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Quando falamos sobre autoficção, além das relações com o teatro documentário, 
encenação do real e outros pontos importantes sobre construção da cena, estamos falando 
sobre estudos e experimentações cênicas que envolvem a memória. A preservação das 
lembranças do passado. 
A memória nos ancora ao que somos. Um objeto que se apresenta em constante 
transformação, carrega consigo conhecimento e experiências adquiridas de maneira 
empírica e/ou passada para nós por nossos antepassados. É imprescindível seu vínculo 
com o agora. O que somos, ou melhor, o que nos tornamos é respaldado no que já fomos. 
No que já foi experienciado. 
A parte isso, abrirei agora uma linha de raciocínio paralela a anterior, para elucidar 
o apontamento no qual essa pesquisa se apoia e se justifica. Gostaria de evidenciar as 
negações que se escondem por debaixo da afirmação, e como as mesmas negações 
também compõem, como elementos complementares, a própria afirmação. Vejamos, por 
exemplo: quando eu digo o que sou, indiretamente digo o que não sou. Se digo que sou 
caucasiano, indiretamente digo que não sou preto, ou pardo, ou indígena, ou amarelo... 
Da mesma forma, se digo que sou bissexual, indiretamente digo que não sou 
heterossexual, ou homossexual, ou assexual... Se digo “sim” para X, indiretamente digo 
“não” para Y e Z. Quando afirmo, indiretamente nego. Porém tal negação compõe, como 
dado real, a afirmação. Não possuir a pele retinta e/ou outros fenótipos de povos não 
brancos, complementa, como dado da realidade, a afirmação de que sou caucasiano. 
Sentir atração por mais de um gênero complementa, como dado da realidade, a afirmação 
de que sou bissexual. A negação indireta é o oposto complementar da afirmação direta. 
“Quando digo o que sou, de alguma forma o faço para também dizer o que não 
sou. O “não ser está no avesso do ser”, assim como o tecido só é tecido porque há um 
avesso que o nega, não sendo outro, mas complementando-o. O que não sou também é 
uma forma de ser. Eu sou eu e meus avessos.” 
(Padre F de Melo. P22) 
Destarte, peço para que guardemos essas informações e retomemos o raciocínio 
inicial, quando falávamos sobre memória. É preciso entender onde nossa sociedade se 
encontra para localizarmos também nossa memória. A cultura de determinado lugar tem 
sua composição ligada diretamente ao seu passado. Maurice Halbwachs propõe o 
conceito de “memória coletiva” e a partir desta, “podemos afirmar que a memória pessoal 
refere-se diretamente à construída pelo grupo e ali se constitui”. (SOLER. 2008). 
 Ora, quando afirmo, indiretamente nego. Logo, se guardo, indiretamente 
descarto. Quando lembro, indiretamente esqueço. O debate que busco levantar nesta 
pesquisa envolve as ferramentas de descarte e esquecimento que a sociedade atual se 
utiliza, tanto para o privilégio de determinados grupos, quanto para o apagamento e a 
marginalização de outras vivências e histórias.

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