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4. CLÁUSULA PENAL A cláusula penal é um pacto acessório, pelo qual as partes de determinado negócio jurídico fixam, previamente, a indenização devida em caso de descumprimento culposo da obrigação principal, de alguma cláusula do contrato ou em caso de mora. Em outras palavras, a cláusula penal, também denominada pena convencional, tem a precípua função de pré-liquidar danos, em caráter antecipado, para o caso de inadimplemento culposo, absoluto ou relativo, da obrigação. Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, “não se confunde esta pena convencional com as repressões impostas pelo direito criminal, as quais cabe somente ao poder público aplicar em nossos dias. A pena convencional é puramente econômica, devendo consistir no pagamento de uma soma, ou execução de outra prestação que pode ser objeto de obrigações”556. Basicamente, podemos atribuir duas finalidades essenciais à cláusula penal: a função de pré-liquidação de danos e a função intimidatória. A primeira decorre de sua própria estipulação: a pena convencional pretende indenizar previamente a parte prejudicada pelo inadimplemento obrigacional. A segunda função, não menos importante, atua muito mais no âmbito psicológico do devedor, influindo para que ele não deixe de solver o débito, no tempo e na forma estipulados. Exemplo muito comum de aplicação do instituto extraímos dos contratos de locação. Atrasando o pagamento, o locatário estará adstrito ao pagamento da pena convencional. Frequentemente, os formandos em Direito, na iminência da inesquecível solenidade de colação de grau, alugam a beca para o evento; no contrato de locação é muito usual a estipulação da cláusula penal para o caso de não devolverem a roupa em perfeito estado de conservação. A despeito de não conceituar a cláusula penal, o Código Civil de 2002 dispõe, em seu art. 408, que “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”. O art. 409, por sua vez, complementa a regra anterior, estabelecendo que “a cláusula penal, estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora”. Da análise dessas normas, podemos identificar as seguintes espécies de cláusula penal: a) cláusula penal compensatória (estipulada para o caso de descumprimento da obrigação principal); b) cláusula penal moratória (estipulada para o caso de haver infringência de qualquer das cláusulas do contrato, ou inadimplemento relativo — mora). Analisemos, a seguir, essas duas espécies. A cláusula penal compensatória, como vimos, é estipulada para o caso de haver descumprimento culposo da própria obrigação. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de descumprimento da obrigação, o credor poderá, a seu critério, nos termos do art. 410 do CC/2002, exigi-la, a título das perdas e danos sofridos, no valor pactuado, ou, se for possível faticamente e do seu interesse, executar o contrato, forçando o cumprimento da obrigação principal, por meio da imposição de multa cominatória, se a natureza da prestação pactuada o permitir. Note-se que é uma situação distinta da obrigação facultativa (também denominada obrigação com faculdade alternativa ou obrigação com faculdade de substituição), pois, nesta última, a faculdade de escolha é do devedor, enquanto, na cláusula penal, para o caso de total inadimplemento da obrigação, a faculdade de escolha é do credor. O que não pode é cumulativamente exigir a cláusula e pleitear indenização. Revendo, inclusive, ponto já defendido em sala de aula, acreditamos que o credor também não tem a opção de ajuizamento de ação autônoma, de cunho indenizatório (para apuração do dano e fixação do seu correspondente valor), uma vez que isso seria incompatível com a própria natureza da estipulação de uma cláusula penal, que é a pré-tarifação das perdas e danos, não havendo, além disso, interesse de agir na propositura dessa ação. Nesse sentido é o posicionamento de CLÓVIS BEVILÁQUA, para quem, escolhida a pena, “desaparece a obrigação originária, e com ela o direito de pedir perdas e danos, já que se acham prefixados na pena. Se o credor escolher o cumprimento da obrigação, e não puder obtê-la, a pena funcionará como compensatória das perdas e danos”557. Atente-se, portanto, para o fato de que, se o prejuízo do credor exceder ao previsto na cláusula penal, não poderá ele exigir outra indenização, em regra. Uma das novidades, entretanto, do Código Civil brasileiro de 2002 é a admissão da possibilidade de exigência de indenização suplementar, se isso houver sido convencionado. Neste caso, a pena prevista valerá como mínimo da indenização, cabendo ao credor demonstrar o prejuízo excedente (art. 416, parágrafo único, do CC/2002). Assim, se a pena convencional é de R$ 1.000,00, mas o meu prejuízo foi de R$ 1.500,00, só poderei exigir maior valor se houver previsão contratual nesse sentido. A norma legal pretendeu, em tal hipótese, imprimir maior seriedade e segurança à estipulação da pena convencional. Essa estipulação da possibilidade de indenização suplementar, embora não prevista no Código Civil de 1916, já ocorria em nosso sistema, notadamente nos contratos de grandes corporações, que, por tratarem de quantias vultosas (muitas vezes em diferentes parâmetros monetários), pactuavam, a título de pena convencional, apenas o quantum minimum da indenização, para eventual discussão judicial ou por arbitragem. Vale lembrar ainda que a pena convencional prevista no contrato não poderá, por expressa disposição legal (art. 412 do CC/2002), exceder o valor da obrigação principal, sob pena de invalidade. Se determinado contrato tem o valor de R$ 10.000,00 (correspondente à expressão pecuniária da prestação principal), não se poderá, obviamente, sob pena de violação ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, estipular cláusula penal compensatória no valor de R$ 12.000,00. Como vimos, se o credor, diante do inadimplemento absoluto do devedor, entender que o seu prejuízo ultrapassa a expectativa anteriormente pactuada (R$ 10.000,00), só poderá exigir o restante (R$ 2.000,00) se houver expressa disposição convencional nesse sentido, valendo a pena como mínimo da indenização. Ressalte-se que, sem tal previsão autorizativa, sofrerá o credor o prejuízo pelo excedente. O que não se admite, pois, é que em determinado contrato se estabeleça, previamente, cláusula penal cujo valor exceda a expressão econômica da prestação principal. Caso isso ocorra, poderá o juiz reduzir equitativamente a pena convencional, ex vi do disposto no art. 413 do CC/2002: “Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”. Tendo em vista esse permissivo legal, concluímos que a redução do valor da pena convencional poderá se dar em duas hipóteses: a) se a obrigação já houver sido cumprida em parte pelo devedor — que, nesse caso, teria direito ao abatimento proporcional à parcela da prestação já adimplida; b) se houver manifesto excesso da penalidade, tendo-se em vista a natureza e finalidade do negócio. Quanto a essas hipóteses de redução judicial, concordamos com respeitável parcela da doutrina no sentido de que a utilização do verbo “dever” impõe ao juiz a redução da pena convencional, sob pena de uma das partes restar excessivamente onerada. Até porque não haveria sentido a cobrança de uma cláusula penal que extrapolasse o valor máximo do contrato. Se a cláusula penal for instituída para o caso de inadimplemento relativo da obrigação (mora) ou infringência de determinada cláusula contratual, objetivou-se, com isso, apenas a pré-liquidação de danos decorrentes do atraso culposo no cumprimento da obrigação ou do descumprimento de determinada cláusula estipulada, de forma que, por óbvio, seu valor pecuniário deverá ser menor do que aquele que seriadevido se se tratasse de cláusula compensatória por inexecução total da obrigação. Nesses casos, tratando-se de cláusula penal moratória, o Código Civil admite que o credor cumulativamente exija a satisfação da pena cominada, juntamente com o cumprimento da obrigação principal (art. 411 do CC/2002): “Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal”. Manifestando-se a respeito, o sábio SILVIO RODRIGUES pontifica que “se a disposição contratual tiver o propósito de desencorajar a mora, ou de assegurar o cumprimento de uma cláusula da avença, portanto, cláusula moratória, permite a lei que se ajunte o pedido de multa ao da prestação principal”. Lembre-se, nesse ponto, que o Código de Defesa do Consumidor limita a 2% a pena convencional dos contratos de consumo no Brasil (art. 52, § 1º, do CDC). A propósito, vale ainda salientar o entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, fixado em recurso repetitivo, segundo o qual a “cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes” (tema 970)560, como se dá, por exemplo, no atraso para a entrega de apartamento. No processo do trabalho, em que a busca por soluções autocompositivas é erigida a princípio, devendo o magistrado propugnar pela conciliação das partes, a cláusula penal moratória é amplamente utilizada, com menção expressa na Consolidação das Leis do Trabalho da possibilidade de cumulação com a obrigação principal estabelecida561. Destaque-se, ainda, que a Lei n. 13.786, de 27 de dezembro de 2018 (conhecida como a “Lei do Distrato”), alterou a Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964 (Lei sobre Condomínio em Edificações e sobre Incorporações Imobiliárias), para estabelecer, por meio do seu art. 67-A, II, que, no caso de desfazimento de contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, devidamente atualizadas, mas com a dedução da pena convencional, estabelecendo-se um limite legal de 25% da quantia paga (além de autorizar a dedução da integralidade da comissão de corretagem, no inciso I)562. Por fim, cumpre-nos mencionar que, levando-se em conta que a cláusula penal traduz a liquidação antecipada de danos, realizada pelas próprias partes contratantes, uma vez ocorrido o descumprimento obrigacional, não precisará o credor provar o prejuízo, uma vez que este será presumido (art. 416 do CC/2002). Ressalvamos, apenas, a hipótese de o próprio contrato haver admitido a indenização suplementar (art. 416, parágrafo único), consoante vimos anteriormente, caso em que o credor deverá provar o prejuízo que excedeu o valor da pena convencional. Caso a obrigação seja indivisível, a exemplo daquela que tem por objeto a entrega de um animal, descumprindo a avença qualquer dos coobrigados, todos incorrerão na pena convencional, embora somente o culpado esteja obrigado a pagá-la integralmente. Isso quer dizer que os outros devedores, que não hajam atuado com culpa, responderão na respectiva proporção de suas quotas, assistindo-lhes direito de regresso contra aquele que deu causa à aplicação da pena (art. 414 do CC/2002). Por outro lado, sendo divisível a obrigação, como ocorre frequentemente nas de natureza pecuniária, só incorrerá na pena o devedor ou o herdeiro do devedor (se a obrigação foi transmitida mortis causa) que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação (art. 415 do CC/2002). Lembre-se, ainda, de que, se a obrigação for solidária, pelas perdas e danos só responderá o culpado, nos termos do art. 279 do CC/2002. Por fim, merece algumas considerações a possibilidade da denominada “inversão da cláusula penal”. Com efeito, estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua Segunda Seção, em recurso repetitivo, que no “contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial”. Essa tese, ao permitir que a cláusula penal direcionada a uma das partes possa atuar em favor da outra, não traz, em nosso sentir, propriamente, uma inversão, mas, sim, tão somente, a fixação de um parâmetro quantitativo para que a parte não beneficiada originalmente pela cláusula possa dele se valer. O Código Civil de 1916 continha dispositivo no sentido de que a nulidade da obrigação principal importaria na da cláusula penal correspondente. A nova e vigente Lei Codificada, por sua vez, suprimiu a referência a essa regra legal, talvez por considerá-la desnecessária. Ora, se a obrigação principal por qualquer motivo é declarada nula ou simplesmente anulada, obviamente que a pena convencional, pacto acessório que é, restará prejudicada, até mesmo por aplicação da regra da parte geral — concebida para os bens, mas aplicáveis às obrigações — de que acessório é aquele cuja existência supõe a do principal. Por isso, a despeito da omissão legal, entendemos, por princípio, subsistir a regra, que fora defendida por CLÓVIS BEVILÁQUA nos seguintes termos: “Se a obrigação principal for ilícita, contrária aos bons costumes ou se tornar impossível por fato do credor, não subsistirá, e com ela, desaparecerá a pena, envolvida na mesma nulidade. Nem é justificável o Código Civil argentino, quando considera eficaz a pena convencional assecuratória de obrigações inexigíveis juridicamente, sempre que não sejam propriamente reprovadas por lei (art. 666), porque a natureza da prestação acessória se deve ressentir da ineficácia e da inconsistência daquela de que depende a sua existência. Se a obrigação principal é insubsistente, pelas razões indicadas, insubsistente deve ser a cláusula penal acessória (Cód. Civil, art. 922)”. Costuma a doutrina diferenciar a cláusula penal de institutos jurídicos análogos. Cuidaremos das distinções que reputamos mais importantes. Não se confunde, por exemplo, com as arras penitenciais — tema adiante desenvolvido —, uma vez que estas, além de serem pagas antecipadamente, garantem ao contraente o direito de se arrepender — desfazendo, portanto, o negócio —, não obstante as arras dadas. Diferentemente, a cláusula penal, além de não ser paga antecipadamente, somente será devida em caso de inadimplemento culposo da obrigação, tendo nítido caráter indenizatório. Ademais, a pena convencional não garante direito de arrependimento algum. Na mesma linha, não se há que identificar o instituto sob análise com as obrigações alternativas. Nessas, como já vimos, existe um vínculo obrigacional com objeto múltiplo, cabendo a escolha ao credor ou ao devedor. A cláusula penal, por sua vez, além de não ser necessariamente alternativa à prestação principal, somente será devida quando esta for descumprida, a título indenizatório. Difere, também, da chamada astreinte (multa diária para compelir o cumprimento de uma obrigação de fazer), por se tratar esta última de cominação não decorrente da manifestação da vontade das partes, mas sim da atuação do Estado-Juiz para efetiva tutela da obrigação pactuada. Stolze, Pablo; Pamplona Filho, Rodolfo Manual de direito civil – volume único, 4.ed. São Paulo, Saraiva Educação, 2020.
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