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Lucas Gustavo Novaes Gonçalves Abdome agudo Nesse resumo será abordado a definição de abdome agudo, seus principais diagnósticos sindrômicos e exames. Por definição, abdome agudo é um grande quadro clínico abdominal variável que pode ser dividido em síndromes, sendo cada uma delas caracterizada por diferentes formas de instalação e progressão a depender da sua etiologia. É uma condição clínica em que o paciente apresenta afecção abdominal caracterizada por dor aguda e súbita, que o leva a procurar imediatamente um serviço de emergência, requerendo tratamento clínico ou cirúrgico de urgência ou emergência. É uma das principais emergências da prática médica, com alta incidência e elevado risco de gravidade, podendo levar ao óbito, muitas vezes pela dificuldade de se estabelecer o diagnóstico correto. Diagnósticos sindrômicos Abdome agudo inflamatório Pode ser definido como quadro de dor abdominal súbito e inesperado, originado de um processo inflamatório e/ou infeccioso localizado na cavidade abdominal. Também pode cursar com manifestações de peritonite e alterações de ritmo intestinal. Caracteriza-se por dor de início insidioso e intensidade progressiva. Quando evolui com piora progressiva uma conduta cirúrgica é necessária na maioria das vezes. Pode ser causado por um processo agudo ou pela agudização de uma doença crônica, por exemplo, podendo ser decorrente de uma apendicite aguda, ou crônico agudizado tal qual nos casos de colecistite aguda por litíase biliar ou diverticulite por doença diverticular do cólon. A febre é um sintoma comumente observado, podendo surgir já nas fases iniciais do processo, com temperaturas mais brandas, piorando com evolução do quadro, sobretudo quando há processo supurativo. OBS!! Dor exacerbada a movimentação é comum em abdome agudo inflamatório e indica peritonite. Os seguintes sinais, sintomas e exames devem ser valorizados e pesquisados no abdome agudo Infamatório: febre, intervalo entre o início dos sintomas e o atendimento médico, dor súbita ou insidiosa, sinais de infecção ou sepse, quadro abdominal de peritonite evidente, hemograma e radiografas simples do abdome. Suas principais etiologias são: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda e diverticulite. Abdome agudo obstrutivo É uma situação de emergência na qual se encontra um fator obstrutivo em trato gastro intestinal (TGI) responsável pelo quadro clínico. Apresenta gravidade variável e caráter evolutivo necessitando de rápida intervenção, em sua maioria, cirúrgica. Síndrome caracterizada por sinais e sintomas de obstrução em TGI, como náuseas, vômitos, distensão abdominal, parada de eliminação de flatos e fezes. Tem caráter evolutivo e a dor costuma ser em cólica, geralmente periumbilical. As causas podem ser divididas em mecânicas e funcionais, originadas no intestino delgado ou grosso. Os seguintes sinais, sintomas e exames devem ser valorizados e pesquisados no abdome agudo obstrutivo: náuseas e vômitos, parada de eliminação de gases e fezes, dores abdominais em cólicas e episódicas, peristaltismo abdominal visível, distensão abdominal, sinais de peritonite (acompanhados de isquemia intestinal), ruídos hidroaéreos aumentados à ausculta, radiografas simples de abdome mostrando distensão de alças intestinas e níveis hidroaéreos característicos Etiologias comuns: corpo estranho, bridas, hérnias, neoplasias, bolo de áscaris. Abdome agudo perfurativo Lucas Gustavo Novaes Gonçalves Constitui-se a terceira causa mais comum de abdome agudo gerando alta frequência de emergências abdominais não traumáticas. A gênese dessa síndrome se dá pela perfuração de uma víscera oca. Essa perfuração pode ser decorrente de diversas causas, como: processo inflamatório, neoplásico, obstrutivo e infeccioso. Caracteriza-se por dor de início súbito e intenso, difusa em todo abdome, agravada com movimentação e irritação peritoneal por derrame de conteúdo de vísceras ocas no peritônio. As perfurações podem ser classificadas como altas ou baixas, tendo como referência o Ligamento de Treitz. Nas perfurações altas geralmente se inicia por uma peritonite química, por liberação de sucos digestivos, que culmina com proliferação bacteriana e posterior processo infeccioso. Nas perfurações baixas, é esperado início por peritonite infecciosa de região já colonizada com evolução para um quadro sistêmico, podendo manifestar sinais de septicemia. Geralmente, a evolução se dá da seguinte forma: com o extravasamento de secreção luminal na cavidade temos uma inflamação peritoneal de natureza química de intensidade variável, seguida de invasão bacteriana secundária e progressivo processo infeccioso, com repercussões locais e sistêmicas. As bactérias mais comuns são: Pseudomonas aeruginosa, Kleibisiella sp e E. Coli. - Perfuração do estômago e duodeno: As etiologias mais comuns são as úlceras agudas e crônicas, sendo essa perfuração geralmente associada à ingestão de álcool, corticoides e AINES. - Perfuração do intestino delgado: As perfurações proximais geram peritonite química inicialmente, já que há extravasamento de enzimas ativas, e as perfurações mais distais são acompanhadas de peritonite bacteriana. As principais causas dessa perfuração são processos inflamatórios, volvo de ceco, megacólon tóxico, neoplasias e síndrome de Ogilvie. - Perfuração do intestino grosso: A peritonite é bacteriana desde o início. Além disso, a perfuração no colón direito é mais grave que a do esquerdo, devido à alta virulência dos germes e pela consistência líquida das fezes. As possíveis causas são abdome agudo obstrutivo com necrose, DIP, corpo estranho, infecção e divertículo de Meckel. Os seguintes sinais, sintomas e exames devem ser valorizados e pesquisados no abdome agudo perfurativo: dor súbita de forte intensidade localizada, que se torna difusa com o passar das horas, intervalo entre o início da dor e o atendimento médico, sinais de infecção e sudorese, hipotensão arterial e taquicardia, sinais evidentes de peritonite à palpação e descompressão, radiografas de tórax e abdome mostrando pneumoperitônio. Etiologias comuns: úlcera gastroduodenal, diverticulite, corpos estranhos e neoplasia. Abdome agudo vascular Caracterizado por dor abdominal intensa de origem vascular, sendo uma urgência não- traumática grave por redução súbita do fluxo sanguíneo intestinal. Quando o quadro é mais arrastado, a intensidade pode se apresentar diminuída pela circulação colateral. O abdome agudo vascular constitui doença grave, às vezes pouco lembrada no momento do exame clínico, com mortalidade atingindo 80% na maioria dos estudos. Tal fato se deve ao diagnóstico quase sempre tardio, e pelo fato de acometer principalmente pacientes idosos, que já apresentam várias doenças crônicas, por si sós graves, além da frequente progressão da isquemia após as cirurgias de revascularização. A fisiopatologia envolve uma lesão isquêmica inicial, decorrente da redução do fluxo arterial ou venoso (o que leva a lesões precoces na mucosa, tornando-se posteriormente transmurais), perpetuada pelo vasoespasmo reflexo da circulação mesentérica e completada pela lesão de reperfusão (principalmente pela formação e ação de radicais livres de oxigênio, que desencadeiam a síndrome da resposta inflamatória sistêmica, podendo evoluir para falência de múltiplos órgãos). A dor é difusa e mal definida, apresentando desproporção entre a dor e o exame físico. Lucas Gustavo Novaes Gonçalves Os seguintes sinais, sintomas e exames devem ser valorizados e pesquisados no abdome agudo vascular: intervalo entre o início da dor e o atendimento médico, arritmias cardíacas e doenças arteriais prévias, distensão abdominal,tendência à hipotensão arterial e ao choque, ruídos hidroaéreos ausentes à ausculta. Etiologias comuns: embolia e trombose mesentérica com isquemia intestinal, redução do débito cardíaco, gastroenterites. Abdome agudo hemorrágico Causado pela presença de sangue em cavidade abdominal. São mais raros e geralmente acometem faixas etárias mais avançadas. Dor intensa, sinais de hipovolemia, tais como hipotensão, taquicardia, palidez e sudorese. Como há sangramento, a depender do volume e a velocidade de instalação do quadro, pode haver prejuízo neurológico e a intervenção deve ser rápida. A ruptura espontânea de vísceras parenquimatosas e a ruptura vascular não são situações comuns, e o abdome agudo hemorrágico é mais frequentemente associado ao trauma, ao pós-operatório e a complicações pós- procedimentos (biopsias hepáticas, por exemplo). Na mulher em idade fértil, sempre ponderar a possibilidade de gravidez ectópica rota. A ruptura de aneurisma de aorta abdominal acomete geralmente pacientes idosos do sexo masculino, população na qual a incidência de aneurisma é maior. A aterosclerose é a causa principal, mas trauma, infecção (sífilis) e arterites são causas possíveis. A sede mais comum do aneurisma é a aorta abdominal, estando quase todos localizados abaixo das artérias renais. O risco de ruptura aumenta com o tamanho do aneurisma, sendo baixo nos menores de 5 em. Cinquenta por cento dos aneurismas que atingem 6 em se rompem em 1 ano. Os seguintes sinais, sintomas e exames devem ser valorizados e pesquisados no abdome agudo hemorrágico: traumas anteriores, dor súbita localizada tornando-se generalizada, hipotensão, taquicardia, mucosas descoradas, choque hemorrágico, alteração significativa das dosagens de hematócrito e hemoglobina, sinais de peritonite. Em mulheres, sempre investigar ciclo menstrual e possibilidade de gravidez. Etiologias comuns: gravidez ectópica rota, ruptura de aneurisma de aorta, rotura de baço. Exames complementares Os exames subsidiários que fornecem importantes elementos para o diagnóstico do abdome agudo são: exames laboratoriais e de imagem, como radiografas simples de tórax e abdome, ultrassonografia e tomografa computadorizada. Outros procedimentos diagnósticos podem ser utilizados, como punção abdominal, lavagem peritoneal, videolaparoscopia e laparotomia exploradora. É importante enfatizar que a solicitação dos exames deve ser orientada pelas hipóteses diagnósticas, feitas mediante a análise criteriosa das informações obtidas pela anamnese e pelo exame físico. - hemograma: dará informações sobre a presença de anemia e suas características, auxiliando no diagnóstico e fornecendo ao cirurgião elementos para a indicação de transfusão de sangue, com vistas à eventual operação de urgência. - Contagem global e específica dos leucócitos: fornece informações sobre a natureza do processo que está determinando o quadro de abdome agudo. O aumento significativo do número de leucócitos ocorre, principalmente, diante de infecção bacteriana grave ou necrose tecidual. Por outro lado, a presença de leucopenia pode significar infecção grave e de mau prognóstico. - Exame da urina (tipo I): é muito útil para a caracterização de processos urológicos e renais, determinantes de dores abdominais agudas, por vezes excluindo outros quadros infecciosos abdominais e vice-versa. A leucocitúria, particularmente sob forma de aglomerados de leucócitos, indica infecção no trato urinário, podendo também estar presente em processos infecciosos de vísceras abdominais que mantêm relações anatômicas com o ureter – por exemplo, a apendicite aguda. A presença de pigmentos biliares pode indicar processos obstrutivos de vias biliares. A ocorrência de hematúria indica a Lucas Gustavo Novaes Gonçalves presença de cálculos urinários, necrose tubular aguda, cistite necrosante, anemia falciforme ou traumas renais. - Amilasemia e a lipasemia: são muito úteis para o diagnóstico das pancreatites agudas, sua evolução ou nas recidivas agudas das pancreatites crônicas. Em relação aos exames de imagem, as radiografas simples convencionais de tórax (anteroposterior e perfl), abdome (posição ortostática e decúbito dorsal) e a tomografa computadorizada podem trazer boas informações para o estabelecimento do diagnóstico de abdome agudo, particularmente se o exame for conduzido e interpretado por especialista com boa experiência. - Exame radiográfico simples do abdome: pela simplicidade e facilidade em ser realizado e pelos subsídios importantes que pode trazer para o diagnóstico de qualquer uma das causas de abdome agudo, deve ser solicitado na maioria dos casos. Esses exames trazem elementos diagnósticos para os quadros agudos dos tipos perfurativo, infamatório e obstrutivo, nos quais os mais significativos são, respectivamente, pneumoperitônio, tumorações infamatórias, íleo paralítico e distensão de a montante da oclusão. - Ultrassonografia abdominal: é um exame inócuo, sem contraindicações, de baixo custo e disponível na maioria dos hospitais. É capaz de fornecer, com rapidez, imagens muito úteis e interessantes para o diagnóstico de abdome agudo. Equipamentos de ultrassonografia modernos e portáteis permitem que esse exame de imagem seja feito na própria sala de emergência, imediatamente após o exame físico, no leito do paciente, propiciando maior rapidez para a obtenção do diagnóstico. Esse exame é denominado FAST (focused assessment with sonography for the trauma patient). Ela é muito útil para confirmar ou afastar hipóteses diagnósticas diante de quadro de abdome agudo infamatório, como apendicite, colecistite e diverticulite. Já a gravidez ectópica e as doenças infamatórias pélvicas e do trato urinário são diagnosticadas com segurança. Outras complicações, como abscessos, empiemas e perfurações, também podem ser identificadas pela ultrassonografia. É o exame de imagem de escolha nas pacientes grávidas. - Tomografa computadorizada: é o exame de imagem ideal para o diagnóstico, o estadiamento e a avaliação da evolução da pancreatite aguda e do abdome agudo vascular e para o estudo de coleções líquidas intra-abdominais. Deve ser realizado preferencialmente com contraste intravenoso e, dependendo do caso, também com contraste via oral. A tomografa computadorizada também permite a detecção de lesões infamatórias (apendicite, diverticulite e abscessos), neoplásicas (em cólon, pâncreas, fígado, retroperitônio, ovários), vasculares (obstruções arteriais e venosas e aneurismas) e de hemorragias peritoneais e retroperitoneais (rotura de órgãos abdominais e trauma).
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