Buscar

OAB FILOSOFIA, DIREITO E MORAL

Prévia do material em texto

www.cers.com.br 
 
OAB 1ª FASE – XX EXAME DE ORDEM 
Filosofia – Aula 02 
Bernardo Montalvão 
1 
A teoria do “mínimo ético”, “já foi exposta de certa 
maneira pelo filósofo inglês Jeremy Bentham e de-
pois desenvolvida por vários autores, entre os quais 
um grande jurista e politicólogo alemão do fim do sé-
culo XIX e do princípio do século XX, Georg Jellinek”. 
A teoria do mínimo ético sustenta que o Direito cons-
titui apenas em um mínimo de Moral ao qual se atri-
bui força obrigatória com o objetivo de que a socie-
dade possa sobreviver. A Moral, em regra, é obede-
cida de forma espontânea. 
 
Porém, mais cedo ou mais tarde, acaba ocorrendo 
algum ato de desobediência. É aí, então, que surge 
o Direito, com a finalidade de impedir, com mais vi-
gor, a violação às normas que uma dada sociedade 
considera indispensável à convivência social. 
 
Deste modo, segundo esta teoria, o Direito não é, na 
sua essência, diferente da Moral, antes é uma parte 
desta, armada de garantias específicas. Logo, “tudo 
o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral 
é jurídico”. Veja abaixo a ilustração da teoria. 
 
Mas será que a lição desta teoria é ainda hoje acei-
tável? Será que tudo é jurídico é moral? Será? Será 
que a regra do Código de Trânsito, que determina 
que a faixa da direita seja a faixa da baixa velocidade, 
é uma regra moral? Será que o artigo do Código de 
Processo Penal, que estabelece o prazo de 15 dias 
para o oferecimento da denúncia, é uma norma mo-
ral? 
 
E mais, será que a modificação deste artigo do Có-
digo de Processo Penal pelo legislador tem a capaci-
dade de influenciar no campo da moral? A resposta 
a todas essas indagações só pode ser negativa. E, 
por quê? Porque nem tudo que se passa no mundo 
jurídico é ditado por motivos de ordem moral. 
 
Para melhor entender essa afirmação cabe aqui uma 
nova pergunta: qual a diferença entre o moral, o imo-
ral e amoral? Imoral é aquilo que é contrário à moral. 
Amoral é aquilo é indiferente à moral. Moral é aquilo 
que está de acordo com a Moral. Sendo assim, é pos-
sível afirmar que “fora da Moral existe o ‘imoral’, mas 
existe também o que é apenas ‘amoral’”. 
 
E, por consequência, dentro do Direito podem existir 
tanto normas morais, imorais como amorais. 
“Há, portanto, um campo da Moral que não se con-
funde com o campo jurídico. O Direito, infelizmente, 
tutela muita coisa que não é moral”. 
 
O certo é que muitas “relações amorais ou imorais 
realizam-se à sombra da lei, crescendo e se desen-
volvendo sem meios de obstá-las”. Logo, é inegável 
que há um campo do Direito “que, se não é imoral, é 
pelo menos amoral o que induz a representar o Di-
reito e a Moral como dois círculos secantes”. 
 
As ilustrações têm benefícios e prejuízos. Entre os 
prejuízos está o de se simplificar excessivamente os 
problemas, correndo-se o risco de tomar a parte pelo 
todo. Contudo, no começo dos estudos, as represen-
tações gráficas servem como pontos de referência 
para posteriores investigações. 
 
2. SIMILARIDADES ENTRE AS NORMAS MORAIS 
E JURÍDICAS. 
 
Há certa similaridade entre normas jurídicas e regras 
morais. “Ambos têm caráter prescritivo, vinculam e 
estabelecem obrigações numa forma objetiva, isto é, 
independentemente do consentimento subjetivo indi-
vidual”. 
 
As duas normas são preceitos inarredáveis à convi-
vência social, vez que, se é certo que não há socie-
dade sem direito (ubi societas, ibi jus), não é menos 
certo que não há sociedade sem moral (ubi societas, 
ibi mos). 
 
Se não há dúvida de que Tercio Sampaio Ferraz Jr 
assinala estas duas semelhanças entre as normas 
morais e jurídicas, esta não parece ser a compreen-
são de Miguel Reale. Este último sustenta que as 
normas morais contam com a adesão dos obrigados. 
“Quem pratica um ato, consciente da sua moralidade, 
já aderiu ao mandamento a que obedece”. 
Porém, o mesmo não ocorre com as normas do 
mundo jurídico. 
Apesar das similitudes, há entre as normas morais e 
jurídicas algumas diferenças. Todavia, a demarca-
ção, em si, desta fronteira, não é tarefa fácil. Antes, 
pelo contrário, há muito tempo, é um dos problemas 
mais tormentosos da filosofia do direito. 
Exatamente por isso, ao longo da história, sucede-
ram-se diversas tentativas em traçar essa distinção. 
Convém, então, começar essa viagem pelo tempo a 
partir do critério de distinção mais famoso. 
 
3. QUANTO AO OBJETO QUE É CONTROLADO 
 
Diz-se que as normas jurídicas são heterônomas e 
as normas morais são autônomas. Este critério de 
distinção é o mais famoso dentre todos os que já fo-
ram sugeridos. É o mais famoso tanto por força da 
autoridade intelectual de seu mentor, Immanuel Kant, 
quanto por conta do longo período em que predomi-
nou, de meados do século XVIII até meados do sé-
culo XIX. 
 
 
 
www.cers.com.br 
 
OAB 1ª FASE – XX EXAME DE ORDEM 
Filosofia – Aula 02 
Bernardo Montalvão 
2 
Segundo este critério, as normas jurídicas regulam à 
conduta externa do indivíduo, nada dizendo respeito 
às intenções ou aos desejos, enquanto os dispositi-
vos morais relacionam-se ao aspecto interno do com-
portamento. Ou seja, normas jurídicas pretendem 
controlar comportamentos (normalmente, a partir da 
sua execução), normas morais aspiram controlar 
pensamentos (cogitatio). 
 
Nas palavras de Antônio Luís Machado Neto, normas 
jurídicas são as que regulam a conduta em interfe-
rência intersubjetiva (correlação entre o fazer de um 
e o impedir de outro ou de outros sujeitos humanos). 
Normas morais são as que disciplinam a conduta em 
interferência subjetiva (a correlação entre o fazer e o 
omitir do mesmo sujeito). 
 
Não se nega que as normas jurídicas podem ser in-
justas e iníquas. Entretanto, enquanto não forem re-
vogadas, ou não caírem em manifesto desuso, elas 
obrigam. Elas se impõem contra a vontade dos súdi-
tos. Não é por outra razão que o Estado, por meio da 
dogmática jurídica hermenêutica e empírica, se 
apressa em neutralizar os efeitos de um possível “di-
reito injusto”. 
 
Em outras palavras, empenha-se para manter sobre 
controle, através da interpretação e aplicação da 
norma jurídica, as insatisfações dos indivíduos sub-
metidos à norma jurídica. 
 
Todavia, como assinala Tercio Sampaio Ferraz Jr., 
essa distinção é vaga e ambígua. Por um lado, negar 
que motivos e intenções são irrelevantes para o Di-
reito, é incorrer em grave equívoco. 
 
Afinal, o que dizer da distinção entre dolo e culpa feita 
pelo Direito Penal? Forçoso é reconhecer, para dis-
tinguir estes dois conceitos jurídico-penais, que a in-
tenção do agente assume grande relevância. 
Por outro lado, insistir que as normas morais são in-
diferentes à exterioridade da conduta, é também in-
cidir em sério erro. As normas morais interessam-se 
pela “exterioridade da conduta, até mesmo quando a 
intenção é tida como boa: de boas intenções, como 
diz o provérbio, o inferno está cheio”. 
 
Aliás, perante as normas morais, há distinção entre 
escusa e justificação, vez que a boa intenção pode 
servir como escusa (mentir ao irmão sobre a circuns-
tância de que a morte de seu filho está próxima), mas 
não justifica a mentira como conduta moral. “... 
Pufendorf ultrapassa a mera distinção entre Direito 
Natural e Teologia Moral segundo o critério de nor-
mas referentes ao sentido e à finalidade desta vida, 
em contraposição às referentes à outra vida, distin-
guindo as ações humanas em internas e externas: o 
que permanece guardado no coração humano e não 
se manifesta exteriormente deve ser objeto apenas 
da Teologia Moral. 
A influência desta distinção em Tomasius e posteri-
ormente em Kant é significativa”. 
 
4. QUANTO À INSTÂNCIA QUE IMPÕE A NORMA. 
 
Um segundo critério de diferenciação é a instância 
que estabelece a norma, ou seja, o juízo que qualifica 
o comportamento.Em outros termos, quem impõe a 
norma. 
Como regra, afirma-se que a norma moral é imposta 
pela própria subjetividade de quem age, ao passo 
que a norma jurídica se estabelece por força de uma 
instância objetiva, um terceiro com autoridade para 
impor ela. Disto decorre que “a imoralidade do ato 
exige arrependimento do agente, ou seja, o tribunal 
da moral é a própria consciência, enquanto no direito 
a pressão para o cumprimento da ação lícita é obje-
tiva e depende de instância externas ao agente”. 
 
Registre-se, por oportuno, que, segundo a lição de 
Miguel Reale, o critério atinente à instância que esta-
belece a norma não é um critério diverso do anterior 
(heteronomia versus autonomia), mas, sim, outro sig-
nificado contido nele. Nesse sentido, então, normas 
jurídicas são normas heterônomas e, como tal, são 
postas por um terceiro sobre o agente. 
 
Este terceiro pode ser o legislador, o juiz etc. 
 
Logo, de acordo com Miguel Reale, normas heterô-
nomas são aquelas que possuem, ao mesmo tempo, 
três características, são elas: a) não exigem a ade-
são espontânea do indivíduo a elas submetido, b) 
têm por objetivo controlar comportamentos (e não in-
tenções) e c) são impostas por um terceiro ao indiví-
duo a elas subordinado. 
 
Por conseguinte, as normas jurídicas apresentam 
uma validade objetiva e transpessoal. 
 
De outra banda, as normas morais são autônomas, 
pois a validade delas é subjetiva e pessoal. Em ou-
tros termos, elas exigem a adesão espontânea de 
quem a elas se submete. Elas são impostas pelo in-
divíduo a si mesmo. E, por isso, elas disciplinam as 
intenções do agente. Portanto, em certa medida, é 
possível afirmar que as normas morais constituem a 
identidade do próprio indivíduo, pois à medida que 
ele as obedece tem a impressão de que ele próprio 
estabeleceu as normas que irá cumprir. 
 
 
 
www.cers.com.br 
 
OAB 1ª FASE – XX EXAME DE ORDEM 
Filosofia – Aula 02 
Bernardo Montalvão 
3 
O certo é que, mesmo que se afaste a divergência 
entre os respeitados juristas, o critério pertinente à 
instância que estabelece a norma também apresenta 
alguns problemas. Afirmar que o tribunal da moral é 
a própria consciência, não é, de todo, certo. Por mais 
que o remorso seja, como regra, a mais frequente 
das sanções morais, ele não é a única. Afinal, o que 
dizer da reprovação social, muitas vezes até agres-
siva? 
 
“Por outro lado, a instância subjetiva no julgamento 
dos atos não é indiferente ao direito, como o mostra 
a distinção referida entre dolo e culpa ou a inaceita-
bilidade de que o estrito cumprimento da lei possa ser 
usado como um meio para prejudicar alguém”. Em 
outras palavras, normas jurídicas não são impostas 
apenas por um terceiro ao indivíduo. 
 
Podem também exigir, para fins de imposição, que o 
indivíduo manifeste a sua adesão a ela, que ele obri-
gue a si mesmo. Não é o Estado que obriga o crimi-
noso a praticar o delito na forma dolosa (de forma li-
vre e consciente), antes é ele que se auto-obriga a 
fazê-lo. 
 
5. QUANTO À NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO. 
 
Desde Roma, já se sabe que normas jurídicas pas-
sam a existir por deliberação e promulgação (ou a 
partir da publicação). As normas morais, por seu 
turno, não apresentam esta característica. A expres-
são “esta lei entra em vigor na data da sua publica-
ção” não tem a menor aplicabilidade às normas mo-
rais. 
 
“Não obstante isso, é preciso reconhecer que, no 
caso das normas costumeiras, estamos diante de 
normas jurídicas para as quais não há também deli-
beração e promulgação”. Logo, este critério, também, 
apresenta alguns problemas. 
 
6. QUANTO À COERCIBILIDADE. 
 
Normas morais são incoercíveis. Normas jurídicas 
são coercíveis. Coercível não é o mesmo que coa-
ção. Coercível é a potencialidade de que uma coação 
seja aplicada. É dizer, a possibilidade abstrata, ainda 
não concretizada, de que uma coação seja aplicada. 
Logo, normas jurídicas são normas trazem, em si, a 
ameaça de uma coação. Segundo Kelsen, normas ju-
rídicas não são coercíveis, são coativas. Ou seja, im-
plicam na efetiva aplicação de uma coação. A esse 
respeito, veja a distinção que o professor austríaco 
traça entre a comunidade jurídica e um “bando de 
salteadores”. 
 
7. QUANTO À BILATERALIDADE ATRIBUTIVA. 
 
Normas jurídicas são bilaterais e atributivas. Bilate-
rais, porque estabelecem uma relação entre duas ou 
mais pessoas (bilateralidade social), uma relação 
que não pode ser modificada por nenhuma delas de 
forma unilateral (bilateralidade axiológica). 
 
Atributivas, porque proporcionam uma “atribuição ga-
rantida de uma pretensão ou ação, que pode se limi-
tar aos sujeitos da relação ou estender-se a terceiros 
(atributividade)”. Exemplo: uma norma jurídica per-
mite a criação de uma relação de compra e venda, a 
qual não pode ser alterada unilateralmente por qual-
quer dos sujeitos e, ao mesmo tempo, cria para cada 
um deles a garantia de pode exigir a prestação espe-
rada. 
 
As normas morais, por seu turno, são bilaterais, mas 
não são atributivas. Criam entre os sujeitos uma re-
lação moral que não pode ser modificada unilateral-
mente, mas não confere a eles o poder de exigir uma 
pretensão ou ação correspondente. 
 
8. ASPECTOS APROVEITÁVEIS DE ALGUNS DOS 
CRITÉRIOS MENCIONADOS. 
 
Apesar dos problemas assinalados no que toca ao 
primeiro critério, a distinção quanto ao objeto que é 
controlado ainda apresenta alguma utilidade. Isto 
porque esta diferenciação realça um importante as-
pecto, qual seja, enquanto a norma jurídica “admite a 
separação entre a ação motivada e o motivo da ação, 
o preceito moral sempre os considera solidariamente. 
Isto é, o direito pode punir o ato independentemente 
dos motivos – por exemplo, no caso de responsabili-
dade objetiva – mas isto não ocorre com a moral, 
para a qual a motivação e a ação motivada são inse-
paráveis”. 
 
 O mesmo se diga quanto ao critério pertinente à ins-
tância, uma vez que as sanções morais, seja o re-
morso seja a reprovação social, nunca fazem parte 
do conteúdo explícito da norma moral. Por outro lado, 
as normas jurídicas são caracterizadas, como ensina 
Kelsen, por prescreverem de forma expressa as suas 
sanções. 
 
Mas não é apenas esse aspecto que se pode apro-
veitar do critério. Enquanto o “direito admite as nor-
mas permissivas de conteúdo próprio, a permissão 
moral é sempre a contrario sensu, ou seja, permitido 
é o que não é moralmente proibido ou obrigatório. O 
direito e só o direito permite expressamente”. 
Esta última nuance tem um desdobramento deveras 
relevante. O sistema composto por normas jurídicas 
 
 
 
www.cers.com.br 
 
OAB 1ª FASE – XX EXAME DE ORDEM 
Filosofia – Aula 02 
Bernardo Montalvão 
4 
podem ser autossuficientes, pois contém normas 
destinadas apenas ao reconhecimento, à mudança e 
à aplicação do próprio direito. “A moral não tem nor-
mas secundárias, salvo se a jurisdicizamos”. 
 
Não se quer assinalar com isso que os demais crité-
rios apresentados não apresentem aspectos aprovei-
táveis. Cada critério, na sua medida, contribui para 
melhor definição da fronteira entre Moral e Direito. 
Apesar disso, o certo é que não há critério infalível. 
O que, por sua vez, reforça a tese de que não é pos-
sível sustentar, na atualidade, uma separação total 
entre os campos da Moral e do Direito. 
 
Sendo certo que a Moral não constitui o Direito, não 
é menos certo que a Moral regula o Direito. Em suma, 
a “imoralidade faz com que a obrigação jurídica perca 
sentido, mas não torna a obrigação jurídica juridica-
mente inválida. A distinção é sútil, mas importante”. 
 
9. CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS CONSUE-
TUDINÁRIAS. 
 
Segundo Miguel Reale, normas consuetudinárias 
não são coercíveis, não apresentam atributividade, 
mas são heterônomas e bilaterais. 
 
Logo,o que distingue a norma de costume da norma 
jurídica é a coercibilidade e atributividade que esta 
última apresenta, e aquela não. Por outro lado, o que 
distingue as normas consuetudinárias das normas 
morais é a circunstância de que aquelas são heterô-
nomas, enquanto as normas morais não são. 
 
Eis, então, o que são os costumes, práticas sociais 
rotineiras (hábitos sociais) heterônomas.

Continue navegando