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Indaial – 2020 Instrumento: PrátIca de Flauta doce Prof.ª Pamela Lopes Nunes Prof. Welington Tavares dos Santos 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Pamela Lopes Nunes Prof. Welington Tavares dos Santos Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: N972i Nunes, Pamela Lopes Instrumento: prática de flauta doce. / Pamela Lopes Nunes; Welington Tavares dos Santos – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 183 p.; il. ISBN 978-85-515-0436-9 1. Flauta doce. - Brasil. I. Santos, Welington Tavares dos. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 780 III aPresentação Caro acadêmico, seja bem-vindo à disciplina de “Instrumento: Prática de Flauta Doce”. É um material de nível intermediário e, portanto, desafiador, pois exigirá que sejam mobilizados vários conhecimentos acumulados ao longo da sua experiência como ouvinte de música e teoria musical. Não é um livro que deve ser abandonado após o módulo, principalmente se você pretende mergulhar no maravilhoso mundo da música. O livro de prática de flauta doce, além de reunir peças e melodias para estudo individual ou em grupo, também tem como foco o aprimoramento da leitura em partitura, composição e performance. Foram reunidas peças musicais, além de estudos de técnica para flautas soprano e contralto, sendo que a última foi abordada de modo introdutório na expectativa de motivá-lo para estudos futuros mais aprofundados. Você perceberá que as peças musicais sugeridas neste livro terão diferentes níveis de dificuldade técnica, contudo, em ambos os casos, é importante lembrar daquela máxima: “o processo de aprendizagem, em qualquer instrumento musical, exige paciência e persistência, elementos essenciais para atingir a excelência do aprendizado musical”. A primeira unidade, intitulada Técnicas Interpretativas para Flauta Doce, terá como foco a introdução aos estudos de flauta doce contralto, também conhecida como flauta em fá. Serão apresentados elementos básicos, como digitação, postura, respiração, notas das mãos esquerda e direita etc. Nesta unidade, serão apresentadas orientações e dicas para a prática de conjunto, tendo como base um repertório com melodias de diferentes períodos históricos. Foram, portanto, selecionadas músicas europeias dos períodos medieval, renascentista e barroco, além de melodias brasileiras do cancioneiro popular. A segunda unidade, Construções Melódicas e Harmônicas com a Flauta Doce, tratará de conceitos importantes da linguagem musical e a prática de flauta doce tornará seus estudos ainda mais significativos. Nesta unidade, você terá a oportunidade de rever, suscintamente, alguns conteúdos de teoria musical referentes a escalas, acordes, tonalidades e transposição com um diferencial: praticando flauta doce. Os conteúdos da unidade avançam aprofundando informações sobre aprendizagem significativa, formas de memorização, composição e improvisação com flauta doce, apresentando, também, um repertório variado de músicas da Europa, África e Brasil. O repertório de música brasileira tem como foco melodias indígenas, canções infantis e de festas da cultura popular. IV A terceira unidade, Princípios para o Ensino de Flauta Doce, foi organizada para promover algumas reflexões sobre o processo de ensino e aprendizagem de flauta doce, seja na educação formal ou em contextos informais ou não formais de ensino. Você também conhecerá algumas propostas didáticas que podem ser usadas no aprimoramento da própria prática de flauta doce e, sobretudo, na organização e/ou projeção de futuros projetos pessoais no campo do ensino instrumental. Esta unidade selecionou e organizou, com base em pesquisas e estudos acadêmicos da última década, programas de computador, aplicativos, páginas web e inúmeras outras fontes de consulta que disponibilizam materiais gratuitos sobre música e flauta doce. A prática de flauta doce na concepção deste material não pode ser um evento solitário, mas, acima de tudo, congregador e divertido. Por esse motivo, sempre recomendamos que as atividades sejam em grupos, trios ou duetos. As melodias e estudos selecionados para as unidades têm como objetivos retomar as informações e conteúdos apresentados nos tópicos, aprofundar elementos técnicos e performáticos da flauta doce e, acima de tudo, ampliar os repertórios cultural e musical. Lembrando que, ao ler, ouvir e tocar, será muito mais fácil poder escrever e expressar-se por meio de ritmos e sons. Esse processo de aprendizagem em música será ainda mais divertido se for praticando a flauta doce. Bons estudos! Prof.ª Pamela Lopes Nunes Prof. Welington Tavares dos Santos V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento. Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada! LEMBRETE VIII IX UNIDADE 1 –TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE ......................................1 TÓPICO 1 – FLAUTA DOCE CONTRALTO........................................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 POSTURA, RESPIRAÇÃO E DIGITAÇÃO.......................................................................................4 2.1 POSTURA ...........................................................................................................................................42.2 RESPIRAÇÃO .....................................................................................................................................6 2.3 DIGITAÇÃO ......................................................................................................................................8 3 NOTAS DA MÃO ESQUERDA: DÓ, RÉ, MI, FÁ, SOL ................................................................11 4 NOTAS DA MÃO DIREITA: SI, LÁ, SOL, FÁ ................................................................................16 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................19 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................20 TÓPICO 2 – FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO ................................21 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................21 2 MÚSICA MEDIEVAL ..........................................................................................................................21 2.1 MÚSICA RENASCENTISTA ..........................................................................................................26 2.2 MÚSICA BARROCA .......................................................................................................................31 2.3 DUETOS ............................................................................................................................................34 2.3.1 Afinação....................................................................................................................................34 2.3.2 Sincronia ...................................................................................................................................35 2.3.3 Repetição ..................................................................................................................................35 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................40 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................41 TÓPICO 3 – PRÁTICA DE CONJUNTO ............................................................................................43 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................43 2 FLAUTA DOCE E PERCUSSÃO ........................................................................................................44 3 A FLAUTA DOCE NAS CANÇÕES INFANTIS .............................................................................46 3.1 MÚSICA PARA CRIANÇAS ..........................................................................................................46 3.2 SUGESTÕES PARA O TRABALHO DE REPERTÓRIO .............................................................47 4 A FLAUTA DOCE NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA .........................................................49 4.1 RAÍZES DA MPB .............................................................................................................................50 4.2 INICIATIVAS DE FLAUTA DOCE NO BRASIL .........................................................................50 5 A FLAUTA DOCE NA MÚSICA CONTEMPORÂNEA ...............................................................51 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................55 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................58 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................59 sumárIo X UNIDADE 2 – PRÁTICA INSTRUMENTAL COM AS FLAUTAS SOPRANO E CONTRALTO ...................................................................................................... 61 TÓPICO 1 – EXPLORAÇÃO DE POSSIBILIDADES COMPOSICIONAIS ................................63 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................63 2 ENTENDENDO O PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO ................................................................63 2.1 CONSTRUÇÃO MELÓDICA ........................................................................................................68 2.2 CONSTRUÇÃO HARMÔNICA ....................................................................................................73 2.3 ESCALAS PENTATÔNICAS ..........................................................................................................81 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................83 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................84 TÓPICO 2 – DESENVOLVIMENTO DA EXECUÇÃO DE MEMÓRIA E IMPROVISAÇÃO PARA FLAUTA DOCE .................................................................85 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................85 2 TEORIA DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA .......................................................................85 2.1 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E JOSEPH NOVAK .........................................................87 2.2 SWANWICK E O DISCURSO MUSICAL DOS ALUNOS .........................................................88 2.3 AVALIANDO A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA ..............................................................89 3 PRATICANDO A MEMORIZAÇÃO: UM PROCESSO GRADUAL E SOMATÓRIO ...........90 3.1 CHUNKS, ESTUDO E MEMORIZAÇÃO MUSICAL .................................................................91 4 IMPROVISAÇÃO MUSICAL ............................................................................................................92 4.1 PARA ALÉM DA TÉCNICA: O IMPROVISO NA GRADUAÇÃO..........................................93 4.2 PROCESSOS DE MUSICALIZAÇÃO E IMPROVISAÇÃO .......................................................94 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................97 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................98 TÓPICO 3 – REPERTÓRIO PARA AS FLAUTAS SOPRANO E CONTRALTO ........................99 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................99 2 MELODIAS TRADICIONAIS EUROPEIAS ................................................................................100 3 MELODIAS TRADICIONAIS DA ÁFRICA .................................................................................104 4 MELODIAS DA CULTURA POPULAR BRASILEIRA ...............................................................109 5 MELODIAS INDÍGENAS.................................................................................................................114 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................119 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................122 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................123 UNIDADE 3 – PLANEJAMENTO DE ATIVIDADES PARA O ENSINO DAFLAUTA DOCE ...........................................................................................................125 TÓPICO 1 – A FLAUTA DOCE EM DIFERENTES CONTEXTOS EDUCATIVOS .................127 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................127 2 A MÚSICA E OS SONS NA INFÂNCIA .......................................................................................128 3 O PODER DO IMPROVISO NA MUSICALIZAÇÃO INFANTIL - BRINCAR ....................129 4 VIVÊNCIAS MUSICAIS EM CONTEXTOS FORMAIS, NÃO FORMAIS E INFORMAIS DE ENSINO ...............................................................................................................131 4.1 CONTEXTOS FORMAIS DE ENSINO .......................................................................................131 4.2 CONTEXTOS NÃO FORMAIS DE ENSINO .............................................................................132 4.3 CONTEXTOS INFORMAIS DE ENSINO ...................................................................................133 XI 5 FLAUTA DOCE NA EDUCAÇÃO BÁSICA ..................................................................................133 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................135 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................136 TÓPICO 2 – PROPOSTAS DIDÁTICAS PARA O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE FLAUTA DOCE ......................................................................................................139 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................139 2 PRINCÍPIOS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DE FLAUTA DOCE ........................................140 3 MATERIAIS DIDÁTICOS IMPRESSOS PARA FLAUTA DOCE ............................................144 4 RECURSOS DIGITAIS PARA PRÁTICA DE FLAUTA DOCE .................................................148 4.1 JOGOS ON-LINE PARA FLAUTA DOCE..................................................................................149 4.2 APLICATIVOS DE FLAUTA DOCE PARA DISPOSITIVOS MÓVEIS .................................153 4.3 PÁGINAS WEB COM CONTEÚDO ESPECÍFICO PARA FLAUTA DOCE .........................156 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................162 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................163 TÓPICO 3 – PLANEJAMENTO DE ATIVIDADES PARA O ENSINO DA FLAUTA DOCE ...............................................................................................................165 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................165 2 SENSIBILIZAÇÃO AO SOM ...........................................................................................................165 3 MONTAGEM DE PARTITURA .......................................................................................................168 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................175 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................177 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................178 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................179 XII 1 UNIDADE 1 TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • explorar técnicas instrumentais com base em um repertório de nível médio para flauta doce em dó (soprano) e em fá (contralto); • aprofundar conceitos referentes ao estudo de flauta doce em atividades de técnica e prática interpretativa; • conhecer as possibilidades de uso das flautas doces contralto e soprano em repertórios de diferentes contextos históricos; • refletir sobre estratégias e metodologias de estudo de flauta doce em duetos; • conhecer músicas do cancioneiro popular brasileiro. Esta unidade está dividida em três tópicos. Cada tópico, por meio de uma série de estudos melódicos e musicais, abordará os seguintes temas: TÓPICO 1 – FLAUTA DOCE CONTRALTO TÓPICO 2 – FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO TÓPICO 3 – PRÁTICA DE CONJUNTO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 FLAUTA DOCE CONTRALTO 1 INTRODUÇÃO A flauta doce contralto faz parte da família das flautas doces e recebe esse nome pelo seu timbre mais grave, encorpado e aveludado. Essa flauta, em termos de tamanho, corresponde ao dobro da flauta soprano, porém, mantém a mesma forma e, por sua vez, deve receber os mesmos cuidados de conservação e limpeza. Se fôssemos definir uma origem para a flauta doce, o nome seria flageol, ou flajolé medieval, encontrado em registros do século XIII. Com seis orifícios, embocadura de apito, tessitura de quase duas oitavas, era utilizada por jograis e menestréis popularmente. O desenvolvimento do instrumento ocasionou um formato característico da flauta doce, por volta do final do século XIV. Já no século XV, as flautas doces eram conhecidas e tocadas em toda a Europa. Era encontrada em três tamanhos principais: um descante em Sol, um tenor em Dó e um baixo em Fá. Essa variedade permitia abranger um grande repertório vocal. Ainda, no século XX, por meio do redescobrimento da flauta doce, que sua família é melhor definida e classificada de acordo com suas qualidades sonoras. A flauta doce contralto é considerada, tecnicamente, um instrumento simples para iniciar o aprendizado daqueles que nunca tocaram um instrumento musical de sopro, visto que a emissão do som e a digitação de notas são obtidas sem grandes dificuldades. Graças à sonoridade suave e grave, o estudo pode ser realizado em qualquer espaço sem provocar incômodo ou irritação, muito comum quando são utilizados instrumentos de sonoridades agudas e estridentes. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 4 FIGURA 1 – FLAUTA DOCE CONTRALTO MOLLENHAUER 5206 FONTE: <https://www.salaomusical.com>. Acesso em: 18 jul. 2019. Neste tópico, você terá a oportunidade de conhecer melhor a flauta doce contralto por meio de exercícios de respiração, postura e digitação. Os diferentes estudos propostos, dentre eles arpejos, escalas e pequenas peças musicais, foram organizados didaticamente para um avanço progressivo na técnica instrumental. Simultaneamente às indicações técnicas, serão retomadas orientações sobre o uso do instrumento, visto que a prática da flauta doce não só trata especificamente da performance instrumental, mas também aprofunda conceitos relacionados à teoria musical abordada em outras disciplinas. 2 POSTURA, RESPIRAÇÃO E DIGITAÇÃO Os procedimentos e cuidados a serem observados durante a execução da flauta doce contralto assemelham-se aos dos demais instrumentos da família da flauta doce. Considerando a importância que deve ser dada à postura, respiração e digitação, retomaremos algumas informações essenciais que devem ser observadas criteriosamente durante as atividades propostas neste livro. 2.1 POSTURA Observar a maneira correta de posicionar o corpo durante o estudo de um instrumento musical é essencial para evitar problemas lombares ou doresnas articulações. Por consequência, o processo de aprendizagem será significativamente prejudicado, haja vista que má postura impossibilita o uso correto da técnica instrumental, afeta a qualidade sonora e favorece a aquisição de vícios. TÓPICO 1 | FLAUTA DOCE CONTRALTO 5 Frequentemente, estudantes de flauta doce, buscando maior estabilidade com o instrumento, tencionam exageradamente a flauta na boca, chegando, inclusive, a morder o instrumento com a intenção de segurá-lo. A ação ocorre porque os pontos de apoio estão fora do lugar, exigindo uma compensação por parte da embocadura. Boa postura na flauta doce é igual a um bom som e excelentes resultados! IMPORTANT E Mão esquerda em cima e mão direita embaixo. É assim sim! Não existe exceção! Lembramos que essas orientações devem ser adotadas para todas as flautas da família da flauta doce, ou seja, soprano contralto, tenor ou baixo. Dedos e Punhos: devem estar na posição mais natural da mão. Relaxe a mão, solte-a ao longo do corpo e traga-a para cima. Observe que todos os seus dedos relaxados ficam alinhados. Procure uma forma para as mãos como se fosse a letra C. Mãos pequenas e instrumentos grandes alteram essa forma de C, pois o corpo a todo tempo compensa mudanças. Os punhos devem estar alinhados com o antebraço. A flauta doce tem dois pontos de apoio: polegar da mão direita e lábio inferior. Então, quando estou tocando notas com a mão esquerda, o polegar da mão direita fica em seu lugar como ponto de apoio. A mão direita, em hipótese alguma, sai da flauta! FONTE: <http://quintaessentia.com.br/en/artigo/postura/>. Acesso em: 2 abr. 2019. Não existe boa postura com a mão direita segurando o pé da flauta doce. Não é possível considerar um bom trabalho com flauta doce alunos que tocam o instrumento apenas com a mão esquerda, ou ainda pior, professores que fazem isso nas aulas e apresentações. Não encostamos a flauta doce nos dentes, e fica proibido morder a flauta! Caso você esteja fazendo isso, é porque a flauta doce não está na altura correta. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 6 Altura correta do instrumento: levar a flauta até a boca, e não a boca até a flauta. Se fizer isso corretamente, você estará com o instrumento na altura correta de acordo com a anatomia, em um ângulo de aprox. 45º. Uma sugestão: procure equilibrar o instrumento apenas com os dois pontos de apoio (polegar da mão direita e lábio inferior) sem o auxílio dos outros dedos. Se a flauta estiver muito baixa, fica difícil manter o instrumento equilibrado. Procure subir o instrumento para achar o ponto ideal. Tanto em pé quanto sentado, procure deixar sua coluna reta, ombros relaxados, cotovelos levemente afastados do tronco, pés firmes no chão, paralelos e pouco abertos para que se tenha um equilíbrio maior do corpo. FONTE: <http://quintaessentia.com.br/en/artigo/postura/>. Acesso em: 2 abr. 2019. O pescoço precisa estar reto, alongado. Imagine que você está sendo puxado por um fio acima da cabeça. O pescoço dobrado prejudica diretamente a coluna de ar e, por consequência, o resultado sonoro. As dores de cabeça podem surgir daí, do pescoço em posição irregular, da mordida da flauta e dos vícios de articulação que a má postura pode trazer, causando estresse dos músculos da face e gerando uma dor contínua que o aluno interpreta como dor de cabeça. FONTE: <http://quintaessentia.com.br/en/artigo/postura/>. Acesso em: 2 abr. 2019. 2.2 RESPIRAÇÃO Para tocar um instrumento de sopro, é importante atentar-se, basicamente, aos músculos envolvidos com a respiração a fim de otimizar a utilização do ar, elemento essencial na produção de som para o instrumentista. Precisamos ressaltar que a proposta do item não é discorrer sobre a anatomia da respiração, mas apresentar os principais elementos envolvidos no processo para que, ao praticar os exercícios propostos, desenvolva-se uma maior consciência dos músculos envolvidos no ato de respirar, dividindo-se em dois grupos: os da inspiração e os da expiração. Os músculos que agem na inspiração calma ou respiração em repouso são o diafragma e os intercostais externos. A inspiração calma ocorre quando se expandem os pulmões, tornando a pressão interna inferior à pressão atmosférica, fluindo o ar para dentro dos pulmões (TORTORA, 2000). TÓPICO 1 | FLAUTA DOCE CONTRALTO 7 O diafragma é classicamente descrito como um músculo que separa a cavidade torácica da cavidade abdominal. Funciona de forma involuntária e é responsável pela respiração com os intercostais – músculos situados entre as costelas. FIGURA 2 – MUSCULATURA DIAFRAGMÁTICA FONTE: <http://www.estudiodevoz.com.br/2012_05_01_archive.html>. Acesso em: 10 abr. 2019. Na expiração, utilizam-se os músculos abdominais e intercostais internos. Ela é obtida por uma diferença de pressão, mas, no caso, a diferença é inversa. A pressão nos pulmões é maior. A expiração normal, ao contrário da inspiração normal, é um processo passivo, pois não há contrações musculares envolvidas. Ela depende, parcialmente, da elasticidade dos pulmões (TORTORA, 2000). Em geral, todas as pausas ou “momentos de silêncio”, na música, devem ser aproveitadas para a inspiração, contudo, a quantidade de ar deve ser proporcional ao trecho musical que será executado. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 8 FIGURA 3 – MOVIMENTOS RESPIRATÓRIOS FONTE: <http://anatomiafacil.com.br/category/blog/>. Acesso em: 10 abr. 2019. Na maioria das vezes, o instrumentista de sopro não consegue produzir frases longas com um som relaxado porque não respira da maneira adequada, permitindo que o diafragma realize seu importante trabalho. Quando se toca um instrumento de sopro, a flauta doce, por exemplo, o ar, naturalmente, sai pela boca como no movimento de expiração. Do mesmo modo, para inspiração, ou seja, para encher os pulmões de ar, utiliza-se a boca ao invés das narinas, pois durante a execução de uma peça musical essa é a maneira mais eficaz de recuperar o fôlego rapidamente. 2.3 DIGITAÇÃO A digitação, na flauta doce contralto, segue o mesmo padrão da flauta doce soprano, devendo ser levada em conta a principal diferença entre elas: a afinação. Enquanto a soprano é em Dó, a flauta doce contralto tem sua afinação em Fá. Isto é, se você tampar todos os orifícios da flauta, a soprano soará um Dó, e a contralto uma nota Fá. Conforme a imagem a seguir, para se obter a mesma nota Dó, são fechados todos os orifícios na flauta soprano, enquanto na contralto apenas até o terceiro orifício. As notas correspondem, inclusive, a uma mesma oitava, diferenciando- se, basicamente, pelo volume sonoro. TÓPICO 1 | FLAUTA DOCE CONTRALTO 9 FIGURA 4 – COMPARATIVO ENTRE AS FLAUTAS DOCE SOPRANO E CONTRALTO DÓ DÓ FONTE: Os autores Podemos dizer que, com relação à flauta doce soprano, a contralto ganha, após o Dó, quatro notas graves a mais: Si, Lá, Sol e Fá. Em contrapartida, perde algumas notas agudas. Na flauta doce, como em qualquer instrumento de sopro, o início e o fim de cada som são obtidos com a articulação, ou seja, a correta definição de sons e seu fraseado. A articulação é fundamental para a separação entre notas, permitindo a expressão da interpretação. A técnica de articulação consiste no chamado “toque de língua”, utilizando consoantes simples como “TU” ou “DU”. NOTA UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 10 FONTE: Os autores Na flauta doce contralto, é necessário haver um cuidado com o sopro nas notas graves. A emissão de ar deve ser com pouca força, porém, de forma contínua. Caso haja muita força no sopro, soará mais agudo ou como um apito desagradável. As notas da região mediana – Dó, Ré, Mi, Fá e Sol – exigirão um pouco mais de pressão do ar, mas é preciso estar atento à afinação e uso correto dos dedos sobre os orifícios. As notas mais agudas – Lá, Si, Dó, Ré, Mi e Fá – exigirão tanto controle de ar quanto o correto posicionamento do polegar da mãoesquerda no orifício posterior da flauta. O polegar esquerdo deve cobrir parcialmente o orifício até que se encontre o ponto ideal de abertura para que as notas soem limpas. Para conseguir uma boa interpretação, é necessário sincronizar o movimento dos dedos e a emissão de ar. Além disso, os dedos levemente flexionados devem cobrir completamente os orifícios indicados em cada dedilhado, usando a parte mais macia da ponta do dedo. É preciso cobrir os orifícios de maneira suave. Lembrando que o polegar da mão esquerda é fundamental, pois é responsável pelos sons agudos. O polegar direito servirá como apoio na parte de trás da flauta, na altura do quarto orifício de cima para baixo. TÓPICO 1 | FLAUTA DOCE CONTRALTO 11 Para manter a flauta sempre em boas condições, é aconselhável levar em consideração as seguintes recomendações: • Quando terminar de tocar, você deve secar a umidade que fica dentro da flauta devido ao efeito da respiração. • A flauta não deve ser exposta a mudanças súbitas de temperatura, devendo ser armazenada, após o uso, em uma caixa ou estojo de pano. ATENCAO 3 NOTAS DA MÃO ESQUERDA: DÓ, RÉ, MI, FÁ, SOL FIGURA 5 – NOTAS DA MÃO ESQUERDA: DÓ, RÉ, MI, FÁ, SOL FONTE: Os autores Os exercícios da mão esquerda, além de permitirem maior controle motor, também atuam de forma a facilitar a memorização das posições para prática musical. Com essas posições iniciais, é possível tocar muitas melodias, seja individualmente ou em grupos. Para que o estudo fique ainda mais agradável, podemos sugerir o acompanhamento de outros instrumentos, como o violão, teclado ou percussão. No entanto, é necessário realizar alguns exercícios preparatórios para fixar as posições que serão utilizadas em melodias mais elaboradas. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 12 Os exercícios preparatórios também têm o objetivo de familiarizar o estudante com as novas dificuldades técnicas e musicais. Por essa razão, acreditamos que seja conveniente iniciar a prática através de um único som, concentrando a atenção na emissão do som e articulação da sílaba “DU”. Essa sílaba permite que o ataque com o golpe de língua seja suavizado, prevenindo os famosos “apitos” com o instrumento. FIGURA 6 – DÓ, RÉ E MI FONTE: Os autores TABELA 1 – ESTUDOS ´ TÓPICO 1 | FLAUTA DOCE CONTRALTO 13 FONTE: Os autores UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 14 TABELA 2 – FÁ E SOL E ESTUDOS FONTE: Os autores Os próximos estudos, propositalmente, não estarão com o nome das notas na partitura. Lembre-se: cada linha e espaços da pauta têm o nome de uma nota musical. Memorizar é fundamental no processo da aprendizagem. ATENCAO TÓPICO 1 | FLAUTA DOCE CONTRALTO 15 TABELA 3 – ESTUDOS FONTE: Os autores Como segurar a flauta doce contralto? • Posicione o bocal no lábio inferior e equilibre seu instrumento com o dedo polegar direito. Lembre-se: coloque sua mão esquerda no topo. Não morda o bocal, nem permita que ele toque seus dentes. ATENCAO UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 16 • Sopre suavemente com um fluxo constante. Concentre-se na respiração, imagine como ela acontece fisicamente, sem tensionar os músculos. • Ao tocar uma nota musical, você deve iniciar e parar o som com sua língua. Para fazer isso, tente dizer as sílabas “TU” ou “DU” enquanto emite o som. A técnica é chamada de tonguing e produz um começo e um fim claros para a nota. • Se a nota não sair, ou se ela guinchar, assegure-se de que seus dedos estejam cobrindo completamente os orifícios, sem demasiada força. Outra razão que pode chiar é porque você está soprando muito forte. FONTE: <https://www.wikihow.com/Play-the-Recorder>. Acesso em: 25 abr. 2019. Disponibilizando ao menos 30 minutos diários para estudos preparatórios, em poucas semanas não existirão grandes dificuldades para mudança de posição, dedilhado e sopro. Lembrando que o tempo de dedicação para os estudos e a prática instrumental são determinantes para avançar em atividades de maior complexidade. 4 NOTAS DA MÃO DIREITA: SI, LÁ, SOL, FÁ FIGURA 7 – NOTAS DA MÃO DIREITA: SI, LÁ, SOL, FÁ FONTE: Os autores TÓPICO 1 | FLAUTA DOCE CONTRALTO 17 TABELA 4 – ESTUDOS UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 18 FONTE: Os autores 19 Neste tópico, você aprendeu que: • A flauta doce, desde o século XV, era fabricada em diferentes tamanhos, porém não havia nenhuma classificação ou nomenclatura específica para distinguir umas das outras. No período, a flauta contralto era simplesmente chamada de “flauta”, contudo, para diferenciar da flauta transversal ou de outras flautas com tamanhos diferentes, era chamada de "flauta comum" ou "flauta de consorte" (LASOCKI, 2001). No século XX, com o redescobrimento da flauta doce, ela é classificada conforme suas qualidades sonoras e, a partir de então, surge o que hoje conhecemos como família da flauta doce. • Os procedimentos e cuidados a serem observados durante a execução melódica da flauta doce contralto se assemelham aos utilizados com os demais instrumentos da família da flauta doce. Portanto, um cuidado especial deve ser tomado quanto à postura, respiração e digitação. • A digitação na flauta contralto segue o mesmo padrão da flauta doce soprano, contudo, a principal diferença é a afinação. A flauta soprano é em DÓ e a contralto tem afinação em FÁ, isto é, se você tampar todos os orifícios da flauta, na soprano, você terá a nota DÓ e, na contralto, a nota FÁ. • A flauta doce contralto é considerada um instrumento simples para aqueles que nunca tocaram um instrumento musical. É uma versão maior da flauta doce soprano e tem um som mais grave, suave e agradável. A flauta doce contralto pode ser usada para tocar qualquer música desde que as notas não fiquem abaixo do FÁ, na parte inferior da Clave de Sol. Se existirem notas abaixo de FÁ, a música deve, primeiramente, ser transposta. RESUMO DO TÓPICO 1 20 1 Na flauta doce contralto, as notas da região mediana – Dó, Ré, Mi, Fá e Sol – exigirão um pouco mais de pressão do ar, mas é preciso estar atento à afinação e ao uso correto dos dedos sobre os orifícios. Monte, no diagrama a seguir, as posições da flauta doce contralto, relativas às notas que aparecem na pauta musical. AUTOATIVIDADE Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA de notas na pauta: a) ( ) sol, lá, si, do, ré, fá, mi. b) ( ) lá, si, do, ré, mi, sol, fá. c) ( ) fá, lá, dó#, mi, si, sol, ré. d) ( ) sol, si, ré, dó, lá, dó, mi. 2 Os procedimentos e cuidados a serem observados durante a execução da flauta doce contralto assemelham-se aos dos demais instrumentos da família da flauta doce. Considerando a importância que deve ser dada à postura, respiração e digitação, algumas questões essenciais devem ser observadas criteriosamente. Disserte sobre a importância de manter uma boa postura durante a execução da flauta doce contralto. 3 Que tal você criar seu próprio estudo de flauta doce contralto utilizando as notas estudadas neste tópico? Aproveite a pauta a seguir e escreva, livremente, algo para tocar com seus colegas de sala. 21 TÓPICO 2 FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, você terá a oportunidade de conhecer um pouco mais da história da música, percorrendo parte do caminho realizado pela flauta doce, com um repertório que perpassa melodias características dos períodos medieval, renascentista e barroco. Além disso, terá oportunidade para organizar duetos de pequenas peças musicais para tornar o estudo ainda mais significativo, aproveitando a aula para prática em conjunto – unindo estudo e descontração no fazer musical. Alertamos que o desempenho nas atividades de prática de flauta doce contralto depende do quanto você se apropriou dos conteúdos de teoria musical até aqui. Este tópico dará habilidade necessária para executar as peças que serão apresentadas no decorrer deste material didático.2 MÚSICA MEDIEVAL A Idade Média europeia é um período compreendido do século V ao século XV, e foi marcado pelo profundo sentimento religioso que dominava a sociedade, e também musicalmente, pelo surgimento e desenvolvimento da polifonia e das primeiras notações musicais. A grafia musical ainda estava em seus estágios iniciais durante a Idade Média e, como resultado, a maioria das composições era transmitida apenas em uma espécie de reprodução, tradição oral em vez de partituras escritas. Os registros parcos, ou a presença de letras sem melodias marcadas, dificultavam a obtenção de um conhecimento detalhado da música na Idade Média. No período, o caráter litúrgico e festivo liga a música aos ritos religiosos ou àqueles de natureza pagã, como as festas da chegada da primavera. A música, na alta Idade Média, é marcada pela estrutura modal praticada nas salmodias, no canto gregoriano, nos organuns, nas composições polifônicas da Escola de Notre- Dame, na Ars Antiqua e Ars Nova e, ainda, nas canções populares de trovadores e jograis. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 22 A música modal se caracteriza pela importância dada às combinações entre as notas, intervalos e seus resultados sonoros, tendo como fundamento a composição melódica, seja em uma monodia (uma só melodia) ou em mais de uma melodia, a polifonia. Devido à perseguição que houve aos cristãos no início do período medieval, a parte instrumental das músicas fora retirada para que as cerimônias fossem realizadas de forma discreta. Além disso, com a adoção dos costumes hebreus de salmos, a música acabou se tornando vocal. Inicialmente, a forma de se registrar esses cânticos era por meio da escrita neumática. Os neumas, embora não indicassem, de forma precisa, a altura das notas, auxiliavam os cantores a recordarem o contorno melódico. FIGURA 8 – EXEMPLO DE ESCRITA NEUMÁTICA FONTE: <http://art-musica.blogspot.com/2012/02/no-inicio-eram-os-neumascomo-surgiu.html>. Acesso em: 15 jul. 2019. A rápida expansão do cristianismo exigiu um maior rigor do Vaticano, que unificou a prática litúrgica romana no século VI. O papa Gregório I institucionaliza o canto gregoriano, que se torna modelo para a Europa católica. A notação musical sofre transformações, e os neumas são substituídos pelo sistema de notação com linhas, principalmente após os esforços do monge Guido d'Arezzo. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 23 FIGURA 9 – ESTÁTUA NA CATEDRAL DE WINCHESTER, DE 1305 Além da música religiosa, também se destaca a atividade de se “musicar” notícias, poesias e versos por meio de artistas ambulantes: os trovadores e jograis. Instrumentos melódicos como alaúde, rabeca, pífano, além de instrumentos de percussão, como o galubé e o tamboril, representavam os precursores da música secular no período. Também podemos perceber o nascimento da flauta doce. Possuía seis furos na parte superior apenas, exigindo que o instrumentista usasse os indicadores, médios e anelares, de ambas as mãos, na posição que preferisse. Era possível ver esse instrumento sendo usado por jograis e menestréis em ornamentações e danças populares. FONTE: <http://www.recorderhomepage.net/>. Acesso em: 10 jul. 2019. Aos poucos, foram feitas modificações no flageol. Acrescentou-se um furo na parte inferior, alterando a nota mais grave ou um tom. Na mesma época, fez- se o orifício na parte traseira, para o polegar, possibilitando oitavar com mais facilidade. Pode-se ver que o que temos como a mais antiga flauta doce preservada em museu é uma evolução clara do instrumento. FIGURA 10 – FLAUTA DE DORDRECHT, COM DATA ENTRE 1335 E 1418. ENCONTRA-SE NO GEMEENSTESMUSEUM, EM HAIA FONTE: <http://www.marcomagalhaes.com/bouwer-eng>. Acesso em: 19 jul. 2019. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 24 No século XIV, tratados começaram a ser feitos sobre música, trazendo- nos registros das práticas musicais da época e esclarecendo muito sobre as flautas doces do final da Idade Média. O primeiro tratado é o Música Getutsch, de Sebastian Virdung, de 1511, em que apresentava três tamanhos de flautas (baixo em Fá, tenor em Dó e discant em Sol: todas afinadas em quintas), com tenor duplicado. FIGURA 11 – ILUSTRAÇÃO DO TRATADO DE SEBASTIAN VIRDUNG, DE 1511 FONTE: <https://miguelmorateorganologia.wordpress.com/flauta-travesera-1/>. Acesso em: 19 jul. 2019. Com o desenvolvimento de características mais estáveis, o instrumento começou a chamar atenção de instrumentistas diferentes dos jograis e menestréis que tocavam o flajolé. Nobres amadores, que buscavam interpretar o repertório polifônico que começava a surgir na época, viam, na flauta doce, elementos favoráveis. Ao contrário dos instrumentos de corda, não era preciso afiná-la, além de ser leve e portátil, adequando-se aos momentos de lazer e entretenimento dos nobres. Durante a Idade Média, a maior parte da música era vocal e desacompanhada. A igreja queria manter a música pura e solene porque era menos perturbadora. Mais tarde, instrumentos musicais, como sinos e órgãos, eram permitidos na igreja, mas eram usados principalmente para observar dias importantes do calendário litúrgico. Músicos itinerantes ou menestréis usavam instrumentos musicais nas esquinas das ruas. Os instrumentos usados incluem violinos, harpas e alaúdes. O alaúde é um instrumento de corda em forma de pera com um braço traste. A música da igreja (litúrgica ou sagrada) dominou a cena, embora algumas músicas folclóricas seculares anunciadas por trovadores tenham sido encontradas em toda a França, Espanha, Itália e Alemanha. FONTE: <https://www.liveabout.com/medieval-music-timeline-2457149>. Acesso em: 19 jul. 2019. IMPORTANT E TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 25 Vamos praticar? A peça musical referente à Idade Média selecionada para prática em conjunto ou estudo individual é a Saltarello la Regina, uma dança do final do século XIV do norte da Itália. É uma melodia alegre, cuja estrutura baseia-se em verso e coro. São quatro versos, repetidos duas vezes e seguidos pelo refrão. Saltarello, em uma tradução livre, significa “saltar”, o que se refere aos passos salteados, principal característica deste tipo de dança. Durante o século XV, a palavra saltarello também fazia referência a um ritmo musical (ternário), que aparece em muitas danças coreografadas. Essa melodia apresenta alguns “saltos” na primeira voz, que podem ser, inicialmente, de difícil execução. O importante é começar o estudo com um andamento bem lento e, aos poucos, aumentar a velocidade. FIGURA 12 – ANONIMUS SÉC. XIV FONTE: <https://historical-dance.net/node/32>. Acesso em: 15 jul. 2019 UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 26 Danças inteiras, consistindo apenas no passo e no ritmo do saltoello, são descritas como danças improvisadas nos manuais de dança do século XV na Itália. Informações sobre essa dança apareceram em um tratado escrito por Antonio Cornazzano, em 1465. Durante esse tempo, o saltoello foi interpretado por grupos de cortesãs vestidas como homens em máscaras. DICAS FONTE: <https://collections.vam.ac.uk/item/O55132/saltarello-romano-print-pinelli- bartolomeo/>. Acesso em: 15 jul. 2019. Embora originalmente destinado à corte napolitana, o saltoello tornou-se a típica dança folclórica italiana da Ciociaria e uma das tradições favoritas de Roma nas festas de carnaval e colheita de Monte Testaccio. Tradicionalmente, ela também é realizada em festas de casamento após a partida do casal recém-casado da igreja. Assista ao vídeo disponível em <https://youtu.be/PWMyb1UtlzE> para conhecer melhor os passos dessa dança. 2.1 MÚSICA RENASCENTISTA No desabrochar da renascença, a flauta doce já estava estabelecida em toda a Europa. Além dos músicos populares, o instrumento já se fazia presente nas elites urbanas, nas cortes e no clero, atingindo um grau de popularidade e alcance que nenhum outro havia tido antes de1500. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 27 FIGURA 13 – FLAUTAS DESCRITAS POR PRAETORIUS, EM 1619 FONTE: <http://labflauta.org/conteudo/o-conjunto- renascimento/>. Acesso em: 20 jul. 2019. Com relação às evoluções ocorridas no período, percebe-se uma clara evolução dos instrumentos musicais, que passaram por intensas experimentações e mudanças. No período, a flauta doce surge em ainda mais diversos tamanhos e modelos, com agrupamentos em famílias de diferentes tamanhos, que foram chamadas de consort. Uma palavra utilizada modernamente para se referir a um grupo do mesmo instrumento com diferentes tamanhos e possibilidades (FIGUEIREDO, 2018). Michael Praetorius traz, em seu tratado, Syntagma Musicum, de 1619, nove tamanhos diferentes de flautas, diferenciando-os claramente de acordo com sua polifonia. De acordo com Figueiredo (2018, p. 3), “a prática renascentista do consort era bastante diferente da forma como a flauta doce é mais conhecida nos dias de hoje, principalmente quando falamos da afinação dos instrumentos”. O autor destaca que a afinação renascentista, em quintas, é desafiadora para os flautistas: UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 28 A afinação renascentista em quintas traz novos desafios para os flautistas: instrumentos afinados em Sol, Ré, Si bemol e outras possibilidades que a afinação em quintas permite. Não é amplamente estudada por flautistas, até no ambiente acadêmico, pois o padrão de afinação atual da flauta doce intercala quintas e quartas (Fá-Dó- Fá-Dó), ou seja, os instrumentos estão limitados a Dó e Fá. Por esse motivo, a prática e a construção adequadas de consorts de flautas doces renascentistas enfrentam certa resistência no cenário musical da flauta doce, que busca alterar as caraterísticas desses instrumentos (FIGUEIREDO, 2018, p. 5). Importante destacar que, no Brasil, há um movimento crescente no âmbito de música antiga nas últimas décadas. Dentre os grupos mais conhecidos, citamos: GReCo – Grupo de Pesquisa em Música da Renascença e Contemporânea, na UNESP; Quinta Essentia Quarteto, um dos mais importantes grupos de música de câmara da atualidade; e o Illvminata, grupo que se destina à pesquisa e performance de música antiga. Vamos praticar? Durante a Renascença, uma forte característica da produção musical do período é a escrita polifônica. A prática, restrita inicialmente à música vocal da liturgia, passou por grandes transformações que renderam uma diversidade de estilos de escrita durante o Humanismo europeu, trazendo também uma paulatina abertura para a música instrumental. FIGURA 14 – DANÇA FRANCESA DO SÉCULO XVI FONTE: Os autores TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 29 Na melodia Tourdion, você utilizará uma posição nova na flauta contralto: a nota Lá. Ela aparece no segundo compasso da música. Observe a seguir: FIGURA 15 – POSIÇÃO LÁ FONTE: Os autores FIGURA 16 – RITORNELLO, 1787 FONTE: Os autores Na melodia Ritornello, toda nota FÁ é sustenida, conforme indicação da armadura de clave. Portanto, a posição na flauta doce contralto também muda. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 30 FIGURA 17 – ARMADURA DE CLAVE: SUSTENIDO EM FÁ FONTE: Os autores A canção de natal a seguir é um bom exercício de prática. Sua extensão vai do Dó até o Sol. FIGURA 18 – MELODIA DO SÉCULO XVII FONTE: Os autores Consort renascentista Os consorts de flautas renascentistas geralmente são afinados em quintas justas. Dessa forma, a nomenclatura dos instrumentos mais usados é ligeiramente diferente dos barrocos. Os instrumentos renascentistas possuem tubo cilíndrico, com praticamente o mesmo diâmetro no bocal e no final do tubo, tornando as notas graves muito mais potentes. NOTA TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 31 FONTE: <https://quintaessentia.com.br/artigo/infinidade-de-instrumentos/>. Acesso em: 15 jul. 2019. 2.2 MÚSICA BARROCA Durante o período barroco, a música instrumental teve um despontamento, atingindo destaque em conjunto com a música vocal. A música, aqui, toma ares exuberantes: aplicam-se ritmos enérgicos, melodias com muitos ornamentos, contrastes de timbres instrumentais, sonoridades fortes com suaves e experimentações técnicas e de composição que estendiam as possibilidades sonoras. Em boa parte da Europa, a composição polifônica começa a perder espaço, enquanto o barroco italiano amplia sua cena, dando ênfase à melodia principal acompanhada por um baixo contínuo. A parte de baixo era escrita por extenso na partitura, e o instrumentista preenchia a harmonia com acordes apropriados à progressão, ou improvisava uma linha melódica contínua. Utilizava-se muito o cravo, por vezes dobrado por uma viola de gamba ou um violoncelo. O cello, por exemplo, poderia tocar a tônica de cada acorde, enquanto o cravo soaria as notas cifradas em arpejo, possibilitando até mesmo certa improvisação do cravista. Com uma base sustentando a peça, o restante da música tinha mais liberdade melódica e temática, enriquecendo a melodia. Essa prática de performance otimizou o aproveitamento dos instrumentos e dos cantores, ampliando o nível técnico dos intérpretes e das composições. Com o desenvolvimento do nível técnico, novas configurações surgiam. No período, surgem as músicas de câmara, estilo musical de conjunto variado, mas muito elaborado e destinado às cortes, contando com, no máximo, dez músicos gabaritados, nem sempre solistas. Apresentando-se em pequenas salas, para um público seleto, existiam conjuntos que iam de trios com piano, quartetos de corda e quintetos de sopro. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 32 FIGURA 19 – MÚSICOS NA CORTE DOS MEDICI, DE ANTONIO DOMENICO GABBIANI (1652-1726) FONTE: <https://revistasera.info/2016/09/a-musica-barroca-1600-1750-frederico-toscano/>. Acesso em: 19 jul. 2019. Foi na época que a flauta doce atingiu seu ápice, recebendo composições solo, várias peças de câmara, com intérpretes de renome e com uma evolução física do instrumento, tornando-a muito similar ao que conhecemos tradicionalmente. Muitas composições da época são referenciadas até hoje pela sua dificuldade técnica e quantidade de elementos. A monodia do canto medieval toma novos ares, sendo aqui acompanhada com um baixo contínuo e reverenciando a habilidade dos cantores. As passagens melódicas de maior contraste desenvolveram-se, com destaque para a escola veneziana. É na ópera de Monteverdi que percebemos a linha homófona da música barroca, deixando de lado a polifonia. A melodia vocal destaca-se no solo, exprimindo, com dramaticidade, os sentimentos humanos. A harmonia vertical, sem a rigidez que a polifonia imprime, abandona um pouco o coro, que só será retomado por Bach e Handel no começo do século XVIII. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 33 FIGURA 20 – UNGARESCA FONTE: Mascarenhas (1978, p. 80) Entendendo a partitura A melodia ungaresca é uma melodia de dança húngara que apresenta algumas informações importantes que não podem ser desconsideradas durante a música. Barras de repetição (ritornelo) – significa que o trecho delimitado deve ser tocado mais uma vez IMPORTANT E UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 34 Significa que se deve retornar ao compasso onde está o segno e tocar a melodia até o FIM. Perceba que a melodia apresenta algumas indicações quanto ao andamento, utilizando os termos Moderato, Allegretto e Animato. Isso quer dizer que a melodia começa lenta e vai acelerando aos poucos. Por esse motivo, a indicação do tempo ideal, ou seja, a velocidade, em cada trecho da melodia: 88 para moderato, 108 para allegretto e 120 para animato. Lembrando que essas informações são pertinentes para o uso de metrônomo durante a execução musical. FIGURA 21 – ADÁGIO, SÉCULO XVI FONTE: Os autores 2.3 DUETOS Dueto é uma composição musical, ou trecho melódico,executado por dois músicos instrumentistas ou por dois cantores. Ao longo deste livro, você deve ter observado que várias músicas apresentam duas vozes, sugerindo, desse modo, um dueto. Para dar continuidade aos estudos de peças em dueto, é importante estar atento para as seguintes características: afinação, sincronia e repetição. 2.3.1 Afinação Caso sejam utilizadas flautas de diferentes fabricantes ou modelos, é importante que você afine as flautas para que os estudos e as músicas soem de modo agradável. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 35 A afinação pode ser obtida de várias formas e uma delas é alterando o tamanho do instrumento, abrindo ou fechando o encaixe. Dessa maneira, devemos tocar uma nota e compará-la com uma referência, auditivamente, abrindo o instrumento se estiver alto, e fechando, se estiver baixo. Outra maneira de afinar é soprar uniformemente, sem oscilações ou vibratos. Para saber se a flauta está alta ou baixa quando ainda não temos essa percepção auditiva, assopramos pouco para que a afinação esteja baixa e, gradativamente, vamos aumentando a pressão do ar até chegarmos na referência. FIGURA 22 – AFINAÇÃO DA FLAUTA DOCE FONTE: <https://quintaessentia.com.br/artigo/afinacao-a-pratica-leva-a-perfeicao/>. Acesso em: 15 jul. 2019. 2.3.2 Sincronia Outra observação importante é não fazer dos duetos uma disputa ou um estudo individual. É preciso ouvir o parceiro flautista e homogeneizar as sonoridades das flautas. Ao executar cada estudo, busque uma sincronia perfeita entre as notas, além de afinação e sonoridade. 2.3.3 Repetição Comece os estudos das melodias em um andamento lento e aumente a velocidade à medida que se sentir seguro. Nosso corpo aprende por repetições, portanto, é necessário executar com frequência os estudos propostos para obter excelente progresso. UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 36 Como tocar e estudar em forma de Dueto No estudo em forma de duo, a partitura tem dois pentagramas unidos: o pentagrama de cima toca a flauta 1 e, o pentagrama de baixo, a flauta 2. IMPORTANT E FONTE: <https://sites.google.com/site/estudantesflautastransversal/>. Acesso em: 27 nov. 2019. Para o bom desenvolvimento, sugerimos que o aluno, inicialmente, toque a flauta 1 e, o professor, a flauta 2. Posteriormente, refaça com o aluno tocando a flauta 2 e, o professor, a flauta 1. FONTE: MASCOLO, N.; MASCOLO, C. Método de técnica em forma de dueto. 2019. Disponível em: https://sites.google.com/site/estudantesflautastransversal/. Acesso em: 15 jul. 2019. Vamos praticar? A melodia “O Pastorzinho” é um excelente exercício para treinar a escala de dó nas flautas soprano e contralto. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 37 FIGURA 23 – MELODIA PASTORZINHO FONTE: Os autores FIGURA 24 – ARMADURA DE CLAVE E NOTAS SUSTENIDAS FONTE: Os autores UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 38 Pastorela é uma canção medieval trovadoresca, muito comum no norte da França. Seu conteúdo era habitualmente de caráter humorístico. Na canção, o trovador relata uma cena no campo como observador das atitudes de desconhecimento e frustração de uma pastora apaixonada. FIGURA 25 –CANÇÃO PASTORELA - SÉCULO XVI FONTE: <http://grupoflauteando.blogspot.com/2016/06/partitura-cannon-para-dueto- de-flauta.html>. Acesso em: 15 jul. 2019. Bourré é uma dança renascentista de origem francesa, normalmente realizada em pares a fim de serem executados os passos alternadamente. A melodia é construída em compasso binário com andamento relativamente rápido. Durante o período barroco, as danças Bourré também fizeram parte de sonatas e suítes orquestrais. TÓPICO 2 | FLAUTA DOCE CONTRALTO: ESTUDO DE REPERTÓRIO 39 FIGURA 26 – BOURRÉ - SÉCULO XVII FONTE: Os autores Essa melodia apresenta duas notas não estudadas: SI (Agudo) e Dó (agudo). Em relação às demais, o diferencial é a abertura de meio furo na parte posterior da flauta, onde fica o polegar. FIGURA 27 – DIAGRAMA DAS NOTAS SI, DÓ FLAUTA DOCE CONTRALTO FONTE: Os autores 40 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Quanto ao repertório para flauta doce, na Idade Média, tanto a música religiosa ou erudita, como a popular ou profana, utilizavam a flauta doce. Contudo, a partir do século XV, na renascença, a flauta doce era amplamente utilizada tanto por músicos amadores como profissionais. Entre os profissionais, dois tipos se destacavam: aqueles que usavam a flauta doce para a música de câmera, e os músicos, que tocavam em grupos oficiais. • Durante o período barroco, a música instrumental passou a ter a mesma importância da música vocal. A música barroca é de característica exuberante: com ritmos enérgicos, melodias com muitos ornamentos, contrastes de timbres instrumentais e sonoridades fortes com suaves. 41 1 Dueto é uma composição musical, ou um trecho melódico executado por dois músicos instrumentistas, contudo, é importante estar atento aos aspectos relativos à afinação e sincronia. Com base nas informações sobre duetos apresentadas neste tópico: a. Escolha uma melodia com duas vozes (deste livro ou de outro material). b. Estude a melodia com mais um colega. c. Apresente o dueto em sala de aula. 2 Na música, o sustenido indica que a altura de determinada nota deve ser elevada em um semitom. Observe a armadura de clave a seguir, utilizada em diversas melodias para flauta doce: AUTOATIVIDADE I- A armadura de clave indica que a melodia está na tonalidade de Ré maior. II- A armadura de clave indica que a melodia está na tonalidade de Ré menor e o compasso é ternário. III- De acordo com a armadura de clave, as notas FÁ e DÓ, na flauta doce, são sustenidas. IV- A armadura de clave, apesar de apresentar alterações para as notas FÁ e DÓ, indica que essas notas podem ou não sofrer alterações na música. Depende do instrumentista. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças II e IV estão corretas. b) ( ) As sentenças I e III estão corretas. c) ( ) Somente a sentença IV está correta. d) ( ) Somente a sentença III está correta. 3 Durante o período barroco, a música instrumental apresentava ritmos enérgicos, melodias com muitos ornamentos, timbres instrumentais contrastantes, além de experimentações técnicas e de composição que ampliavam as possibilidades sonoras. No período, surgem as músicas de câmara, estilo musical de conjunto variado, mas muito elaborado e destinado às cortes. Considerando esse contexto, disserte sobre a flauta doce no período barroco. 42 43 TÓPICO 3 PRÁTICA DE CONJUNTO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Há um senso comum que trata a flauta doce como um instrumento “aquém” de suas possibilidades. Assim, antes de avançar os estudos sobre a flauta doce e a prática de conjunto, é preciso referenciar esse instrumento, que tanto pode ser utilizado para a musicalização quanto para o instrumento artístico. A flauta doce é um instrumento medieval e renascentista que teve seu ápice no período barroco, mas havia sido deixada de lado ao final do século XVIII, principalmente pela ascensão das orquestras com elementos mais dinâmicos para a época. No entanto, ao final do século XIX, resgatou-se o instrumento por meio de pesquisadores e músicos interessados em obras antigas e medievais, que buscavam a máxima fidelidade das peças. Com a redescoberta de composições que remetiam, principalmente, ao estilo barroco, diversos músicos se especializaram na flauta doce. Foi na década de 1930 que o instrumento foi introduzido nas escolas por Edgar Hunt, assumindo um outro papel: o de musicalização. Hunt tocava flauta transversal e, assim que teve contato com a flauta doce, percebeu sua possibilidade educacional. De acordo com Paoliello (2007, p. 38), “antes de aprender sua técnica, ou entender o uso do diafragma para a produção de um sopro de qualidade, é possível fazer soar, de alguma forma, a flauta doce”. O fácil manuseio do instrumentoe a produção em série de flautas de plástico possibilitaram sua difusão nas escolas, ampliando a possibilidade da prática de conjunto em salas de aula. A prática em conjunto favorece a participação de todos os alunos no fazer musical, nas partes mais simples e nas mais complexas. Deve haver a utilização da flauta doce na escola, onde a ênfase é dada no ensino da música e não no ensino do instrumento. Assim, a flauta doce se insere nas atividades de composição, apreciação e execução musical, constituindo um dos recursos do processo de aprendizagem (BEINEKE, 2008 apud BARROS, 2010, p. 53). 44 UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE A prática em conjunto, além de modalidade musical, é uma grande oportunidade de aprendizagem por meio da interação. Ela possibilita a troca de ideias, o contato com o outro, a atenção a diversos elementos sendo reproduzidos simultaneamente, a concentração etc. Neste tópico, você conhecerá algumas formas da prática de conjunto com a flauta doce. 2 FLAUTA DOCE E PERCUSSÃO A mesma facilidade inicial de fazer soar a flauta doce, independentemente da técnica, pode ser aplicada à percussão. A pulsação é um elemento orgânico e inerente a todas as pessoas, podendo ser integrada à melodia, e é essa característica que torna natural a prática conjunta de flauta doce e percussão, principalmente na musicalização. Essa união remete à origem da flauta e ao contexto do seu renascimento. Para ilustrar, trazemos o trecho de um arranjo de Sérgio Vasconcellos Correa para flauta e percussão de Il Trotto, melodia anônima medieval do século XIII: FIGURA 28 – II TROTTO FONTE: Os autores A versatilidade da flauta doce, principalmente por seu timbre e extensão se assemelharem à voz humana, permite entoar praticamente qualquer estilo, ampliando sua possibilidade interpretativa em conjunto e propiciando, aos instrumentistas, professores e alunos, a pesquisa de sonoridades de acordo com o efeito desejado. De igual natureza, a percussão está presente em quase todas as canções, muito por ser orientada pelo pulso natural do corpo. A percussão corporal é uma TÓPICO 3 | PRÁTICA DE CONJUNTO 45 das formas mais conhecidas de musicalização nas escolas, pela possibilidade de criação e improviso, além do auxílio na internalização do ritmo. É possível ver, na cultura indígena brasileira, exemplos de percussão corporal aliados a melodias que podem ser adaptadas à flauta doce. Na tribo Krenak (região do Rio Doce), a canção Po Hamék é entoada em festas, reuniões e coletivamente, em cantigas de roda. Estimula a camaradagem e propicia jogos de percussão corporal aliados à melodia, que pode ser adaptada à flauta doce. FIGURA 29 – PO HAMÉK FONTE: <http://www.cantosdaterra.com.br>. Acesso em: 19 jul. 2019. Letra (pronúncia) - tradução livre Na gram tondon mûm gri (Na grantandó naum gri) - Vamos todos cantar juntos Grí erehé, gri erehé (Grirerré grirerré) - Cantar bonito, cantar bonito Po hamék, po hamék (Pauamé, pauamé) - Bater palmas, bater palmas NOTA Refletir sobre o acompanhamento percussivo pode motivar, de forma satisfatória, alunos e intérpretes, mesmo que seja só marcando o tempo. A prática em conjunto pode proporcionar o treino polifônico, ampliando as possibilidades de estudo dos elementos musicais. 46 UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 3 A FLAUTA DOCE NAS CANÇÕES INFANTIS Conforme vimos, houve uma consolidação da flauta doce como instrumento musicalizador no início do século XX, principalmente devido à estrutura física e acessibilidade. Desde a década de 1970, as escolas brasileiras vêm optando pelo instrumento para a prática em conjunto e iniciação musical, além do enfoque na flauta como opção nos cursos de licenciatura em música pelo país. Para facilitar o vínculo do aprendizado das músicas pelas crianças, a familiaridade é um elemento fundamental. Dessa forma, a utilização das canções tradicionais e/ou folclóricas, que são próximas culturalmente, estimula o aprendiz, trazendo o contexto, além das suas estruturas melódicas simples e ostinatos marcantes. Na infância, essa inicialização dá-se por meio da imitação e de forma gradativa, como visto anteriormente em nossos estudos. Elementos lúdico- visuais, como bonecos, ilustrações e sombras, estimulam diferentes sentidos e proporcionam uma maior imersão do aprendiz. A utilização da flauta doce nas aulas de iniciação musical pode ser muito eficiente quando bem orientada, por proporcionar uma experiência com um instrumento melódico, contato com a leitura musical, estimular a criatividade – com atividades de criação – além de auxiliar o desenvolvimento psicomotor das crianças e trabalhar a lateralidade (com o uso da mão esquerda e da mão direita). Possibilita, ainda, a criação de conjuntos, ajudando a despertar e a desenvolver a musicalidade infantil e o gosto pela música, melhorando a capacidade de memorização e atenção e exercitando o físico, o racional e o emocional das crianças (PAOLIELLO, 2007, p. 32). Apesar da simplicidade de algumas melodias infantis, é possível acrescer complexidade incluindo outros recursos sonoros, aumentando as possibilidades de estudo em uma mesma peça para o aluno. 3.1 MÚSICA PARA CRIANÇAS É preciso ter em mente a qualidade do repertório infantil. Muitas vezes, as crianças são subestimadas, e as canções destinadas a esse público (muitas vezes dispostas pelos meios midiáticos) possuem uma harmonia fraca, com timbres muito agudos, melodias simples e pouca textura. A capacidade de absorção e aprendizado da criança é enorme, e essa janela deve ser aproveitada. Contudo, o que torna uma música “infantil”? Um dos elementos é o brincar. A qualidade recreativa é uma característica marcante na infância, pois é por meio dela que a criança experimenta a vivência com o mundo, por meio do “faz de conta”. No entanto, mais do que ser uma brincadeira em si, é importante que TÓPICO 3 | PRÁTICA DE CONJUNTO 47 os compositores, arranjadores, intérpretes e produtores imprimam as qualidades do universo infantil nas músicas e canções, sem que se diminua a exigência na composição. A linguagem musical deve abordar três esferas: produção (experimentação e imitação), apreciação (percepção das estruturas musicais) e reflexão (a organização e a criação da produção musical): [...] de modo a garantir à criança as possibilidades de vivenciar e refletir sobre questões musicais, num exercício sensível e expressivo que também oferece condições para o desenvolvimento de habilidades, de formulação de hipóteses e de elaboração de conceitos (BRASIL, 1998, p. 48). É preciso entender a criança, levar em consideração seu desenvolvimento, demandas e estabelecer uma relação com a arte, tanto para a criação de conteúdo próprio quanto para a prática de ensino, estimulando a descoberta e a autonomia no fazer musical. 3.2 SUGESTÕES PARA O TRABALHO DE REPERTÓRIO Neste subtópico, traremos alguns exemplos de peças infantis que podem ser utilizadas em classe, no histórico e reflexão acerca da composição. FIGURA 30 – MINHA CANÇÃO FONTE: Os autores 48 UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE A peça “Minha Canção”, do espetáculo Os Saltimbancos, foi composta por Chico Buarque em 1977 e traz a escala de DÓ, em que cada início de frase reforça o caráter da nota que inicia o compasso. É uma ótima canção para memorizar a localização das notas na pauta. FIGURA 31 – TRENZINHO DO CAIPIRA FONTE: Os autores O “Trenzinho do Caipira”, de Villa Lobos, é uma peça marcada por seu ostinato melódico e simplicidade. A composição remete ao movimento de uma locomotiva, utilizando os sons da orquestra de forma não convencional. É possível iniciar o tema com a apreciação musical da canção original antes de praticar sua redução para a flauta doce, além de utilizar elementos percussivos para reproduzir os sons da locomotiva, assim como Villa Lobos fez. Ao escolher melodias tradicionais folclóricas, como cai, cai, balão,samba- lê-lê ou ciranda-cirandinha, é possível explorar a melodia simples com jogos de mão, brincadeiras de roda pontuando o ritmo, a pulsação e a identificação com elementos da cultura brasileira. Perceber a criança como indivíduo pensante, questionador, com subjetividades, capacidades de discernimento, e aproximando-se do universo dela ao fazer e ensinar música, são ações que possibilitarão a criação de um vínculo musical forte, dando voz e desejo artístico a um potencial músico. Vamos praticar? TÓPICO 3 | PRÁTICA DE CONJUNTO 49 FIGURA 32 – CAI CAI BALÃO FONTE: Os autores FIGURA 33 – BRILHA ESTRELINHA FONTE: Os autores FIGURA 34 – MEU LIMÃO, MEU LIMOEIRO FONTE: Os autores 4 A FLAUTA DOCE NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA Pela sua versatilidade, timbre e praticidade, a flauta doce é prontamente aplicável a qualquer gênero. Explorar as possibilidades da Música Popular Brasileira – MPB – mostra-se como um caminho rico para tratar de regionalismo, inclusão, etnicidade, além do multiculturalismo que tanto representa nosso país. 50 UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE 4.1 RAÍZES DA MPB Peters (2013), em seu artigo “Música Popular Brasileira e o Ensino de Flauta Doce”, faz um resgate histórico do estilo aludindo que uma das referências mais antigas está na modinha e no lundu que, associados a elementos musicais europeus, deram origem a vários estilos que se consolidaram por aqui, como o samba. É preciso ir além da partitura e dos instrumentos para entender o estilo. Há todo um contexto social, econômico, cultural e político (PETERS, 2013). A música popular não é, de modo algum, oposta à música erudita. Com o desenvolvimento dos centros urbanos, foram chamadas, de música popular, as canções reproduzidas nas cidades, principalmente pela classe média trabalhadora. Os meios midiáticos endossaram o movimento, propagando as músicas e estimulando o mercado. Nessa estrutura é que surgem os ritmos que formam a MPB, desde choros até manguebeat. Trazer cada contexto ao interpretar o instrumento e contextualizar suas nuances e realidades enriquecem a prática musical e estimulam a pesquisa e domínio em relação ao próprio repertório. 4.2 INICIATIVAS DE FLAUTA DOCE NO BRASIL A redescoberta da flauta doce, inicialmente como forma de trazer autenticidade à música antiga, reflete o surgimento de grupos do mesmo estilo aqui no Brasil. Em 1970, influenciados pelo Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC, vários grupos, por todo o país, dedicados à interpretação histórica, começaram a surgir, numa prática que se estende até os dias atuais (BARROS, 2010). Em uma transição entre a música antiga e a música regional brasileira, o grupo Música Antiga da UFF lançou, em 2004, o CD Medievo-Nordeste, aproximando as similaridades dos trovadores e jograis da Idade Média com os tocadores de viola nordestinos. No mesmo sentido, o flautista Flávio Stein e o conjunto Studium Musicae trouxeram uma proposta de contrastar aspectos da música medieval com a tradição oral nordestina, além de peças de compositores contemporâneos. Além disso, é possível ver iniciativas que saem do escopo antigo e assumem um viés mais contemporâneo da MPB. Cléa Galhano e Ricardo Kanjim interpretam, além de peças internacionais, composições barrocas e renascentistas, peças eruditas brasileiras e arranjos para MPB, como choros e música folclórica. O Duo Flusters (SP), de David Castelo e Patrícia Michelini, traz também elementos nacionais em seu programa, de Villa-Lobos a peças de choros. TÓPICO 3 | PRÁTICA DE CONJUNTO 51 Em Uberlândia, temos, no Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli, uma iniciativa chamada Mistura Boa. Desenvolvida pelos professores Ana Cláudia Curi e Sérgio Melazzo, o projeto integra MPB com flauta doce e cordas dedilhadas. O CD Mistura Boa II - Chorando, de 2008, traz também um caderno de partituras das peças. Com essas e tantas outras iniciativas, podemos observar que os profissionais dedicados à flauta doce se empenharam, principalmente, à interpretação da música antiga, no entanto, percebendo a versatilidade do instrumento e as possibilidades de se explorar a sonoridade brasileira, versando a cultura brasileira e sua diversidade na pesquisa, composição e interpretação de peças que contribuem para a identidade nacional. 5 A FLAUTA DOCE NA MÚSICA CONTEMPORÂNEA A percepção do instrumento ainda está ligada, de forma profunda, à música antiga. Sua revitalização, seguida pela rápida popularização como instrumento musicalizador, inibiu o desenvolvimento do seu caráter artístico e o proveito para composições modernas. No entanto, há gratificantes exceções que souberam da versatilidade do instrumento e o exploraram na música contemporânea, principalmente pelas vantagens intrínsecas: Facilidade de construção, possibilidades de sopro, facilidade de entoação dos quartos de tom, riqueza na produção dos harmônicos, os glissandi e os multifônicos mais fáceis devido à ausência de chaves, algumas semelhanças sonoras com os sons eletrônicos, a variedade de cores graças à manipulação do canal e o ruído branco (BARROS, 2010, p. 21). Com relação às composições contemporâneas, dois flautistas receberam o mérito por boa parte das obras contemporâneas para flauta doce: Frans Brüggen e Michael Vetter. Sentindo a dificuldade de inserção na carreira solo, embasados apenas por obras antigas, demonstraram, em sua performance, as possibilidades da flauta doce, chamando atenção de compositores. 52 UNIDADE 1 | TÉCNICAS INTERPRETATIVAS PARA FLAUTA DOCE FIGURA 35 – PRIMEIRA PÁGINA DA PARTITURA DE GESTI, DE LUCIANO BERIO. 1970 BY UNIVERSAL EDITION (LONDON) FONTE: <http://www.olandesevolante.com/index.php?CID=501&IDDOC=729>. Acesso em: 26 ago. 2019. Foi apenas em 1961 que foi produzida a primeira peça considerada de vanguarda para a flauta doce. Musiek, composta por Rob du Bois, traz elementos que nunca haviam sido explorados no instrumento. Logo em seguida, outros compositores se lançaram na tarefa de produzir um repertório moderno para a flauta, como Mutazioni, de Jürg Baur, em 1962, e Gesti, de Luciano Berio, de 1966. Essa última, Gesti, de Berio, foi composta para Frans Brüggen, e é considerada um divisor de águas no que diz respeito às composições contemporâneas para flauta doce. Com uma partitura de elementos únicos, ele “separou” a respiração, língua e dedilhados, exigindo um alto nível de técnica e capacidade física. É um trabalho que extrapola tudo que havia sido feito até então, exigindo que o músico saia do lugar comum da concepção técnica explorada, oferecendo algo novo à arte, ao instrumento e à música. Com as composições modernas, vieram inovações técnicas desenvolvidas pelos músicos: dedilhados especiais, glissandos, efeitos percussivos, ruídos brancos, vibratos, modificações no corpo para interpretação etc. Elementos que seriam impensáveis na percepção barroca da flauta doce. Algo importante para observar é a instrumentação. Enquanto a maioria das peças antigas é composta para flauta doce soprano, ou flauta doce e piano, as peças contemporâneas são mais voltadas para a flauta doce contralto. TÓPICO 3 | PRÁTICA DE CONJUNTO 53 No final da década de 1960, após uma viagem de Frans Brüggen ao Japão, várias peças modernas foram compostas lá, como Fragmente, de Makoto Shinohara, de 1968. Além de ser a primeira peça japonesa dedicada à flauta doce, é também a primeira peça de vanguarda para flauta doce tenor solo. Além dela, destacam-se Black Intention (de Maki Ishii, em 1975), Meditation (de Ryohei Hirose, em 1975) e Reeds, Twigs and Bells (por Michiharu Matsunaga, em 1970). Com a popularização dos sintetizadores na década de 1970, as possibilidades se ampliaram, com diversas composições eletroacústicas, que utilizavam desde fitas gravadas para acompanhamento, até produções que exploravam a manipulação eletrônica de som ao vivo. FIGURA 36 – CHAVES INVENTADAS POR CARL DOLMETSH FONTE: <https://www.dolmetsch.com/>.
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