com TDAH revelam, em estudos de imagem cerebral, alterações no córtex frontal e em suas conexões. Tem sido dada ênfase a estruturas como o córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex frontal medial superior, o córtex do cíngulo anterior e a regiões do lobo parietal, como o lobo parietal inferior e o sulco intraparietal. A área 10 de Brodmann, parte lateral (na parte anterior do córtex pré-frontal) e regiões anteriores da ínsula e do operculum frontal têm sido também implicadas nas disfunções atencionais e executivas do TDAH (Matthews; Nigg; Fair, 2014). Pode-se afirmar que o principal circuito neuronal relacionado com atenção que se revela hipofuncional no TDAH é o circuito atencional cíngulo-frontal-parietal. Um considerável número de estudos confirma disfunção em tal circuito (Bush, 2011). Os processos atencionais prejudicados, inibição falha e impulsividade são aspectos importantes dessa condição. A dificuldade é maior quando se faz necessário um estado de vigilância para detectar informação infrequente, sobretudo quando tal informação não é motivacionalmente saliente para o sujeito. Pessoas com TDAH têm, portanto, prejuízo relacionado à filtragem de estímulos irrelevantes à tarefa (embora seja questionável se a filtragem atencional é ou não o principal problema desses pacientes) (Cohen; Salloway; Zawacki, 2006; Matthews; Nigg ; Fair, 2014). Há também perturbação da inibição de respostas no TDAH, com déficits nas respostas inibitórias, que, por sua vez, envolve disfunção nas funções executivas frontais. As respostas de inibição implicam inibir ou suprimir respostas inapropriadas em determinado contexto, em favor de respostas alternativas mais apropriadas. Tal autocontrole, fundamental para a regulação emocional, é exercido pelos circuitos frontoestriatais e frontossubtalâmicos. A inibição de respostas, assim como a seleção de respostas, são fatores-chave para o comportamento dirigido a objetivos, sendo os déficits em tais funções fundamentais no TDAH. Por fim, cabe mencionar que estão também implicadas no TDAH a memória de trabalho, a mudança de tarefas e contexto (set shifting, atenção alternada) e a capacidade de manter-se na tarefa (atenção sustentada), ou seja, muitas das funções executivas frontais (Matthews; Nigg; Fair, 2014). Já os pacientes com transtornos do humor têm importantes dificuldades de concentração e atenção sustentada. Há, nos quadros maníacos, diminuição marcante da atenção voluntária e aumento da atenção espontânea, com hipervigilância e hipotenacidade. A atenção do indivíduo em fasemaníaca salta rapidamente de um estímulo para outro, sem se fixar em algo. Nos quadros depressivos, com muita frequência há diminuição geral da atenção, ou seja, hipoprosexia. Em alguns casos graves, ocorre a fixação da atenção em certos temas depressivos (hipertenacidade), com rigidez e diminuição da capacidade de mudar o foco da atenção (hipovigilância). Isso acontece pelo fato de o indivíduo estar em um quadro depressivo grave, muitas vezes voltado totalmente para si, concentrado em conteúdos de fracasso, doença, culpa, pecado ou ruína. Em pacientes deprimidos, o desempenho prejudicado em tarefas de atenção sustentada é, de modo geral, proporcional à gravidade do estado depressivo. A atenção seletiva sensorial costuma ser menos afetada (Cohen; Salloway; Zawacki, 2006). Em pessoas com transtorno depressivo, mesmo fora dos episódios de depressão, pode haver prejuízo da atenção e das funções executivas. Tais prejuízos atencionais podem também ter implicações para a funcionalidade ocupacional dos pacientes (Woo et al., 2016). Já pessoas com TOC apresentam atenção e vigilância excessivas e desreguladas e alterações em funções executivas que geralmente se sobrepõem aos déficits atencionais. Foi identificado, no TOC, prejuízo na atenção alternada (set-shifting), no planejamento, na inibição de respostas, na memória de trabalho e na velocidade de processamento (Abramovitch et al., 2015). Na esquizofrenia, o déficit de atenção também é muito importante. A inadequada filtragem de informação irrelevante é uma dificuldade comum em pacientes com o transtorno. Tais indivíduos costumam ter dificuldade em anular adequadamente estímulos sensoriais irrelevantes enquanto realizam determinada tarefa e são muito suscetíveis a distrair-se com estímulos visuais e auditivos externos. Sob testagem neuropsicológica, revelam lentificação no tempo de reação em consequência da distraibilidade, não conseguem suprimir informações interferentes e têm grande dificuldade com a atenção sustentada, possivelmente devido a essa forte tendência à distraibilidade (Cohen; Salloway; Zawacki, 2006). Cabe mencionar que as dificuldades atencionais relacionadas a atenção alternada (set-shifting), inibição de resposta e atenção seletiva foram correlacionadas em pacientes com esquizofrenia com a presença de sintomas positivos, como alucinações e delírios (Morris et al., 2013). Além disso, verificou-se que modulação das emoções em relação à atenção. ORIENTAÇÃO Desorientação por redução do nível de consciência. Também denominada desorientação torporosa ou confusa, é aquela na qual o indivíduo está desorientado por rebaixamento ou turvação da consciência. Tais turvação e rebaixamento do nível de consciência produzem alteração da atenção, da concentração, da memória recente e de trabalho e, consequentemente, da capacidade de percepção e retenção dos estímulos ambientais. Isso impede que o indivíduo apreenda a realidade de forma clara e precisa e integre, assim, a cronologia dos fatos. Portanto, nesse caso, a alteração do nível de consciência é a causa da desorientação. Essa é a forma mais comum de desorientação. • Desorientação por déficit de memória imediata e recente. Também denominada desorientação amnéstica. Aqui, o indivíduo não consegue reter as informações ambientais básicas em sua memória recente. Não conseguindo fixar as informações, perde a noção do fluir do tempo, do deslocamento no espaço, passando a ficar desorientado temporoespacialmente. A desorientação amnéstica é típica da síndrome de Korsakoff. Já a desorientação demencial é muito próxima à amnéstica. Ocorre não apenas por perda da memória de fixação, mas por déficit de reconhecimento ambiental (agnosias) e por perda e desorganização global das funções cognitivas. Ocorre nos diversos quadros demenciais (doença de Alzheimer, demências vasculares, etc.). • Desorientação apática ou abúlica. Ocorre por apatia marcante e/ou desinteresse profundos. Aqui, o indivíduo torna-se desorientado devido a uma marcante alteração do humor e da volição, comumente em quadro depressivo grave. Por falta de motivação e interesse, o paciente, geralmente muito deprimido, não investe sua energia no mundo, não se atém aos estímulos ambientais e, portanto, torna-se desorientado. • Desorientação delirante. Ocorre em indivíduos que se encontram imersos em profundo estado delirante, vivenciando ideias delirantes muito intensas, crendo com convicção plena que estão “habitando” o lugar (e/ou o tempo) de seus delírios. Nesses casos, pode-se, eventualmente, observar a chamada dupla orientação, na qual a orientação falsa, delirante, coexiste com a correta. O paciente afirma que está no inferno, cercado por demônios, mas também pode reconhecer que está em uma enfermaria do hospital ou em um CAPS. Pode, ainda, ocorrer de o indivíduo dizer, em um momento, que está na cadeia e que as enfermeiras são carcereiros, e afirmar, logo em seguida, que são enfermeiras do hospital (alternando sequencialmente os dois tipos de orientação). • Desorientação por déficit intelectual. Ocorre em pessoas com deficiência intelectual (DI) grave ou moderada (eventualmente em DI leve). Nesse caso, a desorientação ocorre pela incapacidade ou dificuldade em compreender aspectos complexos do ambiente e de reconhecer e interpretar as convenções sociais (horários, calendário, etc.) que padronizam a orientação do indivíduo no mundo. • Desorientação por dissociação, ou desorientação histérica. Ocorre em geral em quadros dissociativos graves, normalmente acompanhada de alterações da identidade pessoal (fenômeno do desdobramento da personalidade) e de alterações da consciência secundárias à dissociação associada ou não com personalidade histriônica (antigamente chamada de “estado crepuscular histérico” e, na atualidade, de “quadros dissociativos”). • Desorientação por desagregação. Ocorre em pacientes com psicose, geralmente com esquizofrenia, em estado crônico e avançado da doença, quando o indivíduo, por desagregação profunda do pensamento, apresenta toda a sua atividade mental gravemente desorganizada, o que o impede de se orientar de forma adequada quanto ao ambiente e quanto a si mesmo. • Desorientação quanto à própria idade. É definida como uma discrepância de cinco anos ou mais entre a idade real e aquela que o indivíduo diz ter. Tem sido descrita em alguns pacientes com esquizofrenia crônica e parece ser um fiel indicativo clínico de déficit cognitivo na esquizofrenia (Crow; Stevens, 1978). Cabe lembrar que, em indivíduos com quadros de desorientação por lesão ou disfunção cerebral, o modo de recuperação do paciente, quando há reversão e cura do quadro e a lesão ou disfunção não produz sequelas definitivas, é o seguinte: 1) inicialmente recupera a orientação quanto a si mesmo; 2) depois recupera a orientação espacial; e, por fim, 3) recupera a orientação temporal (Tate; Pfaff; Jurjevic, 2000). Em pacientes com amnésia, além de desorientação, nos quadros de lesões neuronais leves, a recuperação da orientação tende a ocorrer antes da recuperação da amnésia. Nos quadros de lesão grave, a recuperação da orientação tende a ocorrer depois da recuperação da amnésia. Pacientes com doença de Parkinson, doença de Huntington, TDAH e esquizofrenia podem apresentar alterações da percepção, da codificação e do processamento do tempo, independentemente de terem alterações do nível de consciência (Teki, 2016). No Quadro 14.4 estão resumidas as principais alterações de orientação, percepção e processamento da temporalidade em transtornos neurológicos e mentais, mesmo quando não há alteração do nível de consciência. SENSOPERCEPÇÃO Nas alterações quantitativas, as imagens perceptivas têm intensidade anormal, para mais ou para menos, configurando hiperestesias, hiperpatias, hipoestesias, anestesias e analgesias. Eventualmente, esses termos são empregados em neurologia com um sentido um pouco diverso do utilizado em psicopatologia. A hiperestesia, no sentido psicopatológico, é a condição na qual as percepções encontram-se anormalmente aumentadas emsua intensidade ou duração. Os sons são ouvidos de forma muito amplificada; um ruído parece um estrondo; as imagens visuais e as cores tornam-se mais vivas e intensas. A hiperestesia ocorre nas intoxicações por alucinógenos, como a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) (eventualmente também após a ingestão de substâncias como cocaína, maconha, harmina e harmalina, estas duas últimas contidas na beberagem Ayahuasca, de uso ritual nas religiões Santo Daime e União do Vegetal), em algumas formas de epilepsia e na enxaqueca. Embora raramente, também pode surgir no hipertireoidismo, na esquizofrenia aguda e em certos quadros maníacos. Denomina-se hiperpatia, no sentido neurológico, quando uma sensação desagradável (geralmente de queimação dolorosa) é produzida por um leve estímulo da pele. A hiperpatia costuma ocorrer nas síndromes talâmicas. Já a hipoestesia, no sentido psicopatológico, é observada em alguns pacientes com depressão grave, nos quais o mundo circundante é percebido como mais escuro; as cores tornam-se mais pálidas e sem brilho; os alimentos não têm mais sabor; e os odores perdem sua intensidade. As hipoestesias táteis, com sentido neurológico, são alterações localizadas em territórios cutâneos de inervação anatomicamente determinada, compondo as chamadas síndromes sensitivas, de interesse à neurologia clínica. As mais comuns são decorrentes de lesões da medula, das raízes medulares dos nervos (hipoestesia em faixa) e dos neurônios periféricos (hipoestesias “em bota” e “em luva” das várias polineuropatias).
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