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A mitigação do Princípio da Presunção de Inocência na execução antecipada da pena. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz o princípio da presunção de inocência em seu rol de direitos fundamentais. Todavia, ainda que presente na carta magna, este princípio é alvo de mitigação constantemente com a aplicação do instituto da execução antecipada da pena, apontado no Código Processual Penal, sobretudo em razão das constantes variáveis nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, paradigma dos órgãos inferiores. As minorias dos doutrinadores entendem que não há presunção de inocência e que a culpabilidade só deveria ser apontada após o trânsito em julgado. Em contrapartida, a maior parte dos que se debruçam sobre o tema, compreendem a presunção de inocência como direito fundamental, que tem por característica a inviolabilidade, imprescritibilidade, inalienabilidade, universalidade, efetividade, irrenunciabilidade e complementaridade. O artigo 5°, LVII, da Constituição Federal carrega o seguinte texto: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”1. Trata-se de uma norma auto exequível, que em poucas palavras, é uma norma que possui todos os elementos necessários para aplicação imediata na proteção de direitos e garantias. Tratando exatamente sobre as questões das garantias, sabemos que prisão é exceção no estado democrático de direito em que vivemos. Analisando sob viés social, percebemos a sensação de impunidade que assola o País. E para nós, operadores do direito, além destas questões, ainda elencamos a insegurança jurídica proporcionada pela instabilidade das decisões proferidas pelo STF; com interpretações do texto constitucional divergentes e muitas vezes dúbias. Não obstante, sabe-se que os direitos fundamentais não absolutos. Ressalta a afirmativa a fala do Professor João Trindade Cavalcante Filho2: Nenhum direito fundamental é absoluto. Com efeito, direito absoluto é uma contradição em termos. Mesmo os direitos fundamentais sendo básicos, não 1 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de abril de 2021. 2 FILHO, João Trindade Cavalcante. TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Disponível em: http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_Trindadade__ Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 21 de abril de 2021. http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_Trindadade__Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_Trindadade__Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf são absolutos, na medida em que podem ser relativizados. Primeiramente, porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual direito vai “ganhar” o conflito, pois essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso concreto. E, em segundo lugar, nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos. Então – repita-se – nenhum direito fundamental é absoluto. De igual pensamento, o Ministro Celso de Mello3 em um de seus julgados afirma: “OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em 3 BARROSO, Luís Roberto. Voto do Min. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-24/leia- voto-ministro-barroso-prisao-segunda-instancia. Acesso em: 22 de abril 2021. detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.”. A execução antecipada da pena se dá antes do trânsito em julgado, e diferentemente da prisão preventiva que tem o escopo puro de garantir a persecução penal, impedindo que o autor ou terceiros possam pôr em risco a efetividade do processo. Constantemente, o Supremo julga diversos Habeas Corpus relacionados ao tema, porém com posicionamentos discordantes, geralmente advindos de julgamentos monocráticos. Tornaram-se referência as decisões prolatadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade n° 43, n° 44 e n° 54, demandadas pelo PEN - Partido Ecológico Nacional (atual Patriota), o Conselho Federal da OAB e o PCdoB - Partido Comunista do Brasil que pugnavam pela análise de constitucionalidade, que foi afirmada pelo STF, do artigo 283 do Código de Processo Penal4, in verbis: Art. 283, CPP. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Posteriormente, com o advento da Lei n° 13.964/2019 5 , conhecido com Pacote Anticrime que passou a ter a seguinte redação: Art. 283, CPP. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. Em 2018, aguardamos ansiosamente o julgamento do HC 152.752 PR, onde o STF negou recurso de soltura contra prisão em 2ª instância. Decisão esta que trabalhou como paradigma para outros casos, como por exemplo, do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 4 BRASIL, Código de Processo Penal, Decreto Lei, N° 3.689 de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 21 de abril de 2021. 5 LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm. Acesso em: 21 de abril de 2021. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm que foi preso no mês, condenado pela 5ª Turma do STJ por lavagem de capitais e corrupção passiva, na Operação Lava-Jato. Tal estabelecimento garante a mínima efetividade do sistema processual penal, reduzindo a obscura seletividade do sistema penal. Apontamos assim a repercussão social do caso, que com um entendimento contrário só beneficiaria os ricos que possuem subsídio para contratar bons advogados que protelariam até o último recurso para manter clientes livres, gerando até mesmo prescrição dos processos; diferente de uma pessoa assistida pela defensoria pública que, com a enorme carência de profissionais, não conseguem dedicar-se a mais que uma apelação. A questão da subjetividade do sistema penal é esclarecida por Bitencourt6: “ [...] significa, em poucas palavras, submeter o exercício do jus puniendi ao império da lei ditada de acordo com as regras do consenso democrático, colocando o Direito Penal a serviço dos interesses da sociedade, particularmente da proteção dos bens jurídicos fundamentais, para o alcance de uma justiça equitativa”( BITENCOURT, 2015, p.42). O penalista Rogério Sanches ainda afirma que a presunção inocência tem sentido dinâmico, modificado conformese avança a marcha processual. Assim, a presunção é sempre direcionada a inocência. Analisando sob um ponto de vista lógico, a execução antecipada da pena (leia-se prisão após condenação em segunda instância) não afronta o princípio da presunção de inocência, uma vez que os recursos manejados (exceto a apelação) não podem requer inocência do réu, uma vez que não é possível a reanálise de mérito em relação ao fato. A discussão é tão somente quanto a vícios e nulidades. Ainda que haja um bom alicerce para a aplicação da prisão anterior até o momento, o qual não pode mais recorrer, a expressão “trânsito em julgado” desenvolve diversos questionamentos. Para findar tal debate, rescentemente, foram eleitos Presidente e 1° Vice- 6 Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 17. ed. rev., ampliada e atualizada de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012. Presidente da Comissão Especial que analisará as PECs 199/2019 que acabará com os recursos especial e extraordinário, previstos nos artigos 102 e 105 da CF. Referências: FILHO, João Trindade Cavalcante Filho. Teoria Geral Dos Direitos Fundamentais. Disponível em:http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalTvJustica/portalTvJusticaNoticia/anexo/Joao_ Trindadade__Teoria_Geral_dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em: 20 de abril de 2021. BARROSO, Luís Roberto. Voto do Min. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019- out-24/leia-voto-ministro-barroso-prisao-segunda-instancia. Acesso em: 22 de abril 2021. Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 17. ed. rev., ampliada e atualizada de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012. SANTOS, Paulo César da Silveira. A Execução provisória da pena e o Princípio da Presunção de Inocência: uma análise acerca das decisões do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-execucao-provisoria- da-pena-e-o-principio-da-presuncao-de-inocencia-uma-analise-acerca-das-decisoes-do- supremo-tribunal-federal/. Acesso em 21 de abril de 2021. BRASIL, Código de Processo Penal, Decreto Lei, N° 3.689 de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 07 de abril de 2020. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 de abril de 2020. CUNHA, Rogério Sanches. Execução provisória da pena. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2017/02/07/execucao-provisoria-da-pena/. Acesso em: 15 de maio de 2020. SCHNEIDER, Felipe. O uso indiscriminado da prisão preventiva e o princípio da presunção de inocência. Disponível em: https://juridicocerto.com/p/felipeschneider/artigos/o- uso-indiscriminado-da-prisao-preventiva-e-o-principio-da-presuncao-de-inocencia-5005. Acesso em: 29 de setembro de 2020. CONJUR. Impedir execução antecipada seria declarar CPP inconstitucional, diz Fachin. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-17/impedir-execucao-antecipada- tornaria-cpp-inconstitucional. Acesso em 22 de abril de 2021. https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-execucao-provisoria-da-pena-e-o-principio-da-presuncao-de-inocencia-uma-analise-acerca-das-decisoes-do-supremo-tribunal-federal/ https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-execucao-provisoria-da-pena-e-o-principio-da-presuncao-de-inocencia-uma-analise-acerca-das-decisoes-do-supremo-tribunal-federal/ https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-execucao-provisoria-da-pena-e-o-principio-da-presuncao-de-inocencia-uma-analise-acerca-das-decisoes-do-supremo-tribunal-federal/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2017/02/07/execucao-provisoria-da-pena/ https://www.conjur.com.br/2019-out-17/impedir-execucao-antecipada-tornaria-cpp-inconstitucional https://www.conjur.com.br/2019-out-17/impedir-execucao-antecipada-tornaria-cpp-inconstitucional Lei Nº 13.964, De 24 De Dezembro De 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm. Acesso em: Acesso em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm
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