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ISSN 2176-1396 COMUNICAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NO ESPAÇO ESCOLAR: AMPLIANDO VOZES DOS JOVENS A PARTIR DO CELULAR Taís Rocha Ribeiro 1 - UNEB Tânia Maria Hetkowski 2 - UNEB Grupo de Trabalho - Comunicação e Tecnologia Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A educação na contemporaneidade versa sobre novas práticas pedagógicas, em diálogo com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Nesse contexto, este artigo pretende relatar algumas experiências e desafios da utilização das TIC na rede pública de ensino, através do Programa VOJO Brasil. A tecnologia vojo, desenvolvida pelo Center for Civic Media (MIT) e trazida para o Brasil pelo Instituto Mídia Étnica (IME), possibilita a transmissão de informações sem precisar acessar a internet ou estar conectado a computadores. A proposta dessa experiência teve por objetivo refletir sobre as possibilidades de uso das TIC no espaço escolar, numa perspectiva de educação voltada para a valorização da diversidade cultural e popular, com a intenção de promover o desenvolvimento das individualidades através de uma ação interativa, socializante, a partir de um dispositivo tecnológico. As premissas teóricas norteadoras desse artigo localizam-se na confluência dos campos da Educação, Comunicação e Cultura, permeando a ideia de Educação Popular (FREIRE, 1982), que valoriza a história singular de cada sujeito. A esta foi associada à abordagem da tecnologia como processo criativo e construtivo humano (HETKOWSKI, 2004; LIMA JR, 2005), para além da concepção instrumental. As escolhas metodológicas partiram do princípio de que a dinâmica de investigação precisava ser construída com os alunos, caracterizando-se como uma metodologia participativa. Deste modo, foram desenvolvidas oficinas sobre cultura popular, história oral e o jornalismo voltado à internet, permitindo que os jovens produzissem histórias em áudio. Nesse ínterim, foi possível perceber os desdobramentos coletivos de saberes e a mobilização do conhecimento em sala de aula, potencializados a partir da apropriação de tecnologias. 1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Tecnologia Aplicadas à Educação (GESTEC), membro do Grupo de Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade (GEOTEC) - Universidade do Estado da Bahia (UNEB) E-mail: tais_rocha_@hotmail.com 2 Pós-doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/RS), Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA/BA). Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB/BA), Coordenadora do Programa Pós-Graduação Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC/UNEB). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade (GEOTEC). E-mail: hetk@uol.com.br 11470 Palavras-chave: TIC. Dispositivos Móveis. Educação Básica. Diversidade Cultural. Culturas Híbridas. Introdução A comunicação, a diversidade cultural e a dinâmica de processos sociais do contexto urbano a estas relacionadas, revelam novas formas de uso do espaço e das possibilidades de produção de conteúdos sobre o lugar. Ao longo do tempo, o espaço é construído a partir das relações entre os atores/autores que o compõe, partindo de um dinamismo que permite inúmeras produções (materiais e imateriais) e profundas transformações. Neste ínterim, destacam-se as redes sociais na internet e as TIC como agentes potencializadores desse processo de criação, permitindo que os sujeitos possam produzir e compartilhar conteúdos culturais. A fim de trazer outras análises para o campo de investigação da diversidade cultural em associação às tecnologias digitais, pela compreensão de que vivemos em um contexto no qual os dispositivos tecnológicos estão ligados diretamente nas dinâmicas sociais, esse artigo contempla os desdobramentos de experiências que redimensionam práticas pedagógicas interativas-coletivas mediadas pelas tecnologias na Educação Básica da cidade de Salvador, a partir do engajamento da universidade no espaço escolar. As tecnologias permitem, nesse sentido, a potencialização da colaboração e da criatividade, na medida em que se apresenta como componente elementar do processo criativo através do qual: o ser humano utiliza-se de recursos materiais e imateriais, ou os cria a partir do que está disponível na natureza e no seu contexto vivencial, a fim de encontrar respostas para os problemas em seu contexto, superando-os. Nesse processo, o ser humano transforma a realidade da qual participa e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo, descobre novas formas de atuação e produz conhecimento sobre elas, inventa meios e produz conhecimento sobre tal processo, no qual está implicado. (LIMA JUNIOR, 2005, p. 15). A partir deste entendimento das tecnologias como componente elementar do processo criativo e transformativo humano, o Grupo de Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade (GEOTEC), vinculado aos Programas de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) e em Gestão e Tecnologias aplicadas à Educação (GESTEC), da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) promove, desde 2007, o desenvolvimento de ciência e tecnologia nas escolas através da formação de jovens pesquisadores, no que se refere às discussões, reflexões, usos, potencialidades e redimensionamento das TIC como meios de comunicação entre a Escola e a Comunidade. 11471 Assim, a importância desse estudo localiza-se no processo de difusão de propostas de educação que visem promover a autoestima nos jovens, estimulando o pensamento crítico sobre a sociedade e considerando a diversidade cultural. Para tal, Freire (1982) e Brandão e Streck (2006) foram importantes fontes de informação e conhecimento para o desenvolvimento dessa pesquisa, ao considerar os movimentos sociais como elemento propulsor de uma pedagogia de criação solidária de saberes sociais, como um repertório múltiplo e diferenciado, além dos teóricos do campo das Tecnologias de Informação e Comunicação, Lemos (2009), Pretto (2008, 2010), Hetkowski (2004), Lima Júnior (2005), Lévy (1999), Castells (2002) e Sodré (2012). Surgem, desse modo, reflexões em favor da educação popular de Freire (2002), na qual "a necessária eticidade que conota expressivamente a natureza da prática educativa, enquanto prática formadora" (FREIRE, 2002, p. 8). Assim, a escola se apresenta como um espaço para se refletir e reproduzir a sociedade na qual ela se insere. Portanto, é através da educação que os caminhos de construção de uma realidade mais humana para todos precisam ser percorridos, numa perspectiva de aproximação entre educação e ética, no exercício dos saberes na realidade atual, mergulhada em conflitos de toda ordem. Nesse contexto, as experiências de utilização das TIC na Rede Pública de Ensino da cidade do Salvador, Bahia, demonstram que a escola demanda por práticas educacionais que contemplem o conhecimento de uma forma mais dinâmica e dialógica, que se aproximem do desenvolvimento técnico cientifico, potencializando criticidade e criatividade do sujeito. A diversidade cultural, em associação aos dispositivos móveis - no caso, ao celular - pode despertar a curiosidade, ampliar as vozes dos jovens, promover a iniciativa, o pertencimento ao lugar e à cidade e aportar uma contribuição útil nas escolas e comunidades no que se refere à autonomia, a representatividade e as vozes dos sujeitos. Comunicação, Diversidade Cultural e Educação: Estreitando Laços Na contemporaneidade, um dos fenômenos mais marcantes é a convergência entre a técnica e os processos sociais e culturais, através do qual as relações entre os campos do conhecimento se ressignificam continuamente, impulsionando investigações dentro e fora do espaço acadêmico. Produções tecnocientíficas, pesquisas e processos formativos sobre/na confluência doscampos da Educação e da Comunicação solidificam e constroem novos sentidos para a sociabilidade e mobilidade, aprofundando discussões que convergem por uma visão comunicacional da educação. 11472 As TIC estabelecem uma nova interação entre o homem e a máquina, potecializando práticas coletivas e dinâmicas em favor inteligibilidade comunicacional que emerge dos processos sociais cotidianos. Assim, nesse entrelace entre diferentes aspectos da realidade, é preciso atentar para as implicações sociais presentes nos processos culturais — e, evidentemente, educacionais — que envolvem o surgimento e consolidação das tecnologias. Conforme afirma Sodré (2012): a grande transformação privilegia a dimensão técnica do homem, em tal magnitude que a forma da consciência contemporânea é fundamentalmente tecnológica. Isto equivale a dizer que o relacionamento do sujeito humano com a realidade hoje passa necessariamente pela tecnologia, em especial as tecnologias da informação, em todos os seus modos de realização (SODRÉ, 2012, p. 13). A crescente (re)estruturação tecnológica global produz impactos evidentes sobre as culturas regionais, não somente no sentido implacável da globalização, que é o de sucumbir ou substituir os conhecimentos e valores, ou seja, o universo simbólico das mesmas, mas também no sentindo de gerar novas linguagens, produzir novos círculos de sociabilidade e redes coletivas. Este hibridismo cultural, construído e constituído pelos povos plurais e diversos, intensificado pelas TIC, impulsionam a sociabilidade e as conexões entre esses grupos, perpassando a afirmação da identidade e o reconhecimento da diversidade cultural humana. Em face dessa constatação, faz-se necessário evidenciar como a Diversidade Cultural estabeleceu-se como um objeto de estudo dos cientistas sociais (MORIN, 2002; HARVEY, 1996; HALL, 1997b; CANCLINI, 2003; SODRÉ, 2012), incorporando uma amplitude conceitual extensa e extremamente variada, sendo preconizada e estudada sob diferentes enfoques, não raro conflitantes e contraditórios entre si. Os conceitos variam de definições restritas, que enfatizam apenas grupos sociais, raça, gênero, preferência sexual, origem geográfica e etnia, até às extremamente amplas que se referem à totalidade de expressões existes e diferenças possíveis entre as pessoas. Com efeito, a intensão desse estudo não está no levantamento de tais conceitos, mas sim em destacar a associação da Diversidade Cultural com as TIC e a preocupação dos pesquisadores em aprofundar a discussão sobre as inúmeras formas com as quais os atores sociais constroem a diversidade e como ela se apresenta nos contextos histórico-culturais. A dimensão cultural, nesta dinâmica, se apresenta como componente elementar da vida em grupo, permitindo o desenvolvimento social, ideológico e político daqueles que a integram e interagem. 11473 As relações de convivência com o "outro" tem-se constituído na marca predominante da sociedade contemporânea, revelando-se como cerne da problemática da Diversidade Cultural, remetendo a questões da complexidade humana e social, além dos processos de interação, da alteridade e do pluralismo. Os sujeitos convivem, selecionam, incluem, excluem, trocam, dialogam, educam, oprimem e são oprimidos num incessante e permanente processo de relações sociais, éticas, culturais, políticas, econômicas e históricas. Todavia, isto faz pensar sobre os impactos tecnológicos que caracterizam o mundo globalizado, nos desafios impostos ao âmbito da educação e sobre as mudanças necessárias para que os processos educacionais levem em conta a diversidade cultural. Implica, ainda, em pensar outras formas de reconhecer, valorizar e incorporar as identidades plurais em políticas e práticas curriculares. Significa, nesse sentido, refletir sobre mecanismos discriminatórios que tanto negam voz a diferentes identidades culturais, silenciando manifestações e conflitos culturais: sem a dimensão cultural a tecnologia fecha-se narcisicamente em torno de si mesmo, exercendo efeitos de fascinação pela eficácia do desempenho técnico que contempla a cognição individual, mas recalcando o vínculo com a comunidade e com o entorno sócio histórico, esse mesmo responde pela transitividade política do conhecimento (SODRÉ, 2012, p. 160). Com o pressuposto trazido pelo autor, no qual as dinâmicas culturais estão diretamente relacionadas às tecnologias, faz-se necessária também à compreensão das transformações ocorridas na educação a partir de tal dimensão técnica. As TIC possibilitam a criação de um movimento que tem como alicerce o trabalho colaborativo, a potencialização dos saberes e da autonomia e a criação de práticas outras, norteadas pela criatividade, curiosidade e busca por novas possibilidades educativas. No exercício dessa ação educativa e formadora, é preciso esclarecer a ideia de educação aqui assumida, se constituindo como “um processo intencional, consciente e fundamentado na valorização da vida e que busca a orientação das pessoas para o conhecimento de si mesmas” (HETKOWSKI, 2009, p. 142). Processo este vem marcando uma trilha de investigação do Grupo GEOTEC, que envolve práticas pedagógicas instituintes e mobilizadoras das dinâmicas sociais, apresentam-se adiante, parte das produções e pesquisas propositivas das tecnologias digitais em favor do entendimento do espaço urbano e dos processos culturais que o permeiam, a partir dos pressupostos teóricos que orbitam a temática e, sobretudo, relatar as práticas e vivências de sala de aula. 11474 O referencial teórico que norteou o processo de pesquisa em favor da valorização da diversidade cultural e de uma visão comunicacional da educação foi o movimento pela Educação Popular de Freire (1982), que preza por uma prática educativa na perspectiva dialógica que acolhe a tecnologia, mas, acima de tudo, a capacidade criadora de todo ser humano é sempre evidenciada. Assim, o compromisso está em atuar sobre a realidade social para transformá-la, ação esta que envolve a interação, comunicação e a ética: a ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar. E a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles (FREIRE, 1996, p. 8). O autor traz a ética como um elemento inerente da práxis do sujeito, algo indispensável à convivência humana, não obstante, a prática educativa precisa contemplar o respeito e a lealdade, numa perspectiva de trabalho pela valorização das diferenças e pela emancipação social. As possibilidades para a aceitação e conscientização que envolvem a realidade dos alunos, professores e comunidade, se inserem no movimento do espaço escolar como viabilizador de transformações. O espaço da sala de aula se apresenta como o lugar de uma possível ação efetiva, reflexões e discussões. Freire (2002) enfatiza a relação intrínseca entre ensinar e aprender, pela "[…] compreensão do homem e da mulher como seres históricos e inacabados e sobre que se funda a minha inteligência do processo de conhecer, ensinar é algo mais que um verbo transitivo-relativo" (FREIRE, 2002, p. 12). No exercício de trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar e de aprender, emerge a dimensão dos significados atribuídos às experiências e a facilitação de relações com o outro em sala de aula, onde cada história compõe a rede de saberes e é necessário estar atento às suas vozes. A educação busca, assim, desenvolver atitudes de tolerância à diversidade cultural, enfatizar práticas multiculturais e estratégias para promover a aceitação cultural. Na interação pedagógica, tecnológica e de ação social, surgem alternativas que respondemaos dilemas antigos de grupos e classes sociais que sempre estiveram à margem dos projetos de desenvolvimento socioeconômicos hegemônicos. 11475 Tecnologias como meio potencializador do engajamento social: Vozes em Rede Reconhecer que na cidade de Salvador existe uma cultura rica e plural, significa compreender a sua diversidade étnica e cultural, vinda de diferentes grupos sociais que a compõem. Toda esta diversidade é combinada e recombinada, fazendo com que as mais diferentes manifestações culturais possam emergir. Entretanto, deve-se também constatar as desigualdades no acesso a bens econômicos e culturais por parte dos diferentes grupos sociais, onde operam determinismos de classe social, raça e gênero de forma marcante. Nesse contexto, Canclini (2003) destaca a importância dos sujeitos sociais, afirmando que são as pessoas e suas produções simbólicas que caracterizam os movimentos sociais, políticos e culturais da atualidade. Os sujeitos sociais, perante um contexto histórico marcado por valores coloniais hegemônicos que se perpetuam até os dias de hoje, buscam através dos movimentos identitários, refletirem criticamente a realidade, fazendo com que seus valores ético-culturais possam emergir e serem tomados como referenciais de uma sociedade plural. A expansão dos movimentos sociais populares na América Latina e entre grupos marginalizados, disseminaram um movimento pela releitura de teorias e de procedimentos de ação social datadas dos anos 60 (BRANDÃO; STRECK, 2006), motivaram uma série de investigações em comunidades populares que iam muito além da coleta de dados, promovendo não somente uma ação pedagógica, mas resultaram em projetos de desenvolvimento social assumidamente políticos. Nessa investigação-ação participativa, é possível notar uma construção do conhecimento em prol da cidadania, na qual Brandão (1981) caracteriza a pesquisa como "prática política de compromisso popular", afirmando que: a ciência, nesse sentido, é produto de um coletivo, colocada a serviço de um projeto de sociedade, cuja a referência maior é a libertação e a dignidade de todos, e onde pesquisado-pesquisador são sujeitos de um mesmo trabalho comum ainda que com situações e tarefas diferentes (BRANDÃO, 1981, p.11). A ciência é concebida, deste modo, como meio de transformação da realidade, ampliando e potencializando a produção do conhecimento crítico que fortalece as lutas sociais. Nesse sentido, compreender as TIC na sua essência é perceber suas articulações com o movimento social através do conhecimento, onde os recursos são infinitos e singulares. Os jovens, que vivem constantemente influenciados pelo desenvolvimento tecnológico, promovem transformações a partir do momento que se percebem como agentes desta 11476 mudança, destacando a importância do engajamento. O sentido conceitual de engajamento e do fazer engajado é definido como: [...] é o desafio de engajar-se com um grupo ou grupos de sujeitos, empenhar-se em compreender o lugar do outro e, no jogo da vida com outrem, posicionar-se diante dos problemas políticos e sociais desse coletivo, conhecer a realidade e imergir nela, contagiar-se com o outro, organizar coletivamente ações que podem agregar a escola e a comunidade em sua extensão desejante (devir), respeitar e conquistar o respeito do coletivo a partir de seus atos e ações, aprender que a comunicação envolve ações, falas, escutas, silenciamentos e subversões dos sujeitos da falta nos espaços instituídos dentro e fora da escola (HETKOWSKI et all, 2015, p. 304). A motivação por fortalecer a participação popular na mídia, amplificar, engajar e empoderar as vozes não só dos jovens, mas de diversos grupos minoritários em confluência com a ideia de ciência como uma dimensão coletiva e formativa, permitiu o desenvolvimento do projeto Vojo. Esta tecnologia que foi desenvolvida no MIT Center for Civic de mídia 3 , contou com a parceria da VozMob 4 , VOIP Drupal 5 , e Mirabot Tecnologia Cooperativa 6 , sendo uma versão hospedada de distribuição VozMob Drupal, que consiste num projeto colaborativo em curso com diaristas, trabalhadores domésticos, estudantes, e uma equipe diversificada do Institute of Popular Educação of Southern California (IDEPSCA) 7 . A ferramenta permite ao usuário postar histórias em áudio a partir de telefones móveis ou telefones públicos, também é possível postar fotos e vídeos a partir de telefones celulares. Vojo torna mais fácil para que as pessoas possam compartilhar conteúdos por um baixo custo, facilitando as tarefas de configuração e personalização de grupos e comunidades virtuais. 3 O MIT Center for Civic Mídia é um grupo de pesquisa em novas tecnologias que trabalha em parceria com diversas comunidades para criar, implementar e avaliar ferramentas e práticas de mídia cívicas de forma colaborativa. Coordena, ainda, processos de projeto baseados na comunidade local na área de Boston, nos Estados Unidos, e ao redor do mundo. Fonte: https://civic.mit.edu/. 4 Vozes móveis (VozMob) é uma plataforma de imigrante e/ou trabalhadores de baixa renda de Los Angeles (EUA) que tem por objetivo a produção de histórias sobre suas vidas e comunidades feitas diretamente de telefones celulares. O VozMob funciona através de um sistema de gerenciamento de conteúdo, sendo uma versão personalizada do Drupal, software popular livre e de código aberto que continua sendo desenvolvido e aprimorado. Fonte: http://drupal.org/project/vozmob. 5 VoIP Drupal é uma estrutura que integra a voz e Internet-telefonia para Drupal sites. Ele pode ser usado para construir aplicações híbridas que combinam telefones de discagem por tom regulares, web, SMS, Twitter, mensagens instantâneas e outras ferramentas de comunicação em uma variedade de formas, tendo o objetivo de fornecer um sistema de API e de script comum que podem inter-operar com servidores de Internet e de telefonia populares (Asterisk, FreeSwitch, Tropo, Twilio, etc), reduzindo drasticamente os custos de aprendizagem e desenvolvimento associados com a construção da comunicação unificada sistemas que combinam tecnologias de voz e texto juntos. Fonte: https://www.drupal.org/project/voipdrupal 6 Mirabot Tecnologia Cooperativa é uma cooperativa de produção de websites, fornecendo ainda serviços de comunicação para ONGs, e organizações que tem como foco os movimentos sociais e/ou ambientais. Fonte: https://www.mirabot.coop/ 7 IDEPSCA é uma organização sem fins lucrativos baseada na comunidade, cujo objetivo é difundir o protagonismo político, cultural e economicamente na comunidade latina no Sul da Califórnia, usando metodologia de educação popular, promovendo o desenvolvimento de soluções coletivas para os problemas da comunidade. Fonte: http://idepsca.org/ 11477 Destaca-se assim, o sentido de ciência trazido por Brandão (2006), no qual a confiabilidade não está no rigor positivo, neutro ou objetivo, "mas na contribuição de sua prática na procura coletiva do conhecimento que tornem o ser humano não apenas mais instruído ou sábio, mas igualmente mais justo, livre, crítico, criativo, participativo, corresponsável e solidário" (2006, p. 24). As comunidades criadas a partir do projeto-piloto VOJO.CO tem se estendido pelos EUA e na América Latina, criando uma múltipla teia de/entre pessoas, histórias e saberes. No Brasil, a iniciativa se deu por meio do Instituto Mídia Étnica (IME) 8 , com o projeto Quilombos no Brasil, que utiliza a tecnologia para capacitar os jovens quilombolas da comunidade de Ilha de Maré (Salvador – Bahia), ajudando-os a identificar e denunciar violências ambientais. A proposta IME ainda está em andamento e tem como objetivo replicar as atividades em outras comunidades com pouco ou nenhum acesso à internet, em áreas remotas rurais, grupos indígenas, trabalhadores sem terra e outros grupos marginalizados.Na Escola Municipal de Nova Sussuarana, a tecnologia Vojo foi associada a uma série de outras temáticas, com o objetivo de consolidar, nos alunos, percepções sobre a importância da cultura local para o estabelecimento de vínculos que respeitam e valorizam a diversidade e o lugar onde vivem. Durante as oficinas, as percepções sobre a diversidade cultural se articulavam e a produção de significados se manifestava das mais diferentes formas, numa experimentação tecnológica que permitiu o pensar e o refletir. A partir da cultura, é possível também compreender como o espaço é constituído a partir de vivências de cada indivíduo que caracterizam os modelos de vida na coletividade, evidenciando a multiplicidade de relações culturais com o lugar. Na busca por uma produção coletiva de conhecimento emancipatório e reflexivo, potencializadas pelo uso das Tecnologias da Informação e Comunicação, os alunos tiveram a oportunidade de utilizar o celular com diferentes propósitos e interagir com diferentes tecnologias (figura 1), além de uma receber uma formação técnica necessária produzir conteúdos e narrativas. 8 O Instituto de Mídia Étnica é uma organização da sociedade civil que realiza projetos para assegurar o direito humano à comunicação e o uso das ferramentas tecnológicas pelos grupos socialmente excluídos, especialmente a comunidade afro-brasileira. Fonte: http://midiaetnica.ning.com/ 11478 Figura 1 – Oficinas realizadas na Escola Municipal de Nova Sussuarana em 2014 Fonte: Banco de Imagens do GEOTEC. Oficinas sobre cultura popular, história oral e o jornalismo voltado à internet foram realizadas numa perspectiva educacional, na qual o lugar foi tomado como um "território cultural" de afirmação da diversidade. A utilização das TIC, nesse sentido, buscava potencializar o sentimento de pertencimento e identificação dos alunos com e o seu respectivo lugar, por meio de histórias compartilhadas, através do registro dos fatos e das suas correlações com a cultura. A cultura pode, nesse ínterim, ser compreendida como "processo de reconhecimento de si mesmo na presença do outro" (SODRÉ, 2012), proposição esta que perpassa fundamentos educativos, da memória social e da socialização. Reverberando a importância dos "territórios culturais" como pontos de referência para a memória dos indivíduos, uma vez que as lembranças destes "lugares" são relevantes para os sujeitos e geram o sentimento de pertencimento entre seus membros, fortalecendo as redes. Segundo Meneses (1992), as redes de inter-relações baseadas em um suporte de comunicação, permitem um acesso permanente às histórias dos sujeitos, já que criam registros das informações referentes à memória social dos seus membros: [...] é um sistema organizado de lembranças cujo suporte são grupos sociais espacial e temporalmente situados. Melhor que grupos é preferível falar de redes de inter- relações estruturadas, imbricadas em circuitos de comunicação. Essa memória assegura a coesão e a solidariedade do grupo e ganha relevância nos momentos de crise e pressão. Não é espontânea: para manter-se, precisa permanentemente se reavivada. É, por isso, que é da ordem da vivência, do mito e não busca coerência, unificação. Várias memórias coletivas podem coexistir, relacionando-se de múltiplas formas (MENESES, 1992, p. 15). Assim, as experiências interativas de produção de histórias em áudio com a tecnologia Vojo foram além dos produtos finais, já que tinham foco também no processo. O registo das 11479 histórias permitiu ampliação das redes dos alunos da escola, potencializando as práticas sociais e a preservação da diversidade cultural dos sujeitos. Ao refletir sobre a diversidade cultural, os estudantes consideraram os diferentes espaços de comunicação e suas dimensões socioculturais no bairro onde vivem. Identificaram que o "seu lugar" era constituído por moradias em meio a construções comerciais, permeados por suportes imagéticos de publicidade, pichações, pessoas e veículos, compondo os significados simbólicos do mundo urbano. No diálogo com os sujeitos da pesquisa, emergem os desejos, frustrações, interesses, linguagens, valores, modo de percepção e expressão, no exercício de atribuição de significados ao território cultural, revelando como suas ações são empreendidas no sentido de que o bairro deixe de ser um mero lugar para ser reconhecido como seu, articulado no contexto vivencial desses jovens. Estar com amigos, familiares, formas de lazer, moda e consumismo, uso de computadores e da internet, jogos eletrônicos e uma grande quantidade de temáticas vão se entrelaçando como atividades culturais e cotidianas que acontecem nas ruas, praças, lanchonetes, pontos de ônibus, festas e na escola. Nessa teia informacional aparentemente ambígua, os percursos culturais sobre o bairro da Nova Sussuarana foram traçados para que as histórias das vivências desses jovens fossem compartilhadas a partir de seus próprios contextos culturais cotidianos, com suas próprias vozes. Durante todo o processo de pesquisa, meninos e meninas entre 11 e 14 anos, riam entre si, demonstravam habilidades no uso de dispositivos tecnológicos (celular, filmadora, câmera fotográfica), numa atmosfera de forte senso de pertencimento grupal. As concepções construídas sobre a diversidade cultural do bairro de Nova Sussuarana foram as mais variadas. Numa das atividades, os alunos deveriam listar manifestações culturais existentes no bairro, identificar o lugar onde estas ocorriam e posteriormente contar histórias sobre esses lugares. Capoeira, candomblé, samba e partido alto, grafitti e pichações, artesanato, futebol, dominó, baile funk, balé e o Hip Hop foram as principais manifestações identificadas pelos alunos. Ao se referir aos lugares e relacionar com as manifestações culturais, entrelaçavam-se experiências de felicidade e lembranças positivas, indicando que os alunos se sentiam acolhidos e familiarizados. As histórias pessoais vinculadas diretamente aos lugares foram muitas, bem como as interpretações de ordem simbólico-culturais. Os jovens citaram a praça do fim de linha, a barbearia, a padaria, a lan house, as ruas, escadarias e vielas, o centro comunitário, o campo de futebol próximo à Avenida Gal Costa (Salvador- Ba), chamada 11480 pelos alunos de "Pistão" devido a extensão da avenida, foram um dos principais territórios culturais, conforme relato: isso é uma favela. Eu gosto, eu nasci aqui. Eu acho esse lugar bonito porque tem um monte de casa e tem várias árvores. Eu gosto de morar aqui porque tem muita coisa boa, tem lan house, muitas lojas, tudo é perto, aqui é legal e divertido. O campo de futebol melhor que tem fica lá no pistão. Lá que tem o baba de saia, tá ligado? E o baba de saia faz parte da cultura daqui. É assim, ó, os homens se vestem de mulher pra jogar bola, é muito engraçado, passam batom e tem gente que usa até peruca. Eu nunca me vesti de mulher não, mas sempre que tem, vou assistir com o pessoal de lá da rua. Meu primo se veste de mulher, mas ele nem sabe jogar bola direito, sempre perde gol (ALUNO 11, 14 ANOS). Dessa perspectiva, é possível notar como o conhecimento é permeado por um autoconhecimento e pela historicidade dos sujeitos no seu espaço de vivência. A partir da realidade mais próxima do sujeito que é seu bairro, é possível estimular a observação e a análise crítica da diversidade cultural existente em seu cotidiano, podendo conduzi-lo ao desenvolvimento de novas atitudes a partir do seu lugar de vivência, já que o respeito à identidade cultural é uma dimensão fundamental da prática educativa. Assim, surgem as possibilidades para que os jovens se percebam como ser social e histórico, comunicante, transformador, criador, engajado e que sua voz pode e precisa ser ouvida, compartilhada. ConsideraçõesFinais As pessoas são resultados das histórias que constroem, assim, o caráter socializante da escola precisa ser utilizado como um potencial para que essas sejam contadas e registradas. Ao longo dessa pesquisa, esse potencial foi evidenciado, tanto do ponto de vista social e acadêmico quanto do cultural e histórico para a comunidade de Nova Sussuarana. Desta forma, o processo se estabeleceu âmbito das relações entre os sujeitos da pesquisa, escola e universidade (UNEB), trazendo pistas para novas formas de pensar a educação, com base na utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação e buscando a valorização das diversidades culturais existentes na cidade de Salvador. As contribuições desta investigação-ação participativa na rede básica de ensino e os seus desdobramentos, representam a essência deste estudo, com muitas descobertas e pistas para o trabalho em grupo. Aproximar os diálogos sobre a diversidade cultural de dispositivos tecnológicos no ambiente escolar é ampliar as possibilidades de aprendizado, reconhecer a importância da tecnologia para a criatividade e a cooperação entre alunos, e compreender que os dispositivos tecnológicos estão ligados diretamente e definitivamente às dinâmicas sociais. 11481 O espaço de diálogo aberto pela pesquisa leva à participação dos sujeitos, envolvendo dinâmicas culturais e sociais em suas histórias. Assim, constituem-se ricas construções coletivas, cujas práticas e conhecimentos gerados vêm imbuídos da incorporação da diversidade de ideias que acorrem diversidade cultural e as relações com o outro. Possibilidades estas que refletem saberes distintos, que dificilmente são considerados e que podem trazer avanços em práticas educacionais que incorporem um “saber fazer” próprio e eficaz. A educação popular pensada por Freire (2002) articula-se nesta prática, já que preza por refletir e questionar os fatos sociais, para justamente transformá-los junto com aqueles sujeitos constituídos no processo. É, portanto, no lugar onde vivem que os sujeitos são elementos ativos do seu processo de engajamento, potencializado por sua relação com o outro. Por meio de suas histórias sobre seus territórios culturais, estabelecem interações, articulações que propagam e ampliam suas vozes entre diversas pessoas, comunidades e lugares. As redes que se forma nesse caminho, sobretudo aquelas que se voltam para criação solidária de saberes sociais, e o Vojo através do seu formato que preza por uma comunicação inovadora e de baixo custo, vem progressivamente se efetivando em importantes espaços, como foi o caso da Escola Municipal de Nova Sussuarana, contribuindo a projeção das falas desses jovens e de suas histórias culturais. REFERÊNCIAS BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é a Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. BRANDÃO, Carlos Rodrigues; STRECK, Danilo Romeu. (Orgs) Pesquisa Participante: O saber da Partilha. São Paulo: Brasiliense, 2006. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&ª, 1997. 11482 HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1996. HETKOWSKI, Tânia Maria. Políticas Públicas: tecnologias da informação e comunicação e novas práticas pedagógicas. 2004, 214 f. 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