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Indaial – 2020 ProPagação de Plantas Prof. Marcelo Borghezan 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof. Marcelo Borghezan Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: B732p Borghezan, Marcelo Propagação de plantas. / Marcelo Borghezan. – Indaial: UNIAS- SELVI, 2020. 263 p.; il. ISBN 978-65-5663-348-0 ISBN Digital 978-65-5663-349-7 1. Reprodução de plantas. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 581.5 aPresentação A reprodução é a ação ou processo de multiplicação de indivíduos de uma mesma espécie, possibilitando que perpetuem suas características para os descendentes, podendo ser por meio sexual ou assexual, tanto de forma natural quanto artificial. Assim, a reprodução de plantas possui importância evolutiva (histórica), ecológica, fisiológica e agronômica (social e econômi- ca). De forma simples, a propagação tem como objetivos deixar descenden- tes e preservar as características essenciais da população de plantas. Esses temas serão explorados principalmente na Unidade 1. No contexto da exploração agrícola, a propagação de plantas envolve a obtenção de sementes e mudas de qualidade. Diversos métodos são utili- zados, podendo ser através de sementes (propagação sexuada) ou de forma assexuada, por estaquia, por enxertia, por mergulhia e através de estruturas especializadas. A Unidade 2 abordará esses assuntos de forma mais aprofun- dada. Já o tema relacionado com a micropropagação de plantas (cultura de tecidos ou cultivo in vitro) será tratado na Unidade 3. Cada forma de propagação possui vantagens, desvantagens e aplicações práticas nos diversos sistemas de produção agrícola. Além dos aspectos técnicos, os princípios fisiológicos envolvidos em cada método de propagação serão descritos. Sempre que possível, será feita uma associação com a realidade da agricultura brasileira e mundial, além de apresentar exemplos de espécies vegetais para facilitar a compreensão das informações. Na Unidade 3 será feita uma breve discussão sobre os aspectos mais importantes da legislação de sementes e mudas. Da mesma forma que todas as atividades que realizamos, a produção, embalagem, armazenamento, transporte e comercialização de sementes e mudas está sujeita à legislação vigente, tanto na esfera nacional, quanto em relação a normativas técnicas regionais, publicadas pelos Estados da federação. Atualmente, a Lei Federal n° 10.711 de 2003 e o Decreto Federal n° 5.153 de 2004 contêm as principais normativas a serem seguidas para a produção de mudas e sementes no Brasil. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é o órgão federal responsável por divulgar os procedimentos técnicos e registros, bem como por realizar a fiscalização desde a produção até a utilização dos materiais de propagação. O MAPA tem o objetivo de atender a legislação e promover a oferta de sementes e mudas dentro dos padrões técnicos definidos em todo o território nacional. Deseja-se que os assuntos abordados possam fornecer conceitos e compreensões básicas sobre a reprodução de plantas, sobre os princípios de multiplicação vegetal, permitindo uma análise das estruturas de propagação e a sua importância ecológica e agronômica. Espera-se contribuir com co- nhecimentos básicos e aplicados sobre os métodos e formas utilizadas para a propagação de plantas, bem como que esses assuntos possam contribuir para sua capacitação técnica. Destaca-se ainda que muitas inovações tecnológicas e a instrumen- tação agrícola têm possibilitado avanços importantes nas técnicas de pro- pagação, reduzindo custos e tornando acessível a todos os consumidores, sementes e mudas de melhor qualidade. Lembramos o que a capacitação contínua e a busca por informações atualizadas fazem parte de nossa rotina profissional. Por isso, ao longo des- te livro didático, são sugeridas diversas fontes de consulta e de atualização através dos “UNIs”. Assim, aproveite as oportunidades para aprofundar os conteúdos apresentados. “Árvore amiga” Como prova e reconhecimento pelas inúmeras utilidades que de ti recebo diariamente, E pela beleza que a tua presença proporciona, e especialmente, Por ter sido o lenho da cruz do redentor, por seres o calor da minha morada, Sombra amiga e acolhedora, flor de beleza em tuas floradas, pão de bondade em teus frutos, Tábuas de meu berço de criança, mesa de minha família, bastão de arrimo em minha velhice, E companheira em minha última morada. Prometo: Proteger-se contra os teus inimigos, propagar as tuas sementes, Tratar-te como um ser vivo, amar-te como mereces, respeitar-te como uma reserva do futuro, Plantar pelo menos duas, quando por motivos justos, eu tiver que cortar uma. Valdemiro Nasato (Produtor de mudas – Chácara Mariva – Blu- menau/SC) Acadêmico, esteja convidado a multiplicar seus conhecimentos e a propagar bons frutos. Bons estudos! Prof. Marcelo Borghezan Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE sumário UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL ...................................................................................... 1 TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS ...................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 EVOLUÇÃO DAS PLANTAS ............................................................................................................ 3 3 ESTRUTURA FLORAL ....................................................................................................................... 7 3.1 CÁLICE ............................................................................................................................................ 8 3.2 COROLA.......................................................................................................................................... 9 3.3 ANDROCEU .................................................................................................................................... 9 3.4 GINECEU ....................................................................................................................................... 11 4 SISTEMA SEXUAL DE REPRODUÇÃO DAS PLANTAS ........................................................ 12 5 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA ESTRUTURA FLORAL ......................................... 14 6 FORMAÇÃO DOS GAMETAS MASCULINOS E FEMININOS ............................................ 17 7 FLORAÇÃO ........................................................................................................................................ 20 8 POLINIZAÇÃO E BIOLOGIA REPRODUTIVA ......................................................................... 21 8.1 SISTEMAS DE REPRODUÇÃO .................................................................................................. 24 8.2 SÍNDROMES DE POLINIZAÇÃO ............................................................................................. 27 9 CICLO DE VIDA DAS PLANTAS ................................................................................................. 29 9.1 FASES DO CICLO DE VIDA DAS PLANTAS .......................................................................... 31 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 34 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 35 TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS .............................. 37 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 37 2 PROPAGAÇÃO SEXUADA ............................................................................................................. 37 2.1 SEMENTE, FRUTO, DIÁSPORO E PROPÁGULO .................................................................. 37 2.2 FERTILIZAÇÃO E FORMAÇÃO DE SEMENTES E DE FRUTOS ........................................ 38 2.2.1 Estágios de desenvolvimento da semente .......................................................................... 49 2.3 TIPOS DE SEMENTES ................................................................................................................. 50 2.3.1 Quanto à formação e ao desenvolvimento do embrião (embriogênese) ......................... 51 2.3.2 Quanto à capacidade de dessecação ..................................................................................... 54 2.3.3 Quanto à sensibilidade à luz .................................................................................................. 57 2.4 GERMINAÇÃO ............................................................................................................................. 58 2.5 EMERGÊNCIA .............................................................................................................................. 60 2.6 DORMÊNCIA DE SEMENTES ................................................................................................... 62 3 PROPAGAÇÃO ASSEXUADA ....................................................................................................... 64 3.1 ESTRUTURAS DE PROPAGAÇÃO ASSEXUADA NATURAL EM PLANTAS ................. 66 3.2 FORMAS DE PROPAGAÇÃO ASSEXUADA ARTIFICIAL EM PLANTAS ........................ 89 3.2.1 Dormência de gemas ............................................................................................................... 89 4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA .................................................................................................................................. 89 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 69 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 71 TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS ......................................................... 73 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 73 2 HISTÓRICO DA AGRICULTURA E DA PROPAGAÇÃO DE PLANTAS ............................ 73 3 FATORES QUE INFLUENCIAM A PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS .............. 76 3.1 PLANTAS MATRIZES: CAMPO DE PRODUÇÃO DE SEMENTES E VIVEIRO DE MUDAS ............................................................................................................... 77 3.1.1 Viveiro de mudas: planta básica, planta matriz, sementeira, jardim clonal e borbulheira ................................................................................................. 79 3.2 FATORES AMBIENTAIS QUE INTERFEREM NA PROPAGAÇÃO DE PLANTAS .......... 80 3.3 SOLO E SUBSTRATOS ................................................................................................................. 81 3.4 INSTALAÇÕES E INFRAESTRUTURA .................................................................................... 84 3.5 FERRAMENTAS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS .............................................................. 85 3.6 AGROQUÍMICOS, REGULADORES DE CRESCIMENTO E OUTROS INSUMOS ........... 87 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 88 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 90 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 91 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO DE PLANTAS ................................................... 93 TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES ............................................................................ 95 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 95 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR SEMENTES .......................................................... 95 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS ............................................ 99 4 CUIDADOS NA SELEÇÃO E COLETA DE SEMENTES ........................................................ 101 5 ARMAZENAMENTO E CONSERVAÇÃO DE SEMENTES ................................................... 103 6 GERMINAÇÃO E OBTENÇÃO DE MUDAS ............................................................................ 105 6.1 MÉTODOS DE QUEBRA DE DORMÊNCIA DE SEMENTES ............................................. 105 6.2 MANEJO DAS SEMENTES E CUIDADOS NA PRODUÇÃO DE MUDAS ...................... 107 6.3 MEDIDAS E TESTES DE GERMINAÇÃO .............................................................................. 110 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 112 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 113 TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA........................................................................... 115 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 115 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA ........................................................ 115 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS .......................................... 116 4 CLASSIFICAÇÃO E TIPOS DE ESTACAS ................................................................................118 5 CUIDADOS NA SELEÇÃO E COLETA DE ESTACAS ........................................................... 119 6 CONDIÇÕES QUE AFETAM A PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA ..................................... 119 7 PRINCÍPIOS FISIOLÓGICOS E ANATÔMICOS DO ENRAIZAMENTO DE ESTACAS ........................................................................................ 121 7.1 FORMAÇÃO DE NOVO DE RAÍZES E DE GEMAS E BROTOS ........................................ 122 7.2 HORMÔNIOS VEGETAIS, REGULADORES DE CRESCIMENTO E BIOESTIMULANTES.............................................................................................................. 124 7.3 RESPOSTA À CAPACIDADE DE ENRAIZAMENTO DAS ESTACAS ............................. 127 8 TÉCNICAS DE PROPAGAÇÃO ATRAVÉS DE ESTACAS .................................................... 128 8.1 OBTENÇÃO DO MATERIAL DE PROPAGAÇÃO .............................................................. 128 8.2 ÉPOCA DE COLETA DAS ESTACAS ..................................................................................... 129 8.3 PREPARO E MANUSEIO DAS ESTACAS ............................................................................. 130 8.4 PREPARO E USO DOS REGULADORES DE CRESCIMENTO .......................................... 132 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 135 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 136 TÓPICO 3 —PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA ........................................................................... 137 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 137 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA ......................................................... 137 2.1 HISTÓRICO DA PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA ............................................................. 139 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS .......................................... 140 4 CLASSIFICAÇÃO E TIPOS DE ENXERTIA .............................................................................. 142 4.1 FORMAS ESPECIAIS DE ENXERTIA ..................................................................................... 149 5 FATORES QUE AFETAM A PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA ............................................. 150 5.1 COMPATIBILIDADE E INCOMPATIBILIDADE ................................................................... 150 5.2 AFINIDADE BOTÂNICA .......................................................................................................... 152 5.3 CONDIÇÕES AMBIENTAIS ..................................................................................................... 155 5.4 CONDIÇÕES DE SELEÇÃO E MANUSEIO DO ENXERTO ............................................... 155 5.5 INSTRUMENTOS, FERRAMENTAS, EQUIPAMENTOS, ACESSÓRIOS E MATERIAIS ..................................................................................................... 157 6 PRINCÍPIOS FISIOLÓGICOS E ANATÔMICOS DA ENXERTIA ...................................... 157 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 162 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 163 TÓPICO 4 —PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS .......................................................... 165 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 165 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS ..................................................... 165 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS DA MERGULHIA ....... 166 4 CLASSIFICAÇÃO E TIPOS DE MERGULHIA ......................................................................... 166 5 TÉCNICAS DE PROPAGAÇÃO ATRAVÉS DE ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS....... 170 RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 173 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 174 UNIDADE 3 — MICROPROPAGAÇÃO DE PLANTAS E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS ........................ 175 TÓPICO 1 —CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS .................................................................... 177 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 177 2 HISTÓRICO DA BIOTECNOLOGIA ......................................................................................... 177 2.1 HISTÓRICO DA CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS (CULTURA IN VITRO) ............. 179 3 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS ................ 183 4 APLICAÇÕES DA CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS ...................................................... 184 5 ROTAS MORFOGENÉTICAS IN VITRO .................................................................................. 185 6 ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO IN VITRO ................................................................. 190 7 CONDIÇÕES DE CULTIVO E O AMBIENTE IN VITRO ...................................................... 193 7.1 DESINFESTAÇÃO OU DESINFECÇÃO E ESTABELECIMENTO DA CULTURA ASSÉPTICA .................................................................................................................................. 193 7.2 O AMBIENTE IN VITRO ........................................................................................................... 195 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 197 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 198 TÓPICO 2 — ORGANIZAÇÃO DO LABORATÓRIO E PROCEDIMENTOS DE MANIPULAÇÃO IN VITRO DE PLANTAS ................................................. 199 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 199 2 INFRAESTRUTURA DE UM LABORATÓRIO DE MICROPROPAGAÇÃO DE PLANTAS ................................................................................................................................... 199 2.1 INSTALAÇÕES FÍSICAS ........................................................................................................... 201 2.2 EQUIPAMENTOS PARA A MICROPROPAGAÇÃO DE PLANTAS ................................. 203 2.3 VIDRARIAS, MATERIAIS, INSTRUMENTOS E UTENSÍLIOS PARA LABORATÓRIO .......................................................................................................................... 206 2.4 REAGENTES E INSUMOS ........................................................................................................ 208 3 MEIO DE CULTURA....................................................................................................................... 210 3.1 PREPARO DO MEIO DE CULTURA ....................................................................................... 212 4 PROCESSO DE ACLIMATIZAÇÃO DE PLANTAS CULTIVADAS IN VITRO ................ 213 5 PROBLEMAS ASSOCIADOS AO CULTIVO IN VITRO DE PLANTAS ............................ 214 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 217 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 218 TÓPICO 3 — TÉCNICAS DE MICROPROPAGAÇÃO DE PLANTAS ...................................221 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 221 2 MICROPROPAGAÇÃO DE PLANTAS ...................................................................................... 221 3 CULTURA DE ÁPICES CAULINARES E MICROENXERTIA ............................................... 222 4 CULTURA DE GEMAS LATERAIS OU AXILARES ................................................................ 223 5 CULTURA DE SEGMENTOS ISOLADOS DE RAIZ .............................................................. 224 6 CULTURA DE EMBRIÕES ZIGÓTICOS ................................................................................... 225 7 CULTURA DE CALLUS .................................................................................................................. 227 8 CULTURA DE CÉLULAS OU SUSPENSÃO CELULAR ......................................................... 229 9 CULTURA DE PROTOPLASTOS ................................................................................................ 230 10 EMBRIOGÊNESE SOMÁTICA .................................................................................................. 231 11 SEMENTES SINTÉTICAS OU SEMENTES SOMÁTICAS .................................................. 233 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 235 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 236 TÓPICO 4 —LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS ................................. 237 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 237 2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS ...................................................... 237 3 LEI FEDERAL N° 10.711/2003 ........................................................................................................ 239 3.1 REGISTRO NACIONAL DE SEMENTES E MUDAS (RENASEM) .................................... 240 3.2 REGISTRO NACIONAL DE CULTIVARES (RNC) ............................................................... 242 3.3 PRODUÇÃO E CERTIFICAÇÃO DE SEMENTES E MUDAS ............................................. 242 3.4 FISCALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ......................................................................................... 243 3.5 COMISSÕES DE SEMENTES E MUDAS ................................................................................ 243 4 DECRETO FEDERAL N° 5.153/2004 ............................................................................................. 244 5 NORMAS E INSTRUMENTOS LEGAIS COMPLEMENTARES .......................................... 246 6 SEMENTES OU MUDAS COM ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGM) ................................................................................................................ 248 7 SEMENTES E MUDAS PARA O SISTEMA DE PRODUÇÃO ORGÂNICA ...................... 248 RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 253 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 255 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 256 1 UNIDADE 1 — REPRODUÇÃO VEGETAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • identificar a estrutura floral, o sistema sexual de reprodução das plantas e as etapas do desenvolvimento da estrutura floral; • compreender o funcionamento da formação dos gametas, da floração, do processo de polinização e da biologia reprodutiva das plantas; • caracterizar as fases do ciclo de vida das plantas e sua influência sobre a reprodução vegetal; • reconhecer os diferentes estágios de formação das mudas a partir de sementes, envolvendo as etapas da germinação e os padrões de desenvolvimento inicial das plântulas (emergência), bem como os processos de dormência; • conhecer os processos biológicos envolvidos na propagação sexuada e vegetativa de plantas; • caracterizar as vantagens e desvantagens da propagação sexuada e assexuada; • identificar os fatores que influenciam a produção de sementes e de mudas; • compreender a importância do processo de propagação de plantas e de produção de mudas para as atividades agropecuárias. 2 PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS TÓPICO 2 – PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS TÓPICO 3 – PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 1 INTRODUÇÃO Neste primeiro tópico, serão abordados os aspectos relacionados com a reprodução das plantas, discutindo temas relacionados com a anatomia, biologia e ecologia da reprodução vegetal. Esses conhecimentos têm o objetivo de fornecer a base teórica para compreender a importância da reprodução sexuada e asse- xuada de plantas na natureza, bem como as formas e técnicas utilizadas para a produção de sementes e mudas utilizadas nos sistemas de produção de plantas anuais e de plantas perenes. Deseja-se que os assuntos abordados possam fornecer conceitos e com- preensões básicas sobre a reprodução de plantas, permitindo uma análise das estruturas de multiplicação vegetal e a sua importância ecológica e agronômica. Bons estudos! 2 EVOLUÇÃO DAS PLANTAS Os mais antigos fósseis de seres vivos foram encontrados em rochas da região noroeste da Austrália, com cerca de 3,5 bilhões de anos, sendo registros de microrganismos filamentosos semelhantes a bactérias. Já os primeiros organis- mos fotossintetizantes apareceram há cerca de 3,4 bilhões de anos. Os organismos autotróficos foram responsáveis por alterar as condições da atmosfera, possibili- tando o início da ocupação do ambiente terrestre pelas plantas há aproximada- mente 450 milhões de anos (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). As embriófitas representam todas as plantas, desde as briófitas até as an- giospermas, que compartilham características importantes, dentre elas a orga- nização de embriões multicelulares. As briófitas representam o primeiro grupo de plantas terrestres que vivem em ambientes úmidos. Durante o processo de evolução das plantas, três processos foram importantes para possibilitar as adap- tações à vida nos ambientes terrestres: (1) a organização de estruturas de pro- teção para os embriões; (2) um sistema de condução e de comunicação a partir do desenvolvimento de tecidos vasculares (traqueófitas ou plantas vasculares); e (3) a forma de reprodução através de estruturas especializadas com sementes (espermatófitas ou plantas que produzem sementes) (Figura 1). Finalmente, nas angiospermas, a formação de órgãos como flores e frutos (SADAVA et al., 2009), resultou no grupo de plantas com a maior diversidade de espécies e com a maior importância para a produção agropecuária. 4 O sistema moderno de classificação e de nomenclatura dos seres vivos foi or- ganizado com base nos princípios de nomenclatura estabelecidos pelo naturalista sueco Carl von Linneaeus (1707-1778), no Século XVIII. Ele definiu um sistema binomial, em que os dois nomes que identificam uma espécie são descritos em latim. No entanto, o Código Internacional de Nomenclatura Botânica (CINB) surgiu durante o I Congresso Internacional de Botânica (Paris/França, 1867). Neste evento,o naturalista Alphonse de Candole liderou as discussões e a aprovação das Leis de Nomenclatura Botânica. Atualmente, esses critérios e o CINB são mais aperfeiçoados, completos e minuciosos, sendo que as atualizações são publi- cadas na revista científica TAXON, veículo oficial da Associação Internacional de Taxonomia de Plantas. FIGURA – PUBLICAÇÃO “SISTEMA NATURAL” E IMAGEM DE CARL VON LINNEAEUS FONTE: <https://bit.ly/32riwbW>. Acesso em: 8 maio 2020. IMPORTANT E 5 FIGURA 1 – A EVOLUÇÃO DAS PLANTAS (*MAA – MILHÕES DE ANOS ATRÁS) IMPORTANT E Veja os exemplos de classificação botânica do milho (Quadro 1) e da rosa (Figura 2). QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO BOTÂNICA DO MILHO CATEGORIA TÁXON DESCRIÇÃO Reino Plantae Organismos principalmente terrestres, com clorofilas a e b contidas em cloroplastos, esporos protegidos e embriões multicelulares dependentes nutricionalmente. Filo Anthophyta Plantas vasculares com sementes e flores, óvulos contidos em um ovário e polinização indireta (Angiospermas). Classe Monocotyle-doneae Embrião com um cotilédone, partes florais geralmente em trios e muitos feixes vasculares dispersos no caule (Monocotiledôneas). Ordem Poales Folhas fibrosas, redução e fusão nas partes florais. Família Poaceae Caules ocos e flores esverdeadas reduzidas, fruto do tipo aquênio especializado (cariopse), (Gramíneas). Gênero Zea Plantas robustas, com cachos de flores separados, estaminados e carpelados, e com cariopse carnosa. Espécie Zea mays Milho. FONTE: Adaptado de Raven, Evert e Eichhorn (2014) FONTE: Taiz et al. (2017, p. 3) 6 FIGURA 2 – CLASSIFICAÇÃO BOTÂNICA DA ROSA NOTA Coevolução é o processo de interdependência entre duas ou mais espécies, em decorrência de relações ecológicas associadas entre elas. Assim, é um processo de evolução simultânea, em que as diversas espécies possuem interações entre si de diversas formas, influenciando as suas vidas e a de seus descendentes, de forma a coexistir no mes- mo meio onde habitam. FONTE: Adaptado de <https://o.quizlet.com/bMkTDuy6.kT8eup8sZZDvQ.jpg>. Acesso em: 3 jun. 2020. As plantas, assim como os demais grupos de seres vivos, possuem an- cestrais aquáticos, mas se diversificaram ocupando diversos ambientes e apre- sentando diferenças nos ciclos de vida e de reprodução. Assim, o sucesso evolu- cionário envolve estratégias reprodutivas e a possibilidade de coevolução com outros grupos de seres vivos. Esse processo coevolutivo foi e é importante nas angiospermas, em que a evolução floral é um exemplo dessa dinâmica de intera- ção entre animais e plantas, principalmente na relação com agentes polinizado- res. Nesse sentido, é importante conhecer quais partes formam a estrutura floral e como ocorre a formação dos gametas nas plantas. 7 3 ESTRUTURA FLORAL No aspecto anatômico, as estruturas que formam as flores (ou seja, os ver- ticilos ou peças florais) têm como origem folhas que foram modificadas ao longo do processo de evolução. “A flor é conceituada como um ápice caulinar especializado ou um ramo lateral com entrenós curtos e com apêndices homólogos às folhas, com modifi- cações para as funções reprodutivas, compostas de sépalas, pétalas, estames e carpelos” (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014, p. 46). As flores podem se apresentar isoladas (solitárias) ou agrupadas em inflo- rescências. Uma parte importante da estrutura que forma a flor é o receptáculo, sendo um eixo dilatado (que corresponde a parte final do pedúnculo), “em que as partes ou verticilos florais se encontram conectados e arranjados de acordo com padrões específicos de filotaxia” (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014, p. 47). O pedúnculo é a estrutura que une a estrutura floral ao caule. Em algumas espécies, o desenvolvimento do receptáculo (morango, maçã, pera, entre outros) ou do pedúnculo (caju, entre outros) dá origem à estrutura carnosa que forma os frutos, também chamados de pseudofrutos. NOTA Filotaxia é a forma ou arranjo como os verticilos florais estão apresentados e organizados em uma flor de determinada espécie vegetal. Esse arranjo pode conter apenas alguns ou todos os verticilos florais (cálice, corola, androceu e gineceu), apresentando pa- drão desde simétrico à irregular. Na maior parte das angiospermas, as flores apresentam estrutura floral completa (Figura 3). Porém, esses verticilos florais podem ou não estar presentes e podem exercer diversas funções. De forma didática, uma flor completa apresen- ta quatro partes (VIEIRA; FONSECA, 2014): Cálice. Corola. Androceu. Gineceu. 8 FIGURA 3 – ESTRUTURA DA FLOR COMPLETA DE UMA PLANTA ANGIOSPERMA FONTE: Taiz et al. (2017, p. 614) e <https://bit.ly/3bYz4vm>. Acesso em: 5 jan. 2020. O perianto é o conjunto de estruturas de proteção e de atração da flor (cá- lice e corola), sendo formado por partes estéreis, localizando ao redor (peri) das demais parte da flor (anthos). O perianto pode se apresentar com os elementos livres (dialissépalo ou dialipétalo) ou unidos entre si (gamossépalo ou gamopéta- lo) (VIEIRA; FONSECA, 2014). 3.1 CÁLICE O cálice, que se encontra na parte mais externa da flor, é formado pelo conjunto das sépalas. Essas estruturas têm a função de proteção do demais ver- ticilos florais, podendo ainda compor a estrutura de atração de polinizadores. Também podem conter diversos tipos de estruturas secretoras, e em algumas flo- res podem estar ausentes ou pouco visíveis. 9 Em algumas famílias (Liliaceae — tulipas e lírios, entre outras), as sépalas podem se apresentar coloridas, semelhantes às pétalas. Em outras espécies, as sépalas (pupunha — Bactris spp.) e também as pétalas (goiaba serrana — Acca sellowiana) podem ser carnosas, servindo de fonte de alimentação para a atração de polinizadores (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014). 3.2 COROLA A corola é constituída pelo conjunto das pétalas, localizando-se interna- mente ao cálice. Possui função principalmente atrativa para polinizadores, sendo, muitas vezes, a estrutura visualmente mais colorida e chamativa da flor. Existe uma grande diversidade de cores, texturas, formatos e fragrâncias. Em algumas espécies vegetais, as pétalas podem assumir a função pro- tetora (quando na ausência das sépalas ou quando presentes em tamanho dimi- nuto). Nas flores polinizadas por animais, a anatomia da pétala está associada à atração, podendo ser pelo olfato (liberação de aromas a partir de glândulas se- cretoras) e pelo aspecto visual (relacionado com a forma, a coloração e ao brilho, através da absorção e reflexão de luz). Alguns grupos de plantas (Orchidaceae — orquídeas, entre outras) pos- suem pétalas adaptadas para atração de polinizadores muito específicos. No caso de flores polinizadas pelo vento ou pela água, a atração não é um dispositivo importante, razão em que muitas espécies não apresentam cálice ou corola aparentes, ou quando presentes, estão em tamanho reduzido, permitindo assim a exposição dos verticilos florais relacionados com a reprodução (estames e carpelos) (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014). NOTA Em algumas famílias de angiospermas, pode-se encontrar um outro verticilo floral entre a corola e o androceu, chamado de corona. 3.3 ANDROCEU O androceu é o verticilo floral constituído pelo conjunto de estames. De origem grega (andros, “masculino”, e oikos, “família” ou “casa”), o androceu cor- responde à estrutura masculina da flor. Os estames são formados pelo filete e pelas anteras. 10 O filete é a estrutura que sustenta as anteras, dispondo-as para que ocorra a distribuição dos grãos de pólen. As anteras são a parte mais alargada dos esta- mes, em que são formados os grãos de pólen. Os grãos de pólen são os gametas masculinos das plantas. O número de estames pode ser variável nas flores com androceu, contendo de um até dezenas, dependendo da espécie vegetal (VIEIRA; FONSECA, 2014). Os estames podem apresentar uma grande diversidade de tamanho, nú- mero e formato, características estasassociadas à dispersão dos grãos de pólen. A variabilidade de estruturas morfológicas das anteras entre os grupos de plantas complementa essa função de dispersão dos gametas masculinos. Os estames também podem conter nectários e produção de aromas, como estratégia para a atração de polinizadores. Em muitas situações, o pólen é um recurso floral importante para a ali- mentação dos visitantes florais (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014). Os grãos de pólen transportam a informação genética, além de servir de fonte de dieta de vários grupos de animais (insetos, aves e mamíferos). Assim, essas duas funções são exclusivas, nas quais os grãos de pólen usados para a alimentação não terão importância reprodutiva (AGOSTINI; LOPES; MACHADO, 2014). DICAS O padrão de ornamentação da exina (camada externa do grão de pólen) é muito diversificado e é utilizado como estratégia de identificação taxonômica. Essas características são visualizadas utilizando técnicas de microscopia (Figura 4), sendo estes estudos chamados de palinologia. As coleções de grãos de pólen utilizadas para estu- dos são chamadas de palinotecas. Para conhecer mais sobre a palinoteca do Instituto de Botânica da USP, acesse: https:// www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/institutodebotanica/palinologia/. 11 FIGURA 4 – DIVERSOS TIPOS (FORMAS E TAMANHOS) DE GRÃOS DE PÓLEN FONTE: <https://m.media-amazon.com/images/I/51-ZIWhV6fL.jpg>. Acesso em: 8 maio 2020. 3.4 GINECEU O gineceu corresponde à parte feminina da flor, sendo constituído pelo carpelo. Também de origem grega (gyne, “feminino”, e oikos, “família” ou “casa”), é o termo coletivo para as diversas partes que formam este quarto verticilo floral. O pistilo é a unidade do gineceu, formado por um ou mais carpelos, contém o ovário, o estilete e o estigma. No ovário se encontram os óvulos que são os game- tas femininos, sendo o local onde ocorre a dupla fertilização em formação do em- brião. O estilete é um prolongamento afilado do ovário, por onde o tubo polínico se desenvolve para promover a fertilização. O estigma é a parte apical do pistilo, apresentando estrutura diferenciada para a fixação e germinação dos grãos de pólen (VIEIRA; FONSECA, 2014). O ovário pode conter um ou mais lóculos, que podem estar presentes um ou vários óvulos. O estigma apresenta uma grande diversidade de tamanhos e formas, é responsável pela recepção e fixação dos grãos de pólen. Porém se en- contra receptivo apenas durante um determinado período de tempo, podendo apresentar secreção fluida (estigma receptivo úmido) ou superfície estigmática seca (estigma receptivo seco). Ainda com relação ao gineceu, a posição do ová- rio em relação ao receptáculo é critério de classificação e está relacionada com a formação dos frutos (Figura 5). O ovário pode ser súpero (hipógina), quando lo- calizado totalmente livre na extremidade do eixo floral; ovário semi-ínfero (perí- 12 gina), quando o perianto e os estames estão em uma expansão do receptáculo que se localiza acima dos carpelos; e ovário ínfero (epígina), onde o receptáculo en- globa parte da estrutura dos carpelos (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014). FIGURA 5 – POSIÇÃO DO OVÁRIO NAS FLORES FONTE: Adaptado de Karasawa (2009) 4 SISTEMA SEXUAL DE REPRODUÇÃO DAS PLANTAS As flores perfeitas, bissexuais ou hermafroditas possuem o androceu e o gineceu funcionais, sendo essa condição chamada de monoclinia (flor monócli- na). A ausência ou esterilidade (não funcionalidade) de um dos órgãos reproduti- vos resultam em flores unissexuadas, condição denominada de diclinia (flor dícli- na). Essas flores unissexuadas podem ser estaminadas quando possuem apenas o androceu funcional e são chamadas pistiladas ou carpelares quando possuem apenas o gineceu funcional. As flores estéreis são aquelas em que os dois órgãos reprodutivos das plantas estão ausentes ou se encontram em condição não fun- cional (Figura 6) (VIEIRA; FONSECA, 2014; OLIVEIRA; MARUYAMA, 2014). FIGURA 6 – ESTRUTURA DA FLOR COMPLETA DE UMA PLANTA ANGIOSPERMA E SUAS VARIAÇÕES FONTE: Adaptado de Vieira e Fonseca (2014) 13 Plantas com flores unissexuais podem ser monoicas ou dioicas: • Plantas monoicas são plantas que apresentam flores masculinas e flores fe- mininas no mesmo indivíduo, porém, em estruturas separadas. O milho e o pêssego são exemplos de plantas monoicas. • Plantas dioicas são aquelas em que as flores masculinas e as flores femininas se encontram em indivíduos diferentes. Também são identificadas como plan- tas masculinas (macho) e plantas femininas (fêmea). O kiwi e a araucária são exemplos de plantas dioicas. • Plantas trioicas são aquelas que apresentam os três tipos florais (flores esta- minadas, flores pistiladas e flores hermafroditas) em indivíduos diferentes. O mamoeiro é um exemplo de planta trioica. As flores unissexuais de plantas mo- noicas ou dioicas podem apresentar-se muito semelhantes entre si (mimetismo floral) ou ser muito distintas, com formato e tamanho diferenciados (VIEIRA; FONSECA, 2014). Existem diversas outras possibilidades de combinações de sistemas se- xuais de plantas, que envolvem um ou mais indivíduos de uma mesma espécie. Assim, podem ser identificados em indivíduos que apresentam flores unissexuais e hermafroditas na mesma planta. Exemplos desse tipo de plantas podem ser (VIEIRA; FONSECA, 2014): • Ginomonoicia: a presença de flores pistiladas e hermafroditas na mesma planta. • Andromonoicia: a presença de flores estaminadas e hermafroditas na mesma planta. • Ginodioicia: a presença de flores pistiladas e hermafroditas em plantas diferentes. • Androdioicia: a presença de flores estaminadas e hermafroditas em plantas dife- rentes. Ainda se destaca a poligamia, caracterizada pela presença de todos os morfos florais (formas sexuais) em um mesmo indivíduo (VIEIRA; FONSECA, 2014). Ou seja, as plantas polígamas apresentam flores monóclinas e díclinas no mesmo indivíduo (EMBRAPA, 2020). ATENCAO Nas angiospermas que vivem na atualidade observa-se uma grande diversi- dade de estratégias reprodutivas. A maioria das espécies é formada por plantas com flores hermafroditas (72%). Cerca de 11% das plantas possuem flores unissexuadas, sendo que 7% são monoicas e 4% dioicas. As demais formas de dimorfismo sexual (ginomonóicas e andromonóicas) repre- sentam 7%, enquanto as espécies com ginodiocia e androdioicia compõem cerca de 10% (KARASAWA, 2009). 14 5 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA ESTRUTURA FLORAL O início do desenvolvimento floral envolve a modificação ou transição do meristema vegetativo para um meristema reprodutivo, sendo uma drástica mu- dança no padrão de formação da planta (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014). O processo de desenvolvimento e formação da estrutura floral envolve diversas etapas que ocorrem em sequência ordenada e controlada. Essa sequên- cia de eventos é chamada de transição floral, resultando em profundas mudanças nos padrões de morfogênese (mudanças de forma) durante o desenvolvimento vegetal. De acordo com VAZ; SANTOS; ZAIDAN (2004), os eventos de transição floral são: • Indução floral. • Evocação floral. • Desenvolvimento floral (Iniciação floral e Desenvolvimento ou Diferenciação floral). • Floração. O primeiro estágio é a indução floral, sendo marcado pelos estímulos in- ternos (hormonais, nutricionais, ritmos circadianos, açúcares, entre outros) e os estímulos externos ou fatores do meio (fotoperíodo, radiação, temperatura, dis- ponibilidade de água, entre outros). Durante a indução floral, não se observam mudanças estruturais no me- ristema apical das gemas, mas este período marca a mudança de um estado ve- getativo para a capacidade de produzir estruturas reprodutivas no meristema apical. A indução floral refere-se aos eventos que sinalizam à planta a alteração do desenvolvimento (VAZ; SANTOS; ZAIDAN, 2004). A evocação floral (alguns autores também identificam esta fase como ini- ciação floral) é o momento emque ocorrem as primeiras alterações anatômicas no meristema, modificando sua forma e padrão de desenvolvimento. Representa o momento quando o meristema se reorganiza para a formação das estruturas florais, em vez de formar folhas e ramos. A partir desta fase, imagens de microscopia eletrônica de varredura per- mitem acompanhar as etapas de formação da estrutura floral. Durante a inicia- ção, as células ainda se encontram indiferenciadas e o controle genético e hormo- nal atuam no direcionamento dos eventos de formação (ontogênese). A evocação floral resulta na diferenciação morfológica (na forma) e funcional (no metabolis- mo) das células do meristema, possibilitando o desenvolvimento da(s) flor(es) ou da(s) inflorescência(s) (VAZ; SANTOS; ZAIDAN, 2004). A estruturação mais complexa do meristema caracteriza o desenvol- vimento floral, em que já é possível identificar o início do desenvolvimento de estruturas da estrutura floral. Assim, o meristema que anteriormente era vege- 15 tativo, agora segue uma nova programação de desenvolvimento (resultando na expressão floral, que é o processo em que vai ocorrendo a diferenciação celular). O desenvolvimento floral possui duas etapas fisiologicamente distintas: a iniciação floral e o desenvolvimento (ou diferenciação) floral (VAZ; SANTOS; ZAIDAN, 2004). Conforme esses autores, a iniciação floral envolve os eventos de atividade celular além da estrutura do meristema, enquanto o desenvolvimento floral (ou diferenciação floral) resulta na formação dos verticilos ou peças florais (cálice, corola, estames e pistilo). A formação dos órgãos ou verticilos florais envolve a etapa final do pro- cesso de desenvolvimento e formação da estrutura floral. A partir do final desta etapa, as peças florais estão completamente desenvolvidas e os gametas estão aptos a fecundação. A floração é a última etapa, em que ocorre a abertura das flores, com a exposição das peças florais (sépalas, pétalas, estames e carpelos), liberação dos grãos de pólen e a receptividade do estigma para que ocorra a polinização. De forma geral, a sequência de formação das peças florais inicia pela formação das sépalas, seguida pelas pétalas, estruturas que se relacionam com a proteção e atração. Posteriormente, se formam os estames, e, finalmente, o pistilo (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014; TAIZ et al., 2017). O processo de desenvolvimento e formação da estrutura floral envolve um controle químico hormonal e de outros compostos químicos sinalizadores, além da capacidade de resposta às alterações ambientais (luz, temperatura, água, entre outros). Como existe um controle genético sobre todos os processos do desenvol- vimento e do metabolismo vegetal, durante a formação da estrutura floral não é diferente. O modelo atual de compreensão do controle genético na formação dos verticilos florais envolve cinco classes de genes (identificados pelas letras A, B, C, D e E), sendo conhecido como modelo ABCDE do desenvolvimento floral (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Segundo esse modelo, as sépalas são formadas a partir da expressão dos genes das classes A e E. As pétalas são formadas quando são expressas conjun- tamente as classes de genes A, B e E. Quando os genes das classes B, C e E são expressos há a formação dos estames na estrutura floral. Para a formação dos carpelos, conforme este modelo, é necessária a expres- são das classes de genes C e E (Figura 7). A formação dos óvulos (gameta feminino) ocorre a partir da expressão dos genes D. Porém, como se observa na Figura 7, de- pendendo do grupo de plantas esse modelo apresenta algumas variações. 16 FIGURA 7 – MODELO ABCDE DE FORMAÇÃO DOS VERTICILOS FLORAIS (* SIGLAS INDICAM OS GENES ENVOLVIDOS) FONTE: Adaptado de Wang et al. (2019) 6 FORMAÇÃO DOS GAMETAS MASCULINOS E FEMININOS O ciclo de vida sexual das plantas envolve a alternância entre o desen- volvimento da planta (esporófito) diploide e a geração dos gametas haploides. A formação dos gametas nas plantas ocorre de forma sazonal, em períodos do ano mais favoráveis à polinização, de acordo com cada espécie e habitat. Um outro aspecto importante é que a fase reprodutiva (adulta) se estabe- lece somente após a planta passar pela fase juvenil (Figura 8), como será discutido mais adiante. A organização desta etapa do ciclo fenológico é muito importante para determinar o sucesso reprodutivo dos indivíduos de uma população (OTÁ- ROLA; ROCCA, 2014). FIGURA 8 – MUDANÇAS DE FASE DO CICLO VEGETATIVO PARA REPRODUTIVO EM ARABIDOP- SIS THALIANA FONTE: Taiz et al. (2017, p. 594) 17 A formação dos gametas nas plantas envolve os processos de meiose e de mitose que ocorrem no interior das estruturas masculinas da flor, as anteras (mi- croesporângio), originando os grãos de pólen (micrósporo ou microgametófito). Cada grão de pólen é uma célula haploide (n), contendo o núcleo do tubo (célula vegetativa) e a célula generativa (que posteriormente se divide e formará os dois núcleos ou células espermáticas) (Figura 9). FIGURA 9 – FORMAÇÃO DOS GAMETAS MASCULINO E FEMININO DE UMA ANGIOSPERMA FONTE: Taiz et al. (2017, p. 626) Esses mesmos processos de meiose e de mitose ocorrem no interior das estruturas femininas da flor, no ovário (megaesporângio), formando o óvulo (me- gásporo ou megagametófito), contendo as células de forma organizada no saco embrionário. Nas angiospermas, o arranjo mais comum das células no saco embrioná- rio é o polygonum, estando organizado em 8 células (ou núcleos) femininas que fi- cam organizadas em posições específicas: 3 células antípodas (na parte superior), 2 núcleos polares (no centro) e as 2 células sinérgides e a oosfera (na parte basal do saco embrionário) (Figura 9). 7 FLORAÇÃO A floração, florescimento ou antese é o estádio fenológico relacionado com a abertura da estrutura floral, exposição das peças e liberação do gameta masculino para a recepção e fixação no estigma. A antese é o momento em que ocorre a dispersão dos grãos de pólen e a receptividade do estigma. No contexto da fenologia, a floração é o período com- 18 preendido entre o início da formação dos botões florais até a senescência das flores, que pode ser de um indivíduo, de uma população ou de uma comunidade. Um outro conceito importante está relacionado com a intensidade da flo- ração, importante nas áreas de cultivos agrícolas. Neste sentido, de acordo com a espécie vegetal envolvida, a floração pode ser separada em: Início da floração (abertura dos primeiros botões florais). Plena floração (cerca de 50% das flores abertas). Final da floração (senescência e queda das pétalas e das outras peças florais). O florescimento de muitas espécies de plantas apresenta efeito relaciona- do ao fotoperíodo (comprimento de horas de luz do dia). A luz apresenta efeito também da irradiância (quantidade de fótons) e da composição espectral ou com- primento de onda (qualidade). Esse controle do florescimento deve-se à percepção da luz vermelha e ver- melha distante através dos fitocromos. Em resposta ao fotoperíodo, as plantas podem ser classificadas em (VAZ; SANTOS; ZAIDAN, 2004; TAIZ et al., 2017): • Plantas de dias curtos. • Plantas de dias longos. • Plantas neutras ou indiferentes. As plantas de dias curtos (PDC) são espécies que florescem quando o com- primento da noite excede um período crítico de escuro. Nessas plantas, quando cultivadas sob dias curtos, a interrupção do período de escuro por um breve perí- odo de iluminação (quebra o efeito do escuro) impede o florescimento. As plantas de dias longos (PDL) são espécies que florescem quando o comprimento da noite é mais curto que um determinado período crítico. Nessas plantas, quando cultivadas sob dias curtos, a interrupção do período de escuro por um breve período de iluminação (quebra o efeito do escuro) induz o floresci- mento (Figura 10). As plantas neutras, indiferentes ou autônomas não tem efeito do fotope- ríodo sobrea regulação do florescimento, que é controlado por outras condições (VAZ; SANTOS; ZAIDAN, 2004). TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 19 FIGURA 10 – REGULAÇÃO FOTOPERIÓDICA DO FLORESCIMENTO, EFEITO SOBRE AS PLANTAS (A) E EFEITO DO PERÍODO DE ESCURO (B) FONTE: Taiz et al. (2017, p. 600) UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 20 O florescimento de muitas espécies de plantas também apresenta efeito relacionado à temperatura. Esse processo pelo qual a exposição às condições es- pecíficas de temperatura (frio) torna a planta competente para florescer é conhe- cido como vernalização (do latim, vernus, que significa primavera). A necessidade de vernalização é comum em espécies anuais de inverno, como o trigo, o centeio, a cevada e a aveia (semeadas durante o outono e que florescem na primavera seguinte), e em algumas plantas bianuais (que formam um caule curto em for- ma de roseta, durante a primeira estação (vegetativa) e que florescem na próxi- ma estação), como o rabanete, o aipo e a cenoura. Mesmo após a vernalização, a planta precisa ser submetida ao estímulo do fotoperíodo, geralmente dias longos (ou noites curtas), para estimular a floração. Esse mecanismo possibilita que as plantas não floresçam de forma prematura em resposta à pequenos aumentos de temperatura no outono ou inverno. Diferentemente do efeito fotoperiódico (per- cebido pelos fitocromos das folhas), a percepção da temperatura (vernalização) ocorre nas células do meristema apical (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). 8 POLINIZAÇÃO E BIOLOGIA REPRODUTIVA Como as plantas não apresentam mobilidade, dependem dos vetores bi- óticos (seres vivos) ou abióticos (vento ou água) para promover a polinização, evento fundamental para que ocorra o processo de fertilização e a reprodução se- xuada. Assim, como não podem escolher os parceiros reprodutivos, a reprodução sexuada das plantas depende diretamente da qualidade do pólen que chega ao estigma (OLIVEIRA; MARUYAMA, 2014). Por essa razão, as plantas desenvolve- ram diversas estratégias para influenciar o processo de transporte dos grãos de pólen, a polinização e a fertilização dos óvulos. Assim, a biologia reprodutiva, o sistema sexual, a anatomia da estrutura floral e as demais condições que envol- vem a biologia floral regulam o processo de reprodução sexuada nas diversas espécies de plantas. O número, o arranjo e a forma como os órgãos florais estão apresenta- dos definem o aspecto geral da flor, o que apresenta grande importância para a taxonomia (classificação botânica) e no contexto ecológico, principalmente, com relação aos processos de polinização (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014). No aspecto ecológico, as flores são identificadas como fontes de recursos para os agentes polinizadores. Entre os principais recursos florais coletados pelos agentes de polinização estão (AGOSTINI; LOPES; MACHADO, 2014): • Pólen. • Néctar. • Óleos florais. • Tecidos florais (sépalas, pétalas, anteras e/ou carpelos, podendo ser também o receptáculo). • Resinas, ceras, gomas e fragrâncias ou aromas (recursos florais não nutritivos). TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 21 Além dos recursos florais, as flores e inflorescências podem servir de pro- teção (por exemplo, a inflorescência da figueira que abriga uma espécie de ves- pa), como ambiente de encontro (territorialidade entre beija-flores) ou como local de predação (aranhas, louva-Deus, entre outros), possibilitando a polinização du- rante esses eventos ecológicos. A polinização é o processo de transferência dos grãos de pólen das anteras para o estigma receptivo das flores (PETRI, 2002; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Dessa forma, quando realizada por animais, a polinização é considerada uma interação ecológica mutualista, proporcionando benefícios tanto para a planta (re- produção) quanto para o agente polinizador (recursos florais) (AGOSTINI; LOPES; MACHADO, 2014). O polinizador é o agente responsável por realizar a transferên- cia do pólen das anteras até o estigma no pistilo (PETRI, 2002). Agentes poliniza- dores podem ser o vento, a água ou animais, como estudaremos mais adiante. Para maximizar as condições para a sobrevivência e sucesso reprodutivo, os parceiros de interação necessitam de um equilíbrio entre os custos e os benefícios. Nas flores polinizadas por animais, a anatomia da flor está associada à atração, podendo ser pelo olfato (aromas), pelo aspecto visual (forma, coloração e brilho) e pelos recursos florais disponíveis (pólen, néctar, óleos, tecidos florais ou outros recursos não nutritivos). Nas flores polinizadas pelo vento ou pela água, a estrutura floral deve privilegiar estes agentes de polinização, razão em que mui- tas espécies não apresentam cálice ou corola, ou quando presentes, estão em ta- manho reduzido, permitindo a exposição dos verticilos florais relacionados com a reprodução (estames e carpelos) (TEIXEIRA; MARINHO; PAULINO, 2014). Diversas condições afetam a eficiência e o sucesso do processo de poli- nização, além da valoração e da dependência do serviço de polinização (WO- LOWSKI et al., 2019). Por exemplo, as abelhas africanas (Apis mellifera) não são eficientes na polinização de flores de maracujazeiro, que é efetuada por maman- gavas (Bombus sp., entre outras). Outro exemplo pode ser verificado em relação às flores da macieira e da pereira, que apresentam limitação de recursos florais e menor atratividade em comparação com outras espécies cultivadas e nativas presentes nas áreas de cultivo durante a floração, condição esta que necessita de adequações de manejo das colmeias para promover uma polinização eficiente nos pomares comerciais. UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 22 Entre as condições que afetam a eficiência e o sucesso do processo de po- linização destacam-se (AGOSTINI; LOPES; MACHADO, 2014): • Presença do visitante floral com conformação corporal correta e eficiente para a polinização. • Período e horário de forrageamento (visita floral) compatível com a abertura floral. • Flores com recursos florais atrativos e disponíveis aos visitantes. • Proximidade das plantas e facilidade de acesso aos visitantes. Além dessas condições apresentadas anteriormente, as condições meteoroló- gicas (temperatura, velocidade dos ventos, chuvas, entre outros) e as práticas de ma- nejo dos cultivos (aplicação de agroquímicos, podas, condução das plantas, distribui- ção e compatibilidade de cultivares polinizadoras, entre outras condições) também interferem no sucesso do processo de polinização e na fertilização das flores. 8.1 SISTEMAS DE REPRODUÇÃO Neste contexto da polinização, dois conceitos são importantes: a poliniza- ção cruzada e a autopolinização. A polinização cruzada se refere à transferência do pólen da antera de uma planta para o estigma de uma outra flor podendo ou não ser da mesma planta. A autopolinização refere-se à transferência dos grãos de pólen da antera para o estig- ma de uma mesma flor (VIEIRA; FONSECA, 2014). Em espécies e cultivares que necessitam obrigatoriamente de polinização cruzada, considera-se autopolinização quando o pólen é transferido entre as flores de uma mesma planta (PETRI, 2002). As plantas que apresentam alta frequência de autopolinização são cha- madas de autógamas, sendo que de forma geral, essas espécies apresentam flores pouco atrativas, sem recursos florais, autocompatibilidade ente os grãos de pólen e o estigma, além de pequena disponibilidade de pólen, porém com elevada fru- NOTA Um estudo realizado com 191 espécies de plantas cultivadas e silvestres que apresentam importância alimentar no Brasil, identificou que 91 apresentam dependência de polinizadores para a produção. Essa taxa de dependência vai desde essencial (incremen- to de 90-100% na produção) até com pouca importância (aumento de 0-10% na produção). Porém, cerca de 35% das culturas que dependem de polinização se encontram na condi- ção de necessidade essencial e mais 24% apresentam alta dependência de polinizadores para umaadequada produção (WOLOWSKI et al., 2019). TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 23 tificação e produção de sementes viáveis. Em geral, plantas autógamas possuem flores cleistógamas (cleistogamia), ou seja, flores de tamanho reduzido, que não se abrem antes da polinização, resultando em autopolinização. As plantas autógamas também apresentam vantagens adaptativas como a independência de polinizadores e a manutenção de genótipos altamente adap- tados ao habitat. Porém, como desvantagens estão a pequena variabilidade ge- nética e a menor tolerância às variações nas condições do meio onde vivem. Já as plantas com elevada frequência de polinização cruzada são chamadas de aló- gamas, possuindo características opostas às plantas autógamas. Neste contexto, plantas alógamas apresentam flores casmógamas (casmogamia), ou seja, flores que expõe seus órgãos florais aos polinizadores, estando mais aptas à polinização cruzada (Quadro 2) (VIEIRA; FONSECA, 2014). QUADRO 2 – CARACTERÍSTICAS DE PLANTAS AUTÓGAMAS E DE PLANTAS ALÓGAMAS Características Autógamas Alógamas Compatibilidade Autocompatível Autocompatível ou Autoincompatível Tamanho das flores Pequeno Grande Recursos florais Ausente ou Presente Presente Maturação do androceu e gineceu Simultâneo Simultâneo ou em épocas distintas Sucesso reprodutivo* Elevado Média a baixo Relação pólen/óvulo Baixa Elevada Hábito de crescimento Mais frequente em plantas herbáceas Mais frequente em plantas lenhosas Ciclo de vida da planta Anuais ou de ciclo curto Perenes ou de ciclo longo *Sucesso reprodutivo: refere-se ao número de flores fertilizadas, resultando em frutos ou ao número de óvulos que se tornam sementes. FONTE: Adaptado de Vieira e Fonseca (2014, p. 29) A polinização cruzada ainda pode ser de dois tipos: a geitonogamia e a xenogamia (Figura 11) (VIEIRA; FONSECA, 2014): • Geitonogamia: quando ocorre a polinização entre flores diferentes de uma mesma planta. • Xenogamia: quando a polinização ocorre entre flores de diferentes plantas de uma mesma espécie. UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 24 FIGURA 11 – FORMAS DE POLINIZAÇÃO EM PLANTAS FONTE: Vieira e Fonseca (2014, p. 28) Embora a geitonogamia é uma estratégia de polinização cruzada, os des- cendentes produzidos são geneticamente semelhantes, como ocorre nas plantas autógamas, pois os gametas masculinos e femininos provêm da mesma planta (VIEIRA; FONSECA, 2014). ATENCAO Com relação à forma de polinização, cerca de 62% das angiospermas são aló- gamas, 17% são autógamas, 12% tem polinização mista e aproximadamente 9% são apomí- ticas (KARASAWA, 2009). As plantas podem apresentar quatro tipos básicos de sistemas de reprodução sexuada (EM- BRAPA, 2020): • Predominantemente autógama: com autofecundação acima de 95%. • Predominantemente alógama: com fecundação cruzada acima de 95%. • Sistema misto: com taxas de autofecundação ou de fecundação cruzada entre 10 e 90%. • Parcialmente apomítica: com ocorrência de apomixia em alguma frequência. TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 25 Ainda relacionado com o processo de polinização cruzada nas flores unis- sexuais, este é um evento obrigatório para que ocorra a transferência dos grãos de pólen até o estigma. Já nas flores hermafroditas, a polinização cruzada pode ser favorecida por algumas estratégias reprodutivas que evitam a autopolinização, como a hercogamia, a dicogamia e a autoincompatibilidade, que podem ocorrer de forma isolada ou simultaneamente, dependendo da espécie vegetal (VIEIRA; FONSECA, 2014): • Hercogamia: resultado de uma barreira física, em que o androceu (estames) e o gineceu (pistilo) se encontram posicionados de modo a não possibilitar a polinização espontânea (por exemplo, o estigma se localiza acima das anteras, evitando a queda direta dos grãos de pólen pela gravidade ou pela deposição acidental por polinizadores). • Dicogamia: resulta em uma barreira temporal, em que o androceu (estames) e o gineceu (pistilo) maturam em épocas diferentes. Assim, os estames podem liberar os grãos de pólen antes do estigma estar receptivo (dicogamia protân- drica). Já a dicogamia protogínica é quando o estigma se encontra receptivo antes da maturação das anteras (queda dos grãos de pólen). De modo geral, das formas de dicogamia, a protoginia é uma estratégia mais eficiente para promover a polinização cruzada; • Autoincompatibilidade (incompatibilidade): resulta em uma barreira de ori- gem genética, em que o reconhecimento dos alelos presentes nos grãos de pólen, permite a fecundação apenas daqueles com alelos distintos daqueles identificados no estigma. De maneira geral, o mecanismo de incompatibilida- de podem ser: autoincompatibilidade gametofítica (em que a presença de ale- los iguais é reconhecida no estigma, impedindo a germinação do pólen ou o crescimento do tubo polínico) e a autoincompatibilidade esporofítica (na qual, de forma independente do genótipo haploide do grão de pólen, as reações de incompatibilidade são determinadas por uma relação de dominância expressa com base no genótipo do estigma receptivo). A autoincompatibilidade esporo- fítica apresenta distribuição menos ampla entre as angiospermas, sendo mais frequente em espécies das famílias Asteraceae, Brassicaceae, entre outras. 8.2 SÍNDROMES DE POLINIZAÇÃO De forma distinta dos animais, as plantas são sésseis, fixas ao solo e não se movimentam para possibilitar a reprodução. Assim, na reprodução sexuada, as trocas genéticas entre os gametas são realizadas entre as flores de uma mesma espécie através de agentes polinizadores. Esses polinizadores podem ser agentes bióticos (animais de diversos grupos) ou por agentes abióticos (vento ou água). Os mecanismos relacionados com a biologia reprodutiva e a interação entre as espécies para promover a polinização cruzada são resultado de diversas adap- tações mutualísticas entre as flores e seus agentes polinizadores, estabelecidas durante milhares de anos. UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 26 Síndrome floral ou síndrome de polinização refere-se ao conjunto de atri- butos florais de uma espécie e que estão relacionados com os agentes polinizado- res. Para determinar a síndrome de polinização de uma determinada espécie, é necessário analisar além da estrutura floral, as características anatômicas e mor- fológicas dos agentes polinizadores, bem como seus hábitos e rotinas de compor- tamento (VIEIRA; FONSECA, 2014). Assim, os atributos florais que compõe cada síndrome floral se apresen- tam como um conjunto de adaptações estruturais das flores às particularida- des dos aparelhos sensoriais e das características anatômicas dos polinizadores (RECH; AVILA JUNIOR; SCHLINDWEIN, 2014). Entre os atributos florais mais utilizados para identificar a síndrome de polinização e os possíveis agentes polinizadores estão (VIEIRA; FONSECA, 2014): • Antese: envolve o período desde a abertura das flores até a senescência, possi- bilitando a visitação floral (forrageamento). • Características da flor: envolve a estrutura anatômica e a conformação das pe- ças florais, principalmente a corola, os estames e o pistilo, sendo que, às vezes, até o cálice pode ser importante. • Emissão de cores e aromas (fragrâncias ou odores): esses atributos estão rela- cionados com a localização e a atração dos polinizadores. • Disponibilidade de recursos florais: a quantidade e a qualidade dos recursos florais disponíveis permitem a recompensa para a visitação floral. Entre as características dos polinizadores mais utilizadas para identificar a síndrome de polinização estão (VIEIRA; FONSECA, 2014): • Biologia: hábito de vida e período de atividade (diurna ou noturno, por exemplo), além da capacidade de percepção e de atração por determinados tipos de flores. • Dimensões e estrutura do aparelho bucal: caracteriza o acesso aos recursos florais, bem como a forma de contato com os órgãos reprodutores das plantas (estames e pistilo).• Estrutura corporal e adaptações: relacionado à forma do corpo e a disponibi- lidade de estruturas nas quais os grãos de pólen podem ser transportados e transferidos (pelos, por exemplo). • Comportamento de visita do polinizador: envolve os hábitos alimentares, a busca de recursos florais, bem como os horários e características de atividade (sexo, idade, frequência, entre outros). Entre as principais síndromes de polinização destacam-se a anemofilia, realizada pelo vento. As flores polinizadas pelo vento apresentam coloração e es- truturas sem atratividade aos visitantes florais, sem recursos florais, geralmente inodoras, com estigmas grandes e expostos, além de ramificados, estames gran- des e expostos, com grande produção de pólen com pequena dimensão (RECH; AVILA JUNIOR; SCHLINDWEIN, 2014). TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 27 No caso de síndromes de polinização efetuadas por animais (zoofilia) des- tacam-se aquelas realizada por abelhas (melitofilia) e por pássaros (ornitofilia). Ve- rifique no Quadro 3, as diversas síndromes relacionadas com a polinização realiza- da por agentes bióticos (animais de diversos grupos) (VIEIRA; FONSECA, 2014). QUADRO 3 – POLINIZADORES, CARACTERÍSTICAS FLORAIS E SÍNDROMES DE POLINIZAÇÃO POLINIZADOR CARACTERÍSTICAS FLORAIS SÍNDRO- ME Grupo Atividade Antese Corola e outras peças florais Cor Odor Recurso floral Nome Besouro Diurno ou noturno Diurna ou noturna Actinomorfa, com os órgãos sexuais expostos ou flores com câmara de polinização Pálida, incluindo esverdeada, branca e creme Suave ou forte à noite Partes florais, incluindo corola e estames Cantarofilia Mosca Diurno Diurna Actinomorfa, aberta e com os órgãos sexuais expostos ou flores armadilhas Pálida, incluindo purpúrea Suave ou forte (pútrido) Néctar e pólen Miofilia / Sapromiio- filia Abelha Diurno Diurna Actinomorfa e aberta ou zigomorfa, tubulosa e com plataforma de pouso Viva, incluindo amarela, azul e lilás (nunca vermelha) Suave Néctar, pólen, óleo, resina ou substâncias odoríferas Melitofilia Borboleta Diurno Diurna Actinomorfa, corola longa tubulosa e na posição ereta Viva, incluindo vermelha Suave Néctar Psicofilia Mariposa Noturno Noturna Actinomorfa, tubulosa (tubo muito longo) e na posição horizontal ou pendente, ou ainda flores longo- calcaradas Pálida, incluindo branca e branco esverdeada Forte (adocicado) Néctar Esfingofilia / Falenofilia Beija- flores e outras aves Diurno Diurna Principalmente actinomorfa, tubulosa e na posição horizontal ou pendente Viva, incluindo vermelha associada à amarela Ausente Néctar Ornitofilia Morcego Noturno Noturna Actinomorfa ou zigomorfa, flor grande, resistente, posicionada fora da folhagem Pálida, prin- cipalmente branca Forte (fruto em decomposi- ção) Néctar Quiropte- rofilia Outros mamíferos (marsu- pial, rato e macaco) Diurno ou noturno Diurna ou noturna Flor grande e resistente Variada Variado Néctar, pólen ou partes florais - FONTE: Adaptado de Vieira e Fonseca (2014) UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 28 9 CICLO DE VIDA DAS PLANTAS Assim, como todos os seres vivos, as plantas passam por distintas fases ao longo de sua vida. Essas fases envolvem uma etapa inicial (germinação), uma fase de crescimento vegetativo (período juvenil), uma fase de maturidade (etapa adulta ou reprodutiva), uma fase de senescência ou envelhecimento e a morte. Acadêmico, esses conhecimentos são importantes tanto para o manejo de cultu- ras agrícolas de interesse, quanto para a realização de práticas de controle eficien- tes de plantas daninhas (espécies invasoras ou indesejáveis). De acordo com o ciclo de vida as plantas podem ser classificadas em três categorias (HARTMANN et al., 2002; VAZ; SANTOS; ZAIDAN, 2004): • Anuais. • Bianuais. • Perenes. As plantas anuais são aquelas que completam seu ciclo de vida, desde a germinação até a morte dentro do período de um ano ou de uma estação (HART- MANN et al., 2002). De forma geral, as plantas anuais possuem estrutura herbá- cea. Como exemplos estão muitas culturas de grãos, como arroz, feijão, milho, soja, trigo, entre outras. As plantas bianuais são plantas que se desenvolvem em um período de tempo maior, requerendo duas estações ou anos para completar o ciclo. Na pri- meira estação, a estrutura vegetativa é formada, sendo que a fase reprodutiva (formação das flores, frutos e ou sementes) se estabelece durante a segunda es- tação e após ocorre a morte (HARTMANN et al., 2002). De maneira geral, essas plantas se apresentam de forma herbácea ou ainda semi-lenhosa. As plantas perenes possuem um ciclo de vida acima de dois anos, repe- tindo o ciclo vegetativo-reprodutivo anualmente. Dessa forma, nestas plantas, verificam-se estruturas que se encontram em fase vegetativa e outras em fase re- produtiva na mesma estação de crescimento. Muitas destas espécies apresentam ciclos regulados por condições climáticas como as baixas temperaturas (espécies de clima temperado) ou como a disponibilidade hídrica (espécies de clima tropi- cal que possuem estação de seca bem definida) (HARTMANN et al., 2002). Como exemplos de culturas agrícolas perenes estão: abacate, banana, caju, cacau, café, laranja, mamão, manga, maçã, entre outras. As plantas perenes também podem ser classificadas de acordo com a es- trutura vegetativa, podendo ser desde herbáceas até lenhosas. As plantas perenes herbáceas produzem brotações que crescem durante a estação favorável (período quente e/ou chuvoso) e entram em senescência durante o inverno ou período de seca. Essas plantas não morrem completamente, permanecendo vivas durante as condições adversas de clima (frio ou seca) através de estruturas especializadas, como raízes e caules, geralmente subterrâneas (bulbos, cormos, rizomas, tubér- TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 29 culos, entre outros). Essas plantas, de modo geral, apresentam porte pequeno. As plantas perenes lenhosas se desenvolvem a partir de ramos e brotações que se en- contram de forma permanente acima do solo. Esses ramos e caules possuem gemas vegetativas que possibilitam o crescimento apical e lateral, intercalados com perí- odos de redução de crescimento ou de dormência (queda total das folhas). De for- ma geral, plantas lenhosas apresentam porte arbustivo e arbóreo, podendo atingir grandes dimensões em tamanho (altura ou diâmetro) (HARTMANN et al., 2002). 9.1 FASES DO CICLO DE VIDA DAS PLANTAS A plantas desenvolvidas a partir de sementes seguem uma sequência de quatro fases de vida até a morte (Figura 12 - A) (HARTMANN et al., 2002): • Embrionária. • Juvenil. • Transitória. • Adulta. Nas plantas obtidas a partir de propagação vegetativa (natural ou artifi- cial), verifica-se apenas a fase juvenil e adulta, destacando-se uma etapa vegeta- tiva de formação da estrutura da planta e a etapa reprodutiva, nas quais ocorre a formação das flores, frutos e ou sementes (Figura 12B). FIGURA 12 – FASES DA VIDA EM PLANTAS PROPAGADAS DE FORMA SEXUAL (SEMENTES) (A) E DE FORMA VEGETATIVA (B) FONTE: Adaptado de Hartmann et al. (2002) UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 30 A fase embrionária inicia a partir do desenvolvimento do zigoto. Essa fase passa por diversas etapas de desenvolvimento, envolvendo a divisão celular (crescimento em tamanho), a orientação polar (definição da estrutura da planta) e a formação do embrião (variando de acordo com os grupos de plantas: gimnos- permas, monocotiledôneas e dicotiledôneas), concluindo com a semente apta à germinação (HARTMANN et al., 2002). A fase juvenil (juvenilidade) envolve grandes alterações da estrutura do embrião, com crescimento polarizado da planta (entre os eixos de caules e de raízes em direções opostas). A divisão celular se concentra nos meristemas, en- quanto há uma grande expansão em volume. Novos ramos e folhas são continu- amente formados, assim como raízeslaterais (HARTMANN et al., 2002). A fase juvenil pode durar de poucos dias ou semanas (plantas anuais) até vários anos (plantas perenes lenhosas) (Quadro 4). Na fase juvenil, a planta não responde aos estímulos capazes de induzir a floração (indução e diferenciação floral) em uma planta adulta (Figura 13). INTERESSA NTE O zigoto é a célula ovo, formada pela união do gameta feminino e do gameta masculino. Essa expressão vem do termo grego zygōtos, que significa “juntos”. IMPORTANT E No contexto agronômico, a compreensão do ciclo de vida das plantas pode ser importante, além de ser alterado de acordo com o método de propagação utilizado. Assim, as plantas obtidas através de propagação sexuada (sementes) ou de forma assexua- da (propagação vegetativa ou clonal – apomixia) podem apresentar alterações importantes no ciclo de vida, no início da fase reprodutiva e no período economicamente produtivo. TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 31 QUADRO 4 – IDADE DO INÍCIO DA FASE REPRODUTIVA EM ALGUMAS PLANTAS ESPÉCIE OU GRUPO DE PLANTAS COMPRIMENTO DA FASE JUVENIL Rosa (Rosa spp.) 20-30 dias Arroz (Orysa sativa) 45-60 dias Milho (Zea mays) 5-6 semanas Videira (Vitis spp.) 1-4 anos Frutas de caroço – pêssego e ameixa (Prunus spp.) 2-8 anos Macieira (Malus spp.) 4-8 anos Mangueira (Mangifera indica) 5-6 anos Frutas cítricas – laranja, limão, tangerina (Citrus spp.) 5-8 anos Sequóia (Sequoia sempervirens) 5-10 anos Pereira (Pyrus spp.) 6-10 anos Castanha do Brasil ou do Pará (Bertholletia excelsa) 8-12 anos Jabuticaba (Plinia spp.) Até 14 anos Araucária ou Pinheiro brasileiro (Araucaria angustifolia) Até 15 anos Carvalho (Quercus robur) 25-30 anos FONTE: Adaptado de Hartmann et al. (2002) e VAZ; SANTOS; ZAIDAN (2004) A fase transitória é um período entre o final da fase juvenil e o início da fase adulta (reprodutiva). De modo geral, há uma redução no crescimento vege- tativo e a planta se torna sensível à estímulos (sinais internos ou externos) que in- duzem a formação de estruturas reprodutivas (flores) (Figura 13) (HARTMANN et al., 2002). A fase adulta (ou de maturidade) marca um período quando os meris- temas têm o potencial de formar estruturas reprodutivas, possibilitando que as plantas possam produzir flores, frutos e sementes, eventos essenciais à repro- dução sexuada. Em plantas perenes, especialmente nas espécies arbustivas e ar- bóreas, a expressão de diferentes fases (juvenil e adulta) pode ser observada em diferentes partes na mesma planta (Figura 13) (HARTMANN et al., 2002). Algu- mas características de desenvolvimento e na estrutura morfológica da planta se alteram entre a fase juvenil e a fase adulta, sendo que essas variações se diferen- ciam de acordo com o ciclo de vida (anuais, bianuais ou perenes) e de acordo com a espécie envolvida. Entre essas características destacam-se (HARTMANN et al., 2002): • Tempo de florescimento: períodos desde poucos dias para plantas anuais até vários anos para plantas perenes (Quadro 4). • Estrutura das folhas e de outras partes da planta: muitas espécies de plantas possuem formato e tamanho diferenciados de folhas entre essas fases. Outro exemplo envolve as plantas cítricas (laranjas, limões e tangerinas), algumas rosáceas (macieira e pereira), entre outras. Essas espécies podem apresentar grande quantidade de espinhos nos ramos durante a fase juvenil de plantas obtidas por sementes, com tendência a diminuir e até desaparecer durante a fase reprodutiva. UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 32 • Potencial de regeneração: cada fase apresenta diferenças na capacidade rege- nerativa. Por exemplo a propagação vegetativa tem maior possibilidade de en- raizamento quando realizada em estruturas juvenis do que quando obtida de partes da planta em fase adulta. FIGURA 13 – FASE JUVENIL, DE TRANSIÇÃO E ADULTA EM PLANTAS FONTE: Adaptado de Hartmann et al. (2002) e <https://irrecenvhort.ifas.ufl.edu/plant-prop-glos- sary/03-genetic-selection/17-genetic-phasechange.html>. Acesso em: 25 maio 2020. Com relação ao ciclo de vida de plantas clonais, dependendo do tipo de estrutura reprodutiva (gema, bulbo, cormo, rizoma, tubérculo, entre outros) e da forma de propagação vegetativa utilizada (natural ou artificial), as plantas obti- das podem expressar diferenças nas fases do ciclo de vida de uma planta obtida a partir de sementes (Figura 12B). O ciclo de vida de plantas apomíticas envolve as mesmas quatro fases de uma planta obtida a partir de propagação sexuada, dife- rindo apenas que é um clone, resultado de divisões mitóticas e de forma assexual (HARTMANN et al., 2002). TÓPICO 1 —BIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DE PLANTAS 33 ESTUDOS FU TUROS A apomixia é uma forma natural de reprodução de algumas plantas. O termo tem origem grega (apo, “longe”; e mixis, “mistura”) e significa “sem mistura”, sendo um con- ceito sinônimo do termo “agamospermia” que é a formação de sementes sem a fecundação. Nessas plantas, a formação do embrião da semente não resulta da união dos gametas feminino e masculino (como na reprodução sexuada), mas sim do desenvolvimento de células vegetativas (diploides) de tecidos da estrutura reprodutiva, sem a divisão meiótica (meiose). Assim, as plantas formadas são essencialmente um clone da planta mãe, forma- das de forma assexual. 34 Neste tópico, você aprendeu que: • A estrutura da flor completa que apresenta quatro partes, compostas de sépalas, pétalas, estames e carpelos e as funções reprodutivas. • O androceu que corresponde à estrutura masculina da flor, sendo o verticilo floral constituído pelo conjunto de estames. • O gineceu que corresponde à parte feminina da flor, sendo constituído pelo carpelo, e que o pistilo é a unidade do gineceu, formado por um ou mais carpelos, contendo o ovário, o estilete e o estigma. • As flores que podem ser perfeitas, unissexuais ou estéreis, além das diversas combinações de sistemas sexuais de plantas. • As plantas monoicas que apresentam flores unissexuais masculinas e femininas no mesmo indivíduo. • As plantas dioicas que apresentam flores unissexuais masculinas e femininas em indivíduos diferentes. • O processo de desenvolvimento e formação da estrutura floral e da formação dos gametas masculinos (grãos de pólen) e femininos (óvulos). • A floração, que é o estádio fenológico relacionado com a abertura da estrutura floral, com a exposição das peças florais para polinização. • A polinização, que é o processo de transferência dos grãos de pólen das anteras para o estigma receptivo das flores. • O ciclo de vida as plantas, que podem ser classificadas em espécies anuais, bianuais e perenes. • A importância das fases do ciclo de vida das plantas sobre a reprodução vegetal. RESUMO DO TÓPICO 1 35 1 Os conhecimentos sobre a estrutura floral auxiliam na compreensão do me- canismo de polinização e dispersão das plantas. Nesse sentido, os quatro verticilos ou peças florais são caracterizados e funcionalmente organizados. Com relação aos verticilos florais, analise as alternativas: I- O cálice compreende o conjunto de sépalas, com função principal de proteger as outras estruturas florais. II- A corola representa o conjunto de pétalas, sendo um verticilo com função atrativa, muitas vezes colorida e com formatos chamativos. III- O androceu representa a parte feminina da flor, sendo formado pelo conjunto dos estames, em que as anteras são as estruturas em que são produzidos os grãos de pólen. IV- O gineceu corresponde a estrutura masculina da flor, representado pelo pis- tilo, que contém o estilete e estigma, além do ovário, onde estão os óvulos. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. b) ( ) As afirmativas II e III estão corretas. c) ( ) As afirmativas I e II estão corretas. d) ( ) As afirmativas III e IV estão corretas. 2 O processo de desenvolvimento e formação floralenvolve diversas altera- ções fisiológicas e anatômicas, possibilitando a modificação do meristema vegetativo para uma condição de meristema reprodutivo. Nesse contexto, analise as asserções e a relação entre elas: I- A chamada transição floral envolve diversas etapas, que se desenvolvem em uma sequência ordenada e bem controlada, resultando em uma drástica mudança no ciclo de vida das plantas. PORQUE II- As etapas da formação floral ocorrem na seguinte ordem: a indução floral, a evocação floral, o desenvolvimento das estruturas ou verticilos e final- mente a abertura das flores (floração). a) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I. b) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I. c) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. d) ( ) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. AUTOATIVIDADE 36 37 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 1 INTRODUÇÃO Neste segundo tópico, serão discutidas as características que estão associadas com as formas de propagação de plantas. A propagação sexuada e a propagação assexuada envolvem diversas condições e mecanismos, com implicações biológicas e agronômicas. Nesse contexto, os conhecimentos sobre esse tema buscam possibilitar a compreensão das limitações e as oportunidades de cada uma destas formas. Espera-se que você possa identificar as adaptações anatômicas e fisiológi- cas que possibilitam as diferentes formas de reprodução das plantas. Pretende- -se que as informações disponibilizadas sirvam de estímulo para despertar sua curiosidade sobre as aplicações práticas e a adoção das diversas técnicas de pro- dução de sementes e mudas. Assim, desejamos bons estudos. 2 PROPAGAÇÃO SEXUADA Após a polinização, os grãos de pólen germinam e fertilizam as células do óvulo, constituindo a primeira etapa da obtenção de uma nova planta a partir da propagação sexuada. A multiplicação através de sementes é o método de repro- dução mais utilizado pelas plantas. A propagação sexuada envolve a formação de sementes, sendo que uma semente resulta de um óvulo maduro, contendo um embrião que usualmente foi desenvolvido a partir da fertilização sexual (HART- MANN et al., 2002). 2.1 SEMENTE, FRUTO, DIÁSPORO E PROPÁGULO O conceito clássico de semente refere-se ao resultado a fertilização do óvulo maduro contendo um embrião. Assim, uma semente corresponde como uma unidade de reprodução sexual das plantas (HARTMANN et al., 2002). Se- gundo uma definição organizada a partir da visão do desenvolvimento estrutu- ral, a semente é o último estágio de um rudimento seminal (óvulo) fecundado e plenamente desenvolvido (AQÜILA, 2004). Essa autora descreve que essa defi- nição muitas vezes não satisfaz o contexto funcional, pois o termo “semente” é utilizado para outras estruturas como frutos secos (por exemplo o grão de milho) ou mesmo para outras partes de frutos e até de flores. Uma semente é basica- mente composta por um embrião, tecidos de reserva ou nutritivos (carboidratos, lipídeos, proteínas, entre outros compostos químicos) e uma camada de proteção ou tegumento (HARTMANN et al., 2002; MAPA, 2009). 38 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL Frutos são formados a partir do desenvolvimento dos carpelos que con- tém óvulos e/ou de outras partes adjacentes do eixo floral (IUCHI, 2002). O con- ceito clássico de fruto descreve que corresponde ao ovário ou um grupo de ová- rios desenvolvidos, que contém as sementes, com quaisquer partes adjacentes ou acessórias que possam estar fundidas a eles na maturidade (MAPA, 2009; RA- VEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Porém, essa definição também pode ser ques- tionável, já que há frutos que se desenvolvem sem a necessidade de polinização, sem o processo de fertilização ou mesmo sem o desenvolvimento das sementes, como no caso dos frutos partenocárpicos (HARTMANN et al., 2002). Por essa razão, uma sugestão de utilização do termo diásporo é feita quando a estrutura a que se refere não for uma semente, mas que abriguem um embrião (AQÜILA, 2004). A expressão “fruta”, refere-se à descrição de forma genérica de qualquer fruto comestível (MAPA, 2009), sendo mais utilizada popularmente para desig- nar diversos frutos carnosos (pêssego), múltiplos (figo, amora), compostos (aba- caxi) e pseudofrutos (maçã, morango, caju). Diásporos são unidades orgânicas destinadas à propagação das plantas supe- riores e que consistem essencialmente no embrião, acompanhado de estruturas aces- sórias (AQÜILA, 2004). Conforme Mapa (2009), diásporos ou unidades de dispersão são estruturas com a finalidade de disseminar e dispersar as espécies de plantas, po- dendo ser uma semente botânica (semente verdadeira) ou frutos (cariopse – milho, entre outros), podendo serem ou não acompanhadas de estruturas acessórias. Assim, o termo diásporo, comum em publicações técnicas e científicas, é utilizado sempre que se tratar de uma estrutura destinada à propagação de plantas, que contenha um embrião, mas que não se caracterize como uma semente verdadeira. Destaca-se que diásporo não deve ser confundido com propágulo, que desig- na uma estrutura destinada a propagar ou multiplicar vegetativamente uma planta, portanto uma unidade de propagação assexuada (AQÜILA, 2004; MAPA, 2009). 2.2 FERTILIZAÇÃO E FORMAÇÃO DE SEMENTES E DE FRUTOS O processo de fertilização sexual envolve a união dos gametas, resultando na formação da semente. Nas plantas, esse é um processo complexo, principal- mente pelo arranjo das células no saco embrionário, sendo o polygonum a for- ma mais comum (ocorrendo em 2/3 das plantas com flores) (HARTMANN et al., 2002). No polygonum, o óvulo está organizado em 8 células (núcleos) femininas que ficam dispostas em posições específicas: 3 células antípodas (na parte supe- rior), 2 núcleos polares (no centro) e as 2 células sinérgides e a oosfera (na parte basal do saco embrionário) (Figura 14). FIGURA 14 – EVENTOS DESDE A POLINIZAÇÃO ATÉ A FERTILIZAÇÃO TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 39 FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/2Ss4u3Y>. Acesso em: 3 jun. 2020. A fertilização em plantas (angiospermas) envolve dois processos de união de núcleos, sendo conhecida como dupla fertilização. Assim, a dupla fertilização resulta de dois eventos (HARTMANN et al., 2002; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014): • Fertilização da célula ovo (zigoto ou embrião). • Fertilização da estrutura que fornecerá os nutrientes para o desenvolvimento inicial do embrião (endosperma). A Figura 14 representa a sequência de eventos desde a polinização até a fertilização ou fecundação, envolve quatro etapas: polinização, acoplamento, cópula e a fecundação ou singamia (COCUCCI; MARIAH, 2004). Após a liberação dos grãos de pólen pelas anteras, a polinização (trans- ferência do pólen da antera para o estigma) ocorre. Os grãos de pólen se aderem no estigma (parte apical do pistilo) receptivo, ocorre a hidratação e em seguida inicia o desenvolvimento do tubo polínico com a germinação do grão de pólen (acoplamento). O grão de pólen possui duas células: a célula do tubo e a célula generativa. O núcleo da célula do tubo conduz a formação do tubo polínico que cresce ao longo do estilete até atingir o saco embrionário. A célula generativa se divide em dois núcleos espermáticos e acompanham a formação do tubo polínico até o ovário. No saco embrionário, o tubo polínico entra pela micrópila (abertura natural), liberando os dois núcleos espermáticos ou núcleos generativos (cópula). A partir desse momento ocorre o rompimento do tubo polínico, com a liberação dos núcleos espermáticos pela fusão dos citoplasmas das células do saco embrio- nário (fecundação ou singamia). A primeira fertilização ocorre entre um núcleo espermático (n) se une com a célula ovo (oosfera) (n), formando o zigoto (2n). A 40 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃOVEGETAL segunda fertilização envolve a fusão do outro núcleo espermático (n) com os dois núcleos polares, formando o endosperma (3n). A formação de uma célula 3n fa- vorece diversos eventos fisiológicos e bioquímicos de acumulação de compostos nutritivos, possibilitando assim a organização de uma estrutura de reservas para o desenvolvimento inicial do embrião e a formação da plântula após a germina- ção da semente (HARTMANN et al., 2002; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014; TAIZ et al., 2017). ATENCAO A fecundação ou singamia é o processo no qual duas células haploides (n) se fundem e formam um zigoto diploide (2n), gerando um novo indivíduo. A formação dos frutos acompanha os processos de desenvolvimento das sementes. O processo de polinização e de fertilização dos óvulos resulta no estí- mulo para a formação dos frutos. Esses eventos são conhecidos pelo termo fruti- ficação ou fixação dos frutos (fruit set, em inglês). O fruto corresponde ao ovário ou um grupo de ovários desenvolvidos, que contém as sementes, podendo con- ter ainda partes adjacentes na maturidade (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). No contexto ecológico, o fruto também participa do evento de reprodução das plantas, já que funciona como uma estrutura de proteção da(s) semente(s). Além disso, os frutos de muitas espécies contribuem com o processo de dispersão, ao adquirirem coloração e aromas atrativos para animais, possibilitando a distribui- ção das sementes à longas distâncias da planta mãe. IMPORTANT E Assim, como as síndromes de polinização, as formas de dispersão dos frutos e sementes também resultam de características específicas das plantas e das formas de atração de agentes dispersores. A dispersão pode ser da própria planta (autocoria) ou por agentes. Esses agentes dispersores podem ser a água (hidrocoria), o vento (anemocoria) e animais (zoocoria). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 41 QUADRO 5 – CARACTERÍSTICAS E SÍNDROMES DE DISPERSÃO DE FRUTOS Dispersor Características dos frutos Síndrome Vento Frutos são secos e deiscentes, com sementes pequenas e leves, normalmente apresentando estruturas aerodinâmicas que auxiliam o voo, sendo, por isso, conhecidas como sementes aladas. Algumas plantas anemocóricas perdem todas as folhas no período de dispersão. Anemocoria Mecânica (Auto dispersão) Dispersão por mecanismos da própria planta, que lança suas sementes pelas redondezas por algum mecanismo particular ou simplesmente libera as sementes diretamente no solo. Autocoria/ Barocoria Água Frutos com boa capacidade de flutuação e durabilidade no meio aquático. Ocorre em plantas de locais alagados ou próximos de cursos de água ou do mar. Podem ser transportados submersos (correnteza de rios) ou flutuantes (como o coco – Cocus nucifera, que possui exocarpo liso, mesocarpo fibroso para facilitar a flutuação e endocarpo duro para a proteção do embrião e manutenção do endosperma líquido para a provisão nutritiva). Hidrocoria Peixes Em florestas inundáveis ou em áreas alagáveis, próximas à cursos de água, é também comum a ocorrência da dispersão por peixes. Ictiocoria Répteis Frutos com cores laranja e vermelha, e aromáticos, de espécies próximas a áreas alagadas (rios e mangues). Saurocoria Animais ungulados Envolve a dispersão pelo processo de ruminação ou por transporte para outro local por animais ungulados (mamíferos com casco nas patas). Artiodactilo- coria Morcegos Morcegos frugívoros (que se alimentam de frutos) desempenham importante papel na dispersão de várias plantas. São considerados bons dispersores de sementes devido à habilidade de transportar frutos a longas distâncias. Atuam como dispersores de plantas dos estágios primários e secundários da sucessão. Chiroptero- coria Aves Está relacionada com a ausência de odor forte e a presença marcante de coloração nos frutos maduros, uma vez que a visão é o principal sentido das aves. Frutos vermelhos e roxos são preferidos pelas aves, que entretanto podem vir a consumir frutos amarelos ou até mesmo verdes. Ornitocoria Macacos Frutos carnosos, doces e aromáticos. Primatocoria Formigas Frutos com estrutura macia e contendo lipídeos Mirmecoria FONTE: Adaptado de <https://www.cnpf.embrapa.br/pesquisa/efb/biolo.htm>. Acesso em: 3 jan. 2020. Os frutos podem ser classificados em diversos tipos e de diferentes formas (Figura 15). Eles são agrupados de acordo com a origem do ovário como: simples, originado de um ovário de uma flor, sendo formado por um ou mais carpelos (feijão, arroz, tomate, melancia, uva, laranja, entre outros); compostos, formado por um ou mais ovários de uma inflorescência que desenvolvem-se de forma próxima em uma infrutescência, aos quais podem se associar outras estruturas acessórias (abacaxi) e múltiplos ou agregados, formado por um gineceu com vá- rios ovários, que se agrupam em uma infrutescência, resultando em frutos apo- cárpicos com receptáculo desenvolvido (framboesa, amora, figo, morango, jaca, anonáceas) (MAPA, 2009). Os frutos simples podem ser classificados de acordo com a estrutura como: secos (feijão, arroz, milho) e carnosos, que apresentam estrutura suculenta (tomate, manga, abóbora). 42 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL FIGURA 15 – TIPOS DE FRUTOS SECOS E CARNOSOS FONTE: <https://bit.ly/33xQKeD>. Acesso em: 7 jan. 2020. Os frutos simples secos podem ser classificados de acordo com a abertura e liberação das sementes como: deiscentes e indeiscentes. Os frutos simples se- cos deiscentes liberam as sementes quando maduros: sendo dos seguintes tipos: folículo (magnólia); legume ou vagem (feijão, ervilha e soja), cápsula (papoula e lírio), síliqua (ipê, agrião e couve) e lomento (carrapicho). Os frutos simples secos indeiscentes não se abrem na maturidade, como: cariopse ou grão (milho e arroz), sâmara (tipuana e cabreúva), aquênio (girassol e margarida), craspédio (legumi- nosas da família Mimosoideae), bolota ou noz (noz moscada, castanha do Pará e noz Pecã) e esquizocarpo (mamona e cenoura) (MAPA, 2009). Os frutos carnosos podem ser classificados de acordo com a estrutura como: baga (uva e tomate), hesperídio (laranja e frutas cítricas), pepônio (melan- cia, abóbora e pepino), drupa (azeitona, pêssego, ameixa, manga e coco). Outros tipos de frutos carnosos, originários de partes acessórias são: pomo, formado pela estrutura que envolve os carpelos com ovário ínfero (maçã e pêra); sicônio, formado por inflorescência ou infrutescência com receptáculo carnudo (figo); sorose ou sincarpo, formado por dezenas de pseudofrutos indi- TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 43 viduais unidos a um eixo central que é a extensão do pedúnculo (abacaxi, jaca, anonáceas); pseudofruto, formado pelo desenvolvimento do receptáculo ou do pedúnculo (caju), ou também do hipanto (rosa). Como estudamos até aqui, para muitas espécies a polinização e a fecun- dação são os estímulos para o desenvolvimento dos frutos, em que a formação das sementes influencia diretamente esse processo. Assim, o número de sementes afeta diretamente o tamanho, a forma e peso dos frutos, como exemplificado no caso da maçã (Figura 16). FIGURA 16 – POLINIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO DO FRUTO E FORMATOS DA MAÇÃ FONTE: Adaptado de Viana et al. (2015) e Bultitude (1983) Todavia, em diversas espécies, o desenvolvimento de frutos ocorre sem a formação de sementes, sendo esse processo natural chamado de partenocar- pia. A formação de frutos partenocárpicos pode ser de duas formas: vegetativa e estimulativa. A partenocarpia vegetativa resulta do desenvolvimento de frutos sem que ocorra a polinização. Exemplos desse mecanismo são: banana, pêra, figo, entre outros. A partenocarpia estimulativa é o processo, em que, após a polini- zação, não ocorre a fertilização do óvulo ou as sementes não são formadas (pois os embriões são abortados),embora o desenvolvimento dos frutos continue nor- malmente. Como exemplo estão as cultivares de uva sem sementes, tecnicamente chamadas de apirênicas, na qual observa-se apenas sementes rudimentares. Ou- tras espécies em que ocorre partenocarpia são tomate e algumas cucurbitáceas (HARTMANN et al., 2002). 44 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 2.2.1 Estágios de desenvolvimento da semente A formação das sementes inicia após a dupla fertilização (zigoto e en- dosperma), seguindo três estágios de desenvolvimento, também chamados de estágios da embriogênese zigótica (HARTMANN et al., 2002): • Histodiferenciação. • Expansão celular. • Maturação e secagem. ATENCAO A embriogênese zigótica refere-se aos processos de desenvolvimento e for- mação do embrião resultado do processo de fertilização dos gametas, sendo uma etapa importante da propagação sexuada das plantas com flores. A embriogênese somática é um processo artificial, que demonstra a totipotência das células vegetais, ou seja, a capacidade de uma única célula regenerar um novo organismo. Assim, a partir de estímulos (hormonais e do meio), ocorre a ativação de células normais da planta (2n) que seguem uma sequência de formação idêntica àquela dos embriões zigóticos. Des- sa forma, um novo organismo é formado a partir de células simples do corpo de uma planta e não pela fusão de gametas, como ocorre na propagação sexuada. A histodiferenciação é a etapa de formação da estrutura do embrião e do endosperma. Esse estágio de desenvolvimento das sementes apresenta variações de acordo com os grupos de plantas: gimnospermas, monocotiledôneas e dico- tiledôneas. De forma geral, envolve processos de divisão celular acelerada e a embriogênese (estruturação do embrião). Nas dicotiledôneas, a sequência de formação envolve a formação do pro- embrião, do embrião globular, cordiforme (coração), torpedo e cotiledonar (em- brião maduro). Nas monocotiledôneas, a sequência de formação do embrião en- volve: proembrião, globular, escutelar e estágio de coleóptile (embrião maduro com um único cotilédone modificado) (Figura 17). Nas gimnospermas, a sequên- cia envolve a formação dos núcleos livres, da camada do suspensor, proembrião e estágio cotiledonar (HARTMANN et al., 2002). A expansão celular envolve o estágio de rápido aumento em tamanho e volume, resultando no acúmulo de reservas (carboidratos, lipídeos, proteínas, entre outros) nos órgãos de reserva (cotilédones, entre outras estruturas). A maturação e secagem é o estágio final de desenvolvimento da semente, em que as sementes adquirem habilidade de germinar e passam por uma rápi- da perda de água, mas ainda mantendo viabilidade e vigor para a germinação. TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 45 Nesse estágio, a semente atinge o peso seco máximo e está fisiologicamente ma- dura. A dessecação é um processo fisiológico que tem uma implicação ecológica para as plantas, principalmente para muitas espécies anuais e de porte rasteiro, pois possibilitam a sobrevivência e o controle do processo de germinação após um período de tempo. Essa situação pode ser exemplificada pela viabilidade de algumas espécies de plantas invasoras ou daninhas mesmo após vários anos de permanência das sementes no solo, formando um banco de sementes. Sob baixos teores de água, a atividade metabólica é reduzidíssima, man- tendo assim o embrião durante um determinado período de tempo (CASTRO; HILHORST, 2004). IMPORTANT E Sementes que germinam prematuramente, ainda dentro dos frutos ou durante a secagem, são chamadas de vivíparas. Em condições de cultivos agrícolas, esse fenôme- no pode ocasionar perdas e descarte de grãos e frutos, por não apresentar importância comercial. Como exemplo, em plantas cítricas observa-se que algumas sementes podem iniciar a germinação ainda no interior frutos. 46 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL FIGURA 17 – ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DAS SEMENTES DE DICOTILEDÔNEAS E DE MONOCOTILEDÔNEAS (DETALHE) FONTE: Adaptado de Taiz et al. (2017, p. 639; 644; 645) TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 47 2.3 TIPOS DE SEMENTES As sementes podem ser classificadas de diversas formas, como de acordo com a formação e ao desenvolvimento do embrião, de acordo com a capacidade de dessecação (teor de umidade), quanto à sensibilidade à luz, quanto à dormên- cia, quanto ao estágio de sucessão, entre outras. 2.3.1 Quanto à formação e ao desenvolvimento do embrião (embriogênese) As sementes em geral apresentam a formação de um embrião para cada óvulo fertilizado por um grão de pólen. Esse processo de organização e desen- volvimento do embrião após a dupla fertilização é chamado de embriogênese (HARTMANN et al., 2002). Porém, as plantas apresentam variações em funções de adaptações e me- canismos fisiológicos e ecológicos. Desta forma, de acordo com o desenvolvimen- to do embrião, as sementes podem ser (HARTMANN et al., 2002): • Sementes contendo um embrião (um único embrião zigótico por óvulo). • Sementes apomíticas. • Sementes com poliembrionia. As sementes contendo um embrião se desenvolvem normalmente (em- briogênese zigótica) a partir da dupla fecundação, resultando em um embrião (2n) e o endosperma (3n), como descrito no item fertilização e formação de se- mentes (Figura 14 e Figura 17). A apomixia é o processo de formação de embriões sem ser através do pro- cesso normal de meiose e fertilização. Assim, a produção de sementes apomíticas resulta de um processo assexual de reprodução, em que o genótipo do embrião resultante é igual ao da planta mãe (HARTMANN et al., 2002). A apomixia também tem sido utilizada como sinônimo de agamospermia, ou seja, a formação de sementes sem a ocorrência de fecundação. Esse é um processo natural, identificado em 1841, porém, melhor compre- endido a partir de 1940, considerado como uma desregulação em diferentes está- gios do processo de desenvolvimento sexual, resultando na formação de uma pro- gênie clonal através de sementes (DALL’AGNOL; SCHIFINO-WITTMANN, 2005). Esse mecanismo de reprodução ocorre em mais de 300 espécies, de apro- ximadamente 35 famílias de plantas, como: Asteraceae, Gramíneas, Rosaceae, Rutaceae, entre outras. Em algumas espécies (alho — Allium spp.), o estímulo 48 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL através da polinização para o desenvolvimento do embrião ou para a formação do endosperma não é necessário, enquanto para outras espécies (framboesa — Rubus spp., maçã — Malus spp.,) é fundamental (HARTMANN et al., 2002). São conhecidos dois tipos de apomixia: a gametofítica e a esporofítica. A apomixia gametofítica é a forma mais comum, ocorrendo sem a fertilização pelo gameta masculino. Nesse tipo há a formação do saco embrionário de forma não reduzida (2n), havendo o desenvolvimento de embriões a partir da oosfera (par- tenogênese) ou a partir das sinérgides ou das antípodas (apogametia). Outra possibilidade é a formação autônoma (sem fecundação) do endos- perma, a partir da fusão dos núcleos polares. Assim, duas formas de apomixia gametofítica podem ocorrer, diplosporia e a aposporia. Esse tipo de apomixia é mais frequente em Asteraceae, Graminaceae, Rosaceae (HARTMANN et al., 2002). Esse mecanismo também ocorre em diversas espécies de plantas forragei- ras como Brachiaria, Panicum, Paspalum, Pennisetum, Poa, entre outros. Do ponto de vista prático, a apomixia tem o potencial de maximizar o sistema de produção de algumas espécies propagadas por sementes, principal- mente pela fixação do vigor híbrido, além de outros usos para o melhoramento genético e a biotecnologia (DALL’AGNOL; SCHIFINO-WITTMANN, 2005). A apomixia esporofítica resulta na não formação do saco embrionário, sendo que os embriões diploides se desenvolvem a partir das células dos envol- tórios do óvulo, como a nucela (embriões nucelares). Esse processo também é chamado de embrionia adventícia, sendo importante na práticapara os gêneros Citrus (laranja e outras plantas cítricas) e Mangifera (manga) (HARTMANN et al., 2002; DALL’AGNOL; SCHIFINO-WITTMANN, 2005). Caso ocorra a fecundação, apenas dos dois núcleos polares com o gameta masculino (núcleo espermático), porém, sem a segunda fecundação (que forma- ria o embrião), a semente se formará apenas com o desenvolvimento do endos- perma, sendo esse processo chamado de pseudogamia (HARTMANN et al., 2002; DALL’AGNOL; SCHIFINO-WITTMANN, 2005). ATENCAO A nucela é o tecido materno em que ocorre a meiose originando o saco em- brionário. O tegumento é o tecido formado por aproximadamente duas camadas de cé- lulas que se encontra entre a nucela e o saco embrionário, que se tornará o envoltório da semente. TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 49 FIGURA 18 – ORGANIZAÇÃO ANATÔMICA DO SACO EMBRIONÁRIO (POLYGONUM) DE AN- GIOSPERMA FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3cZpwAs>; <https://bit.ly/34tX6dZ>; <https://bit.ly/30wK- JwI>. Acesso em: 8 jan. 2020. A poliembrionia foi identificada em 1719, quando observou-se a formação de embriões gêmeos em plantas do gênero Citrus spp. Assim, a poliembrionia é a formação de múltiplos (ou adicionais) embriões de uma mesma semente. Esses embriões podem ser originados todos a partir da reprodução sexual ou serem formados a partir de uma mistura na qual alguns embriões têm origem na união dos gametas (sexuada) e outros embriões formam-se, por apomixia, a partir de células diploides do saco embrionário (da nucela e/ou do tegumento) (Figura 18) (HARTMANN et al., 2002). Quatro tipos de poliembrionia são comuns em plantas: (1) a formação de embriões adicionais após o início da embriogênese, a partir de células do proem- brião (aspargo, tulipa) e do suspensor; (2) a formação de embriões adventícios a partir de células da nucela (Citrus spp., manga) e do tegumento, podendo ser se- xuais ou múltiplos (sexual e assexual); (3) a formação de múltiplos sacos embrio- nários a partir de um único óvulo (semente), resultando em múltiplos embriões sexuais (algodão); e (4) a formação de embriões adicionais resultantes do funcio- namento das células sinérgides como células ovo, assim podendo ser fertilizadas pelo gameta masculino ou mesmo formar embriões apomíticos haploides (1n) (Pennisetum spp., Solanum spp.) (HARTMANN et al., 2002). 50 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 2.3.2 Quanto à capacidade de dessecação Com relação à capacidade de dessecação, as sementes podem ser classifi- cadas como (HARTMANN et al., 2002; CASTRO; BRADFORD; HILHORST, 2004; MEDEIROS; EIRA, 2006): • Ortodoxas. • Recalcitrantes. • Intermediárias. As sementes ortodoxas toleram elevada perda de umidade, podendo manter a viabilidade do embrião com níveis próximos a 10% de umidade. Con- forme Medeiros e Eira (2006), as sementes ortodoxas mantém-se viáveis com va- lores de umidade entre 5 e 7%. Essas sementes podem ser conservadas utilizando protocolos padrões de secagem e de armazenamento. Com relação à estrutura das sementes, as que apresentam comportamento ortodoxo geralmente são de tamanho pequeno e secas. Exemplos de sementes ortodoxas são: os grãos cultiva- dos (milho, arroz, soja, trigo, aveia, entre outras), erva mate (Ilex paraguariensis), cedro (Cedrela fissilis), Graviola (Annona muricata), entre outras. As sementes recalcitrantes não toleram perdas elevadas de água, manten- do sua viabilidade com níveis entre 30 e 50% de umidade. O processo de desseca- ção resulta em perda de viabilidade destas sementes. Essas sementes apresentam elevado teor de água ao se desprenderem da planta mãe, morrendo rapidamente quando o teor de umidade é reduzido abaixo de valores críticos, que podem variar entre 15 e 50% (MEDEIROS; EIRA, 2006). Esses autores sugerem que a conservação desse grupo de sementes pode ser realizada através do armazenamento hidrata- do em temperaturas criogênicas (inferiores a -150 ºC). Exemplos de espécies com sementes recalcitrantes são: pinheiro brasileiro (Araucaria angustifolia), seringueira (Hevea brasiliense), palmito (Euterpe edulis e E. oleracea), canelas (Ocotea spp.), cacau (Theobroma cacao), abacate (Persea americana), jabuticaba (Myrciaria spp.), guaraná (Paullinia cupana), manga (Mangifera indica), pupunha (Bactris gasipaes), entre outras. As sementes intermediárias toleram uma secagem em níveis moderados sem perder a viabilidade. De modo geral, as sementes dessas espécies suportam secagem das sementes, mantendo umidade entre 30 e 12%. Segundo Medeiros e Eira (2006), essas sementes, assim como as recalcitrantes não podem ser conserva- das utilizando os padrões de protocolos de armazenamento, por não suportarem a exposição à baixas temperaturas (-18 ºC), embora apresentem uma aparente sobrevivência às condições de baixo conteúdo de água. As sementes de diversas espécies do gênero Coffea (cafeeiro) são exemplos desse comportamento interme- diário. Outro exemplo é Aspidosperma polyneuron (peroba-rosa). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 51 A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (antigo CENARGEN) é o órgão do governo federal que atua no intercâmbio e na conservação de germoplasma (vegetal, animal e de microrganismos) de interesse para a agropecuária brasileira. Essa unidade ge- rencia o Sistema Nacional de Curadoria de Recursos Genéticos, envolvendo mais de 235 bancos de germoplasma (coleções), abrigando mais de 250 mil amostras (acessos). A coleção atual de sementes do Brasil é formada por mais de 130 mil amostras de apro- ximadamente 1.000 espécies de plantas. Muitas informações estão disponíveis no Portal ALELO Recursos Genéticos: https://www.embrapa.br/alelo. DICAS DICAS Em escala internacional existe um banco mundial de sementes, conhecido como “Arca de Noé” (Svalbard Global Seed Vault). Esse imenso “cofre”, localiza-se na ilha de Svalbard, entre a Noruega e o Polo Norte. Inaugurado em 26 de fevereiro de 2008, seu objetivo é salvaguardar a biodiversidade das espécies de interesse para as populações de todas as partes da Terra. Atualmente (janeiro de 2020), estão depositadas mais de 1,1 mi- lhão de sementes de quase 6.000 espécies, conservadas à -18 ºC, podendo ser mantidas viáveis por longo período de tempo. Os maiores fornecedores de acessos de sementes são os Institutos Internacionais de Recur- sos Genéticos de Plantas – IPGRI (Organizados a partir de 2006 como Bioversity Internatio- nal) (Figura 19). Para maiores informações, acesse: https://www.bioversityinternational.org/. FIGURA 19 – INSTITUTOS INTERNACIONAIS DE RECURSOS GENÉTICOS DE PLANTAS (BIOVER- SITY INTERNATIONAL) FONTE: <https://ciat.cgiar.org/global-partnerships/cgiar-research-programs/>. Acesso em: 10 jan. 2020. 52 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL Esse projeto global de estabelecimento de um banco mundial de sementes foi promovido e financiado pelo governo da Noruega e apoiado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), com a participação de diversos países (Figura 20). Para maiores informações, sugere-se o acesso ao Svalbard Global Seed Vault: https://www.seedvault.no/. DICAS FIGURA 20 – BANCO MUNDIAL DE SEMENTES DE SVALBARD FONTE: <https://www.seedvault.no/>; <https://bit.ly/3ivrfyM>. Acesso em: 10 jan. 2020. 2.3.3 Quanto à sensibilidade à luz Com relação à sensibilidade à luz, os fitocromos são os principais fotorre- ceptores envolvidos no mecanismo de respostas fisiológicas nas plantas (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Existem diversos tipos de fitocromos, sendo que a percepção e a modulação do desenvolvimento das plantas em decorrência da luz é uma das principais funções destas moléculas proteicas (PHAM; KATHARE; HUQ, 2018). As espécies de plantas apresentam diferentes mecanismos de supe- ração da dormência em sementes. Para algumas espécies, uma dessas respostas é a ativação da germinação em relação à luminosidade, sendo esse efeito chamado de fotoblastismo. As sementes podem ser classificadas como:• Fotoblásticas positivas. • Fotoblásticas negativas. • Neutras ou Insensíveis à luz. Nas sementes fotoblásticas positivas, a germinação é promovida pela ex- posição à luz, particularmente no comprimento de onda da luz vermelha (660 nm). Nas sementes fotoblásticas negativas, o efeito da exposição à luz é contrário, inibindo o processo de germinação. Assim, essas sementes germinam apenas em condições de escuro ou quando expostas ao comprimento de onda da luz verme- lha extremo (730 nm). Nas sementes neutras ou insensíveis, a luz não apresenta efeito sobre o processo de germinação, ocorrendo tanto no escuro quanto sob a luz (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 53 NOTA Quanto ao estágio de sucessão ecológica, as espécies que vivem em um ecos- sistema são classificadas como: pioneiras, secundárias iniciais, secundárias tardias e clímax. As plantas pioneiras representam as espécies que colonizam e iniciam o estágio de suces- são, produzem um grande número de sementes, geralmente sensíveis à luz para o estímulo à germinação. Apresentam rápido crescimento e ciclo curto (menos de 10 anos), além de formar bancos de sementes no solo. As espécies secundárias iniciais são plantas intermediárias na escala de sucessão ecoló- gica. De modo geral, se apresentam intolerantes ao sombreamento intenso e apresentam rápido crescimento, com ciclo de vida entre 10 e 25 anos aproximadamente. A regeneração ocorre pela formação de banco de plântulas. As plantas secundárias tardias também representam espécies localizadas de forma in- termediária na sucessão. Em geral, produzem frutos e sementes de tamanho pequeno ou médio, sendo tolerantes ao sombreamento na fase juvenil. Apresentam ciclo de vida mais longo (acima de 25 anos) e crescimento menos acelerado que as plantas secundárias iniciais. As plantas clímax são espécies que aparecem no final do estágio de sucessão ecológica de um ecossistema. Em geral, produzem menor quantidade de sementes, apresentando frutos e sementes maiores e mais pesados. A germinação preferencialmente ocorre em condições de sombra, apresentando crescimento lento e longo ciclo de vida (acima de 100 anos). 2.4 GERMINAÇÃO Uma semente é estruturalmente formada pelo embrião, tecidos de reserva e um envoltório de proteção, que, ao germinar, possibilita uma nova geração atra- vés da propagação sexual das plantas. Assim, a semente consiste em um óvulo maduro. A germinação é o processo de formação de uma nova planta a partir da semente. O termo germinação envolve o período entre o início da hidratação da semente (Fase 1: embebição) até a protrusão da radícula (Fase 3) (HARTMANN et al., 2002; CASTRO; HILHORST, 2004; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). 54 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL No contexto ecológico, a germinação oportuniza às plantas a colonização de nichos, a manutenção da espécie e a ocupação de diferentes áreas, além de servir de componente de nutrição na cadeia alimentar de animais. No contexto humano, a utilização das sementes possibilitou o desenvolvimento da agricultura e a for- mação das sociedades. No aspecto da vida atual, diversas espécies de plantas, com usos distintos (alimentar, fibras, combustível, medicinal e ornamental) são propa- gadas a partir de sementes (HARTMANN et al., 2002). Para que ocorra o processo de germinação são necessárias algumas condições (HARTMANN et al., 2002): • As sementes devem estar viáveis: o embrião deve estar vivo e ser capaz de de- senvolver-se (germinar). • As condições do meio devem ser favoráveis: o meio para a germinação deve pos- sibilitar adequadas condições de água, luz, temperatura, oxigênio, entre outros. • As formas de dormência devem ser superadas: através da interação entre a se- mente e o ambiente (dormência primária) ou a partir das condições climáticas favoráveis (dormência secundária). A germinação das sementes ocorre de acordo com algumas fases, que en- volvem diversos mecanismos físicos, bioquímicos, fisiológicos (e metabólicos) e anatômicos (Figura 21). Essas fases do processo de germinação seguem a seguinte ordem (HARTMANN et al., 2002; CASTRO; HILHORST, 2004; TAIZ et al., 2017): Fase 1: Embebição ou absorção de água. Fase 2: Lag ou etapa de mobilização de reservas e reativação do embrião. Fase 3: Protrusão ou emissão da radícula. FIGURA 21 – FASES E TRANSFORMAÇÕES ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE GERMINAÇÃO FONTE: Taiz et al. (2017, p. 521); Raven, Evert e Eichhorn (2014, p. 707); <https://shutr.bz/30Gs- p4m>. Acesso em: 26 maio 2020. TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 55 Observe que diversas alterações ocorrem durante o processo germinativo, desde eventos puramente físicos, como a entrada de água e hidratação dos teci- dos da semente por diferença de potencial hídrico (Ψ), passando por alterações metabólicas (reativação da respiração e reparo de danos acumulados durante a secagem e o período de armazenamento) e alterações bioquímicas (mobilização e utilização das reservas nutritivas, síntese de DNA e proteica) até a observação de mudanças estruturais e anatômicas (rompimento do tegumento e a emissão da radícula pela expansão celular). Após esse processo ocorre o aumento da divisão celular e o crescimento da plântula (Figura 21) (HARTMANN et al., 2002; CAS- TRO; HILHORST, 2004). ATENCAO O potencial hídrico (Ψ) é uma medida física que reflete o estado termodinâ- mico da água, através da medida da energia livre, ou seja, capaz de realizar alguma forma de trabalho. A água possui elevada quantidade de energia livre, também sendo conhecida como po- tencial químico da água, que geralmente é expresso em unidades de pressão (MPa), repre- sentada como potencial hídrico (Ψ – letra grega Psi). Por definição a água pura tem potencial hídrico igual a zero (Ψ=0). O potencial hídrico depende de outras medidas como o potencial matricial (Ψ m ), o potencial osmótico (Ψπ) e o potencial de pressão(Ψ p ) (CASTRO; HILHORST, 2004). 2.5 EMERGÊNCIA A semente madura é formada por um embrião com o eixo hipocótilo-ra- dicular organizado e os órgãos de reserva (um ou dois cotilédones) (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Após a germinação, ocorre a emergência e formação da plântula, originando uma nova planta. Após a protrusão da radícula, o crescimento da raiz possibilita a ancora- gem (fixação ao solo) e a absorção de água. Essa primeira raiz que se desenvolve é chamada de raiz primária ou raiz pivotante. Dessa raiz primária, surgem rami- ficações que formam novas raízes, chamadas de raízes laterais ou secundárias. A ramificação dessas raízes secundárias dá origem às raízes laterais adi- cionais, que possibilitam a formação do sistema radicular e a captação de água e nutrientes do solo. Nas dicotiledôneas, a raiz principal se mantém ao longo da vida formando um sistema radicular pivotante, enquanto que nas monocotiledô- neas, a raiz principal possui vida muito curta e senesce, sendo substituída pelas raízes laterais e também pelas raízes que se originam nos nós, sendo chamadas de raízes adventícias (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). 56 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL A emergência é o processo que envolve a elongação das partes da raiz e do caule do eixo do embrião, resultando na expansão das estruturas que formam a plântula. O embrião consiste em um eixo contendo um ou mais cotilédones, sendo que o eixo de crescimento da raiz é a radícula, emergindo da base do embrião. O eixo de crescimento caulinar que está na extremidade superior do em- brião, acima dos cotilédones é a plúmula. O eixo caulinar é dividido em duas par- tes: o hipocótilo e o epicótilo, de acordo com a posição em relação aos cotilédones. O hipocótilo é a seção do caule entre a radícula e o cotilédone, enquanto o epicótilo é a seção do caule entre o cotilédone e as primeiras folhas verdadeiras (Figura 22) (HARTMANN et al., 2002). Ao longo do início do desenvolvimento da plântula, as reservas de nu- trientes (no cotilédone – monocotiledôneasou nos cotilédones – dicotiledône- as) são utilizadas, sendo os compostos químicos transportados até as regiões de crescimento (meristemas apical e radicular). Assim, gradativamente a massa dos cotilédones reduz, murchando até a queda (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Observam-se dois padrões de desenvolvimento inicial das plântulas: epí- gea ou hipógea (HARTMANN et al., 2002; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Esses padrões se diferenciam através da forma como o caule emerge (Figura 22). Na emergência epígea (do grego epi, acima), o hipocótilo se alonga e se curva, formando uma estrutura chamada gancho, elevando os cotilédones e ápice caulinar acima do solo. A emergência epígea ocorre em espécies como: feijão, soja, algodão, girassol, pepino, abóbora, café, mamona, amendoim, alface, cebola, entre outras. Na emergência hipógea (do grego hypo), o epicótilo é a estrutura que se alonga, forma o gancho (curvatura), emergindo acima do solo, enquanto o hi- pocótilo não se expande. Dessa forma, como o alongamento ocorre acima dos cotilédones, essas estruturas permanecem abaixo do nível do solo, onde se de- compõem após a mobilização das reservas armazenadas. A emergência hipógea ocorre em espécies como ervilha, guandu, serin- gueira, fava, trigo, milho, cevada, arroz, entre outras (HARTMANN et al., 2002; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 57 FIGURA 22 – FASES E TRANSFORMAÇÕES ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE GERMINAÇÃO FONTE: Adaptado de Raven, Evert e Eichhorn (2014, p. 708-709) 2.6 DORMÊNCIA DE SEMENTES A dormência é um mecanismo de regulação do desenvolvimento das plantas, podendo ser manifestado em sementes ou em gemas. Assim, a dormên- cia é uma condição de suspensão do crescimento, permitindo que as plantas so- brevivam a períodos desfavoráveis para o desenvolvimento (escassez de água ou condições de temperaturas extremas). Essa é uma adaptação ecológica que possi- bilitou a ocupação de diferentes habitats e condições climáticas, permitindo que as diversas espécies de plantas se adequassem às variações das estações ao longo do ano (HARTMANN et al., 2002; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). 58 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL No caso de sementes, essa condição regula o processo de germinação. A dormência envolve uma condição em que as sementes não germinam, mes- mo quando expostas à meios aparentemente adequados (condições propícias de água, temperatura, luz, aeração, entre outros fatores). Essa adaptação ecológica foi desenvolvida por muitas espécies de plantas, permitindo que o ciclo de vida seja no período mais favorável das estações do ano. A quiescência é a condição na qual a ausência de germinação das sementes ocorre apenas por condições am- bientais inadequadas. Assim, quando as condições de água, temperatura, mistura gasosa e outros fatores foram atendidos, as sementes germinam normalmente e originam novas plantas (HARTMANN et al., 2002; CARDOSO, 2004; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). Entre algumas vantagens da dormência em sementes estão (HARTMANN et al., 2002): • Permite a germinação apenas nas condições ambientais favoráveis. • Possibilita a formação de um banco de sementes, ampliando a capacidade de persistência de determinadas espécies na área. • Oportuniza a sincronização da germinação, garantindo estágios similares de desenvolvimento de uma população das plantas. A dormência pode ser classificada em dois tipos: primária e secundária, de acordo com a origem e com os mecanismos envolvidos (HARTMANN et al., 2002; CARDOSO, 2004). A dormência primária instala-se durante a fase de desenvolvimento e/ ou maturação das sementes, sendo que a separação da planta mãe (dispersão) já ocorre em estado dormente. A dormência primária pode ser separada em três categorias (HARTMANN et al., 2002): dormência exógena, dormência endógena e dormência dupla (combinada). A dormência exógena é imposta por estruturas da semente que não estão relacionadas ao embrião, como o tegumento e/ou outras partes do fruto. Seu efei- to está na inibição da entrada de água, na limitação das trocas gasosas, prevenin- do a degradação de inibidores do embrião ou ainda fornecendo inibidores para evitar a germinação (HARTMANN et al., 2002). A dormência endógena é imposta por condições relacionadas ao embrião. Essas condições que restringem a germinação podem ser morfológicas (indiferen- ciação ou imaturidade no desenvolvimento), como ocorre em palmeiras, cenoura, orquídeas, kiwi, anonáceas, entre outras; ou fisiológicas (processos bioquímicos e metabólicos inibitórios), como ocorre em alface, pimenta, tomate, trigo, entre outras. Esse mecanismo de dormência fisiológica pode ser de três tipos de acordo com a intensidade: profunda, intermediária e não profunda (CARDOSO, 2004; HARTMANN et al., 2002). A dormência dupla ou combinada é o resultado dos dois tipos ocorrendo de forma simultânea ou associada, como observada nas se- mentes de lírio e de outras espécies (HARTMANN et al., 2002). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 59 A dormência secundária instala-se em uma semente quiescente (apta para germinar quando em condições favoráveis), quando se encontra em um ambien- te desfavorável ou estressante para a germinação (principalmente de água, luz, temperatura e oxigênio). Esse mecanismo pode inibir a germinação de sementes alface e de outras culturas agrícolas (HARTMANN et al., 2002). Verifique os diferentes tipos de dormência e as causas prováveis, além dos mecanismos de funcionamento que foram organizados por Cardoso (2004) (Quadro 6). QUADRO 6 – TIPOS DE DORMÊNCIA DE SEMENTES TIPO NATUREZA CAUSA MECANISMO ENDÓGENA (Controle interno ao embrião) Fisiológica Primária ou secundária Inibição de natureza fisiológica, envolvendo interação entre o embrião e os tecidos adjacentes, com controle prioritário do embrião. - Inibidores bioquímicos. - Resistência dos envoltórios e do potencial de crescimento do embrião. - Fotoequilíbrio do fitocromo (Inibição pelo efeito da luz). - Balanço hormonal entre promotores e inibidores. Morfológica Primária Embrião indiferenciado ou subdesenvolvido (rudimentar ou em estágio de torpedo). - Embrião continua em fase de crescimento lento após a dispersão, sob a influência de fatores do meio. Morfofisio- lógica Primária Dormência fisiológica em embrião com dormência morfológica. - Embrião precisa atingir um tamanho crítico. - Balanço hormonal. - Mobilização de reservas. - Inibidores químicos (ABA ?). EXÓGENA (Controle externo ao embrião) Física Primária ou secundária Estrutura do tegumento e/ou do pericarpo (fruto). - Resistência dos envoltórios à difusão de água e/ou gases ao embrião. - Impermeabilidade dos envoltórios à água e/ou gases (Oxigênio). Química Primária Inibidores bioquímicos presentes nas sementes e/ou no fruto. - Inibição do processo de germinação de embriões não dormentes. Mecânica Primária Estrutura lenhosa e/ou pétrea do endocarpo ou do mesocarpo. - Resistência mecânica (física) que impede o crescimento do embrião. FONTE: Adaptado de Cardoso (2004) 60 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 3 PROPAGAÇÃO ASSEXUADA A propagação assexuada ou vegetativa é uma estratégia natural das plan- tas para a reprodução, resultando na formação de indivíduos geneticamente iguais ao da planta mãe. Dessa forma, a clonagem ou formação de clones é um mecanismo natural e comum de propagação de diversas espécies de plantas. Entre as vantagens da propagação vegetativa destacam-se: • Eliminar a variabilidade genética decorrente da propagação sexuada, possibili- tando a produção de clones e a fixação de genótipos de interesse. • Encurtar as fases do ciclo de vida das plantas, possibilitando eliminar ou re- duzir o período juvenil, quando não há produção de frutos ou sementes de interesse comercial. • Controlar as fases do ciclo de vida das plantas. • Possibilitar a união de diferentesgenótipos em uma mesma planta, mesclando características de interesse, como a adaptação e resistência de um porta-enxer- to com a qualidade e produtividade de uma cultivar copa (produtora). • Facilidade, simplicidade, rapidez e forma alternativa de propagação em com- paração ao uso de sementes. O termo propágulo designa uma estrutura destinada a multiplicar vegeta- tivamente uma planta, portanto uma unidade destinada à propagação assexuada (AQÜILA, 2004). Assim, na reprodução vegetativa, a fragmentação de uma parte da planta ou a separação de estruturas vegetativas especializadas possibilita a formação de uma nova planta geneticamente idêntica (um clone). Hartmann et al. (2002) destacam três características importantes das plan- tas associadas à diversidade e à possibilidade de propagação: • Formação de estruturas específicas como caules, folhas, raízes e flores: envol- vendo crescimento, aumento de tamanho e diferenciação que resultam em cé- lulas especializadas nos órgãos vegetais capazes de mudanças morfológicas (anatômicas) e funcionais (fisiológicas) permitindo a adaptação ao meio onde vivem. • Indução e formação de raízes adventícias, gemas, brotos ou embriões: estrutu- ras que apresentam capacidade de regeneração de um novo indivíduo. • Controle do ciclo de desenvolvimento: condição em que as plantas passam por dois tipos de ciclos. Um associado ao ciclo sazonal (Fenologia), em que as plan- tas respondem às mudanças ambientais durantes as estações do ano, passando por primavera, verão, outono e inverno, ou por períodos úmidos (chuvosos) e secos. O segundo tipo está associado ao ciclo ao longo da idade da planta (On- togenia), no qual as respostas no desenvolvimento se alteram de acordo com o envelhecimento e a mudança nas fases de vida. A capacidade de propagação assexuada das plantas deve-se à presença de tecidos meristemáticos, em que as células são capazes de direcionar o seu desen- TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 61 volvimento para uma rota específica de formação (Determinação). Todavia um princípio biológico importante na propagação vegetativa é que cada célula ve- getal viva tem o potencial de reproduzir um organismo completo (Totipotência). Dessa forma, as células ou tecidos vegetais podem se apresentar responsivos, reagindo a sinais específicos que direcionam o desenvolvimento em uma deter- minada direção (Competência), como, por exemplo, a mudança do meristema vegetativo para reprodutivo (indução floral) ou a formação de raízes adventí- cias em uma estaca de caule, de folha ou de outra estrutura (HARTMANN et al., 2002). A formação das raízes adventícias em novos órgãos e tecidos é uma das importantes habilidades que possibilitam a propagação vegetativa. Graças a es- ses mecanismos de funcionamento, as plantas continuam a se dividir, permitindo a regeneração e a reprodução assexuada a través de diversas formas, tanto natu- rais, quanto artificiais (realizadas com a intervenção humana). 3.1 ESTRUTURAS DE PROPAGAÇÃO ASSEXUADA NATURAL EM PLANTAS A propagação assexuada resulta da capacidade das diferentes estruturas em desenvolver a formação de raízes adventícias que possibilitam a fixação e a absorção de água e nutrientes para a nova planta. Essas raízes podem surgir de diversos órgãos das plantas, como raízes, caules e folhas, dependendo da espécie de planta e das condições a que estão expostas. As plantas podem se propagar de forma vegetativa através de diversas estruturas, destacando-se (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014): estolão, rizoma, bulbo, cormo, tubérculo, cladódio, rebento, plântulas ou gemas adventícias, afi- lhos, raízes e folhas, além das sementes apomíticas. Cada uma dessas estruturas possui características distintas de propaga- ção, como: • Estolão: o estolão ou estolho (runners ou stolons em inglês) é uma estrutura que resulta do crescimento do caule, expandindo-se de forma paralela ao solo, produzindo gemas (nós) que desenvolvem raízes e brotos. Os estolões podem ser: aéreos (acima do solo) como no caso do morangueiro e da groselha, ou subterrâneos (abaixo do nível do solo), como no caso dos bambús. • Rizoma: o rizoma (rhizomes em inglês) é um tipo de caule subterrâneo, que armazena compostos nutritivos (água, carboidratos, proteínas, entre outros), de onde se desenvolvem raízes e brotos a partir de gemas. O desenvolvimento desses brotos possibilita a formação de novas plantas. A bananeira, os lírios, a espada de são Jorge, o agapanto, a estrelitzia, entre outras espécies podem se propagar por rizomas. O gengibre e o açafrão da terra (cúrcuma) são exemplos de rizomas comestíveis. • Bulbo: o bulbo (bulbs em inglês) é uma estrutura alargada e complexa, formada pelo caule, localizado na base e em forma de prato ou disco, e por folhas mo- 62 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL dificadas que se sobrepõem em camadas. Os bulbos são estruturas geralmente subterrâneas, constituídos de gema e de fontes de reserva nutritiva (camadas de folhas). Como exemplos de plantas que se propagam através de bulbos es- tão o alho, a tulipa, os lírios, amarílis, entre outras. • Cormo: os cormos (corms em inglês) são estruturas alargadas, desenvolvidas a partir de caules subterrâneos. Essas estruturas armazenam nutrientes em um tecido compacto e sólido, sendo externamente protegidos por folhas modifica- das. Sua aparência externa similar aos bulbos pode ocasionar confusão, porém nos bulbos, a estrutura alargada não é sólida por ser formada por camadas de folhas. Plantas que formam cormos são o taro, gladíolo (palma de Santa Rita), açafrão, entre outros; • Tubérculo: os tubérculos (tubers em inglês) são caules subterrâneos modifica- dos, que se desenvolvem e armazenam compostos nutritivos. Dessas estrutu- ras, as gemas (ou olhos) originam brotos que ao se desenvolverem originam novas plantas. Exemplos de plantas que formam tubérculos são a batata, o cará, o inhame, a dália, entre outros. • Cladódio: são caules modificados, que se desenvolvem na parte aérea de plan- tas de climas secos. Essas estruturas globosas e firmes contêm gemas e formam raízes adventícias, possibilitando o desenvolvimento de uma nova planta. Os cactos e a pitaia são exemplos. • Rebento: os rebentos, perfilhos ou brotos (suckers em inglês) são estruturas originárias da formação de gemas (brotos) a partir das raízes, possibilitando a reprodução assexuada. A formação de rebentos ocorre em plantas como a macieira, as amoras, a framboesa, a cereja, entre outras. • Plântula adventícia: também chamadas de gemas adventícias (plantlets em inglês), ocorre em algumas espécies de plantas com a formação de numerosas plântulas (com raízes e folhas), que se originam a partir do tecido meristemático localizado nas margens das folhas. Quando atingem determinado tamanho, essas plântulas se desprendem da planta mãe, caem no solo e originam novos indivíduos. • Afilhos: as ramificações adventícias ou afilhos (keikis em inglês) podem ser for- madas em caules ou em talos de flores ou ainda em frutos, resultando em es- truturas com capacidade de formar um novo indivíduo. Como exemplo, diver- sos gêneros de orquídeas podem emitir esses ramos adventícios ou adicionais, como Phalaenopsis, Dendrobium, Epidendrum, entre outros. No abacaxi diversos afilhos podem surgir em diferentes partes da planta. • Raízes: raízes modificadas que armazenam nutrientes também podem resultar em estruturas contendo gemas, como ocorre na batata doce. • Folhas: algumas plantas apresentam elevada capacidade de diferenciação, resul- tando na formação de raízes adventícias e brotos a partir de folhas que tocam o solo. • Apomixia: como discutido anteriormente, a apomixia (apomixis em inglês) é uma forma de propagação vegetativa natural que muitas espécies de plantas desenvolveram. As plantas cítricas, a mangueira, orquídeas e algumas gramí- neas formam sementes apomíticas (sem a fecundação sexual).TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 63 3.2 FORMAS DE PROPAGAÇÃO ASSEXUADA ARTIFICIAL EM PLANTAS A propagação vegetativa, clonal ou assexuada é utilizada nos sistemas de produção agrícola, podendo reproduzir as plantas de interesse, mantendo as características de interesse. Essas metodologias de propagação são utilizadas na fruticultura (produção de frutas de clima tropical, subtropical e temperado), olericultura (produção de hortaliças), floricultura (produção de flores) e plantas ornamentais, silvicultura (produção de espécies florestais madeiráveis e não ma- deiráveis), forragicultura (plantas utilizadas na alimentação de animais), plantas medicinais, plantas aromáticas e plantas condimentares, além de outras plantas de interesse como mandioca, cana de açúcar, entre outras. Os métodos de propagação assexuada desenvolvidos pelos humanos são chamados de formas artificiais de reproduzir as plantas de interesse para a ob- tenção de clones. Dentre as estratégias de propagação assexuada de plantas realizada de forma artificial, destacam-se: a estaquia (de caule, de folha e de raiz) (cutting em inglês), a enxertia (a partir de várias metodologias) (grafting em inglês; para a borbulhia, utiliza-se budding em inglês), mergulhia (utilizando diversas formas) (layering em inglês), além da cultura de tecidos (micropropagação ou cultura in vitro) (tissue culture em inglês). Esses métodos de propagação serão melhor apre- sentados nas unidades 2 e 3 deste livro didático, discutindo as implicações e as características. Cada um desses métodos possui características distintas de propagação, como: • Estaquia: forma de propagação em que um segmento da planta (caule, folha ou raiz) é destacado da planta mãe, sendo colocado em condições para induzir a formação de raízes adventícias e o desenvolvimento de brotações. • Mergulhia: metodologia de propagação assexuada em que a formação do sis- tema radicular da nova planta ocorre mantendo a ligação com a planta mãe, ocorrendo a separação apenas após o desenvolvimento das raízes adventícias. • Enxertia: estratégia de obtenção de novos indivíduos, em que se realiza a união vascular (vasos de floema e de xilema) de dois ou mais indivíduos distintos, possibilitando, nas condições de cultivo comercial, a obtenção de uma planta composta por duas partes (porta-enxerto e a copa ou produtora) ou por três partes (porta-enxerto, interenxerto e a copa ou produtora). • Cultura de tecidos: também chamada de micropropagação ou de cultura in vitro, esses métodos de propagação assexuada de forma artificial envolvem a utilização de técnicas realizadas em laboratório, sendo os cultivos realizados em condições controladas de meio de cultura e de ambiente (assepsia, nutrição, umidade, luz e temperatura), possibilitando a formação de novos indivíduos a partir de estímulos hormonais induzindo a diferenciação das células de diver- sos órgãos e tecidos das plantas. 64 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL 3.2.1 Dormência de gemas A dormência é um mecanismo de adaptação ecológica às condições que não são favoráveis ao desenvolvimento (condições de estresse), apresentando um controle fisiológico e anatômico dependendo da estrutura e da espécie. A dor- mência é um fenômeno biológico que pode ser observado em diversas estruturas de propagação como sementes, tubérculos, bulbos, cormos e gemas, sendo essen- cial para a sobrevivência, reprodução das plantas e perpetuação da espécie nos diversos habitats (HARTMANN et al., 2002; PETRI; PALLADINI; POLA, 2002; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). A dormência é uma condição de suspensão temporária do crescimento visível, que é retomado após um determinado estímulo (fotoperíodo, temperatu- ra, umidade, ou de outra natureza). No caso da dormência de gemas, o controle hormonal exerce um papel fundamental, sendo que o balanço entre os promoto- res e os inibidores de crescimento é o mecanismo responsável pela manutenção ou superação desse mecanismo fisiológico (PETRI; PALLADINI; POLA, 2002; HAWERROTH et al., 2010; RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). A dormência de gemas envolve um processo, não ocorrendo de forma rápida e imediata, passando por modificações estruturais (anatômicas) e por mu- danças no metabolismo (fisiológicas) (HAWERROTH et al., 2010). Em 1987, Lang et al. propuseram uma classificação para organizar a dor- mência de gemas de acordo com as características e o mecanismo de controle. Assim, esses autores classificam a dormência de gemas em três tipos: parador- mência, endodormência e ecodormência (HAWERROTH et al., 2010). A paradormência, também chamada de inibição correlativa, é o processo no qual uma outra estrutura da planta influencia o desenvolvimento da gema, causando inativação do meristema vegetativo ou floral. Por exemplo, dominância apical é um exemplo desse tipo de controle. No mecanismo de funcionamento da dormência, a paradormência antecede a endodormência, sendo controlado a par- tir da aclimatação (adaptação) às condições desfavoráveis de desenvolvimento (HAWERROTH et al., 2010). A endodormência é o período de paralisação do crescimento visível da gema, embora os processos metabólicos internos continuem a ocorrer de forma mais lenta e controlada. Nesse período da dormência, mesmo que as condições de ambiente (fotoperíodo, temperatura, umidade, entre outros) forem favoráveis, a brotação não é observada. Assim, durante a endodormência, as gemas devem ser expostas às condições que possibilitem a superação do estado de dormência e assim recuperem a capacidade de iniciar a brotação (HAWERROTH et al., 2010). A ecodormência é o período do processo de dormência em que, após a redução do controle interno (interação entre os hormônios promotores e inibido- res de crescimento), o controle e estímulo à brotação vem dos fatores externos à TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 65 gema. Assim, a exposição às condições favoráveis (ambiente) estimula o desen- volvimento, enquanto a continuidade de fatores limitantes mantém o desenvol- vimento paralisado (HAWERROTH et al., 2010). ATENCAO A dominância apical é um mecanismo de controle fisiológico do desenvol- vimento do caule, em que ocorre o impedimento do desenvolvimento de gemas axilares, com a consequente formação de ramos secundários. Assim, à medida que o ápice do caule se afasta (crescimento em altura da planta), o efeito hormonal diminui sobre as gemas da base da planta, resultando no formato cônico ou triangular da copa (dossel vegetativo) que se observa na maioria das plantas. Embora com mecanismos distintos de controle (espécies de clima tropi- cal e de clima temperado) e com especificidades entre as estruturas e órgãos da planta (tubérculos, bulbos, cormos e gemas), a regulação da dormência de gemas apresenta princípios fisiológicos semelhantes. Plantas perenes de clima tempe- rado, como a macieira, o pessegueiro, a pereira e a nogueira perdem as folhas durante o inverno (caducifólias). Essas plantas necessitam passar por um período de temperaturas baixas (unidades de frio) para estimular a quebra da dormência. Da mesma forma, os bulbos das plantas de tulipa e narciso (plantas orna- mentais) necessitam desse estímulo térmico para a brotação. Um outro exemplo pode ser a superação da dormência de tubérculos de batata ou dos bulbilhos do alho, em que, o tempo de armazenamento (cerca de 2 a 3 meses), possibilita a superação natural da dormência. Já em algumas espécies arbóreas, a alteração do fotoperíodo (comprimento do dia e da noite) é o estímulo para a quebra natural da dormência das gemas (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). 66 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL No contexto da propagação de plantas de forma assexuada, o conheci- mento sobre a dormência possibilita selecionar as metodologias de propagação mais adequadas e compreender o funcionamento de adaptação e formação das novas plantas. 4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA PROPAGAÇÃO SEXUADAE ASSEXUADA A propagação sexuada ou gâmica, através de sementes, é o principal mé- todo de reprodução de plantas superiores, resultando em indivíduos com varia- bilidade genética, devido à segregação e à recombinação dos genes. Da mesma forma, para muitas espécies essa é a única forma de disseminação a partir do pro- cesso natural ou mesmo a única forma de propagação viável no contexto agronô- mico. Já o processo de propagação assexuada, agâmica ou vegetativa envolve a multiplicação de plantas através de divisão e diferenciação celular, possibilitan- do a regeneração de uma nova planta idêntica à planta que lhe originou (planta mãe). Essa condição resulta na obtenção de indivíduos que apresentam as mes- mas características, formando uma geração de clones (HOFFMANN et al., 2005a). ATENCAO A temperatura é considerada o principal fator climático responsável pela indução à dormência em plantas de clima temperado. A temperatura baixa atua em dois processos distintos que regulam a dormência dessas plantas. No primeiro momento age sobre as gemas e meristemas, paralisando o crescimento vegetativo, como forma de aclimatação ao frio e indução à dormência. No segundo momento, atua na alteração hormonal e processos me- tabólicos de superação da dormência e retomada do crescimento (HAWERROTH et al., 2010). Os primeiros estudos identificaram condições de temperatura que eram mais efetivas para o processo de superação da dormência em plantas cultivadas. A partir desses estudos surgiu o conceito de “Horas de Frio”, que corresponde ao “somatório de horas em que as plantas estão expostas às temperaturas menores que 7,2 ºC”. Esse sistema foi muito usado pela simplicidade e facilidade de estimativa. Porém, verificou-se que esse modelo apresentava imprecisão frente às variações de temperatura durante o inverno e entre os diferentes anos. Pois além do tempo de exposição, a regularidade e a intensidade do frio também apresen- tavam efeito sobre a superação da dormência (PETRI; PALLADINI; POLA, 2002). Assim, outros modelos matemáticos foram desenvolvidos para melhorar essa estimativa e tentar aproximar a identificação mais precisa das condições de acumulação de frio e que possibilitam a superação da dormência. Para isso, a medição das temperaturas não é mais de um valor rígido e fixo, mas sim a partir de faixas em que as temperaturas exercem efeito neutro, estimulador e inibidor da condição de dormência. Os valores estimados (somatório de horas de exposição a determinadas condições de temperatura) foram identificados as- sim como “Unidades de Frio”, podendo ser calculados a partir de diversos modelos (PETRI; PALLADINI; POLA, 2002; HAWERROTH et al., 2010). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA DE PLANTAS 67 As finalidades, vantagens e desvantagens das formas de propagação se- xuada e assexuada, são destacadas no Quadro 7 (HARTMANN et al., 2002; HOF- FMANN et al., 2005a). QUADRO 7 – VANTAGENS, DESVANTAGENS E FINALIDADES DA PROPAGAÇÃO SEXUADA E ASSEXUADA CARACTERÍSTICA PROPAGAÇÃO SEXUADA PROPAGAÇÃO ASSEXUADA Vantagens Maior longevidade das plantas; desenvolvimento de plantas mais vigorosas; sistema radicular mais desenvolvido e profundo; maior diversidade e adaptação; custo mais baixo na propagação das plantas (obtenção de mudas); maior simplicidade na reprodução. Manter as características de interesse de uma cultivar ou clone (valor agronômico); reduzir a fase juvenil, antecipando o início da produção; formação de áreas de cultivo uniformes, com produção estável e equilibrada (desenvolvimento e produção homogêneos); maior facilidade nos tratos culturais; combinação de clones de interesse (enxerto e porta-enxerto); possibilidade de propagação de espécies que não produzem sementes ou que estas não sejam viáveis. Desvantagens Variabilidade genética entre as plantas (desenvolvimento heterogêneo); início da frutificação mais tardia (período de juvenilidade); porte mais elevado das plantas, dificultando os tratos culturais; irregularidade na produção e nas características da produção (cor, formato, tamanho, rendimento e atributos sensoriais). Possibilidade de contaminação e de transmissão de doenças (viroses e fitoplasmas); necessidade de seleção rigorosa das plantas matrizes e maior de controle na produção de mudas; risco de obtenção de variantes clonais (mutação de gemas); perda gradual de vigor; variabilidade genética restrita, reduzindo a capacidade de adaptação; custo mais elevado na obtenção de mudas (propagação). Finalidades Obter porta-enxertos; desenvolver novas cultivares; propagar espécies ou cultivares de interesse que não podem ser propagadas de outras formas (mamoeiro, coqueiro, maracujazeiro, entre outras); obtenção de mudas para recomposição de ecossistemas; propagação de plantas em fase inicial de domesticação e/ou exploração comercial. Propagação de espécies ou cultivares que não produzem sementes férteis (lima ácida ou limão Tahiti, laranja umbigo, figueira, entre outras); manter as características genéticas de interesse de uma determinada planta (clonagem). FONTE: Adaptado de Borghezan (2020 apud HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN et al., 2005a) 68 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL Embora as características e possibilidades sejam distintas para a propagação sexuada e as- sexuada, a produção de sementes e mudas de espécies de interesse agrícola e para outras finalidades é regulamentada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Para DICAS 69 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A obtenção de uma nova planta a partir da propagação sexuada, que envolve a multiplicação através de sementes e é o método de reprodução mais utilizado pelas plantas. • Os conceitos de semente, fruto, diásporo e propágulo. • As partes que constituem uma semente são o embrião, os órgãos de reserva e uma camada protetora. • O processo de fertilização sexual envolvendo a união dos gametas e resultando na formação da semente, a partir de um processo de dupla fecundação nas angiospermas. • A partenocarpia, que é o processo natural de formação dos frutos sem que ocorra a formação de sementes. • Os estágios de formação das sementes que envolvem a histodiferenciação, a expansão celular e a maturação e secagem. • A classificação dos tipos de sementes, além dos processos de dormência que interferem na germinação. • A apomixia que é um processo de formação de embriões nas sementes, porém sem a ocorrência de fecundação, resultando em uma forma de propagação assexual. • As sementes ortodoxas que toleram a perda de umidade e podem ser conservadas por longo período, enquanto as sementes recalcitrantes perdem rapidamente a viabilidade quando dessecadas abaixo de determinados níveis. • A germinação, que identifica o período entre o início da hidratação até a emissão da radícula. • A emergência, que é o processo de crescimento da raiz e do caule ultrapassando o solo. 70 • As etapas da germinação e os padrões de desenvolvimento inicial das plântulas (emergência). • A dormência, que regula a atividade e a germinação das sementes, podendo ser primária e secundária. • As diversas estruturas de propagação assexuada natural em plantas, como estolão, rizoma, bulbo, cormo, tubérculo, cladódio, rebento, afilhos, entre outros. • As formas de propagação assexuada artificial, principalmente estaquia, enxertia e mergulhia, além das técnicas de propagação in vitro. • As vantagens e desvantagens da propagação sexuada e assexuada. 71 1 A formação das sementes, no processo de propagação sexuada, ocorre após a fertilização do óvulo (gameta feminino) pelos núcleos do grão de pólen (gameta masculino). Com relação ao processo de embriogênese zigótica,analise as alternativas: I- A primeira etapa é chamada de histodiferenciação, em que ocorre a for- mação da estrutura do embrião e dos órgãos de reserva da semente, sen- do uma etapa de alta atividade de divisão celular. II- A expansão celular representa a fase do desenvolvimento das sementes em que ocorre o acúmulo de compostos químicos como carboidratos, li- pídeos, proteínas entre outros. III- A fase de maturação e secagem é o estágio final de desenvolvimento da semente, em que ocorre o acúmulo de água, possibilitando que a semente sobreviva até a germinação. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. b) ( ) As afirmativas II e III estão corretas. c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas. d) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas. 2 As sementes podem ser classificadas de acordo com diversos aspectos. Por exemplo: em relação ao tipo de desenvolvimento do embrião, em relação à capacidade de dessecação, em relação à sensibilidade à luz, entre outras possibilidades. Sobre os tipos de sementes, é INCORRETO afirmar que: a) ( ) Com relação à formação do embrião, as sementes podem conter um embrião zigótico, originado da reprodução sexuada, ou resultar em uma forma de propagação assexuada como nas sementes apomíticas. b) ( ) As sementes ortodoxas representam um grupo de espécies que tole- ram a perda de umidade, mantendo a viabilidade durante o armazena- mento, sendo exemplos o milho e o arroz. c) ( ) As sementes recalcitrantes representam um tipo de sementes que não toleram a dessecação, perdendo rapidamente a viabilidade quando os te- ores de água são abaixo de 15%, exemplificadas pelas sementes de araucá- ria, palmito, cacau e jabuticaba. d) ( ) Com relação à sensibilidade à luz, as espécies são classificadas em neutras e fotoblásticas negativas, sendo a luz solar necessária para a germi- nação destes tipos de sementes. AUTOATIVIDADE 72 73 TÓPICO 3 — UNIDADE 1 PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 1 INTRODUÇÃO O terceiro tópico abordará as informações relacionadas com as condições e a infraestrutura para a produção de mudas. Serão apresentadas a importância das plantas matrizes, as condições para um viveiro de produção de mudas, as ca- racterísticas dos substratos, materiais e instalações, ferramentas e equipamentos para a realização das atividades. Neste tópico, também serão discutidos os cuida- dos a serem tomados na produção de sementes e mudas, bem como as exigências e regras previstas na legislação brasileira atual. Pretende-se que essas informações possam servir de subsídio para a com- preensão dos métodos de empregados na propagação de plantas (Unidade 2), bem como servir de estímulo para sua capacitação e aperfeiçoamento profissio- nal. Deseja-se que os assuntos possam lhe instigar na busca de aprofundamentos e atualização sobre esse importante segmento da agricultura. Bons estudos! 2 HISTÓRICO DA AGRICULTURA E DA PROPAGAÇÃO DE PLANTAS A revolução agrícola é o momento histórico em que os humanos passaram de uma vida nômade e de obtenção de alimentos a partir da caça e da coleta para um estilo de vida sedentário, baseado em uma vida social mais organizada e na produção de alimentos. Evidências sugerem que o desenvolvimento da agricultura tenha inicia- do há cerca de 12.000 a 10.000 anos atrás. Esses eventos ocorreram em diversas regiões do mundo, de forma independente, inicialmente no sudoeste da Ásia, no Nordeste e Sudeste da China e em regiões da América Central e da América do Sul (PIPERNO, 2017; PIPERNO, 2018). O conhecimento das formas de propagação das plantas de interesse e as formas de manusear as sementes e de realizar o plantio possibilitaram as primei- ras atividades agrícolas. Da mesma forma, a compreensão das formas de reprodu- ção assexuada e a utilização de técnicas de propagação vegetativa possibilitaram avanços nas formas de cultivo e na produção de alimentos (TOOGOOD, 2019). 74 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL Muitas destas técnicas foram desenvolvidas pelas principais sociedades responsáveis pelas primeiras experiencias agrícolas, como os povos do Oriente Médio (sudoeste da Ásia – a ), Índia (b), Leste da Ásia (China – c), Nova Guiné (d), África subsaariana (e), América do Norte (f), América Central (planície do México – g) e América do Sul (região das planícies e região dos Andes – h) (Figura 23). FIGURA 23 – ORIGEM DA AGRICULTURA, MOSTRANDO OS CENTROS PRIMÁRIOS, SECUNDÁ- RIOS E ROTAS DE DIFUSÃO FONTE: Adaptado de Piperno (2018) NOTA Assim como a origem da agricultura ocorreu em diversas regiões do mundo, a domesticação das diversas plantas cultivadas também ocorreu de forma diferente. A dis- tribuição das espécies vegetais varia de acordo com as regiões, condições de clima e solo entre outros fatores. Acadêmico, recomendamos o estudo realizado por diversos pesquisadores que demons- traram como a agricultura e a dieta humana atual dependem de plantas de diversas regiões do mundo. Esse estudo apresenta os locais de domesticação de aproximadamente 150 culturas de importância agrícola (Figura 24) (KHOURY et al., 2016). TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 75 FIGURA 24 – ORIGEM E REGIÕES PRIMÁRIAS DE DIVERSIDADE DAS PRINCIPAIS CULTURAS AGRÍCOLAS NO MUNDO FONTE: <https://blog.ciat.cgiar.org/wp-content/uploads/map-origin-crops.jpg>. Acesso em: 23 jan. 2020. DICAS Para acessar informações atualizadas sobre as regiões primárias de diversidade das principais culturas agrícolas no mundo e sua importância na dieta humana e na pro- dução de alimentos sugerimos os mapas interativos do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Cali – Colômbia), importante instituto de pesquisas ligado à organização Bioversity Internacional (com sede em Roma/Itália). Para maiores informações acesse: https://blog. ciat.cgiar.org/origin-of-crops/. Nestes mapas interativos, é possível buscar as informações da origem e da diversidade das plantas cultivadas em todas as regiões do mundo (Figura 25). Além disso, os dados relacio- nados com a dieta (calorias, proteínas e lipídeos), além da produção e colheita das culturas agrícolas são constantemente atualizados em uma plataforma didática e informativa. 76 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL FIGURA 25 – MAPAS E DADOS INTERATIVOS SOBRE A ORIGEM DAS PLANTAS CULTIVADAS FONTE: Adaptado de <https://blog.ciat.cgiar.org/origin-of-crops/>. Acesso em: 23 jan. 2020. As evidências sobre a origem dos humanos modernos (Homo sapiens) su- gerem que sua origem ocorreu na África há cerca de 200.000 anos atrás. Porém, apenas há aproximadamente 12.000 a 10.000 anos atrás a produção de alimentos se desenvolveu. O desenvolvimento da agricultura foi possível graças à grandes mudanças nas formas de vida e devido ao acúmulo de tecnologias e de conhe- cimentos ao longo de milhares de anos, dentre eles, aqueles relacionados com a propagação das plantas de interesse (HARTMANN et al., 2002). 3 FATORES QUE INFLUENCIAM A PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS Nos sistemas de produção agrícola desenvolvidos atualmente, os conhe- cimentos sobre os diversos fatores que influenciam a propagação das plantas e a produção de sementes e de mudas são importantes para a viabilizar os cultivos. Dentre esses conhecimentos, destacam-se as plantas matrizes e os cuidados nas TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 77 áreas de produção de mudas e sementes, condições ambientais (luminosidade, temperatura, umidade, entre outros) e de estresse, solo e/ou substratos, insumos (materiais, recipientes e produtos químicos) e infraestrutura (instalações e equi- pamentos) para a propagação, entre outros. 3.1 PLANTAS MATRIZES: CAMPO DE PRODUÇÃO DE SEMENTES E VIVEIRO DE MUDAS Tanto para a propagação sexuada quanto para a propagação vegetativa (assexuada), a escolha e os cuidados com as plantas fornecedoras de material pro- pagativo são muito importantes. Na condição da reprodução sexuada, as plantas matrizessão aqueles fornecedoras de sementes, enquanto, no caso da propagação vegetativa, as plantas matrizes são aqueles fornecedoras de gemas ou de outras estruturas utilizadas para a formação de uma nova planta. IMPORTANT E Segundo a legislação brasileira que organiza o sistema nacional de sementes e mudas (Lei Federal 10.711, de 5 de agosto de 2003), entende-se por Planta Matriz, a “planta fornecedora de material de propagação que mantém as características da planta básica da qual seja proveniente”. A Planta Básica é a “planta obtida a partir de processo de melhora- mento, sob a responsabilidade e controle direto de seu obtentor ou introdutor, mantidas as suas características de identidade e pureza genéticas”. Conforme essa legislação ainda, Semente refere-se ao “material de reprodução vegetal de qualquer gênero, espécie ou cul- tivar, proveniente de reprodução sexuada ou assexuada, que tenha finalidade específica de semeadura” e Muda refere-se ao “material de propagação vegetal de qualquer gênero, espécie ou cultivar, proveniente de reprodução sexuada ou assexuada, que tenha finalidade específica de plantio” (BRASIL, 2003, s.p.). Neste sentido, a seleção das plantas matrizes envolve diversos critérios como (FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010; CARVALHO; SILVA, 2012): • Características fisiológicas: envolvem o ciclo de vida, o vigor, a condição nutri- cional, a idade das plantas, entre outros. • Características de fitossanidade: cuidados para evitar a transmissão de pragas e doenças. • Características agronômicas: como a regularidade de produção, qualidade e produtividade, resistência e adaptação, entre outros. • Características genéticas: possibilitando a manutenção da identidade e evitan- do misturas de espécies ou de cultivares, além de evitar a propagação de plan- tas daninhas ou invasoras. 78 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL Além desses critérios, alguns cuidados que devem ser tomados em rela- ção às plantas matrizes são destacados como: a especificidade da cultura agrícola (espécie vegetal, cultivar e clone), a estação do ano (fator climático e relacionado às fases do ciclo de vida das plantas), as características fisiológicas de desenvolvi- mento e a preservação da sanidade das plantas (CARVALHO; SILVA, 2012). Com relação à condição fisiológica, deve-se atentar para o adequado fornecimento de água, luminosidade, balanço hormonal, além do estado nutricional que interfere no acúmulo de reservas e de nutrientes. A técnica de propagação (sementes, estaquia, enxertia, micropropagação, entre outras) é um aspecto que deve ser observado na seleção e manejo das plan- tas matrizes para a produção de mudas. O volume de produção e a regularidade são outros aspectos importantes na definição das plantas matrizes. Além disso, o atendimento à legislação vigente deve ser observado a fim de possibilitar o re- gistro e o atendimento das normas e padrões necessários à produção de mudas (HOFFMANN et al., 2005b). O campo de produção de sementes corresponde a “área contínua de uma mesma cultivar, dividida em módulos ou glebas para efeito de vistoria ou de fis- calização” (MAPA, 2005a, s.p.). Como exemplos estão: as áreas de produção de sementes de milho, soja, arroz, feijão, hortaliças, entre outros grãos (propagação sexuada) e as áreas de produção de batata (tubérculo), alho (bulbos), entre outras espécies (propagação assexuada). O viveiro de produção de mudas corresponde a “área convenientemente demarcada e tecnicamente adequada para a produção e manutenção de mudas” (art. 2º, XXXII) (BRASIL, 2004, s.p.; MAPA, 2005b). Como exemplos estão: as se- menteiras, destinadas a produção de mudas de hortaliças, flores, porta-enxertos de plantas frutíferas, entre outras e as áreas de coleta de material de propagação vegetativa, como áreas de bananais (rizoma), de videira, macieira, pessegueiro, entre outros (estacas e gemas), de plantas cítricas (borbulhas), entre outros Nos campos de produção de sementes, devem-se observar as seguintes condições (HARTMANN et al., 2002): • Adequado preparo do solo. • Manejo correto da cultura (época, profundidade e densidade de semeadura, cuidados fitossanitários, manejo de adubação e de irrigação). • Cultivo com sementes de boa qualidade (genética e sanitária). • Definição do momento de colheita adequado. • Utilização de equipamentos e maquinários apropriados. • Uso conforme recomendação técnica de agroquímicos e outros produtos. • Cuidados no manejo em pós-colheita e no armazenamento. O processo de fiscalização nos campos de produção de sementes segue as orientações guia de inspeção, atendendo as exigências de ausência de contami- nantes e o adequado desenvolvimento das plantas (MAPA, 2011). TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 79 Nos viveiros de produção de mudas, os mesmos cuidados devem ser ve- rificados (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN et al., 2005b): • Adequado preparo e mistura do substrato. • Manejo correto das plantas matrizes (espaçamento, cuidados fitossanitários, manejo de adubação e de irrigação). • Coleta de material de propagação de boa qualidade (genética e sanitária). • Definição do momento de coleta adequado. • Utilização de equipamentos, materiais, ferramentas, maquinários e infraestru- tura apropriados. • Uso conforme recomendação técnica de agroquímicos e outros produtos. • Cuidados nas atividades de propagação, no manejo em pós-colheita e no ar- mazenamento. Em ambas as condições, campos de produção de sementes e viveiros de mudas, outros cuidados devem ser observados como a facilidade de acesso, as condições de solo e de água (análise física, química e microbiológica), a visto- ria permanente, a limpeza e organização, a correta identificação das áreas e das instalações, a verificação do histórico de utilização, além da necessidade de in- fraestrutura e equipamentos adequados e do acompanhamento de responsável técnico (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN et al., 2005b). Tanto nos campos de produção de sementes, quanto nos viveiros de mu- das, os cuidados e as atividades devem seguir os padrões e normas estabelecidos na legislação brasileira (BRASIL, 2003; BRASIL, 2004). Além dessas, é de respon- sabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o estabeleci- mento de regras e normas complementares que devem ser seguidas pelos produ- tores de sementes e mudas (art. 2º) (BRASIL, 2004; MAPA, 2020a; MAPA, 2020b). 3.1.1 Viveiro de mudas: planta básica, planta matriz, sementeira, jardim clonal e borbulheira Nos viveiros de produção de mudas, o cultivo e a manutenção de uma coleção de plantas para a retirada de material de propagação é uma atividade comum. A coleção de plantas distribuídas no jardim clonal e/ou na borbulheira também podem ser chamadas de matrizeiro. As mudas podem ser propagadas de forma sexuada, através de sementes em sementeiras ou canteiros; ou propaga- das de forma assexuada a partir da coleta de material de plantas destinadas para esta finalidade. Dessa forma, a organização de um viveiro de mudas pode conter as seguintes formas (MAPA, 2005b, s.p.): • Planta Básica: “planta obtida a partir de processo de melhoramento, sob a responsabilidade e controle direto de seu obtentor ou introdutor, mantidas as suas características de identidade e pureza genéticas”. • Planta Matriz: “planta fornecedora de material de propagação que mantém as características da planta básica da qual seja proveniente”. 80 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL • Planta fornecedora de material de propagação sem origem genética compro- vada: “planta inscrita no órgão de fiscalização como fornecedora de material de propagação sem origem genética comprovada”. • Sementeira: “local onde as sementes são semeadas para a formação de plântu- las, visando à produção de mudas”. • Borbulheira: “conjunto de plantas de uma mesma espécie ou cultivar prove- niente de planta básica, planta matriz ou muda certificada, destinado a forne- cer borbulhas”. • Jardim clonal: “conjunto de plantas,matrizes ou básicas, destinado a fornecer material de multiplicação de determinada cultivar”. 3.2 FATORES AMBIENTAIS QUE INTERFEREM NA PROPAGAÇÃO DE PLANTAS Entre os principais fatores ambientais que interferem na propagação das plantas destacam-se: luz, água ou umidade, temperatura, concentração de gases e disponibilidade de nutrientes minerais. Nas condições de um sistema de pro- pagação de plantas através de sementes ou mudas, esses fatores atuam de for- ma a otimizar o desenvolvimento das plantas, diminuir as condições de estresse, promover a proteção fitossanitária e possibilitar as condições necessárias para a formação das sementes e dos propágulos (estruturas destinadas à propagação vegetativa) (HARTMANN et al., 2002). A luz ou luminosidade interfere diretamente no processo de fotossíntese e na produção de energia. O efeito da luz na propagação de plantas pode ser através da irradiância ou intensidade (quantidade de fótons), da composição es- pectral ou comprimento de onda (qualidade da luz visível) e do período de expo- sição ao longo do dia (fotoperíodo ou comprimento do dia) (HARTMANN et al., 2002). A luminosidade pode ser controlada através da utilização de sistemas de iluminação, através do uso de estufas e telados ou ainda a partir do isolamento da entrada de luz utilizando diversos materiais. A disponibilidade de água ou controle de umidade é um fator de fun- damental importância, já que esse recurso é fundamental para a sobrevivência de qualquer ser vivo. Para estimar a necessidade hídrica (volume de água), são considerados a evaporação, o consumo de água e as técnicas de propagação, além do tipo de solo ou substrato e das questões fitossanitárias (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN et al., 2005b). O controle da disponibilidade hídrica é reali- zado através da irrigação (tempo e volume de água) e da cobertura das plantas, além do efeito do tipo de substrato. A temperatura é um dos fatores climáticos de maior importância no de- senvolvimento das plantas e na propagação. As condições de temperatura inter- ferem diretamente no estado de dormência de sementes e gemas, na capacidade de enraizamento (formação de raízes adventícias) e na cicatrização e união vascu- TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 81 lar (necessários para o sucesso da enxertia), possibilitando o desenvolvimento da nova planta (HARTMANN et al., 2002, p. 46). A temperatura pode ser controlada através de diversos mecanismos, como cobertura plástica (estufas), o uso de telados (sombreamento), a irrigação por aspersão e o uso de ventiladores, além da utilização de equipamentos para aquecimento do ar e do substrato. Pode-se ainda realizar o controle preciso da temperatura através do monitoramento das condições ambientais e o acionamen- to de sistemas de ajuste para a manutenção da condição desejada, como utilizada em casas de vegetação. A concentração de gases afeta os processos de respiração e trocas gasosas necessários ao processo de germinação e formação de raízes adventícias. Assim, as concentrações de oxigênio (O2) e de gás carbônico (CO2) podem ser controladas para favorecer o desenvolvimento das plantas. Além disso, o controle da concentração de outros gases que podem inter- ferir negativamente no processo de propagação, no armazenamento e no trans- porte de sementes e propágulos, como o etileno (C2H2) (HARTMANN et al., 2002). O controle de gases pode ser feito através de atmosfera modificada (com uso de estufas) ou através de atmosfera controlada (com o acompanhamento e alteração da concentração gasosa). A disponibilidade de nutrientes minerais envolve o suprimento de macro e micronutrientes essenciais para o desenvolvimento das plantas. Esse suprimen- to pode ser realizado através da fertirrigação utilizando uma solução nutritiva (adição de fertilizantes solúveis na água de irrigação) ou a partir da adubação sólida (através de fontes mineral ou orgânica) (HARTMANN et al., 2002). Além de nutrientes minerais outros compostos podem ser suplementados para promover um melhor desenvolvimento das plantas, como reguladores de crescimento, agroquímicos, entre outros compostos com efeito sobre o metabo- lismo vegetal. 3.3 SOLO E SUBSTRATOS O solo e o substrato são componentes essenciais para a propagação de plantas. É nesse meio que as sementes germinam ou onde ocorre a formação e o desenvolvimento das raízes adventícias para a formação de uma nova planta. O solo é o produto do processo de intemperismo (conjunto de processos físicos, químicos e biológicos envolvidos na desintegração de rochas e formação do solo) sobre o material de origem, sendo determinado pelo relevo, clima, organis- mos vivos, atuando ao longo do tempo (BATISTA; PAIVA; MARCOLINO, 2014). 82 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL Em um conceito mais geral, “solo é a coletividade de indivíduos natu- rais, na superfície da terra, eventualmente modificado ou mesmo construído pelo homem, contendo matéria orgânica viva e servindo ou sendo capaz de servir à sustentação de plantas ao ar livre” (IBGE, 2015, p. 39). De acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, o solo é conceituado como: uma coleção de corpos naturais, constituídos por partes sólidas, líqui- das e gasosas, tridimensionais, dinâmicos, formados por materiais mi- nerais e orgânicos que ocupam a maior parte do manto superficial das extensões continentais do nosso planeta, contêm matéria viva e podem ser vegetados na natureza onde ocorrem e, eventualmente, terem sido modificados por interferências antrópicas (EMBRAPA, 2018, p. 25). DICAS Informações sobre os tipos de solos brasileiros e publicações sobre esse tema estão disponíveis na Embrapa Solos. Disponível em: https://www.embrapa.br/solos/sibcs. O substrato é o material sólido originado de solo e de outras substâncias, minerais ou orgânicas, naturais, sintéticas ou de resíduos, apresentando em mis- tura ou em forma pura, sendo distribuído em canteiros, recipientes ou outros espaços, para possibilitar a germinação e a produção de mudas, permitindo a an- coragem do sistema radicular, servindo de suporte para as plantas e/ou de fonte de nutrientes (BATISTA; PAIVA; MARCOLINO, 2014). Algumas características do solo ou do substrato são importantes para a propagação de plantas, embora essas condições possam variar de acordo com a espécie entre outros fatores. Algumas dessas características desejadas do solo e do substrato são (HARTMANN et al., 2002): • Meio suficientemente firme e denso: possibilita a germinação, a fixação das raízes e a ancoragem da planta, além do fornecimento de água e a aeração ne- cessária. • Formado por mistura decomposta e estável: evitando os processos de utiliza- ção de N (Nitrogênio) para decomposição e mineralização, além do encolhi- mento e perda em volume. • Facilidade de absorção de água: possibilitando a retenção de água, reduzindo a frequência de irrigação. • Porosidade: permitindo a drenagem do excesso de água, evitando o enchar- camento, mantendo a aeração e a umidade necessárias à germinação e/ou ao desenvolvimento das mudas, além de facilitar a formação do sistema radicular. TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 83 • Meio limpo: indica que a mistura deve ser isenta de sementes, de pragas, de nematoides, de doenças, entre outras condições que possam interferir na for- mação das mudas. • Baixa salinidade: esse meio físico não deve conter minerais em excesso, preju- dicando o desenvolvimento das mudas. • Permitir a desinfestação: possibilita que possam ser realizados tratamentos tér- micos, químicos ou de outra forma, para permitir a limpeza. • Capacidade de retenção de nutrientes minerais: possibilita que os nutrientes disponibilizados na mistura ou através de adubação e/ou fertirrigação possam estar disponíveis para as plantas, sem ser perdidos (lavados ou lixiviados) pela água de irrigação. • Disponibilidade e qualidade: estar disponível em volumesuficiente, na frequên- cia utilizada e mantendo as características desejadas entre os lotes de utilização. • Acessível e viável: indica que o material deve ser de fácil obtenção e que a rela- ção custo/benefício seja vantajosa para o produtor. Os solos podem ser orgânicos (acima de 8% de matéria orgânica) e inor- gânicos (minerais), apresentando variações na textura (tamanho das partículas). Quanto às características físicas dos solos, o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos indica que os solos utilizados no Brasil podem ser (EMBRAPA, 2018, p. 46): • Argiloso (acima de 35% de argila): fração mineral argila com ta- manho menor que 2 µm (0,002 mm). • Siltoso (menos de 35% de argila e menos de 15% de areia): fração mineral silte com tamanho entre 2 µm e 50 µm (0,002 e 0,05 mm). • Textura média (menos de 35% de argila e mais de 15% de areia): com fração de argila e de areia varáveis. • Arenoso (acima de 70% de areia e menos de 15% de argila): fração mineral areia com tamanho entre 0,05 e 2 mm. Já os substratos podem ser formados, além do solo de diferentes tipos (orgânico, argiloso, siltoso, médio ou arenoso), por outros materiais como: com- postos orgânicos, turfas (material orgânico parcialmente decomposto), vermicu- lita (material micáceo, resultando em uma argila expandida à temperatura entre 800 ºC e 1000 ºC), perlita (material rico em silicato, de origem vulcânica), casca de arroz carbonizada, fibra de coco, casca de pinus, pedras e cascalhos, além de diversos outros materiais (Figura 26) (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN et al., 2005b). Além desses materiais, a espuma fenólica (substrato estéril, obtido a partir de uma base de resina fenólica) pode ser utilizada como substrato para a germinação de sementes e para o enraizamento de estacas. 84 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL FIGURA 26 – DIFERENTES TIPOS DE MATERIAIS UTILIZADOS NA COMPOSIÇÃO DE SUBSTRATOS FONTE: Adaptado de Toogood (2019) 3.4 INSTALAÇÕES E INFRAESTRUTURA Muitos locais de produção de mudas envolvem a construção de instala- ções, desde pequenas, simples, com estrutura em madeira e de fácil implantação, até ambientes de grandes dimensões, com alto custo, produzidos sob medida em aço galvanizado e com controle automatizado de todas as atividades. Entre essas instalações com estrutura especializada estão os telados, as estufas, entre outros (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN et al., 2005b). Os telados são construções com estrutura mais simples, que possibilitam a distribuição de uma cobertura com tela, possibilitando diversos níveis de som- breamento. Estão disponíveis materiais de diferentes desenhos, cores e formatos. Entre as vantagens da utilização de telados estão: barreira física para ani- mais, proteção contra vento e granizo; diminuição da temperatura interna (tela brancas e tela aluminizada termorefletora); proteção contra o frio (temperaturas baixas); efeito no desenvolvimento das plantas (telas coloridas); diminuição da lu- minosidade (telas escuras); proteção contra pragas (tela antiafídeos); entre outras. As estufas são construções mais complexas, também chamadas de ca- sas de vegetação, podendo ser parcialmente ou totalmente fechada nas laterais. Apresentam cobertura plástica, de vidro ou de fibra de vidro. TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 85 Existem diversos formatos, tamanhos e possibilidades de construções de estufas destinadas à propagação de plantas. Entre as vantagens da utilização de estufas estão: possibilidade de cultivo em qualquer época do ano; proteção contra pragas e doenças; utilização da fertirrigação; maior controle no desenvolvimento das plantas; redução da utilização de agroquímicos (controle de pragas e doen- ças); melhoria da qualidade; controle da atmosfera (gasosa e de temperatura); possibilidade de automação (instrumentação, sensores e controle); entre outras. O ideal é que estas estruturas apresentem ambiente protegido com tela antiafídica, antecâmara e dispositivo para lavagem de mão, além de controle ri- goroso do trânsito de pessoas, desinfestação de calçados, equipamentos, ferra- mentas e vestimentas, uso de armadilhas, inspeções (monitoramento) e controle fitossanitário, seguindo as normas da orientação técnica (NETO et al., 2015). 3.5 FERRAMENTAS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS Diversos instrumentos e materiais são utilizados nos diferentes trabalhos envolvidos com a propagação de plantas. As técnicas de propagação e as espe- cificidades de cada planta envolvem necessidades de ferramentas, materiais e equipamentos adequados para cada tipo de atividade. Esses instrumentos e aparelhos podem ser utilizados na limpeza, distri- buição e contagem de sementes; como furadores e espaçadores; etiquetas para a identificação dos lotes e das plantas; como suporte para substrato (potes, vasos, bandejas, entre outros materiais de plástico, papel, fibra e de origem residual); embalagens para armazenamento, transporte e comercialização (caixas e reci- pientes diversos); canivetes, tesouras e outros instrumentos de corte e enxertia; fitas adesivas, ceras, cordas e outros materiais de fixação e isolamento (Figura 27) (HARTMANN et al., 2002; TOOGOOD, 2019). Outros itens como equipamentos de irrigação, de iluminação, para a fertili- zação e para o controle térmico, além de instrumentos diversos para o controle das condições de produção (termômetro, condutivímetro, pHmetro, medidores de ra- diação, balança, amarradores, entre outros) e para o armazenamento ou quebra de dormência (estufas, câmaras frias, câmaras de germinação) podem ser necessários para as atividades relacionadas com a produção de sementes e de mudas. 86 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL FIGURA 27 – FERRAMENTAS, MATERIAIS E EQUIPAMENTOS UTILIZADOS NA PROPAGAÇÃO DE PLANTAS FONTE: Adaptado de Toogood (2019) 3.6 AGROQUÍMICOS, REGULADORES DE CRESCIMENTO E OUTROS INSUMOS Existem diversos produtos comerciais com possibilidade de utilização para facilitar o manuseio de sementes, gemas e mudas, regulando e promovendo o processo de propagação de plantas. Dentre esses produtos, destacam-se os agroquímicos (fungicidas, inseti- cidas, herbicidas, entre outros), além de compostos sanitizantes e desinfetantes, soluções nutritivas, condicionadores de solo e bioestimulantes (extrato de algas, aminoácidos, ácidos fúlvicos e húmicos, carboidratos, minerais, entre outros) e os reguladores de crescimento vegetal (auxinas, citocininas, giberelinas, entre ou- tros grupos de ação hormonal). Esses produtos devem ser utilizados de acordo com recomendação técni- ca, sendo que os efeitos são variáveis de acordo com a espécie vegetal e de acordo com as condições de manuseio. Além desses, outros compostos e produtos com efeito fisiológico nas plantas também podem ser utilizados como: fosfitos, po- lissacarídeos (quitosana, entre outros), compostos fenólicos (flavonoides, entre outros) e extratos vegetais. TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 87 Entre os reguladores de crescimento, a auxina mais utilizada para a propa- gação de plantas é o AIB (ácido indol butírico), eficiente na indução da formação de primórdios radiculares (raízes adventícias) em estacas, além de apresentar certa es- tabilidade e fácil utilização (via solução liquida ou através de concentração em pó). A utilização de citocininas no processo de propagação baseia-se na utili- zação para favorecer a quebra de dormência de gemas e para promover brotação em estacas de raiz. Entre as citocininas, as mais utilizadas são a CIN (cinetina), BAP (benzilaminopurina) e o TDZ (thidiazuron). A utilização de giberelinas en- volve o prolongamento do comprimento dos ramos e a quebra de dormência de sementes e gemas. Existem dezenas de giberelinas conhecidas, embora o AG3 (ácido giberéli- co) seja o regulador mais usado. O ABA (ácido abscísico) é um regulador vegetal que atua na inibição do desenvolvimento e em resposta ao estresse, assimsua utilização pode promover a dormência (HARTMANN et al., 2002). Os regulado- res de crescimento podem ser usados de forma isolada ou conjunta, em produtos comerciais simples ou em produtos formados pela mistura de biorreguladores. 88 UNIDADE 1 —REPRODUÇÃO VEGETAL PRODUÇÃO DE SEMENTES E MUDAS A atividade de produção de sementes e mudas está sob a égide do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). O produtor de sementes ou o produtor de mudas, inscrito no RENASEM, deverá ser assistido por responsável técnico, devidamente credenciado no RENASEM, quando as sementes ou as mudas são destinadas à comercialização. [...] Além disso, é preciso atender o que diz a Lei n° 10.711, de 5 de agosto de 2003, o seu Regulamento, aprovado pelo Decreto n° 5.153, de 23 de julho de 2004, a Instrução Normativa n° 9, de 2 de junho de 2005, que estabelece as Normas Gerais para Produção, Comercialização e Utilização de Sementes, e a Instrução Normativa nº 24, de 16 de dezembro de 2005, que estabelece as Normas Gerais para Produção, Comercialização e Utilização de Mudas; além das normativas específicas para cada espécie vegetal, quando houver. O Sistema de Gestão da Fiscalização (SIGEF) foi desenvolvido para o gerenciamento das ações de fiscalização. [...] Para a inscrição do campo de produção de sementes, o produtor deverá comprovar a origem da semente em quantidade suficiente para o plantio da área a ser inscrita. Toda pessoa física ou jurídica que utilize sementes, com a finalidade de semeadura, deverá adquiri-las de produtor ou comerciante inscrito no RENASEM — Registro Nacional de Sementes e Mudas. Para a produção de mudas, é preciso usar material proveniente de uma planta ou um conjunto de plantas já inscritos no MAPA para esta finalidade de fornecer material de propagação, podendo ser uma Planta Básica, uma Planta Matriz, um Jardim Clonal de Plantas Básicas ou de Plantas Matrizes, uma Borbulheira, ou uma Planta ou Campo de Plantas Fornecedoras de Material de Propagação Sem Origem Genética Comprovada. LEITURA COMPLEMENTAR TÓPICO 3 —PRODUÇÃO DE SEMENTES E DE MUDAS 89 maiores informações sobre o setor de sementes e mudas, sugerimos o acesso: https://www.gov. br/agricultura/pt-br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas. [...] FONTE: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agri- colas/sementes-e-mudas/producao-de-sementes-e-mudas>. Acesso em: 29 jan. 2020. 90 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • O histórico da agricultura e da propagação de plantas. • Os fatores que influenciam a produção de sementes e de mudas. • As plantas matrizes, que fornecem material para a propagação sexuada (sementes) ou para a propagação vegetativa (gemas e outras estruturas). • Os cuidados na condução e manutenção do campo de produção de sementes e do viveiro de mudas. • As diferenças entre planta básica, planta matriz, sementeira, jardim clonal e borbulheira. • Os fatores ambientais que interferem na propagação das plantas, destacando-se: luz, água ou umidade, temperatura, concentração de gases e disponibilidade de nutrientes minerais. • Os cuidados com o solo e substratos; com as instalações e infraestrutura; com ferramentas, materiais e equipamentos; e com os agroquímicos e reguladores de crescimento utilizados. • A legislação e as normas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a produção de sementes e mudas. • A importância do processo de propagação de plantas e de produção de mudas para as atividades agropecuárias. Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. CHAMADA 91 1 A propagação através de sementes foi utilizada desde o desenvolvimen- to da agricultura. Assim, a importância de conhecer as técnicas de propa- gação possibilitou aos humanos o desenvolvimento da agricultura. Atu- almente, a produção de alimentos e outros itens envolve o segmento de produção de sementes e mudas, sendo uma etapa de grande responsabili- dade e controle. Sobre a história e importância da propagação de plantas, é INCORRETO afirmar que: a) ( ) Os conhecimentos sobre as técnicas de obtenção de plantas a partir de sementes ou de partes vegetativas foram inovações e conhecimentos que ajudaram os primeiros agricultores a cultivar as plantas de interesse. b) ( ) A agricultura se desenvolveu a partir dos conhecimentos adquiridos ao longo de muito tempo, ocorrendo de forma independente em diversas regiões do mundo há cerca de 10.000 anos atrás. c) ( ) Todas as plantas cultivadas atualmente apresentam propagação se- xuada, já que esta forma é mais simples e barata para a obtenção de novos indivíduos. d) ( ) As técnicas atuais de propagação envolvem a obtenção de sementes de alta qualidade genética e sanitária, bem como a propagação vegetativa, possibilitando a formação de plantios clonais, com plantas homogêneas. 2 Diversos são os fatores que influenciam a produção de sementes e mudas. Eles podem ser decorrentes das características das plantas doadoras de propágulos, das práticas de manejo ou mesmo das condições e caracte- rísticas dos insumos e instalações utilizados no processo de propagação. Com base nos fatores que influenciam a produção de sementes e mudas, classifique V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as FALSAS: ( ) Deve-se dar preferência à escolha de plantas matrizes sadias, bem for- madas e em bom estado nutricional, além de características agronômicas como qualidade e regularidade de produção. ( ) Nos campos de produção de sementes, o uso de máquinas apropriadas, o acompanhamento de todo o ciclo e a realização da colheita no momento reco- mendado são condições que favorecem a obtenção de sementes de qualidade. ( ) Cuidados específicos envolvendo os fatores ambientais, como luz, tem- peratura, umidade e nutrição permitem a produção de sementes ou mu- das inapropriadas para o cultivo. AUTOATIVIDADE 92 ( ) O preparo do solo ou do substrato, além das condições de manutenção das mudas, em estufas ou telados, pouco influenciam a obtenção de plân- tulas saudáveis e bem desenvolvidas. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – F – F. b) ( ) F – V – V – F. c) ( ) V – F – V – F. d) ( ) V – F – F – V. 93 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO DE PLANTAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer as formas de propagação a partir de sementes, da estaquia, da enxertia, da mergulhia e por outras estruturas especializadas; • compreender os princípios fisiológicos e anatômicos envolvidos na propagação sexuada e assexuada de plantas; • identificar os fatores que influenciam as diferentes formas de propagação; • reconhecer as vantagens, as desvantagens e as aplicações práticas de cada um dos métodos de obtenção de mudas; • conhecer os tipos, as técnicas e as metodologias utilizadas na propagação vegetativa; • relacionar os conhecimentos com as atividades de um responsável técnico, bem como suas implicações práticas envolvidas em uma unidade produtora de sementes e/ou mudas. 94 PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – PROPAGAÇÃO POR SEMENTES TÓPICO 2 – PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA TÓPICO 3 – PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA TÓPICO 4 – PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 95 UNIDADE2 1 INTRODUÇÃO Neste primeiro tópico, abordaremos os conhecimentos sobre a propaga- ção sexuada de plantas, abordando as estratégias e técnicas agronômicas utiliza- das para a produção de sementes. Espera-se que as informações possam auxiliar na compreensão de quais procedimentos podem ser adotados para a obtenção de plantas sadias e com ca- racterísticas genéticas desejáveis a partir de sementes. Além disso, pretende-se facilitar a compreensão dos mecanismos de superação de dormência e as metodo- logias de análise e seleção de sementes, possibilitando seu uso e comercialização. Bons estudos! 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR SEMENTES Como comentado na unidade anterior, a propagação sexuada é a estraté- gia mais importante de reprodução das plantas. Essa informação também é ver- dadeira no contexto da agricultura, onde muitas plantas utilizadas para a produ- ção de alimentos, fibras, energia e utilização ornamental e medicinal, entre outros usos, são propagadas a partir de sementes. Assim, grãos, plantas hortícolas, for- rageiras, espécies florestais, entre outras, são obtidas a partir do processo sexu- ado de reprodução (HARTMANN et al., 2002). Com relação às plantas frutíferas e outros grupos vegetais, a propagação sexuada apresenta restrita utilização, em razão de outras metodologias de propagação assexuada que possibilitam maiores vantagens (FACHINELLO; NACHTIGAL; HOFFMANN, 2005a), como veremos nos próximos tópicos. Um dos principais registros antigos da atividade agrícola é o artefato A instrução de Ninurta, sendo uma peça de argila com inscrições cuneiformes, de aproximadamente 1.700 anos a.C. encontrada na cidade Suméria de Nippur (atual Niffer, no Iraque). Ninurta é considerado o Deus da guerra, mas também a divin- dade da irrigação e da agricultura. Os conhecimentos avançados de engenharia, irrigação, construção e das estações do ano possibilitaram aos sumérios o desen- volvimento de um sistema de produção de alimentos em escala e muito sofisticado. TÓPICO 1 — PROPAGAÇÃO POR SEMENTES UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 96 A invenção da escrita possibilitou registrar e deixar informações para as gerações seguintes de forma precisa. A instrução de Ninurta é o resultado de uma dessas compilações de informações e instruções para possibilitar que um agricul- tor sumério soubesse como proceder ao longo de suas atividades agrícolas anuais (Figura 1). Esse importante achado histórico representava um guia (um tipo de almanaque ou manual de agricultura), encontrado em nove fragmentos de argila. O documento completo possui 108 linhas e descreve instruções endere- çadas de um agricultor para seu filho, com o objetivo de orientá-lo durante as atividades de produção ao longo do ano. As instruções iniciam com a inundação dos campos nos meses de maio e junho, orientando a semeadura da cevada em detalhes, finalizando com orientações sobre a limpeza e peneiramento dos grãos colhidos entre os meses de abril e maio (KRAMER, 1981). NOTA A instrução de Ninurta retrata os cuidados de manejo dos produtores de grãos (cevada) da Suméria (atual Iraque), a mais antiga civilização conhecida na região Sul da Mesopotâmia. Esses povos viviam entre os rios Tigre e Eufrates desde 5.000 a.C., desenvol- veram inovações tecnológicas, como a escrita, a engenharia, técnicas de irrigação e dre- nagem e a agricultura, além do comércio e manufaturas (tecelagem, metalurgia, alvenaria e cerâmica). A civilização suméria cultivava grãos e outras plantas, possibilitando colheitas em abundância, permitindo que se instalassem na região, deixando a vida nômade. TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES 97 FIGURA 1 – A CIVILIZAÇÃO SUMÉRIA E A INSCRIÇÃO DE NINURTA FONTE: Adaptado de Kramer (1981, p. XXIII, 66 e 68) e <https://bit.ly/3d3XB2w>. Acesso em: 30 jan. 2020. UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 98 Uma tradução do texto da instrução de Ninurta pode ser acessada do Projeto da Universidade Oxford (The Electronic Text Corpus of Sumerian Literature – ETCSL), dispo- nível em: http://etcsl.orinst.ox.ac.uk/section5/tr563.htm. Neste texto antigo, verifica-se que a preocupação com o preparo do solo e com a forma de semeadura, além do manejo cuidadoso após a germinação eram atividades importantes e que deveriam ser seguidas de acordo com a experiência dos mais velhos para a obtenção da uma colheita adequada de grãos. Acompanhe a tradução para o português de alguns trechos do almanaque agrícola sumério, de acordo com a descrição feita em ETCSL: “Nos dias de outrora, um fazendeiro deu instruções a seu filho” (Linha 1) ... “Quando você tiver que trabalhar o campo com o semeador, o arado deve ser ajustado adequadamen- te...” (Linhas 41-45). “Quando estiver para arar o campo, fique de olho no homem que coloca a semente de cevada. Deixe-o soltar o grão uniformemente com dois dedos de profundidade... Se a semente de cevada não estiver sendo inserida na cavidade do sulco, altere a cunha do arado.” (Linhas 46-54). “Os sulcos devem ser mais estreitos onde o solo está firme: é bom para as mudas.” (Linhas 62-63). “Após o surgimento do broto do solo (emergência), faça uma oração à deusa Ninkilim (ou “realize os rituais”). Afaste os pássaros voadores (ou “afaste os pequenos pássaros”). Quando as plantas (cevada) enchem o fun- do estreito do sulco, regue as mudas do sulco superior. Quando a cevada estiver alta ..., regue-a (uma segunda vez) ... Se a cevada regada ficou vermelha (ou “Quando as plantas estiverem totalmente folheadas, não as regue”), está doente com a doença samana (ferru- gem da folha)". Se tiver conseguido produzir cevada rica em semente, regue-a e produzirá uma medida extra de cevada” (Linhas 64-73). “Quando tiver que colher a cevada, não deixe as plantas ficarem maduras (ou se curvarem). Colha no momento certo. Um ceifador, um homem que empacota a cevada cortada e um homem que empilha diante dele. Esses três farão a colheita por você. Os colhedores não devem causar danos... Não deixe que os que colhem a cevada machuquem o grão. Eles não devem espalhar o grão quando estiver nas pilhas.” (Linhas 74-80). IMPORTANT E A partir dos conhecimentos sobre a propagação das plantas e da utiliza- ção de sementes, a agricultura se desenvolveu em diferentes culturas humanas. Um desses registros está ilustrado na pintura encontrada na câmara funerária de Sennedjem, do ano 1.200 a.C., demonstrando a prática da semeadura do trigo nas margens do rio Nilo (Figura 2). Foi graças à agricultura, praticada em grande escala, que a sociedade egípcia se desenvolveu e deixou conhecimentos, registros artísticos e culturais. TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES 99 FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO DA SEMEADURA DE TRIGO NO EGITO ANTIGO FONTE: <https://www.crystalinks.com/egyptfarming.jpg>. Acesso em: 30 jan. 2020. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), das culturas agrícolas mais importantes para a alimentação mun- dial atualmente (trigo, arroz, batata e milho), três são propagadas comercialmen- te através de sementes. Para relembrarmos, uma semente resulta de um óvulo maduro, conten- do um embrião que usualmente foi desenvolvido a partir da fertilização sexual. Assim, a propagação sexuada envolve a formação de sementes a partir da união dos gametas masculino (grão de pólen) e feminino (óvulo), a partir do processo de dupla fertilização (HARTMANN et al., 2002). 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS Assim como discutido no Tópico 2 da Unidade 1, a propagação através de sementes apresenta vantagens e desvantagens, sendo utilizada em muitos siste- mas de produção agrícola e substituída pela propagação assexuada no cultivo de outras espécies de importância comercial. Dentre as vantagens da propagação por sementes estão: a maior longevi- dade das plantas, por passar por todas as fases do ciclo de vida; o desenvolvimen- to de plantas mais vigorosas; a formação de um sistema radicular mais desen- volvido e profundo; a possibilidadede maior diversidade e adaptação devido à variabilidade genética; de modo geral, o custo é mais baixo no processo de propa- gação e obtenção de mudas; simplicidade e facilidade na execução das atividade UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 100 de campo; aproveitamento da heterose através do vigor híbrido (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN; FACHINELLO; NACHTIGAL, 2005a; FACHINELLO; NACHTIGAL; HOFFMANN, 2005a). Dentre as desvantagens da propagação por sementes estão: a variabilida- de genética entre as plantas que pode resultar em desenvolvimento heterogêneo e desuniformidade no crescimento e/ou na produção, o que é indesejável para muitas culturas; início da frutificação mais tardia, devido à passagem pelo perí- odo de juvenilidade (ciclo de vida); porte mais alto das plantas, dificultando os tratos culturais; irregularidade na produção devido às diferenças no vigor vege- tativo e irregularidade nas características da produção (cor, formato, tamanho, rendimento e atributos sensoriais) (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN; FA- CHINELLO; NACHTIGAL, 2005a). Entre as finalidades ou aplicações práticas da propagação por sementes estão: a obtenção e propagação de porta-enxertos de plantas frutíferas (plantas cítricas, frutas de caroço – pêssego e ameixa, entre outras); o desenvolvimento de novas cultivares (porta-enxertos e variedades copa ou produtoras); a possibi- lidade de propagação de espécies ou cultivares de interesse que não podem ser propagadas de outras formas (mamoeiro, coqueiro, maracujazeiro, entre outras); a propagação de plantas de interesse ecológico (espécies para recomposição de ecossistemas), em que o uso de clones não é desejado; a obtenção de mudas de culturas cuja exploração comercial está em fase inicial de desenvolvimento; entre outros usos (HARTMANN et al., 2002; HOFFMANN; FACHINELLO; NACHTI- GAL, 2005a; FACHINELLO; NACHTIGAL; HOFFMANN, 2005a). TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES 101 IMPORTANT E Uma aplicação prática da propagação sexuada é o uso de sementes híbridas. Os híbridos resultam do cruzamento entre indivíduos (pais) geneticamente distintos e ho- mozigotos (linhas puras). Sua obtenção deve-se a um efeito conhecido como heterose, utilizado nos programas de melhoramento genético, resultando na diferença da expressão de algumas características (por exemplo, o aumento no vigor vegetativo e na produtivida- de) na primeira geração (F 1 ). Assim, os filhos (F 1 ) apresentam características muito superiores aos pais, porém, se essas sementes forem utilizadas para o plantio subsequente (F 2 ), este efeito da heterose é diminuído. Os híbridos podem ser simples (cruzamento de duas linha- gens puras), duplos (cruzamento entre dois híbridos simples) e triplos (cruzamento entre uma linhagem pura e um híbrido simples). Seu uso ocorre em culturas de grãos (milho), hortaliças (tomate, entre outras), flores, espécies forrageiras, entre outras culturas. FONTE: Adaptado de Fritsche-Neto e Môro (2015) 4 CUIDADOS NA SELEÇÃO E COLETA DE SEMENTES Para que se obtenham áreas homogêneas de cultivo, com plantas produ- tivas e com as características desejadas, diversos cuidados devem ser tomados na escolha e manejo das sementes. Esses cuidados com as sementes envolvem (FACHINELLO; NACHTIGAL; HOFFMANN, 2005a): • Escolha das plantas matrizes ou doadoras de sementes: verificando caracterís- ticas de vigor, sanidade, produtividade, homogeneidade de desenvolvimento, qualidade do produto comercial, resistência às pragas, doenças e estresse, en- tre outros atributos de interesse de acordo com a espécie e o sistema de cultivo. • Escolha dos frutos: verificando condições como estágio de maturação, sanida- de e padrão de qualidade (formato, tamanho, coloração, entre outras caracte- rísticas). Nesse sentido, pode-se compreender fruto como a estrutura que cor- responde ao ovário ou um grupo de ovários desenvolvidos e que contém as sementes, compreendendo assim frutos simples secos (vagens, espigas etc.) e frutos carnosos (baga, drupa etc.), múltiplos, entre outros, conforme descrito na Unidade 1. UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 102 • Escolha e extração das sementes: de forma geral, frutos secos liberam as se- mentes quando maduros (deiscência), facilitando a coleta, seleção e manuseio. Já frutos carnosos, mantém as sementes em seu interior, assim, nesta etapa, além da seleção, as sementes devem ser despolpadas e limpas, com a finalidade de remover restos que podem se decompor e fermentar, prejudicando o pro- cesso de armazenamento e/ou a germinação. • Seleção das sementes: os critérios para a seleção das sementes variam de acor- do com a espécie vegetal de interesse. De modo geral, deve-se estar atento ao formato, tamanho, coloração, entre outras características, além de descartar aquelas sementes malformadas, danificadas, imaturas, com ataque de pragas ou doenças e que apresentem algum tipo de anomalia. Também é importante remover sementes de outras espécies e cultivares (plantas daninhas e contami- nantes), obtendo assim lotes homogêneos e de qualidade. DICAS O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informa as regras e ati- vidades que devem ser observadas na produção comercial de sementes através do Guia de Inspeção de campos para produção de sementes. Nessa publicação estão descritas as condições que devem ser seguidas e as formas de fiscalização adotadas para a aprovação dos campos de produção de sementes de diversas espécies como: algodão, arroz, aveia, azevém, feijão, girassol, mamona, milho, soja, sorgo, trevo, trigo, triticale, forrageiras, canola, centeio, cevada, ervilha, gergelim, juta, linho, fumo, entre outras espécies. Link do guia: https://bit.ly/3jHRaof. FONTE: <https://bit.ly/3jHRaof>. Acesso em: 19 jun. 2020. TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES 103 O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento editou duas publicações com as regras para a análise de sementes de diversas espécies de importância agrícola e ecológica, como: CO ─ condimento; FL ─ florestal; FO ─ forrageira; FR ─ frutífera; GC ─ grande cultura; HO ─ hortícola; IN ─ invasora; ME ─ medicinal e OR ─ ornamental. Esses manuais informam as metodologias aceitas oficialmente (legislação) e os procedi- mentos a serem adotados na análise de sementes (amostragem, pureza, limpeza varietal ou contaminantes, teste de germinação, grau de umidade, teste de sanidade, exame de danos físicos, peso volumétrico, peso de mil sementes, teste de uniformidade, teste nos embriões e níveis de tolerância, além de métodos de detecção de fungos, bactérias, vírus e nematoides). FONTE: <https://bit.ly/2SCbCuY>; <https://bit.ly/33F4wfo>. Acesso em: 19 jun. 2020. ATENCAO 5 ARMAZENAMENTO E CONSERVAÇÃO DE SEMENTES Após a seleção e limpeza, as sementes podem ser armazenadas e conser- vadas para utilização futura ou distribuídas em áreas de produção ou sementei- ras para a obtenção das mudas. Em ambos os casos, cuidados devem ser tomados para preservar as características físicas e químicas das sementes, bem como seu vigor e potencial de germinação. Para o armazenamento e conservação das sementes, deve-se considerar algumas características relacionadas ao tipo de sementes, bem como às condições de armazenamento. Como já foi visto na Unidade 1, as sementes apresentam com- portamento distinto quanto à capacidade de dessecação, sendo classificadas como: ortodoxas, recalcitrantes e intermediárias. Além disso, como veremos adiante, as condições de armazenamento possibilitam uma forma segura e econômica de con- servação e de utilização futura das sementes de determinada espécie, tanto para uso agrícola, como de importância para a recomposição ecológica de habitats. UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 104 O processo de armazenamento busca preservar as características ou qua- lidades (físico-químicas, fisiológicas e sanitárias) das sementes no momento da colheita e obtenção, evitando ou minimizando a sua deterioração ao longo de um períodode tempo (COSTA, 2009). Assim, a finalidade da conservação de semen- tes é manter a viabilidade pelo maior tempo possível, permitindo a semeadura em épocas mais adequadas, a utilização em outras áreas de cultivo ou de recom- posição de espécies vegetais, além da manutenção do germoplasma (diversidade genética). É válido lembrar que quanto maior o tempo de armazenamento, maior será o consumo das reservas e menor o vigor do embrião (ou seja, a longevidade da semente). Ao longo do tempo, as sementes perdem a capacidade de germina- ção por autodecomposição ou a partir de perdas ocasionadas por alguns fatores relacionados à conservação (HARTMANN et al., 2002; VILLELA; PERES, 2004; FACHINELLO; NACHTIGAL; HOFFMANN, 2005a). Dentre os diversos fatores que afetam a conservação das sementes, des- tacam-se: • Teor de umidade: esse fator afeta diretamente o conteúdo de água na semen- te, sendo facilmente controlado nas condições de armazenamento. O controle da umidade das sementes pode ser influenciado pelo tipo de embalagem, que podem ser: porosas (papel, juta, ou outro material) ou impermeáveis (latas de alumínio, sacos plásticos, entre outros). Além disso, o local de armazenamen- to (galpões abertos, silos ou armazéns, câmaras frias, entre outros) e a forma de armazenamento (sementes à granel, em sacas, embaladas em recipientes impermeáveis, entre outros) também interferem na viabilidade das sementes (HARTMANN et al., 2002). De modo geral, nas sementes ortodoxas, o tempo de viabilidade das sementes é duplicado a cada 1% de redução do teor de água (% de umidade) (COSTA, 2009). • Temperatura: esse fator se relaciona com a velocidade das reações químicas no interior da semente, como a respiração e o consumo das reservas. A temperatu- ra e a umidade são as duas condições ambientais que mais afetam a conserva- ção das sementes. Esses dois fatores também afetam diretamente o desenvolvi- mento de microrganismos e a ocorrência de pragas durante o armazenamento. De modo geral, nas sementes ortodoxas, a cada 5 ºC de redução da temperatura de exposição das sementes, o tempo de viabilidade é duplicado (COSTA, 2009). • Microrganismos: o desenvolvimento de microrganismos, principalmente fun- gos, ocasiona diversos problemas durante o armazenamento, prejudicando a conservação e a qualidade das sementes (VILLELA; PERES, 2004). Entre essas ações estão: a deterioração das sementes com perda de quantidade de reservas, alteração nas características de qualidade como descoloração (grãos ardidos), além da produção de compostos tóxicos (micotoxinas). • Insetos: diversas espécies de insetos atacam as sementes durante o período de armazenamento. Esses insetos são conhecidos como pragas de grãos armaze- nados e ocasionam diversos danos ao consumir as reservas e o embrião, além de ocasionar alterações fisiológicas nas sementes (aumento da taxa de respira- ção), no ambiente de armazenamento (aumento da temperatura e da umidade) e facilitar o desenvolvimento de microrganismos (LORINI et al., 2015). TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES 105 Para conhecer um pouco mais sobre as principais pragas de grãos armazena- dos, sugere-se a publicação da Embrapa: Manejo Integrado de Pragas de Grãos e Sementes Armazenadas. Esse livro apresenta a descrição dos principais insetos praga de grãos arma- zenados, as formas de monitoramento e as técnicas de controle de acordo com o ma- nejo integrado. Link do livro: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/129311/1/ Livro-pragas.pdf. MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS DE GRÃOS E SEMENTES ARMAZENADAS FONTE: <https://www.embrapa.br/ainfo_images/1022859/Livropragas.pdf.jpg>. Acesso em: 19 jun. 2020. DICAS 6 GERMINAÇÃO E OBTENÇÃO DE MUDAS A germinação é o processo de mobilização das reservas e ativação do em- brião, possibilitando a formação de uma nova planta a partir de uma semente. Para que as sementes possam germinar, é necessário que elas estejam viáveis, que as condições de ambientais (água, luz, temperatura, gases, entre outros) se- jam favoráveis e que não estejam atuando mecanismos inibidores da germinação, como as diferentes formas de dormência (HARTMANN et al., 2002). 6.1 MÉTODOS DE QUEBRA DE DORMÊNCIA DE SEMENTES A dormência envolve uma condição em que as sementes não germinam, mesmo quando expostas às condições aparentemente adequadas. Para relembrar os conceitos, os mecanismos e os tipos dormência, recomendamos que você faça uma nova leitura no Tópico 2 da Unidade 1. A dormência pode ser de dois ti- pos: primária (instalada nas sementes em formação) e secundária (mecanismo que permite a germinação assim que as condições do meio sejam favoráveis). A dormência primária pode ser endógena, quando estabelecida por condições re- lacionadas ao embrião; exógena, quando imposta pelas estruturas de proteção e/ UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 106 ou partes do fruto; e dupla ou combinada, quando as duas formas de dormência (endógena e exógena) atuam ao mesmo tempo (HARTMANN et al., 2002; CAR- DOSO, 2004). Na Unidade 1, foram estudados os tipos de dormência de sementes, a seguir, conheceremos algumas estratégias que podem ser utilizadas para a su- peração ou quebra da dormência das sementes, possibilitando a germinação e o desenvolvimento de uma nova planta. Assim, os métodos utilizados para a superação da condição de dormência (quebra de dormência) nas sementes levam em consideração o tipo de mecanismo que está atuando. Esses métodos podem ser a partir do aumento da permeabilidade dos envoltórios, possibilitando a hidratação (absorção de água) e as trocas gasosas (respiração), além da emissão da radícula. Outros métodos se baseiam no esta- belecimento de condições para a finalização do desenvolvimento e maturidade do embrião, possibilitando que as condições bioquímicas (balanço hormonal ou outros compostos químicos) possam possibilitar a germinação (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005a; TAIZ et al., 2017). Os métodos de estímulo ao aumento da permeabilidade dos envoltórios são chamados de escarificação e envolvem as formas de tornar os envoltórios mais permeáveis à água e aos gases. A escarificação pode ser realizada através de (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005a): • Métodos físicos: podem ser realizados a partir da imersão das sementes em água quente (65-85 ºC) por um curto período de tempo (cerca de 10 minutos), possibilitando o amolecimento das estruturas impermeáveis. Essa temperatura pode chegar a até 100 ºC para algumas espécies, com banhos de água gelada na sequência, por períodos de 12 até 24 horas. • Métodos químicos: consiste na imersão das sementes em soluções contendo agentes capazes de promover o desgaste e o amolecimento das estruturas im- permeáveis por um determinado período de tempo. Tanto os tipos de produ- tos, as concentrações utilizadas e os tempos de tratamento (de 10 minutos até 6 horas) variam de acordo com a espécie vegetal. Entre os produtos utilizados estão: hidróxido de sódio, hidróxido de potássio, ácido clorídrico, entre outros produtos. Nesses métodos, o uso de equipamentos de proteção (EPI) é indis- pensável. É importante destacar que, após o tratamento químico, deve-se reali- zar uma lavagem suficiente, utilizando água corrente, para remover totalmente os resíduos dos produtos, que podem prejudicar o processo de germinação. • Métodos mecânicos: envolvem o uso de estratégias para permitir a permea- bilidade através de ações mecânicas, como a abrasão com areia ou com lixas. Outra forma de promover ação mecânica é a compressão parcial da semente, permitindo a quebra ou o surgimento de fissuras nos envoltórios. Todos es- ses métodos devem levar em consideração os cuidados para evitar lesões no embrião e/ou nos órgãos de armazenamento, evitando a morte ou oxidação de tecidos. Além disso, esses métodos podem facilitar o desenvolvimento de doenças, graças à abertura para a entrada de patógenos. TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃOPOR SEMENTES 107 Os métodos de estímulo para a finalização do desenvolvimento e ma- turidade do embrião são chamados de estratificação. Envolvem as formas de possibilitar a conclusão das etapas de formação do embrião, além de promover a redução na concentração de inibidores de crescimento e/ou de substâncias tó- xicas, resultados da dormência endógena fisiológica. A estratificação pode ser realizada através de (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005a): • Método térmico refrigerado: as sementes são expostas por determinado perío- do de tempo (1 a 4 meses) em camadas de substrato, sendo mantidas sob con- dições de temperaturas baixas (1 a 10 ºC, podendo ser de até -5 ºC para algumas espécies). Uma outra possibilidade de estratificação a frio para sementes de pequena dimensão é a hidratação com água morna por cerca de 24 horas antes da estratificação. • Método térmico aquecido: nessa forma, as sementes são expostas por determina- do período de tempo em condições de temperaturas mais elevadas (35 a 40 ºC). Em ambas as condições, a estratificação deve ser realizada em condições de substrato que permitam a aeração e a adequada manutenção da umidade, já que muitas sementes podem iniciar o processo de germinação. Além disso, os cuidados com o controle da temperatura e as condições sanitárias devem ser to- mados para evitar desenvolvimento de patógenos que podem ocasionar a morte das plântulas (FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005a). Outras estratégias de quebra de dormência podem ser (HARTMANN et al., 2002): • Lavagem das sementes e a remoção dos restos de frutos: possibilitam a dilui- ção de substâncias inibidoras de crescimento e/ou germinação. • Exposição à luz: a exposição das sementes de determinadas espécies à luz ou ao escuro induz a quebra de dormência e o início do processo de germinação. • Tratamentos com reguladores de crescimento ou outros compostos químicos: algumas espécies de plantas respondem à germinação a partir da aplicação de reguladores de crescimento ou de outras substâncias, possibilitando a supera- ção da condição de dormência. Entre esses reguladores vegetais, destacam-se a aplicação de giberelinas e de citocininas, principalmente para superar a dor- mência ocasionada por imaturidade do embrião. Nesses casos, as concentra- ções, a forma e tempo de tratamento variam de acordo com a espécie (FRAN- ZON; CARPENEDO; SILVA, 2010). 6.2 MANEJO DAS SEMENTES E CUIDADOS NA PRODUÇÃO DE MUDAS A obtenção de mudas envolve diversos cuidados no manuseio das semen- tes e na manipulação das plântulas. Esses cuidados vão desde a escolha do subs- trato, da infraestrutura utilizada e da definição dos materiais e instrumentos de UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 108 trabalho. Também a forma e os cuidados com as sementes devem ser verificados, como a forma adequada de armazenamento e conservação, a distribuição das se- mentes no substrato ou outro meio para a germinação, a verificação do espaça- mento e da profundidade de semeadura, entre outros cuidados com as condições ambientais (água, temperatura, luz, entre outros) (HARTMANN et al., 2002). As sementes de muitas espécies de importância agrícola como plantas ole- rícolas (hortaliças) e ornamentais (flores) já possuem sistemas bem organizados de produção e comercialização de sementes. Assim, oportunizam aos viveiristas e produtores a aquisição de sementes tratadas, com elevada qualidade genética e muitas vezes com outras tecnologias associadas (sementes peletizadas e incrus- tradas). Em muitas situações, o tratamento das sementes com fungicidas ou sa- nitizantes (hipoclorito de sódio na concentração de 1%, entre outros produtos) é recomendado para minimizar os problemas com doenças (FRANZON; CARPE- NEDO; SILVA, 2010). O tratamento de sementes se fundamenta em três princípios: desinfesta- ção, desinfecção e proteção, dependendo de onde os patógenos ocorrem. Esses tratamentos de sementes podem ser por três métodos: químico (fungicidas, an- tibióticos ou nematicidas que estejam registrados e sejam recomendados), físico (limpeza, termoterapia com água quente ou com ar seco, irradiação, remoção das aristas, entre outros) e biológico (microrganismos antagonistas, parasitas e com- petidores com os patógenos). Outros métodos podem ser o condicionamento os- mótico, a peletização e a peliculização (PEREIRA et al., 2015) IMPORTANT E A peletização é o processo artificial de revestimento das sementes com um material inerte, possibilitando deixá-las com maior tamanho, uniformizando o formato (ar- redondado ou ovulado) e o peso. Como exemplo de sementes peletizadas, encontram-se: alface, agrião, rúcula, entre outras. O incrustramento é um processo semelhante à peletização, com o objetivo de aplicar uma quantidade mínima de material inerte, apenas para preencher as formas e as superfícies irregulares de determinados tipos de sementes. Esse processo tem a finalidade de facilitar o manuseio e o plantio. Como exemplo de sementes incrustradas, encontram-se: cenoura, salsa, cebola, entre outras. Esse método também é conhecido como peliculização. Essas tecnologias, introduzidas no Brasil na década de 1980, facilitam o manuseio e a seme- adura com equipamentos de precisão (mecanização do processo de semeadura), facilitan- do a produção de mudas. Essa camada de material inerte não impede as trocas gasosas e nem a absorção de água, mas possibilita uma distribuição uniforme e com maior precisão no exato local e na quantidade desejada, tanto para a semeadura manual, quanto meca- nizada. Além disso, torna o processo de semeadura mais rápido, com menor gasto de se- TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES 109 mentes e de mais fácil execução. A peletização também possibilita o enriquecimento com fertilizantes, fungicidas ou algum componente adesivo, adicionando vantagens em relação às sementes sem essas tecnologias. Informações mais detalhadas sobre o tratamento de sementes estão disponíveis em Pereira et al. (2015). SEMENTES DE HORTALIÇAS PELETIZADAS E INCRUSTRADAS FONTE: Pereira et al. (2015, p. 12) O espaçamento se relaciona com a área de exploração do sistema radicu- lar e a exposição à luz (solar ou artificial), evitando a competição entre as plantas. Nesse contexto, as características de cada espécie influenciam o espaçamento mais apropriado. A profundidade de plantio se baseia na capacidade de ultrapassar a camada de solo e ocorrer a emergência, resultando na formação das plântulas. Com relação a essa variável, como regra geral, pode-se adotar a profundidade de semeadura que varie entre 2 e 5 vezes o diâmetro da semente. Quando a semente fica distribuída de forma muito superficial, a dificuldade de absorção de água para a hidratação pode comprometer a germinação. Quando a semente perma- nece em profundidade muito grande, o esgotamento das reservas nutritivas, as características físicas do solo ou o restrito comprimento do coleóptilo podem di- ficultar a emergência da plântula. Com relação à semeadura também é importante destacar que essa prática pode ser realizada de forma manual ou de forma mecanizada, dependendo da extensão da área e da quantidade de sementes. Outro aspecto relacionado com a atividade de colocação das sementes no solo ou substrato é que a distribuição pode ser realizada de forma aleatória à lanço ou de maneira estruturada em covas ou em linhas com espaçamento pré-definido. A semeadura também pode ocorrer no local definitivo (semeadura dire- ta) ou ainda em canteiros ou sementeiras com posterior arranquio e transplante das mudas. Nos canteiros ou sementeiras, duas etapas complementares podem ser necessárias para a obtenção de mudas de qualidade e que permitam a for- mação de uma área de plantio homogênea e sem falhas (morte de plantas). Uma delas constitui a aclimatação, com o objetivo de permitir a adaptação para a saída das condições controladas verificadas no viveiro. Essa atividade é realizada de forma gradual durante o desenvolvimentoda plântula, reduzindo a interferên- UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 110 cia artificial (irrigação, sombreamento, entre outras condições), para permitir as mudanças fisiológicas e anatômicas nos órgãos da planta. A outra etapa é o trans- plante ou transplantio, sendo uma prática que envolve a remoção das mudas de uma condição temporária para o plantio no local definitivo. De modo geral, essa operação deve ser realizada quando as plântulas já possuem folhas definidas (em geral, mais de 4 folhas) e altura adequada para o estabelecimento, sendo realiza- da em condições de dias nublados ou de forma a evitar as horas mais quentes do dia (HARTMANN et al., 2002). Ainda relacionado com a produção de mudas a partir de sementes, desta- ca-se que os cuidados com o aspecto fitossanitário (pragas e doenças) é de gran- de importância. Como as plântulas ainda se apresentam de pequeno porte, com restrita resistência estrutural e com capacidade de rebrote limitada, os danos por agentes biológicos podem resultar em expressivas perdas de mudas ou desunifor- midade entre as plantas que formam um lote. Um desses exemplos é a ocorrência frequente da doença conhecida como damping off ou “tombamento de mudas”. Essa doença de ocorrência comum em diversos viveiros e sementeiras resulta da atuação de diversas espécies de patógenos (Pythium, Rhizoctonia, Botritis, Phytophtora, entre outros). Entre os sintomas estão o estrangulamento parcial do caule, o atraso no desenvolvimento, deformação e alteração na coloração das plântulas, levando em muitos casos à morte. Assim, os cuidados com a escolha do substrato, o manejo adequado da irrigação e a manutenção de espaçamento apropriado estão entre al- gumas medidas de prevenção e controle (HARTMANN et al., 2002). IMPORTANT E Diversas informações técnicas sobre as sementes de hortaliças, espécies me- dicinais e plantas condimentares, além de muitas espécies de flores podem ser obtidas nos catálogos das empresas produtoras de sementes. Essas informações estão disponíveis de forma gratuita nos endereços eletrônicos dessas empresas. 6.3 MEDIDAS E TESTES DE GERMINAÇÃO A verificação da qualidade de germinação de um lote de sementes pode ser verificada através de diversos índices ou medidas. Como informado anterior- mente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento realiza esses testes com base em metodologias padronizadas, para fins de comparação e fiscalização. Entre essas medidas relacionadas com a germinação, três parâmetros são de grande importância: a percentagem, a taxa e a uniformidade. Além dessas, outras avaliações podem ser utilizadas para determinar as condições de germina- ção, além de outras variáveis de importância agronômica, como a quantidade de sementes a ser utilizada na área e o estande de plantas (BRASIL, 2009). TÓPICO 1 —PROPAGAÇÃO POR SEMENTES 111 A percentagem de germinação é uma variável determinada a partir da quantificação (total ou por amostragem) de sementes que germinaram. Essa me- dida é expressa em percentagem e indica a capacidade de germinação de um lote de sementes. De modo geral, deseja-se uma percentagem de germinação o mais próximo possível de 100%, embora essa condição varie de acordo com a espécie vegetal, com a qualidade das sementes, com as condições de semeadura e de acordo com o tempo de armazenamento (HARTMANN et al., 2002). A taxa de germinação envolve a medida da velocidade ou rapidez de germinação, sendo uma relação entre o tempo e a percentagem de germinação. Essa variável fornece informações sobre o vigor e a homogeneidade das sementes (HARTMANN et al., 2002). A uniformidade de germinação é a variável que determina como ocorreu o processo de germinação até a emergência das plântulas, também indicando as carac- terísticas de vigor e de qualidade de um lote de sementes (HARTMANN et al., 2002). IMPORTANT E As sementes de algumas espécies podem se manter viáveis por um longo período de tempo, permitindo a sobrevivência por muitos anos. Por exemplo, as espécies que vivem em regiões de deserto germinam apenas quando há condições de umidade do solo suficiente (ocorrência de chuvas em volume significativo). A semente mais velha a germinar foi de uma tamareira (Phoenix dactylifera L.), com idade de aproximadamente 2.000 anos, que foi encontrada em escavações próximas ao Mar Morto (Oriente Médio). Um outro exemplo de longevidade foi verificado para a espécie ló- tus sagrado (Nelumbo nucifera Gaertn.), onde sementes viáveis, com cerca de 1.300 anos, foram encontradas no leito de um antigo lago na China (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2014). SEMENTES E MUDAS DE TAMAREIRA FONTE: Adaptado de Sallon et al. (2020) 112 Neste tópico, você aprendeu que: • A propagação sexuada é a estratégia mais importante de reprodução das plantas. • O conhecimento sobre a propagação de plantas é importante para o desenvolvimento da agricultura ao longo da história humana. • Existem vantagens e desvantagens da propagação por sementes, além das finalidades ou objetivos desta forma de obtenção de plantas. • São necessários cuidados para a seleção e coleta de sementes, desde a escolha das plantas matrizes, a colheita dos frutos e extração das sementes, até a utilização ou armazenamento. • O armazenamento e as condições adequadas conservação das sementes devem ser verificados para possibilitar o vigor, a sanidade e o poder germinativo. • Diversos fatores afetam a conservação e a viabilidade das sementes. • As estratégias e metodologias utilizadas para a quebra da dormência das sementes possibilitam a germinação e obtenção de novas plantas. • A escarificação pode ser realizada de forma física, química e mecânica. • A estratificação tem importância no processo final do desenvolvimento do embrião para algumas espécies. • Os cuidados no manuseio das sementes e na manipulação das plântulas envolvem diversas práticas de manejo e planejamento, além da organização das atividades. • A forma de determinar a qualidade das sementes pode ser a partir de medidas como a percentagem, taxa e uniformidade de germinação. RESUMO DO TÓPICO 1 113 Alguns exercícios são propostos para a fixação dos conteúdos abor- dados neste tópico. Em caso de dúvida, volte a pesquisar no livro didático e refaça as autoatividades. 1 O método de propagação sexuada apresenta vantagens e desvantagens. Seu uso possui, também, muitas aplicações na agricultura comercial. Nesse contexto, analise as alternativas: I- A propagação através de sementes é um método simples e de baixo custo. II- A propagação sexuada possibilita maior diversidade genética na área de cultivo. III- As plantas propagadas por sementes não passam pela fase de juvenili- dade, pois já produzem frutos desde o início da formação da copa ou da parte aérea. IV- Devido à maior variabilidade genética, uma desvantagem pode ser a ir- regularidade no vigor e na produção, razão em que para a fruticultura, a propagação por sementes não é muito usada. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas. b) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas. c) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas. d) ( ) As afirmativas I, III e IV estão corretas. 2 A conservação de sementes e grãos deve atender muitos cuidados para evitar a deterioração e perda de viabilidade e vigor. Entre os fatores que afetam a conservação das sementes estão agentes bióticos e abióticos. Sobre esse contexto, é INCORRETO afirmar: a) ( ) A temperatura e a umidade do ar são fatores do meio que afetam a conservação de sementes. b) ( ) O teor de umidade da semente é uma condição que deve ser contro- lada e mantida em níveis mínimos, a fim de possibilitar a longevidade e a conservação. c) ( ) Os danos por microrganismos (fungos) podem ocasionar perdas de qualidade de sementes e grãos. d) ( ) O ataque de insetos causa danos apenas nas condições de campo, semimportância em pós-colheita. AUTOATIVIDADE 114 115 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Neste segundo tópico, abordaremos os conhecimentos sobre uma das principais formas utilizadas para a propagação assexuada de plantas, a estaquia. Nesse contexto, serão discutidos os cuidados e as práticas adotadas para o su- cesso na obtenção de mudas, além dos tipos e formas de utilização da estaquia estabelecidas para muitas espécies de importância agrícola. Este tópico tem o objetivo de fornecer informações necessárias para que você possa compreender e aplicar os princípios fisiológicos envolvidos na esta- quia. Espera-se que as metodologias apresentadas permitam a realização de práti- cas de propagação, bem como subsidiar seus estudos futuros e aprofundamentos sobre o tema. Além disso, pretende-se apresentar informações complementares com o objetivo de estimular sua capacitação continuada. Assim, desejamos bons estudos! 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA A propagação vegetativa ou assexuada é uma estratégia de multiplicação de plantas que permite a obtenção de plantas clonadas, que apresentam as mes- mas características genéticas, com diversas vantagens nos sistemas agrícolas de produção. A estaquia é uma das formas mais importantes de propagação assexu- ada de plantas. Nesse método, o princípio fisiológico envolvido é a necessidade de indução ao enraizamento adventício de segmentos destacados da planta mãe. Essas estruturas devem ser colocadas em condições adequadas para que possibi- litem a formação de uma nova planta (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO, et al., 2005b). As aplicações práticas da estaquia podem ser exemplificadas em diversas culturas de importância agrícola, como: plantas ornamentais, espécies frutíferas, culturas arbóreas de nozes e amêndoas, além de diversas culturas hortícolas, for- rageiras e florestais. De modo geral, a propagação através da estaquia apresenta baixo custo e facilidade de obtenção de mudas, desde que a espécie de interesse tenha facilidade de enraizamento. De modo contrário, muitas espécies de importância agrícola podem apre- sentar restrita capacidade genética e fisiológica de formação de raízes adventí- cias, limitando a utilização comercial desta forma de propagação nestes casos (HARTMANN et al., 2002). TÓPICO 2 — PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 116 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO Destaca-se ainda que a estaquia pode ser realizada a partir de diferentes partes vegetativas da planta, como raízes, caules, folhas, como estudaremos mais adiante. 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS A estaquia é uma das formas mais utilizadas de obtenção de plantas, sen- do que as vantagens da propagação por estaquia, além daquelas descritas para a propagação vegetativa, são: a possibilidade de obter um grande número de plantas a partir de uma única planta matriz, em um curto espaço de tempo; meto- dologia de fácil execução e de baixo custo, em comparação com outras formas de propagação vegetativa; possibilita grande uniformidade das mudas e no desen- volvimento das plantas; manutenção das características de uma planta de interes- se; quando as estacas são coletadas de estruturas maduras da planta, possibilita reduzir a fase juvenil e antecipar a entrada em produção (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO, et al., 2005b). Além disso, a estaquia permite a propagação de variações ou mutações identificadas nas plantas (variegações ou quimeras), que podem ser fixadas e multiplicadas, possibilitando a obtenção de inovações (clones e cultivares), que podem ser interessantes em plantas ornamentais, em espécies hortícolas e em frutíferas. Outras vantagens, de acordo com a espécie uti- lizada, envolvem a coleta das estacas que pode ser realizada em diferentes épocas do ano (ciclo vegetativo), ou a partir de diferentes órgãos da planta (folha, caule, raiz), possibilitando escalonar a produção de mudas. IMPORTANT E Diversas alterações genéticas podem ocorrer durante o processo de divisão celular, sendo que algumas dessas alterações, quando não corrigidas, podem resultar no aparecimento de variações morfológicas ou fisiológicas (mutações) nas plantas. Esse pro- cesso ocorre naturalmente nas plantas ou pode ser induzido de forma artificial. A identifi- cação dessas variações pode trazer vantagens e ser de interesse para o cultivo de algumas plantas (ornamentais, entre outras), já que resulta em uma novidade e a possibilidade de registro de um novo clone ou cultivar. Para plantas frutíferas e hortaliças, essas variações em geral não são desejadas, porém, algumas cultivares surgiram a partir da identificação a campo dessas mutações e da sua fixação a partir da propagação vegetativa. Um exemplo típico foi a identificação da mudança de coloração nas uvas Itália (uva de mesa), possibili- tando a obtenção de novas cultivares como a Rubi e a Benitaka (uvas rosadas). A Variegação é um tipo de variação genética que ocorre nas células, resultado em alteração na coloração (perda de clorofila), expressando tonalidades desde totalmente albinas até gra- dações variegadas, em associação com áreas com tonalidades normais de verde. Esse efeito é muito interessante em muitas plantas ornamentais. Assim, há um contraste de expressão de genes em diferentes partes de um mesmo órgão (HARTMANN et al., 2002). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 117 As Quimeras (ou Chimeras) são alterações genéticas localizadas em determinada região, que resultam em uma mistura de células com diferentes genótipos em um mesmo órgão ou tecido, formando um mosaico genético. Esse comportamento pode ser interessante, mas também não ter importância comercial, dependendo da espécie e do órgão em que ocorre (HARTMANN et al., 2002). VARIEGAÇÕES E QUIMERAS EM PLANTAS FONTE: O autor Entre as desvantagens da propagação por estaquia estão: a dificuldade no processo de enraizamento das plantas de algumas espécies (por exemplo, muitas Mirtáceas, como a jabuticaba, pitanga, entre outras); a possibilidade de transmissão de doenças sistêmicas como as virais ou causadas por fitoplasmas; a possibilidade de ocorrência de declínio somaclonal pode ser considerada uma desvantagem, já que resulta no acúmulo progressivo de mudanças no fenótipo a medida em que aumentam os ciclos consecutivos de propagação; custo mais ele- vado em relação à propagação por sementes (HARTMANN et al., 2002). Entre as finalidades ou aplicações práticas da propagação por estaquia estão: a propagação de espécies ou cultivares que não produzem sementes férteis; multiplicação em grande escala de espécies ou cultivares que apresentam faci- lidade de enraizamento (plantas ornamentais, frutíferas, olerícolas e florestais); obtenção de porta-enxertos clonais; manutenção de novas cultivares a partir do melhoramento genético; utilização de diferentes órgãos da planta para a propa- gação (folhas, caules, raízes) e coleta em diferentes épocas do ano (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO, et al., 2005b). 118 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO 4 CLASSIFICAÇÃO E TIPOS DE ESTACAS As estacas utilizadas para propagação vegetativa podem ser de diferentes origens e coletadas em diferentes épocas do ano. Assim, as estacas podem ser classificadas quanto a parte da planta de onde são retiradas, como radicular, caulinar e foliar (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO, et al., 2005b): • Radiculares: obtidas de raízes de plantas durante o final do inverno e início da primavera, quando ainda possuem carboidratos de reserva. São retiradas par- tes frescas das raízes, tanto de espécies lenhosas quanto de plantas herbáceas. Como exemplos temos: macieira, kiwizeiro, figueira, gerânio, roseira, frambo- esa, amoreira, entre outras. • Caulinares: obtidas de caules de diferentes partes da copa, permitindo a coleta em diferentes épocas do ano, sendo frequentemente durante a primavera e ve- rão (estaca caulinares herbáceas e semilenhosas) ou durante o inverno (estacas lenhosas). Praticamente em todas asespécies que se propagam através de es- tacas, a escolha é por estacas caulinares. São exemplos também: o tolete (cana de açúcar), a maniva (mandioca), a rama (batata doce), o cladódio (pitaia) e as mudas seccionadas do caule (abacaxi). • Foliares: obtidas a partir de folhas removidas durante a estação de crescimento vegetativo, podendo ou não conter uma gema associada. Essas estacas podem sofrer intensa desidratação, sendo necessários cuidados maiores que aqueles adotados para os outros tipos de estacas. Como exemplos temos: violeta, espa- da de São Jorge, calanchoe, begônia, entre outras. Além disso, as estacas podem ser classificadas de acordo com a época de coleta ou de acordo com o grau de lignificação dos tecidos, sendo lenhosa, semilenhosas e herbácea (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO, et al., 2005b; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010): • Lenhosas: estacas obtidas no período de dormência (inverno) nas espécies caducifólias (que perdem as folhas em um período do ano) ou de estruturas duras e de lenho nas espécies que se mantém com folhas durante todo o ano. Essas estacas são retiradas das porções mais basais dos ramos e dos caules, sendo formada por tecidos maduros e lignificados. • Semilenhosas: estacas obtidas no período de crescimento vegetativo, que se encontram em uma condição intermediária de lignificação dos tecidos. Esse tipo de estacas pode conter folhas, assim como nas estacas herbáceas e nas es- tacas lenhosas. Também podem ser assim identificadas, quando são retiradas de partes não lignificadas de plantas lenhosas. • Herbáceas: estacas obtidas durante a fase de crescimento vegetativo (primavera e verão), retiradas nas porções mais próximas aos meristemas apicais, formada por tecidos moles, suculentos e não lignificados. Esse tipo de estacas apresenta baixo grau de lignificação dos tecidos e elevada atividade meristemática. TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 119 Dependendo da espécie vegetal, as estacas herbáceas apresentam maior capacidade de enraizamento, porém, também se apresentam mais sensíveis à de- sidratação e mortalidade em comparação com as estacas lenhosas. 5 CUIDADOS NA SELEÇÃO E COLETA DE ESTACAS A escolha e a coleta de estacas devem ser planejadas com a finalidade de obter material de propagação com qualidade e sanidade, além de possibilitar de- senvolvimento homogêneo em função do tamanho e da quantidade de reservas. Entre os cuidados com a seleção e coleta de estacas estão (FACHINELLO, et al., 2005b; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010): • Escolha das plantas matrizes ou doadoras de estacas: verificando as caracte- rísticas genéticas, estado fisiológico e nutricional das matrizes, a idade e a fase fenológica das plantas, a sanidade e outros atributos de interesse para cada es- pécie. De modo geral, plantas jovens, em adequado estado nutricional e sadias (livres de pragas e doenças) apresentam maior potencial de sucesso na doação de estacas para a propagação. • Seleção das estacas: os critérios para a seleção das estacas variam de acordo com a espécie vegetal, com o tamanho e o tipo de estaca, bem como a disponibilidade de material para a coleta e a época do ano a ser realizada a seleção e coleta. Ainda em relação à seleção das estacas, quanto à posição dos caules, onde diferenças são descritas entre estacas coletadas de ramos terminais e de ramos la- terais. Variações no enraizamento também podem se verificar ao longo das partes de um mesmo ramo, coletando estacas na porção basal, mediana e apical, tanto de folhas quanto de caules. Outra influência que necessita de atenção na seleção das estacas é a fase do ciclo fenológico, sendo que as estacas coletadas de plantas em fase de florescimento e frutificação apresentam diferença em comparação com aquelas retiradas na fase vegetativa, principalmente pela competição por nutrien- tes (HARTMANN et al., 2002). 6 CONDIÇÕES QUE AFETAM A PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA As condições que afetam o sucesso da propagação através da estaquia es- tão associadas com os fatores que influenciam a formação das raízes adventícias. Lembrando que uma estaca resulta da separação de uma parte da planta com o objetivo de formar um novo indivíduo. Dentre os diversos fatores que afetam a propagação por estaquia, des- tacam-se (FACHINELLO, et al., 2005b; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010): 120 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO • Planta matriz: relacionado com as características genéticas, o estado nutricio- nal e fisiológico, sanitário e de desenvolvimento (ciclo fenológico), idade e dis- ponibilidade de material, além da condição de manutenção (cultivada a campo aberto, em ambiente protegido). • Tipo de estaca: relacionado com a parte da planta de onde são retiradas (es- tacas de caule, folha ou raiz) e com a época de coleta ou grau de lignificação (lenhosa, semilenhosas ou herbácea). • Potencial genético: relacionado com a capacidade de cada espécie ou cultivar para a formação de raízes adventícias, resultando no enraizamento e na brota- ção, possibilitando a obtenção de uma nova planta. • Balanço hormonal: relacionado com a regulação hormonal na estaca para pro- mover a formação das raízes adventícias, podendo ocorrer naturalmente ou a partir da utilização de reguladores de crescimento (auxinas – AIB, ANA, AIA), aplicados de forma a favorecer esse processo. • Compostos fenólicos: condição que se relaciona com a concentração de com- postos fenólicos que podem oxidar na região do corte, resultando em produtos tóxicos e consequentemente dificultando o enraizamento das estacas. Essa con- dição é muito comum em alguns grupos de espécies como as Mirtáceas. • Substrato: esse fator se relaciona com a disponibilidade de água e a aeração, sendo uma importante condição para o sucesso ou não da propagação por es- taquia. O substrato deve manter um ambiente macio, úmido, escuro e propor- cionar uma suficientemente troca gasosa, podendo ainda influenciar o desen- volvimento das raízes. • Umidade: a disponibilidade de água é fator essencial para o processo de divi- são e diferenciação celular, necessários para a formação das raízes adventícias. Da mesma forma, a manutenção de um ambiente com umidade relativa do ar elevada diminuir as perdas hídricas e mantém os tecidos túrgidos, evitando o murchamento de caules e/ou folhas. O excesso de umidade do ar pode facilitar o desenvolvimento de fungos patogênicos que também afetam negativamente a propagação. • Temperatura: essa condição se relaciona com a atividade celular, porém em condições de temperaturas muito elevadas, a transpiração pode ser estimu- lada, ocasionando o murchamento e morte da estaca. Algumas espécies de plantas apresentam melhores índices de enraizamento quando o substrato é aquecido entre 18 e 21 ºC. • Luz: a importância da luz durante o enraizamento das estacas se relaciona com a atividade fotossintética, além de outros efeitos sobre o metabolismo da plan- ta. No entanto, recomenda-se que a região da estaca onde se deseja promover a formação de raízes adventícias deva ser mantida completamente no escuro. TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 121 7 PRINCÍPIOS FISIOLÓGICOS E ANATÔMICOS DO ENRAIZAMENTO DE ESTACAS A propagação através da estaquia envolve diversas alterações anatômi- cas (morfológicas) e fisiológicas para possibilitar a obtenção de uma nova planta. Essas alterações são variáveis de acordo com as condições de coleta e manutenção das estacas, mas principalmente influenciadas pela capacidade de enraizamento de cada espécie vegetal. A capacidade de formar raízes adventícias é variável entre as espécies e entre as cultivares, desde plantas que facilmente se propagam através da estaquia, até aquelas em que essa metodologia não é viável pela re- duzida taxa de sucesso na obtenção de mudas. Por esses motivos, é importante compreender como ocorre o mecanismo anatômico e fisiológico envolvido na obtenção de mudas a partir da estaquia. Como já foi descrito antes, osucesso da estaquia está baseado na forma- ção de raízes adventícias que possibilitam a obtenção de água e nutrientes para sustentar a brotação e formação da nova planta. No contexto da fisiologia vegetal, dois princípios de resposta são fundamentais para a estaquia e para praticamen- te todas as formas de propagação vegetativa: a desdiferenciação e a totipotência (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO, et al., 2005b). A desdiferenciação é o processo no qual as células de um tecido diferen- ciado (com função já estabelecida na planta, como: caule, folha, raiz) retomam ou retornam a um estágio de elevada atividade, com alta capacidade de divisão celular e de responder a novos estímulos, possibilitando originar novos pontos de crescimento (regiões meristemáticas). A totipotência é capacidade ou a propriedade que uma determinada célu- la vegetal tem de originar uma nova planta, graças à informação genética neces- sária para reconstituir todas as partes e funções de um novo indivíduo. ATENCAO A diferenciação é o processo de diversificação das características estruturais (anatômica e morfológica) e funcionais (fisiológica e metabólica), ocorrida nas células, teci- do e órgãos de uma planta ao longo do seu desenvolvimento. Assim, uma célula diferenciada apresenta determinada localização na planta e se encontra em atividade e desempenhando a função para a qual foi formada. Nas plantas, o mecanis- mo de desdiferenciação, voltando ao estado meristemático e com capacidade de originar uma nova função ou forma, é um processo natural e que permite adaptação às alterações ambientais ao longo da vida (plasticidade vegetal). 122 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO Além desses dois princípios fisiológicos, o mecanismo pelo qual as esta- cas emitem raízes adventícias ocorre devido à competência das células vegetais. A competência é a capacidade que as células vegetais possuem de reagir a de- terminados sinais ou estímulos (balanço de hormônios, condições do meio, como umidade, luz, temperatura, entre outros) ativando novas rotas de desenvolvi- mento e possibilitando a formação de tecidos e órgãos diferentes. De acordo com Hartmann et al. (2002), as raízes adventícias das plantas podem ser formadas a partir de dois tipos: raízes pré-formadas e raízes induzi- das por ferimentos. As raízes pré-formadas ou latentes são aquelas que se encontram em uma condição inativa ou adormecida em diferentes regiões do caule ou de outro órgão da planta, se desenvolvendo e emergindo a partir de estímulos ou condi- ções favoráveis. Essas raízes possuem origem em diversos tecidos vegetais, como medula, floema, cambio vascular, parênquima, entre outros. Como exemplos po- de-se identificar a formação de raízes adventícias na base das plantas de milho, de macieira, entre outras espécies (HARTMANN et al., 2002). As raízes induzidas por ferimentos são formadas em um mecanismo de resposta da planta relacionado com o estresse provocado por uma injúria ou dano, envolvendo um processo de cicatrização e de nova formação de raízes. Essa formação de novo de raízes exige condições específicas de estímulo para o desen- volvimento (HARTMANN et al., 2002). 7.1 FORMAÇÃO DE NOVO DE RAÍZES E DE GEMAS E BROTOS A formação de raízes adventícias ocorre em diferentes estágios de desen- volvimento, passando por grandes mudanças na estrutura e função das células e tecidos da região em que ocorreu o ferimento. Essa formação de raízes a partir de tecidos que já apresentavam outra função é chamada de formação de novo de raízes. Os estágios de desenvolvimento para a formação de raízes adventícias em estacas de caules ou de folhas (estacas foliares contendo pelo menos uma gema axilar) envolvem (HARTMANN et al., 2002): • Desdiferenciação celular: algumas células adultas (diferenciadas) retornam ao estado meristemático, podendo originar outros tecidos e adquirir novas fun- cionalidades. • Diferenciação celular: a partir de determinados sinais, as células desdiferen- ciadas são induzidas à formação de raízes iniciais (iniciação radicular). Além disso, pode ocorrer o desenvolvimento de massas celulares conhecidas como calo ou callus. TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 123 • Formação dos primórdios radiculares: envolve o crescimento das raízes ini- ciais, com o desenvolvimento dos primórdios radiculares. Esses primórdios radiculares podem ter origem em diversos tecidos da planta, como do câmbio vascular, do periciclo, da epiderme, das lenticelas, da região da medula, entre outros. Os primórdios radiculares também podem se originar de forma indire- ta, a partir das massas celulares (callus). • Crescimento e emergência das raízes adventícias: resulta na emissão do pri- mórdio radicular para o exterior dos tecidos de origem, além da formação vas- cular, que possibilita a condução da seiva. ATENCAO O calo ou callus consiste em uma massa ou agrupamento irregular de células de parênquima em diversos estágios de lignificação. Essas células somáticas podem ser reprogramadas originando uma massa de células pluripotentes, com capacidade de se dife- renciar em qualquer outra célula vegetal. O callus se origina da base de estacas ou de locais com ferimentos ou traumatismos, resultando na proliferação de células como estratégia de cicatrização (HARTMANN et al., 2002). O callus também serve como uma barreira física para a entrada de microrganismos no inte- rior da planta (FACHINELLO, et al., 2005b). Embora a formação do callus e o aparecimento de raízes adventícias ocorram de forma independente, por processos fisiológicos e anatômicos distintos, o desenvolvimento desses dois processos pode ocorrer de forma simultânea. Em espécies de fácil enraizamento, esses processos ocorrem de forma independente, mesmo que ambos envolvam o aumento da divisão celular. Em outras espécies, a interação entre a formação do calo e a formação de raízes adventícias resulta da dependência de condições ambientais e internas similares (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO, et al., 2005b). Mais adiante veremos que a formação do callus pode ser importante em outras metodolo- gias de propagação vegetativa, como em algumas técnicas de enxertia. Em estacas de raízes e de folhas, a formação de brotos adventícios é ne- cessária para a formação do caule e obtenção de uma nova planta. A regeneração de novas plantas a partir de estacas de raízes pode seguir diversas vias de formação. A forma mais comum é que a partir das estacas radi- culares se formem novos brotos (ou gemas adventícias) e, posteriormente, ocorra a emissão de raízes adventícias. Essa formação de novo de gemas e brotos também pode ocorrer de forma indireta a partir do callus. Muitas vezes, nas estacas de raiz, a formação de raízes adventícias é mais difícil que a obtenção de brotos adventícios. Em muitas espécies, a formação de brotos adventícios pode ocorrer naturalmente em raízes ainda intactas, possibilitando a separação (obtenção de estacas) e indução da emissão de novas raízes adventícias (HARTMANN et al., 2002). 124 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO Os estágios de desenvolvimento para a formação de brotos adventícios em estacas de raízes ou de folhas (estacas foliares sem gemas axilares) envolvem (HARTMANN et al., 2002): • Desdiferenciação celular: algumas células adultas (diferenciadas) retornam ao estado meristemático, adquirindo novas competências e funcionalidades, po- dendo originar outros tecidos. • Diferenciação celular: a partir de determinados sinais, as células desdiferen- ciadas são induzidas à formação de brotos (iniciação caulinar). A formação de meristemoides ou gemas adventícias é característica desta etapa. Pode ocorrer conjuntamente o desenvolvimento de massas celulares (callus). • Formação dos brotos adventícios: neste estágio, ocorre a elongação e cresci- mento das gemas adventícias, originando os brotos adventícios. Essas gemas e brotos formados de novo podem ter origem em diversos tecidos da planta, como do câmbiovascular, entre outros. As gemas e os brotos adventícios também podem se originar de forma indireta, a partir das massas celulares (callus). Ainda nas estacas de raízes, um mecanismo importante da formação de raízes adventícias é a polaridade. A polaridade é a condição que resulta em pro- priedades diferentes nas posições opostas de uma estaca. Essa diferença no local de formação de gemas adventícias e de raízes adventícias se deve, nas estacas radiculares, pela redistribuição desequilibrada de substâncias e nutrientes nos dois polos da estaca. Entre essas substâncias estão hormônios (auxinas), açúcares, entre outros compostos, que atuam sobre a fisiologia e resultam em respostas diferentes de desenvolvimento. Um aspecto importante nesse contexto é que a mudança de posição da estaca (efeito da gravidade) não altera esse mecanismo que é controlado apenas de forma interna ou bioquímica (HARTMANN et al., 2002). 7.2 HORMÔNIOS VEGETAIS, REGULADORES DE CRESCIMENTO E BIOESTIMULANTES Os hormônios vegetais ou fitormônios são compostos químicos produ- zidos naturalmente pelas plantas e que regulam o metabolismo e o desenvolvi- mento, atuando sobre a divisão, alongamento e diferenciação celular. Além de controlar o desenvolvimento e crescimento desde a fase embrionária até a fase reprodutiva, os hormônios regulam a tolerância ao estresse, a defesa contra pa- tógenos e insetos, e o processo de senescência e morte celular. Esses compos- tos orgânicos são ativos em baixíssimas concentrações, resultando em respostas fisiológicas muito específicas. Os efeitos hormonais não dependem apenas da concentração que estimule respostas, mas também da relação ou balanço entre os hormônios (Figura 3), além da captação pelos receptores que percebem essas variações e transmitem os sinais para os tecidos alvo. Outro aspecto importante é TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 125 que um mesmo hormônio pode ser responsável por diferentes efeitos, dependen- do do local de atuação (órgãos ou tecidos), da concentração e da fase de desenvol- vimento da planta (estádio fenológico) (PETRI et al., 2016). FIGURA 3 – EXEMPLOS DO BALANÇO HORMONAL NO CONTROLE DE DESENVOLVIMENTO DE PLANTAS FONTE: Adaptado de Gaspar et al. (2003) e Pozo et al. (2015) Os reguladores de crescimento ou fitorreguladores são substâncias de origem natural ou sintética, que apresentam efeito similar aos hormônios vege- tais, modificando os processos fisiológicos e de desenvolvimento das plantas ou de estruturas nas quais são aplicados. Esses produtos são utilizados em muitas atividades produtivas, com efeitos sobre a propagação e enraizamento, estímulo e controle do crescimento vegetativo, indução da floração, formação e raleio de frutos, atraso ou aceleração da matu- ração, melhoria nos atributos qualitativos (cor, tamanho, formato, entre outros) e estímulo para a entrada e saída (quebra) da dormência. Os reguladores de cresci- mento possuem muitas aplicações práticas na agricultura atual, sendo empregados comercialmente na fruticultura de clima temperada e tropical, na olericultura e no cultivo de plantas ornamentais e de flores, além de usos em espécies florestais, em culturas anuais de grãos e sementes e em outras espécies cultivadas. Dentre os hormônios vegetais, destacam-se: auxinas, citocininas, gibere- linas, ácido abscísico e etileno. Esses cinco grupos clássicos de hormônios são os que apresentam efeito fisiológico melhor conhecido e aplicações comerciais 126 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO mais desenvolvidas. Outros compostos com efeito hormonal para as plantas são: poliaminas, estrigolactonas, oligossacarinas, jasmonatos (ácido jasmônico), sa- licilatos (ácido salicílico), brassinosteroides, entre outros (GASPAR et al., 2003; CHENG; RUYTER-SPIRA; BOUWMEESTER, 2013). Os bioestimulantes são compostos sintéticos, obtidos a partir de extratos vegetais, de algas ou a partir de minerais, sendo moléculas químicas com efeitos biológicos, ativando mecanismos de resistência ou modificando a fisiologia e o me- tabolismo das plantas. Esses produtos podem atuar como ativadores do metabolis- mo celular, potencializando as respostas de defesa e de estresse (fortalecimento da planta), melhorando os processos fisiológicos de desenvolvimento, favorecendo a propagação vegetativa, melhorando o estado nutricional, estimulando ou inibindo o crescimento e induzindo melhorias na produção e na qualidade. Como exem- plos de bioestimulantes estão: aminoácidos, indutores de resistência (fosfitos; mi- crorganismos como fungos, bactérias e vírus; patógenos inativados; metabólitos de microrganismos, como os lipopeptídeos de bactérias surfactina e fengicina; entre outros), inoculantes, biofertilizantes, extratos vegetais, extratos de algas, ácidos orgânicos (ác. húmicos, ác. fúlvico, ácido glutâmico), vitaminas, compostos fenó- licos (flavonoides, entre outros), polissacarídeos (quitosana, quitina, entre outros) e carboidratos, soluções de minerais, entre outros. Tanto os reguladores de crescimento, quanto os bioestimulantes não são nutrientes para as plantas, assim eles atuam favorecendo o metabolismo vegetal sob a forma de produtos com ação não nutricional. No contexto prático, as auxinas são o grupo de reguladores de crescimento mais utilizados na propagação de plantas através de estacas. Esses fitormônios pos- suem ação no estímulo à formação de raízes adventícias, entre outras funções. Den- tre as principais auxinas utilizadas na propagação vegetativa de plantas estão: AIA (ácido indolacético), AIB (ácido indolbutírico) e ANA (ácido naftaleno acético). O AIA e o ANA são reguladores de crescimento de origem sintética e de maneira geral, apresentam efeito mais eficiente na promoção do enraizamento de estacas da maioria das espécies (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO et al., 2005b). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 127 DICAS Acadêmico, para aprofundar seus conhecimentos sobre a aplicação prática de reguladores de crescimento na agricultura sugere-se a publicação: Reguladores de cresci- mento para frutíferas de clima temperado. Esse documento elaborado por pesquisadores da Epagri (Santa Catarina) e da Embrapa traz muitos exemplos de uso. Link: https://www. embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1067694/reguladores-de-crescimento-pa- ra-frutiferas-de-clima-temperado. REGULADORES DE CRESCIMENTO PARA FRUTÍFERAS DE CLIMA TEMPERADO FONTE: <https://www.embrapa.br/ainfo_images/1067694/LIVROReguladoresdecresci- mentoparafrutiferasdeclimatemperadocorrigidoOKneu.pdf.jpg>. Acesso em: 19 jun. 2020. 7.3 RESPOSTA À CAPACIDADE DE ENRAIZAMENTO DAS ESTACAS As espécies de plantas apresentam diferenças nos mecanismos de respos- ta de formação de raízes adventícias. Essas diferenças ocorrem por características genéticas e por mecanismos bioquímicos envolvidos com a sinalização e diferen- ciação celular, além da sensibilidade de resposta aos estímulos hormonais e/ou aplicados artificialmente (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO et al., 2005b). Assim, a resposta à capacidade de enraizamento das plantas pode ser classificada em (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO et al., 2005b): 128 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO • Plantas de fácil enraizamento: essas espécies possuem as substâncias endógenas (internas) necessárias para promover a formação de raízes adventícias. Sob con- dições ambientais favoráveis, a formação radicular ocorre rapidamente, possibi- litando a obtenção de mudas com elevada taxa de sobrevivência. A utilização de auxinas sintéticas (reguladores de crescimento) pode favorecer o enraizamento, mas geralmente não é necessária para a obtenção de elevados índices de sucesso. Como exemplos destas plantas estão: figueira, videira, marmeleiro. • Plantas com capacidade moderada de enraizamento: essas plantas apresen- tam capacidade natural de enraizamento, mas o componente hormonal (au- xinas) é um fator limitante. Desta forma, a aplicaçãoexógena (ou artificial) de reguladores de crescimento (AIB, ANA, entre outros) é necessária e apresenta efeito positivo na formação das raízes adventícias e no sucesso da obtenção de mudas. Exemplos destas espécies são: algumas cultivares de videira, goiabeira e porta-enxertos de pereira. • Plantas de difícil enraizamento: nessas plantas a falta de fatores hormonais ou a falta de sensibilidade das células ao efeito dos reguladores de crescimento indicam uma condição que limita a obtenção de mudas através da estaquia. As concentrações de auxinas podem ou não ser as causas da dificuldade de enrai- zamento. Mesmo com a aplicação externa destes fitorreguladores, as respostas de formação de raízes adventícias nas estacas resultam em pequeno ou nenhum efeito. Como exemplos desse padrão: muitas espécies de plantas da família Rosa- ceae (macieira, pereira, pessegueiro, ameixeira, cerejeira, entre outras). 8 TÉCNICAS DE PROPAGAÇÃO ATRAVÉS DE ESTACAS A realização da propagação de plantas através de estacas envolve diversos cuidados e a observação de algumas condições para possibilitar o sucesso desejado na produção das mudas (FACHINELLO et al., 2005b). Esses autores apresentam uma discussão aprofundada e detalhada sobre as condições e cuidados necessá- rios para a propagação vegetativa através da estaquia. Analisaremos os principais. 8.1 OBTENÇÃO DO MATERIAL DE PROPAGAÇÃO A coleta de estacas deve ser feita em plantas matrizes de reconhecida qualidade, que apresentam as características bem definidas da espécie e/ou da cultivar. Entre outros aspectos, destacam-se também o estado fitossanitário ade- quado, com plantas sadias e sem sintomas ou danos de pragas e doenças, vigor vegetativo moderado e ausência de lesões por condições climáticas (ventos, gea- da, deficiência hídrica) ou de manuseio. A condição nutricional é fator importante para a propagação, sendo que as plantas não devem apresentar sintomas de deficiência, devendo estar em um estado equilibrado. A coleta de material de propagação deve ser realizada em coleções de plantas mantidas especificamente para esta finalidade (bancos de TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 129 germoplasma, borbulheira, jardim clonal, entre outros). Os cuidados para evitar a contaminação destas plantas doadoras de propágulos, principalmente por vi- roses e outros agentes endógenos (internos à planta) podem exigir o isolamento e a manutenção das matrizes em áreas com telado ou mesmo em estufas. O tipo de ramo e a posição de onde serão retiradas as estacas variam de acordo com a espécie, sendo que deve-se dar preferência a ramos não muito vigorosos e nem débeis, podendo em estacas lenhosas de espécies caducifólias se optar pelo uso do material retirado na poda de inverno (FACHINELLO et al., 2005b). 8.2 ÉPOCA DE COLETA DAS ESTACAS O manejo das estacas envolve o tipo e a época de coleta do material de propagação, podendo afetar o potencial de enraizamento. A escolha da época para a retirada das estacas está relacionada com a condição fisiológica da planta (fases fenológicas mais favoráveis), além da condição de infraestrutura para a manutenção das estacas e promoção do enraizamento (estufa com nebulização, telado, canteiros à céu aberto). Três períodos podem ser estabelecidos para a coleta das estacas (FACHINELLO et al., 2005b): • Período de repouso vegetativo ou de dormência: resulta na obtenção de esta- cas lenhosas, lignificadas, com cerca de 1 ano ou mais. Em espécies caducifólias, a presença de gemas dormentes é comum, resultando em simplicidade, baixo custo e elevada viabilidade na obtenção de mudas, principalmente para espé- cies de fácil enraizamento. Nesse caso, o uso de estruturas especiais (estufas ou telados com nebulização) pode ser dispensável, podendo realizar a distribuição das estacas diretamente no viveiro mantido ao ar livre. Recomenda-se a retirada de estacas da porção basal e mediana dos ramos, por apresentar maior acúmulo de reservas. Estacas coletadas nesta época também podem ser armazenadas em câmaras frias (acondicionadas em sacos plásticos herméticos para evitar desi- dratação), conservadas em substrato umedecido ou utilizadas imediatamente após a coleta. A coleta próxima ao final do período de dormência pode favorecer a brotação das gemas antes do enraizamento, resultando em perda elevada de umidade e maior dificuldade no enraizamento. Em espécies perenifólias (que a mantém a folhagem de forma permanente ao longo do ano), a coleta e uso de es- tacas lenhosas envolve a necessidade de infraestrutura mais complexa para a ob- tenção das mudas, principalmente para evitar a desidratação das estacas e para a manutenção de uma condição de temperatura mais favorável ao enraizamento. • Período de intenso crescimento vegetativo: esse momento de coleta das es- tacas ocorre durante a primavera, quando as estacas apresentam baixo grau de lignificação e elevada atividade celular na região do cambio vascular. Por serem retiradas de ramos em uma fase mais ativa de crescimento, essas estacas apresentam consistência herbácea, sendo que essas fontes de material geral- mente apresentam maior facilidade de enraizamento, ao mesmo tempo em que exigem cuidados mais intensos para evitar a desidratação e o ataque de pató- genos e pragas. Mesmo em condições de nebulização, a perda de água pode resultar no fator limitante para o sucesso na obtenção das mudas de estacas 130 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO herbáceas. Devido a essas condições, o momento de coleta deve ser nos horá- rios mais frescos do dia, geralmente no início da manhã, quando a umidade relativa do ar ainda está elevada, devendo acondicionar os ramos ou folhas em baldes ou sacos plásticos até o momento do preparo das estacas, que deve ser o mais breve possível. • Período final de crescimento vegetativo (final do verão até o início do outo- no): esse tipo de estaca é chamado de semilenhosa, pois embora ainda man- tenham folhas, os tecidos se encontram mais lignificados. Nesse caso, o uso de nebulização intermitente favorece a manutenção da umidade, evitando a queda antecipada das folhas. Dos ramos coletados nesta época, podem ser reti- radas estacas das porções basal, mediana e apical, sendo que os cuidados para evitar a desidratação ainda são necessários. 8.3 PREPARO E MANUSEIO DAS ESTACAS O manejo de preparo das estacas deve ser realizado em local apropriado, limpo e sombreado, além da utilização de instrumentos e insumos adequados para a finalidade de propagação de plantas (FACHINELLO et al., 2005b). Esses espaços devem dispor de mesas ou bancadas para favorecer a ergonomia, com espaço suficiente para as atividades, além de facilitar o trabalho e melhorar a produtividade. O manuseio também deve envolver equipamentos, ferramentas e instrumentos adequados, como tesouras de poda em boas condições, serras de corte, canivetes, recipientes limpos, entre outros. DICAS Acadêmico, em muitas regiões e atividades, as condições de trabalho no cam- po ainda são preocupantes e podem resultar em riscos e acidentes de trabalho. Ligada ao extinto Ministério do Trabalho, a FUNDACENTRO é um órgão do governo que contribui para promover e difundir conhecimentos que melhorem a condições de segurança e saúde dos trabalhadores de todos os setores da economia. Disponível em: http://www.fundacentro. gov.br/. A NR 31 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NA AGRICULTURA, PECUÁRIA SILVICULTURA, EXPLORAÇÃO FLORESTAL E AQUICULTURA é uma norma regulamentadora que regula o trabalho nas condições do meio rural. Estão descritas condições de utilização e cuidados com atividades que envolvem o uso de agrotóxicos e produtos afins, o meio ambiente e resíduos, ações de melhoria de ergonomia, além de ferramentas, máquinas e equipamentos, instalações, entre outras condições de trabalho. Disponível em: https://enit. trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_NR/NR-31.pdf. TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA131 Após o preparo, as estacas devem ser mantidas em contato com a água para evitar a desidratação, sendo distribuídas de forma identificada para evitar a mistura de espécies ou cultivares. Da mesma forma o controle cuidadoso pos- sibilita rastrear as plantas matrizes no caso de algum problema identificado nas mudas em fase posterior. O comprimento, o diâmetro e a estrutura das estacas variam de acordo com o tipo de estaca (caule, folha ou raiz), com a época do ano (herbáceas, se- milenhosas e lenhosas) e também dependendo da espécie propagada. De modo geral, as estacas lenhosas variam entre 20 a 30 cm de comprimento e diâmetro entre 0,6 e 2,5 cm, enquanto as estacas semilenhosas possuem de 7 a 15 cm de comprimento e estacas herbáceas podem ser de tamanho ainda menor. A sepa- ração por categorias de tamanho facilita o trabalho e possibilita a obtenção de lotes homogêneos de mudas. Com exceção das estacas lenhosas de plantas cadu- cifólias, a manutenção de folhas inteiras (2 a 3 localizadas na parte superior da estaca) ou porções foliares (quando a folha é muito grande, recomenda-se uma poda, mantendo-se a metade da folha) favorece o enraizamento pelo fornecimen- to de nutrientes e fitormônios (fatores internos). Da mesma forma a presença de gemas axilares melhora os índices de sobrevivência das mudas obtidas através de estaquia. Com relação ao corte da porção basal da estaca (que ficará no solo ou no substrato), quando possível, deve ser realizado logo abaixo de uma gema. O corte na porção apical da estaca (parte acima do solo) deve ser feito acima de uma gema para estimular a brotação (FACHINELLO et al., 2005b). O preparo das estacas envolve a realização de cortes, preferencialmente, em bisel (inclinados), tanto na base (para aumentar a área de exposição dos teci- dos onde as raízes adventícias se originam) quanto no ápice da estaca (para evitar o acúmulo de seiva ou de água de irrigação). Pequenas lesões na base da estaca, removendo apenas a casca, tendem a favorecer a formação de callus e de raízes adventícias, por favorecer a divisão celular. A profundidade de plantio é variável entre 1/2 e 2/3 do tamanho da estaca, sendo que o ideal é que pelo menos entre 3 e 5 cm estejam enterrados. A utilização de reguladores de crescimento e/ou agroquími- cos (fungicidas) pode ser realizada neste momento antes da colocação das estacas no solo ou no substrato, podendo ser através de pulverização ou imersão em solu- ções concentradas. A correta fixação da estaca, garantindo a ausência de grandes espaços porosos, mas evitando a compactação excessiva, favorece o enraizamento, bem como o suprimento de água e as trocas gasosas (FACHINELLO et al., 2005b). O tipo e a composição do substrato, bem como a forma de preparo do solo do viveiro devem permitir as condições necessárias de maciez e porosidade para a facilitar a emissão das raízes e o desenvolvimento do sistema radicular, além do atendimento das necessidades de água e oxigênio. A utilização de meios de enraizamento isentos de patógenos e de pragas, de fácil obtenção e em quanti- dade e frequência necessárias deve orientar a escolha dos componentes. Da mes- ma forma, deve-se evitar substratos em decomposição ou não estabilizados, que podem prejudicar o processo de enraizamento. 132 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO Outras técnicas complementares podem ser usadas dependendo da es- pécie propagada, como o estiolamento parcial, anelamento dos ramos, obtenção de ramos de partes juvenis da planta (rejuvenescimento), dobra dos ramos, trata- mentos com agroquímicos ou com fitorreguladores de forma complementar, su- primento nutricional, aquecimento do substrato, uso de nebulização, entre outros (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO et al., 2005b). 8.4 PREPARO E USO DOS REGULADORES DE CRESCIMENTO Para a obtenção de mudas com qualidade a utilização de reguladores de crescimento é uma prática frequente no processo de propagação através da estaquia em muitas espécies. A sua utilização envolve cuidados, já que estes com- postos químicos atuam de maneira muito específica e controlam o desenvolvi- mento e o metabolismo vegetal de forma sensível. Por essas razões, a compreensão dos princípios fisiológicos e anatômicos envolvidos na formação de raízes adventícias é tão importante, bem como os co- nhecimentos aprofundados sobre o mecanismo de funcionamento dos hormô- nios vegetais e utilização dos reguladores de crescimento. A auxina endógena é o ácido indolacético (AIA), essencial para induzir o enraizamento. As concentrações desse hormônio variam de acordo com a idade do órgão (caule, folha ou raiz) e da planta, com as estações do ano (estádios feno- lógicos da planta) e com a localização da estrutura retirada (parte basal, mediana ou apical da planta) (FACHINELLO et al., 2005b). O tipo de regulador de crescimento que pode ser utilizado para promover o enraizamento varia de acordo com o mercado (pontos de comercialização), po- dendo ser: AIA, AIB, ANA e o 2,4-D. Na grande maioria dos casos, o uso de AIB e de ANA é preferencial por apresentarem o melhor custo benefício (Quadro 1). TÓPICO 2 —PROPAGAÇÃO POR ESTAQUIA 133 QUADRO 1 – VANTAGENS E DESVANTAGENS DAS PRINCIPAIS AUXINAS SINTÉTICAS Regulador de crescimento Sigla Vantagem Desvantagem Ácido indolacético AIA Alta atividade de enrai-zamento Fotossensível e sujeito à decom- posição enzimática (oxidação) ou por ação de bactérias Ácido indolbutírico AIB Fotoestável, com ação loca- lizada, atividade persisten- te e atóxico em uma ampla faixa de concentração, não sujeito à ação biológica Pode ser fitotóxica para algumas espécies Ácido naftaleno acético ANA Maior atividade que o AIA e o AIB Maior fitotoxicidade ao tecido vegetal que o AIA e o AIB Ácido 2,4-diclorofenoxi- acético 2,4-D Alta atividade de enrai-zamento Altamente fitotóxico, além de apresentar toxicidade alta no manuseio e no ambiente FONTE: Adaptado de Fachinello et al., (2005b, p. 97) A utilização prática das auxinas para estimular o enraizamento de esta- cas pode ser realizada através de diferentes formas de aplicação do fitorregula- dor: em pó ou sob a via líquida. A forma de aplicação por via líquida pode ser de duas formas: solução diluída e solução concentrada (FACHINELLO et al., 2005b). De forma geral, as concentrações mais utilizadas de auxinas variam entre 500 e 1500 ppm (partes por milhão ou mg l-1) para estacas herbáceas. Em estacas semilenhosas utilizam-se concentrações entre 1.000 e 3.000 ppm, podendo chegar até 5.000 ppm. Em estacas lenhosas, as doses mais comuns também variam de 1.000 e 3.000 ppm, podendo chegar até 10.000 ppm em algumas espécies (HART- MANN et al., 2002). Acompanhe a forma de preparo e de utilização das formulações em pó e líquida de auxinas (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO et al., 2005b). Para o preparo da auxina em pó (formulação sólida), inicialmente re- aliza-se o cálculo para determinar a massa de auxina pura. Para isso, é preciso compreender a seguinte relação: 1 ppm (partes por milhão) = 1mg l-1 (1 miligrama por litro) ou 1mg kg-1 (1 miligrama por quilo) Assim, para preparar 100 gramas (100 g) do fitorregulador, na concentra- ção de 1.000 ppm, pesa-se 100 mg (0,1 grama) de auxina pura (~99% de pureza) e acrescenta-se talco industrial (talco inerte), cerca de 100 gramas (99,9 g). Primeira- mente, realiza-se a dissolução completa da auxina em uma solução (NaOH 0,1M). Posteriormente, adiciona-se o talco e para homogeneizar a mistura, adiciona-se um volume de solvente (álcool ou acetona) suficiente para formar uma massa 134 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO pastosa que deve ser misturada. Em seguira, essa massa pastosa é deixada em condição de temperatura ambiente ou em estufa (até 40 ºC) para a evaporação total do solvente e obtenção de uma formulação em pó totalmente seca. Este deve ser armazenado em recipiente limpo e protegido da luz, podendo ser conservado em refrigerador (4 ºC). Aforma de aplicação em pó pode ser adquirida em fórmulas comerciais ou preparadas pelo usuário para a utilização. De modo geral, quando a auxina é preparada pelo usuário, o custo reduz significativamente, embora alguns cuida- dos devam ser tomados, principalmente em relação à diluição e solubilização do fitorregulador. A metodologia de uso da auxina em pó consiste em pressionar a base da estaca recém cortada, de forma que o fitorregulador fique aderido. Para favorecer esse processo, a base das estacas pode ser imersa em água. Após, o ex- cesso de pó é retirado e as estacas são colocadas no substrato. Para o preparo da solução de auxina (formulação líquida), realiza-se os cálculos e a pesagem do fitorregulador. A diferença é que o talco é substituído por água destilada e para solubilizar a auxina não se utiliza a acetona, mas sim uma solução de hidróxido de sódio (NaOH) ou etanol, tomando-se o cuidado para utilizar o menor volume possível, sendo que os sais de potássio também podem ser usados para dissolver a auxina. Após a diluição, o volume final é ajustado com água destilada. Da mesma forma, a solução deve ser armazenada em um frasco limpo e ao abrigo da luz, devendo ser mantida em refrigerador (4 ºC). A formulação líquida com baixa concentração é menos estável que a formulação em pó, o que indica que deve ser utilizada em prazo de poucos dias. A solução con- centrada pode ser armazenada de forma hermética por um período maior, sob as mesmas condições (escuro e refrigerado). A forma de aplicação líquida é feita através da imersão da base das esta- cas (cerca de 2,5 cm) na solução de auxina. Para o tratamento com solução diluída (de 20 a 200 ppm, de acordo com a espécie), as estacas ficam em contato por até 24 horas com o fitorregulador. Já no tratamento com solução concentrada (200 a 10.000 ppm, dependendo da espécie), a imersão da base das estacas é feita por poucos segundos (5 a 30 segundos). Após a imersão, as estacas são colocadas em posição horizontal por aproximadamente 1 minuto para a absorção da so- lução, sendo, em seguida, distribuídas no substrato. A forma líquida apresenta a vantagem de maior facilidade de preparo e uma resposta mais uniforme no enraizamento. A formulação concentrada pode favorecer a ocorrência de efeitos fitotóxicos, com mortalidade das estacas. 135 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A propagação através da estaquia é uma forma importante de propagação vegetativa de plantas. • A propagação vegetativa de plantas apresenta importância e aplicações na agricultura. • Existem vantagens e desvantagens da propagação por estaquia, além das finalidades ou objetivos desta forma de obtenção de plantas. • A estaquia resulta na obtenção de uma nova planta a partir da separação de um segmento (caule, folha ou raiz) da planta mãe. • Podem ser obtidas novas plantas com o uso de diversos tipos de estacas e que há diferenças quanto a parte da planta em que foram coletadas e quanto a época de coleta. • Há diversos cuidados necessários para a seleção e coleta de estacas. • Existem muitas condições que afetam a propagação através da estaquia. • Há diversos princípios fisiológicos e alterações anatômicas envolvidos no processo de enraizamento de estacas. • Há necessidade de formação de raízes adventícias para o sucesso deste método de propagação. • Diversos processos e mecanismos estão envolvidos na formação de raízes adventícias. • O uso de reguladores de crescimento promove o enraizamento de estacas. 136 1 Diversas condições afetam o sucesso da obtenção de mudas através da estaquia. Esses fatores devem ser conhecidos, e, na medida do possível, controlados. Possibilita-se, assim, a produção de mudas homogêneas e de qualidade. Nesse contexto, analise as alternativas: I- A sanidade e as características da planta matriz devem ser consideradas na sua escolha. II- O tipo de estaca e a época de coleta indicam que essa forma de propaga- ção apresenta diferenças de acordo com a espécie envolvida e a fase de desenvolvimento ao longo do ano. III- A umidade, a luz e a temperatura são condições do meio que regulam o metabolismo e a fisiologia vegetal, influenciando a formação de raízes adventícias. IV- O tipo de solo ou substrato afeta as condições de enraizamento, por isso pode ser desconsiderado como um fator importante para a estaquia. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas. b) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas. c) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas. d) ( ) As afirmativas I, III e IV estão corretas. 2 A estaquia é um método de propagação vegetativa muito utilizado para a obtenção de plantas homogêneas e com as mesmas características genéti- cas. No entanto, essa forma de propagação pode resultar em alguns proble- mas. Neste contexto analise as asserções e a relação entre elas: I- A estaquia possibilita a obtenção de clones, ou sejam, plantas com as mesmas características genéticas da planta mãe, pois resulta na separação de um segmento de caule, folha ou raiz. PORÉM II- A propagação vegetativa pode ocasionar a transmissão de doenças, princi- palmente viroses e fitoplasmas, quando que esses seres vivos se encontram no interior da planta matriz. Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I. b) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I. c) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. d) ( ) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. AUTOATIVIDADE 137 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO O terceiro tópico aborda o tema da enxertia, os tipos, as vantagens, as limitações e as características dessa forma de propagação assexuada de plantas. Também serão apresentadas as técnicas e cuidados para obter êxito na formação das mudas. O objetivo deste tópico é fornecer informações necessárias para a com- preensão dos princípios fisiológicos envolvidos na enxertia. Além disso, busca-se que esses conhecimentos lhes capacitem para a prática do dia a dia, bem como sirvam de base para o aprofundamento de seus estudos. Vamos iniciar e bons estudos! 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA A enxertia é uma importante estratégia de propagação assexuada de plan- tas. Nesse método, o princípio fisiológico envolvido é a ligação entre os vasos vas- culares do enxerto (copa, garfo ou produtora) e do porta-enxerto (ou cavalo, no conceito genérico e popular). A enxertia se distingue pela união de duas plantas (copa e porta-enxerto), constituindo um único indivíduo, onde ambas mantêm as suas características (genéticas), sem resultar em uma mistura genética. A enxertia é conceituada como uma fusão natural ou deliberada (efetua- da de forma artificial) de partes de plantas que resulta na continuidade vascular entre elas (Figura 4). Assim uma planta enxertada resulta em um organismo com funções geneticamente compostas em uma planta singular (MUDGE et al., 2009). TÓPICO 3 — PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA 138 FIGURA 4 – ENXERTIA NATURAL E ARTIFICIAL DE PLANTAS FONTE: Adaptado de Melnyk (2017) A propagação através da enxertia é composta por: enxerto, porta-enxerto e, eventualmente, o interenxerto (Figura 5). O enxerto ou copa (scion, em inglês) é formado por um fragmento da planta de interesse, contendo pelo menos uma gema viável, que resultará na formação da estrutura da parte aérea do novo in- divíduo. O porta-enxerto (rootstock, em inglês) é constituído de um fragmento (estaca) ou de uma planta já enraizada, cuja função é servir de apoio e constituir o sistema radicular do novo indivíduo. Na expressão comum, o enxerto também é chamado de “cavaleiro” e o porta-enxerto de “cavalo”. Eventualmente, pode-seutilizar uma terceira planta no processo de propagação por enxertia, o interenxer- to, enxerto intermediário ou filtro. O interenxerto ou filtro (interstock ou interstem, em inglês) é um fragmento, cuja função é possibilitar a formação de um indivíduo onde a copa e o porta-enxerto são incompatíveis ou quando se deseja reduzir de forma mais drástica o vigor vegetativo da copa (HARTMANN et al., 2002; NA- CHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a). FIGURA 5 – ENXERTO, PORTA-ENXERTO E INTERENXERTO FONTE: Adaptado de Mudge et al. (2009, p. 439) 139 A enxertia (grafting em inglês) é uma técnica de propagação de custo mais elevado em comparação com a estaquia (cutting, em inglês). A borbulhia (budding, em inglês) é uma forma de enxertia, sendo cerca de três vezes mais custosa que a estaquia e, aproximadamente, 14 vezes mais cara que a propagação através de sementes (seedling, em inglês) (HARTMANN et al., 2002). As aplicações práticas da enxertia envolvem o uso para a propagação em diversas culturas agrícolas perenes, como: plantas frutíferas de clima tempe- rado e de clima tropical, além de uso em plantas arbóreas, plantas ornamentais e espécies florestais. Seu uso também se estende para culturas anuais, como em plantas olerícolas, principalmente das famílias Solanaceae (tomate e berinjela) e Cucurbitaceae (abóbora, pepino e melão). Sua aplicação ocorre como possibilida- de de propagação de plantas em que os outros métodos não são possíveis, além de conciliar as características de interesse de duas plantas num mesmo indiví- duo (HARTMANN et al., 2002; PEIL, 2003; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOF- FMANN, 2005a; GOLDSCHMIDT, 2014). Mais de 70 espécies de plantas frutífe- ras perenes cultivadas são propagadas comercialmente através da enxertia, sendo que cerca de 25 das frutas e nozes mais consumidas estão nesse grupo (MELNYK, 2017). Porém, há limitações de uso, como veremos mais adiante. 2.1 HISTÓRICO DA PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA Desde a origem da agricultura, há cerca de 12.000-10.000 anos, a domesti- cação de plantas esteve intimamente relacionada com diversas inovações tecno- lógicas, sendo a propagação de plantas de fundamental importância para possi- bilitar os cultivos. A enxertia tem registros históricos de utilização na antiga China, desde pelo menos 1560 a.C., possivelmente sendo uma técnica desenvolvida para a pro- pagação de plantas no Oriente. Nas sociedades ocidentais, menções sobre a en- xertia foram feitas por Aristóteles (384-322 a.C.) e Teofrasto (371-287 a.C.). Na ci- vilização romana, a enxertia era prática conhecida de propagação de plantas nas diversas regiões do Império. Há registros da enxertia na bíblia (Romanos, 11: 17- 24), mencionando essa prática para a “boa” oliveira (HARTMANN et al., 2002). NOTA Teofrasto, discípulo de Aristóteles, foi o primeiro a classificar as plantas, escre- vendo obras como História das plantas e Sobre as causas das plantas, por isso é considera- do o pai da Botânica. O Alemão Otto Brunfels publicou o primeiro livro de botânica, com o título Herbário (1530), apresentando ilustrações e termos técnicos. E o naturalista Carl Von Linné (séc. XVIII), organizou a categorização e classificação botânica para o reino Plantae. 140 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS As vantagens da propagação por enxertia, além daquelas descritas para a propagação vegetativa (ver tópico sobre propagação por estaquia), são (HART- MANN et al., 2002; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a; MUDGE et al., 2009; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010): • Manutenção das características genéticas das plantas de interesse (clonagem). • Obtenção de um único indivíduo composto geneticamente, ou seja, que apre- senta as características de interesse na parte aérea e no sistema radicular. • Combinação de características produtivas e adaptativas que não se encontra- vam em uma mesma cultivar ou clone, explorando melhor as qualidades de interesse de cada uma delas. • Restrição no vigor vegetativo, diminuindo o porte da planta, podendo ser ain- da mais expressiva quando utilizando o interenxerto. • Mudança da cultivar copa sem necessitar arrancar as plantas. • Combinação de mais de uma cultivar copa em uma mesma planta, podendo ser útil em plantas que necessitam de polinização cruzada. • Recuperação de plantas que apresentaram injúrias ou danos por manejo (queda e quebra de plantas, poda), pragas (insetos) ou eventos climáticos (granizo, geada). • Aproveita características de tolerância ou resistência a pragas e doenças de solo verificadas em algumas cultivares (porta-enxertos) e compatibilizar com varie- dades copas de interesse comercial. • Oportunizar estudos relacionados com a fisiologia vegetal e a indexagem bio- lógica (identificação de viroses a partir de sintomas em cultivares sensíveis). Como vantagem também se citam a possiblidade de superar a juvenili- dade e os diferentes métodos de enxertia, que podem utilizar desde estacas con- tendo gemas até estruturas menores como uma borbulha (gema com segmento de lenho), ou mesmo o ápice caulinar. Ainda se destaca que em muitas espécies, a propagação vegetativa através da estaquia pode apresentar dificuldades (inca- pacidade de enraizamento), sendo que a enxertia é uma alternativa viável para a obtenção de plantas clonais (homogêneas) (HARTMANN et al., 2002; NACHTI- GAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a). Entre as desvantagens da propagação por enxertia estão: a limitação em relação à compatibilidade, resultando na ausência de conexão vascular ou união incompleta entre a copa e o porta-enxerto; afinidade botânica entre as plantas de interesse, onde quanto mais próximo o grau de parentesco, maior a chance de su- cesso na enxertia; necessita de condições ambientais específicas e de conhecimen- to e habilidade do enxertador, resultando em variações nos índices de sucesso de acordo com o manuseio e o processo de cicatrização; transferência ou contami- nação de doenças sistêmicas, como viroses e fitoplasmas; condições fisiológicas das plantas para possibilitar a execução das técnicas (por exemplo, a borbulhia só pode ser realizada quando a casca estiver solta), além das condições específicas do meio para que ocorra a cicatrização, união e manutenção da região do enxerto (FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010). 141 Entre as finalidades ou aplicações práticas da propagação por enxertia estão: a propagação de espécies ou cultivares que não produzem sementes férteis e/ou onde a estaquia não é uma técnica viável; multiplicação de mudas clonais em grande escala, com características combinadas de cultivares diferentes; redu- zir a fase de juvenilidade, antecipando a floração e a frutificação; substituir mais rapidamente cultivares ou clones comerciais sem realizar o replantio da área; in- corporar e aumentar a densidade de flores (no local e no tempo necessário) em espécies que necessitam de polinização cruzada (macieira, kiwizeiro, entre ou- tras), mantendo a densidade de plantio das cultivares; possibilitar a utilização de porta-enxertos tolerantes a problemas de solo ou adaptados em combinação com cultivares copa de interesse comercial; facilitar as práticas de manejo por reduzir o vigor vegetativo das plantas, deixando-as mais compactas e produtivas, prin- cipalmente quando usa-se o filtro; e a fixação de variações genéticas (mutações) em partes de uma planta (NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a). Além dessas aplicações em plantas ornamentais, a criação de outras formas não usuais nas plantas, como esculturas (arboscultura) e plantas com dossel diferen- ciado (Figura 6) (MUDGE et al., 2009). FIGURA 6 – ESCULTURAS EM PLANTAS UTILIZANDO TÉCNICAS DE PODA E DE ENXERTIA FONTE: Adaptado de Mudge et al. (2009, p. 439) e <https://www.noisiamoagricoltura.com/ar- boscultura-gli-alberi-diventano-incredibili-sculture-viventi>. Acesso em: 15 fev. 2020. 142 4 CLASSIFICAÇÃO E TIPOS DE ENXERTIA A enxertia é uma técnica de propagação que permite muitas possibilida- des para a obtenção de plantas,pois envolve a união entre dois indivíduos dife- rentes geneticamente, formando uma mesma planta. Diversas metodologias são adotadas na enxertia. ATENCAO Existem mais de 30 métodos ou tipos de enxertia descritos na literatura (HART- MANN et al., 2002; GARNER, 2013; HUMPHREY, 2019). Dependendo das condições da es- pécie e da habilidade do enxertador, essas estratégias podem apresentar diferentes níveis de sucesso ou aplicações práticas. O livro clássico sobre enxertia The Grafter’s Handbook (GARNER, 2013) descreve mais de 40 possibilidades. Além dessas, há muitas variações e tipos com características próprias e aplicações práticas distintas. A enxertia pode ser classificada quanto à época de realização e quanto à forma ou método utilizado (NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a). A enxertia é classificada em três métodos de acordo com as formas de realização (HARTMANN et al., 2002; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a): • Enxertia de gema ou borbulhia. • Enxertia de garfagem. • Enxertia de aproximação ou encostia. A enxertia de gema ou borbulhia consiste em justapor um pequeno seg- mento da planta de interesse (copa), contendo uma porção da casca, uma gema, com ou sem lenho, em um porta-enxerto com propriedades desejáveis de resis- tência, tipo de sistema radicular ou vigor vegetativo (HARTMANN et al., 2002; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a). De acordo com o modo de incisão e retirada da gema, a borbulhia pode ser de diferentes tipos (Figura 7): • Enxertia em T normal: método comum em plantas cítricas e da família das Rosáceas (macieira, pereira, pessegueiro, entre outras). Nesse método, o porta- -enxerto deve apresentar o diâmetro de 6 a 8 mm (lápis), sendo realizado uma incisão (corte) em formato de “T” com auxílio de um canivete. Geralmente, esse corte apresenta cerca de 3 cm de comprimento e até 2 cm de largura, com profundidade suficiente para possibilitar o desprendimento ou a soltura da casca. Por essa razão, esse método é realizado durante a primavera e início do verão, quando as plantas estão em atividade vegetativa e a casca é facilmente desprendida, sem danificar o lenho interno do ramo. A retirada da gema é feita em ramos sadios, sendo selecionadas preferencialmente na região mediana dos ramos da última estação de crescimento. Remove-se uma gema, contendo um 143 segmento de casca, com aproximadamente 2 centímetros de comprimento. A gema retirada (enxerto) deve ser cuidadosamente inserida abaixo da casca do porta-enxerto, devendo-se realizar esse encaixe de forma rápida e cuidadosa. Assim, se possibilita a sobreposição da casca, mas deixando a gema totalmente livre. Em seguida é feita a fixação com fita ou outro material, realizada de cima para baixo, deixando a gema presa ao porta-enxerto e em condições de brotar assim que ocorra o processo de cicatrização e conexão dos vasos vasculares (floema e xilema) (Figura 7). • Enxertia em T invertido: método semelhante à enxertia em T normal, diferin- do apenas quanto à posição da incisão, onde o corte horizontal é realizado na extremidade inferior do corte vertical efetuado no porta-enxerto. Essa forma apresenta as vantagens de oferecer maior resistência à gema e ao broto em crescimento, dificultar a entrada de água ou o acúmulo de seiva, que podem resultar no apodrecimento e morte do enxerto. • Enxertia em placa ou escudo: esse tipo de enxertia é utilizado em espécies que apresentam a casca mais grossa, como ocorrem em nogueira-pecã, goia- beira e caquizeiro por exemplo. Essa metodologia é mais lenta e difícil de ser realizada, em comparação à enxertia em T, em razão dos cortes mais precisos que devem ser realizados. O porta-enxerto deve apresentar entre 15 e 25 mm de diâmetro, onde realiza-se as incisões de forma a remover uma placa de for- mato quadrangular com cerca de 2 cm. Os cortes devem possibilitar a retirada apenas da casca, da mesma forma que o procedimento adotado na borbulhia. O uso de canivete de lâmina dupla ou de vazador pode facilitar a operação, pois permite a perfeita coincidência entre as dimensões do porta-enxerto e do enxerto (placa). No enxerto, procede-se da mesma forma, devendo-se manter uma gema viável na placa, sendo que esta deve ser encaixada no porta-enxerto e posteriormente fixada com fita. • Enxertia em anel ou anelar: método em que se efetuam dois cortes horizontais paralelos no porta-enxerto, removendo-se um segmento de casca em forma de anel. Na planta que se deseja retirar a gema, procede-se da mesma forma, man- tendo a gema intacta. A sobreposição do anel com a gema no local onde foi re- tirado o disco do porta-enxerto deve possibilitar o encaixe perfeito. Em seguida realiza-se a fixação da gema da mesma forma que nos métodos anteriores. • Enxertia de gema contendo lenho: esse tipo de enxertia é realizado de forma seme- lhante à enxertia em T normal ou invertido. É adotado quando a casca não se solta com facilidade, necessitando realizar uma incisão interna para a retirada da gema. 144 FIGURA 7 – TIPOS DE ENXERTIA DE GEMA OU BORBULHIA FONTE: Adaptado de Franzon, Carpenedo e Silva (2010, p. 31-34) e de Kumar (2011, p. 14-15) A enxertia de garfagem consiste na retirada de uma estaca, contendo uma ou mais gemas, também chamada de garfo ou enxerto, realizando incisões em forma de bisel, de cunha ou ainda de ponta na porção basal. Esse fragmento de ramo é encaixado no porta-enxerto de forma a possibilitar o contato com o câm- bio vascular e, após a cicatrização, resultar na conexão dos vasos de xilema e floema (HARTMANN et al., 2002; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a; FONSECA; OLIVEIRA, 2012). De acordo com o modo de incisão e encaixe, a garfagem pode ser de diferentes tipos (Figuras 8 e 9): • Garfagem de fenda cheia: a enxertia de fenda cheia é uma forma simples e rá- pida, onde realiza-se o corte horizontal do porta-enxerto, eliminando-se com- pletamente a copa. Ainda no porta-enxerto, realiza-se um corte no sentido lon- gitudinal, entre 2 e 5 cm de comprimento para possibilitar o encaixe do enxerto. O enxerto ou garfo (copa) é retirado de uma planta com características agronô- micas de interesse, realizando-se dois cortes em bisel na parte basal da estaca, mantendo uma forma semelhante a uma cunha. Assim, é feito o encaixe do enxerto no porta-enxerto, tomando-se o cuidado de manter o contato entre as cascas em pelo menos um dos lados. Essa metodologia é recomendada quando o porta-enxerto e o enxerto apresentam diferenças no diâmetro dos ramos. Esse método é usado na enxertia de plantas como: tomateiro, meloeiro, aboboreira, aceroleira, mangueira, videira, figueira, entre outras. • Dupla garfagem de fenda cheia: esta é uma variação da garfagem de fenda cheia. Realizada quando o diâmetro do porta-enxerto é muito superior ao do enxerto (no caso de enxertia para a renovação da copa de um pomar já implan- tado, por exemplo), onde pode-se fazer a inserção de dois enxertos (um em cada extremidade do corte). Esse método possibilita que existam dois ou mais pontos de enxertia, aumentando a possibilidade de sucesso na enxertia. 145 • Garfagem utilizando máquina ou equipamento: esse método é similar a garfa- gem de fenda cheia, porém, utiliza-se um equipamento ou máquina apropriada para a realização da incisão. Há diversos tipos de corte, sendo o mais comum em formato de “V” e de “Ω” (ômega). Essa atividade é realizada em duas etapas, inicialmente realiza-se o corte do enxerto (copa) e após a incisão no porta-enxer- to. Em seguida, é procedido o encaixe e fixação do ponto de enxertia com fita. A principal vantagem está na rapidez e agilidade de operação, com rendimento que pode atingir 5 mil unidades por dia. Esse método exige que o diâmetro do enxerto e do porta-enxerto sejam iguais, para possibilitar o encaixe perfeito. Esse método é muito usado em produção de mudas frutíferas em grande escala. • Garfagem de fenda simples: essa forma de enxertia consiste em realizar umcor- te em forma de bisel, tanto no enxerto, quanto no porta enxerto, encostando em seguida e realizando a amarração para a fixação no ponto de enxertia. Esse méto- do apresenta o inconveniente de ocorrer o rompimento no ponto de enxertia de forma muito fácil, pois o contato entre o enxerto e o porta-enxerto é mais frágil. • Garfagem de fenda dupla: esse método é uma variação da garfagem de fen- da simples, para aumentar a estabilidade do contato entre o enxerto e o por- ta-enxerto. Também chamada de “inglês complicado”. Consiste na realização de cortes em formato de bisel, como aquele realizado na garfagem de fenda simples, seguido de um corte adicional na porção central do enxerto e do por- ta-enxerto (Figura 8). Dessa forma realiza-se o encaixe, possibilitando maior estabilidade e firmeza, além de aumentar a área de contato na região do câmbio vascular das plantas. Nesse caso, a condição ideal é que o diâmetro entre o en- xerto e o porta-enxerto sejam o mais próximo possível. Esse é um dos métodos mais utilizados na propagação de diversas fruteiras, como: macieira, videira, tomateiro, entre outras plantas cultivadas. FIGURA 8 – TIPOS DE ENXERTIA DE GARFAGEM FONTE: Adaptado de Franzon; Carpenedo; Silva (2010, p. 31-34); Kumar (2011, p. 5); Humphrey (2019, p. 13-29) 146 • Garfagem em forma de cunha lateral: a enxertia em cunha é uma possibilidade útil para recuperação de plantas danificadas ou para a substituição da cultivar copa sem o arranquio do porta-enxerto. Nessa forma, o porta-enxerto é seccio- nado em formato de cunha, fazendo-se duas incisões. O mesmo procedimento é feito no enxerto de forma que possibilite o encaixe perfeito no ponto de enxertia. • Garfagem em forma de ponta: metodologia muito parecida com aquela em formato de cunha, com as mesmas características e utilidades, porém, diferin- do apenas no desenho das incisões. Uma variação desta forma é utilizar um furador (ponta de ferro), para obter um furo no porta-enxerto e após a prepa- ração do enxerto, com diversas incisões deixando a estaca pontiaguda, proce- de-se a inserção e fixação. • Garfagem reta ou de topo: essa enxertia é utilizada em algumas espécies de fácil cicatrização e que apresentam reduzida perda de água. Um exemplo típi- co de utilização desta forma de enxertia é para as cactáceas. O procedimento é simples, realizando um corte reto no porta-enxerto e no enxerto, a união ocorre pela simples sobreposição das regiões expostas. • Enxertia de abas laterais: essa metodologia não é exatamente um tipo de gar- fagem, mas apresenta os mesmos princípios, no porta-enxerto realiza-se o corte horizontal (reto) no ramo a ser enxertado, sendo o mesmo procedimento feito na estaca do enxerto. No porta-enxerto realizam-se 3 ou 4 incisões de forma a pos- sibilitar a separação da casca em abas, semelhante ao procedimento de descascar uma banana, razão pela qual é chamada de enxertia em forma de banana. No en- xerto, o mesmo tipo de incisões deve ser realizado, porém, removendo-se a casca e deixando câmbio exposto. A união é feita de forma que ocorra o encaixe reto no ponto de enxertia, sendo que as abas do porta-enxerto devem cobrir os locais da incisão do enxerto, possibilitando a fixação e o amarrio com fita. FIGURA 9 – TIPOS DE ENXERTIA DE GARFAGEM E DE PONTE FONTE: Adaptado de Kumar (2011, p. 3-12) e de Humphrey (2019, p. 13-29) 147 A enxertia de aproximação ou encostia consiste na união lateral de duas plantas, que apresentam sistemas radiculares independentes, de forma que o en- xerto e o porta-enxerto sejam mantidos intactos até que a união esteja comple- tamente formada. Essa é uma forma muito simples de enxertia, ocorrendo em muitas plantas em condições naturais de crescimento também. No entanto, não é uma estratégia muito utilizada na propagação comercial de plantas. A encostia pode ser realizada em qualquer época do ano, embora o momento mais favorável seja durante a fase de crescimento vegetativo, pela facilidade na cicatrização e na união vascular (HARTMANN et al., 2002; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOF- FMANN, 2005a). A encostia é uma forma muito utilizada na enxertia de hortali- ças (tomate, pepino, melancia, entre outras) (PEIL, 2003). A encostia pode ser de diferentes tipos (Figura 10): • Encostia lateral simples: consiste em efetuar uma incisão na superfície da cas- ca, com o objetivo de expor a região do câmbio. Esse procedimento é realizado tanto no enxerto, quanto no porta-enxerto. As regiões devem ser aproximadas, sendo realizada a fixação com fita de enxertia. Após a cicatrização, realiza-se a poda da parte aérea do porta-enxerto e um corte logo abaixo do ponto de en- xertia, separando o sistema radicular do enxerto. • Encostia de lingueta lateral: essa metodologia é semelhante à encostia lateral simples, diferindo apenas pela realização de uma segunda incisão (semelhante à garfagem de fenda dupla), tanto no enxerto, quanto no porta-enxerto, possi- bilitando o melhor encaixe e fixação no ponto de enxertia. • Encostia de topo: essa forma se assemelha à encostia lateral simples, porém, a copa do porta-enxerto é removida no momento da incisão, a partir de um corte em bisel, que deve ser aproximado e fixado da região onde há a exposição do câmbio do enxerto. Após a cicatrização, o sistema radicular do enxerto é elimi- nado, com a poda abaixo do ponto de enxertia. • Encostia de amarração: essa forma de encostia se assemelha ao processo que ocor- re naturalmente entre as plantas, onde realiza-se apenas o trancamento dos ramos de duas plantas, possibilitando que o crescimento vegetativo resulte na união. Essa forma pode ser feita tanto em ramos (parte aérea), quanto em raízes, dependendo da capacidade de cicatrização e união da espécie envolvida. Espécies que apresen- tam facilidade nesse processo de conexão são as figueiras e seringueiras. 148 FIGURA 10 – TIPOS DE ENCOSTIA FONTE: Adaptado de Canizares e Goto (2002); Hartmann et al. (2002, p. 491); Mudge et al. (2009, p. 443); Kumar (2011, p. 3-12); Humphrey (2019, p. 13-29) A enxertia quanto à época de realização pode ser (NACHTIGAL; FA- CHINELLO; HOFFMANN, 2005a): • Enxertia de primavera/verão: também chamada de enxertia de gema viva, sen- do geralmente realizada de novembro a fevereiro. As gemas ou as borbulhas são coletadas de plantas em crescimento e em bom estado nutricional e sani- tário. No caso da borbulhia, a enxertia ocorre imediatamente após a coleta, devendo-se retirar as folhas, mantendo uma gema e um pequeno pedaço do pecíolo foliar. Ramos devem ser coletados e mantidos à sombra ou enrolados em pano ou papel úmido para reduzir a desidratação. Os ramos do porta-en- xerto devem ser dobrados para sombrear a região da enxertia e para induzir a cicatrização do enxerto e a brotação da gema enxertada. As demais brotações do porta-enxerto devem ser retiradas para evitar competição ou atrapalhar o desenvolvimento do ramo da copa (enxerto). Após aproximadamente 1 ano, a muda pode ser transplantada para o local definitivo. • Enxertia de verão/outono: esse método também é chamado de enxertia de gema dormente, pois é realizado ao final da estação de crescimento. Sua execu- ção é semelhante àquela realizada na enxertia de gema viva, porém, sem fazer a dobra imediata dos ramos do porta-enxerto. Assim, essa dobra é realizada somente na próxima primavera, quando a gema enxertada iniciará a atividade vegetativa. Neste método, são necessários dois anos para a formação da muda, razão pela qual não é muito empregado; • Enxertia de inverno: esse método é realizado durante a fase de repouso vege- tativo, geralmente ocorrendo nos meses de junho e julho. Esse método pode ser feito em condições de campo, com as plantas (porta-enxertos) em canteiros ou nas áreas de produção; ou ainda em galpão, sendo conhecida como enxertia 149 de mesa, quando os porta-enxertos enraizados ou não, são enxertados e após levados para o viveiro que possibilitará as condições para a cicatrizaçãodo ponto de enxertia. A muda ficará pelo menos 1 ano no viveiro até poder ser transplantada para o local definitivo. DICAS Acadêmico, existem muitas fontes de consulta sobre a propagação de plantas. Como sugestão de pesquisa, recomendamos os seguintes endereços, que ilustram com imagens didáticas: • http://generalhorticulture.tamu.edu/lectsupl/Propaga/propaga.html. • https://www.wikihow.com/Graft-a-Fruit-Tree#Part-Three:-Grafting. 4.1 FORMAS ESPECIAIS DE ENXERTIA De modo geral, a enxertia é utilizada para a propagação de mudas e em plantas jovens. Porém, quando a enxertia é empregada em plantas adultas, ob- jetiva ajustar alguns problemas de manejo, alterar a cultivar copa ou produtora, corrigir problemas de incompatibilidade ou de desenvolvimento, possibilitar a ornamentação e criações esculturais em plantas ornamentais, entre outros usos. Nesse sentido, destacam-se algumas técnicas como (NACHTIGAL; FACHI- NELLO; HOFFMANN, 2005a): • Sobrenxertia: técnica utilizada para a substituição da cultivar copa (enxerto), para introduzir uma cultivar com maior demanda de mercado, com caracteres melhorados ou ainda para solucionar problemas de polinização. Essa metodo- logia pode ser realizada na copa total ou parcialmente, realizando a enxertia em apenas alguns ramos ou pernadas. Nesse caso, é efetuada a poda drástica eliminando totalmente a copa ou mantendo uma parte, conforme o objetivo. Pela grande diferença no diâmetro entre o enxerto e o porta-enxerto, recomen- da-se a realização das enxertias de garfagem de fenda cheia ou garfagem de fenda dupla (“inglês complicado”). Pode ser usada em muitas plantas frutífe- ras como citrus, videira, macieira, entre outras. • Interenxertia: essa metodologia é usada quando há incompatibilidade entre as cultivares ou espécies a serem enxertadas. Pode ser usada também com o objetivo de reduzir o vigor vegetativo, buscando plantas mais compactas e de acordo com o sistema de condução utilizado. A técnica de interenxertia con- siste em interpor um fragmento de ramo (estaca entre 10 e 20 centímetros de comprimento) entre o enxerto e o porta-enxerto. Dessa forma, uma planta in- terenxertada apresenta três indivíduos com características genéticas diferentes e dois locais ou pontos de enxertia. A metodologia geralmente utilizada é a garfagem de fenda dupla, realizando-se as duas enxertias no mesmo momento, 150 quando as plantas ainda são jovens. Em plantas adultas, esse procedimento pode ser realizado em dois períodos diferentes. O exemplo mais tradicional de sua utilização em escala comercial se verifica na cultura da macieira, embora em diversas outras espécies pode ser utilizada. • Subenxertia: também chamada de enxertia de ponte enraizada, essa prática é realizada para a recuperação de plantas em que o sistema radicular não se de- senvolveu de forma adequada ou sofreu algum tipo de dano (doenças, pragas, equipamentos agrícolas, entre outros). O método consiste em realizar o plantio de mudas de porta-enxerto próximas à planta a ser enxertada, promovendo a união do novo porta-enxerto com a cultivar copa que se pretende manter. • Enxertia de ponte simples: essa forma de enxertia possibilita recuperar plantas que sofreram algum tipo de dano no caule, como por implementos agrícolas (roçadeira) ou pelo ataque de pragas ou roedores, ou, ainda, na resolução de problemas de incompatibilidade de enxertia. Os enxertos são distribuídos de forma a possibilitar a união do sistema radicular e da parte aérea, semelhante a uma conexão. Para a enxertia de ponte pode-se efetuar um ou vários enxertos distribuídos ao longo da circunferência do tronco. Esse procedimento pode ser adotado ainda para a formação de filtros ou interenxerto em plantas adultas. • Microenxertia: processo de enxertia realizado em condições in vitro, consistin- do em realizar a união de dois indivíduos, com diversos objetivos como: rege- neração de ápices caulinares, obtenção de plantas livres de doenças (viroses) e detecção precoce de incompatibilidade de enxertia. 5 FATORES QUE AFETAM A PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA Diversos fatores influenciam o sucesso da sobrevivência das plantas pro- pagadas através da enxertia. Esses fatores podem estar relacionados com a com- patibilidade entre as plantas, com condições ambientais e de manejo, além das características dos instrumentos e equipamentos utilizados na enxertia. 5.1 COMPATIBILIDADE E INCOMPATIBILIDADE A compatibilidade é a propriedade de duas plantas distintas se unirem, mantendo conexão vascular e possibilitando a formação de um único indivíduo. A incompatibilidade resulta da incapacidade (total ou parcial) de união do câm- bio vascular, impossibilitando ou dificultando o desenvolvimento de uma planta composta por pelo menos duas partes (enxerto e porta-enxerto) (HARTMANN et al., 2002). O nível ou grau de compatibilidade varia dependendo de diversas con- dições, sendo desde plantas totalmente incompatíveis (C-3 e C+3), apresentando faixas de parcial compatibilidade, até totalmente compatíveis (C), onde o ponto de enxertia é quase imperceptível (Figura 11). 151 FIGURA 11 – ESCALA E SINTOMAS DE COMPATIBILIDADE ENTRE ENXERTO E PORTA-ENXERTO FONTE: Goldschmidt (2014, p. 2) Os sintomas para o reconhecimento da incompatibilidade de enxer- tia podem ser (HARTMANN et al., 2002; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOF- FMANN, 2005a; GOLDSCHMIDT, 2014): • Falta de união no local da enxertia, resultando na quebra das plantas no ponto de enxertia. • Diferença acentuada no vigor vegetativo ou no crescimento entre o enxerto e o porta-enxerto, apresentando diâmetro muito distinto entre as partes da planta. • Irregularidade no desenvolvimento, com deformações acima, abaixo ou no ponto de enxertia. • Amarelecimento da planta, seguido de desfolhamento precoce ou sem causa iden- tificada (pragas, doenças, déficit hídrico, encharcamento do solo, entre outros). • Crescimento vegetativo reduzido da copa (em algumas situações, como na in- terenxertia, esse efeito pode ser desejável e controlado). • Brotação excessiva do porta-enxerto. • Alteração no comportamento fenológico e fisiológico entre o sistema radicular e a copa da planta. • Mortalidade da planta de forma precoce e sem causa conhecida. A incompatibilidade pode ser de três tipos (HARTMANN et al., 2002; PEREIRA et al., 2014): • Translocada: se caracteriza por apresentar sintomas visíveis durante o desen- volvimento das plantas. Esse tipo de incompatibilidade, em geral, não pode ser evitado pela utilização de um interenxerto. A consequência é que a conexão entre as partes da planta é fraca, resultando em uma zona de ruptura eviden- te, sendo mais rapidamente identificada. Verifica-se a degeneração do floema, com aparecimento de áreas ou linhas escuras ou necróticas na região do córtex. Um exemplo desse tipo de incompatibilidade pode ser observado na enxertia entre cultivares de pessegueiro sobre porta-enxertos de ameixeira. • Localizada: se caracteriza pela ausência de desenvolvimento normal dos tecidos no ponto de enxertia, resultando em feixes vasculares não completamente lig- nificados. Isso provoca a interrupção da continuidade vascular e cambial, com consequentes problemas anatômicos e estruturais no ponto de união do enxer- 152 to com o porta-enxerto. Plantas com esse tipo de incompatibilidade apresentam desenvolvimento lento, proporcional ao grau de descontinuidade da união. O uso de filtro ou interenxerto possibilita superar esse tipo de incompatibilidade. Os sintomas externos são pouco evidentes, podendo demorar vários anos para que sejam identificados. Um exemplo clássico é quando se realiza a enxertia da pereira cv. Bartlett (‘Williams’) sobre um porta-enxerto de marmeleiro anão. • Induzida por patógenos: esse tipo de problema está associado a microrganis- mos sistêmicos (vírus ou fitoplasmas), ou seja, que ocupam e se desenvolvem nos vasos condutores da planta. O exemplo clássico desse tipo de problema éa doença das plantas cítricas “Tristeza dos citros”, causado por um vírus, que resultou na erradicação de imensas áreas de cultivo de laranja em diversas re- giões do mundo ao longo do Século XX. Entre os fatores que afetam a incompatibilidade da enxertia, destacam- -se: afinidade genética (recomenda-se que o grau de parentesco das plantas seja da mesma família botânica), atividade fisiológica (diferenças entre o ciclo de vida do enxerto e do porta-enxerto), composição bioquímica (metabolismo distinto entre as partes da planta), consistência dos tecidos (variações entre estruturas de plantas lenhosas e herbáceas), afinidade anatômica ou estrutural (organização celular semelhante em tamanho, formato e desenvolvimento) e desenvolvimento vegetativo (variações no porte e vigor, estado nutricional e sanidade do enxerto e do porta-enxerto) (NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a). 5.2 AFINIDADE BOTÂNICA A afinidade botânica ou genética resulta no grau de parentesco entre as plantas a serem enxertadas. De forma geral, quanto mais próximas na classifica- ção botânica, maior a possibilidade de sucesso na união vascular entre o enxerto e o porta-enxerto, resultando na obtenção de plantas aptas ao cultivo (HART- MANN et al., 2002; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010). ATENCAO A classificação botânica é a forma como as plantas estão organizadas de acor- do com a proximidade das características anatômicas. Essa classificação, assim como apre- sentado no início da Unidade 1, segue a sequência de categorias: Reino, Filo (ou Divisão), Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie. Para a afinidade botânica analisada na enxertia, verifica-se compatibilidade apenas a partir das categorias de Família, Gênero e Espécie. TÓPICO 3 —PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA 153 Como regra geral, o sucesso na enxertia em relação à afinidade botânica pode ser: • Sucesso elevado: enxertia entre plantas diferentes de um mesmo clone ou de clones diferentes de uma mesma cultivar. Exemplo: dois clones da cultivar de videira Cabernet Sauvignon. • Sucesso provável: enxertia entre plantas diferentes de uma mesma espécie. Exemplo: duas cultivares de pessegueiro (Prunus persica); duas cultivares de abacate (Persea americana). • Sucesso possível: enxertia entre plantas diferentes de um mesmo gênero. Exemplos: ameixeira (Prunus spp.) enxertada sobre pessegueiro (Prunus per- sica), porém a união contrária, com a ameixeira como porta-enxerto é incom- patível; laranja (Citrus sinensis) enxertada sobre limão cravo (Citrus limonia); a enxertia é usada com importância comercial entre diversas espécies de plantas cítricas (Citrus spp.); o uso de porta-enxertos de pessegueiro (P. persica) é usado em áreas de produção comercial de amêndoa (P. amygdalus), damasco (P. arme- niaca), ameixa europeia (P. domestica) e ameixa japonesa (P. salicina). • Sucesso limitado: enxertia entre plantas diferentes de uma mesma família. Exemplos: pereira (Pirus sp.) enxertada sobre marmeleiro (Cydonia oblonga), po- rém a união contrária, com a pereira como porta-enxerto é incompatível (am- bas da família Rosaceae); macieira (Malus spp.) enxertada sobre marmeleiro (Cydonia oblonga) (ambas da família Rosaceae); laranja (Citrus sinensis) e outras plantas cítricas enxertadas sobre trifoliata (Poncirus trifoliata) (ambas da família Rutaceae); outro exemplo de enxertia intergenérica se verifica na família Sola- naceae, onde o tomateiro (Lycopersicum esculentum) pode ser enxertado sobre o tabaco ou fumo (Nicotiana tabacum) e batata (Solanum tuberosum). • Enxertia improvável: a enxertia entre plantas de diferentes famílias ou de ní- veis botânicos superiores distintos não é aplicável comercialmente. Há regis- tros de sucesso na conexão vascular de orquídeas do gênero Vanilla (monocoti- ledônea) ou de outras gramíneas, porém sem aplicação prática. 154 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO IMPORTANT E A enxertia é uma técnica de propagação vegetativa viável apenas para dico- tiledôneas. As monocotiledôneas por possuírem o câmbio disperso na medula não ob- têm êxito na união vascular. Da mesma forma, é muito pouco provável a possibilidade de sucesso na enxertia de plantas de famílias diferentes, em razão dos diversos fatores que influenciam a compatibilidade. FONTE: Adaptado de Taiz et al., (2017, p. 584) e de <https://bit.ly/33IH2WZ>. Acesso em: 22 jun. 2020. TÓPICO 3 —PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA 155 5.3 CONDIÇÕES AMBIENTAIS Diversas condições ambientais apresentam influência sobre a cicatrização da enxertia e sobrevivência da nova planta. Entre essas condições ambientais estão: temperatura, umidade, oxigênio, luminosidade e ventos (NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010). A temperatura varia de acordo com a espécie, sendo que temperaturas abaixo de 4 ºC e acima de 32 ºC dificultam o processo de cicatrização. Temperatu- ras baixas retardam os processos de divisão celular, formação do calo e cicatriza- ção. Temperaturas elevadas aceleram a brotação das gemas antes da cicatrização, além de promover maior desidratação dos tecidos. A umidade é uma condição necessária para a multiplicação e diferencia- ção celular. Tanto a falta como o excesso de umidade são prejudiciais, sendo este último motivador de doenças fúngicas. A entrada ou acúmulo de água no ponto de enxertia é limitada pela utilização de fitas ou outras formas de isolamento, sendo que esses materiais auxiliam ainda na estabilização (fixação) do enxerto e do porta-enxerto. As trocas gasosas são necessárias, pois no ponto de enxertia, pelas lesões nos tecidos e exposição do câmbio, há uma intensa atividade celular (divisão e alongamento) e processos de diferenciação que demandam elevada quantidade de oxigênio. Por essa razão, o uso de ceras impermeáveis ou outros materiais que impossibilitam as trocas gasosas é desaconselhável. A luminosidade influencia a desidratação dos tecidos, sendo, por essa razão, necessária a proteção e manutenção em condições de sombreamento. A realização em períodos de dias nublados ou em épocas do ano mais amenas tam- bém favorece o sucesso da cicatrização. Os ventos resultam em um fator de influência dupla, por favorecer a de- sidratação dos tecidos e o deslocamento da conexão entre o enxerto e o porta-en- xerto. Além disso, ventos fortes podem resultar na quebra do enxerto em plantas com o processo de cicatrização mais adiantado, ou mesmo em plantas à campo. 5.4 CONDIÇÕES DE SELEÇÃO E MANUSEIO DO ENXERTO Diversas condições que envolvem o manuseio e a seleção do material para a enxertia resultam em variações na taxa de sucesso de obtenção de plan- tas por este método de propagação vegetativa. Entre essas condições de seleção e manuseio, destacam-se (NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005a; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010): idade do porta-enxerto, época de reali- zação, sanidade e desenvolvimento das plantas fornecedoras de material, polari- dade ou posicionamento do enxerto, oxidação de compostos fenólicos, técnica ou método de enxertia e a habilidade e experiência do enxertador. 156 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO A idade do porta-enxerto está relacionada com o ciclo de vida da planta e com o mecanismo fisiológico, sendo que plantas ou estruturas (caules) mais jo- vens apresentam maior atividade celular, resultando em processo de cicatrização mais eficiente e rápido. A época de realização da enxertia deve ser definida de acordo com a es- pécie (biologia da planta a ser propagada) e disponibilidade de material, além do tipo de enxertia que será utilizado. De modo geral, plantas caducifólias são en- xertadas no inverno, enquanto espécies perenifólias buscam-se realizar a enxertia no inverno, se o método for de garfagem, ou na primavera/verão, se o método for por borbulhia ou mergulhia. A sanidade e o desenvolvimento das plantas fornecedoras de material sempre é um fator que deve ser considerado para evitar a transmissão de doenças e a obtenção deenxertos e porta-enxertos com qualidade. Nesse sentido, o cuida- do com o estado nutricional e com o vigor vegetativo das plantas doadoras deve possibilitar a coleta de material apto a responder adequadamente ao processo de cicatrização. A polaridade ou posicionamento do enxerto parece ser um aspecto sim- ples. Porém, a atenção para a correta incisão e colocação do enxerto pode ser uma condição determinante do sucesso na realização da enxertia. Em todas as formas (borbulhia, garfagem e encostia) a gema deve estar direcionada para cima. Em- bora em alguns métodos (borbulhia) a inversão pode não comprometer a união entre o enxerto e o porta-enxerto, mas resulta em atraso e conexão mais frágil, com maior possibilidade de rompimento. A oxidação de compostos fenólicos é uma variável que depende do gru- po de plantas envolvidas. Por exemplo, a família das mirtáceas (goiabeira, jabuti- cabeira, pitangueira, araçazeiro, entre outras) apresentam abundante exsudação de compostos fenólicos após a exposição dos tecidos internos provocada pela incisão. Esses compostos fenólicos em contato com o oxigênio geram compostos fitotóxicos, afetando o mecanismo de cicatrização e de formação do calo, proces- sos necessários ao sucesso da enxertia. A técnica ou método de enxertia envolve um processo de tomada de de- cisão baseado nas características estruturais ou anatômicas das plantas a serem propagadas. Essa escolha também leva em consideração a capacidade de união vascular e a cicatrização, sendo que os procedimentos como a forma de incisão, seleção do enxerto, conexão e fixação do enxerto, além do diâmetro do porta-en- xerto são de grande importância. De forma geral, a escolha da metodologia de enxertia deve ser muito bem estudada, possibilitando que seja adequadamente compreendida e executada com perícia e atenção. A habilidade e experiência do enxertador é um fator de fundamental importância, pois índices baixos de sobrevivência podem ser observados, mesmo que todas as demais condições estejam adequadas. Assim, a experiência prática TÓPICO 3 —PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA 157 do profissional responsável por realizar a enxertia envolve a habilidade na rea- lização das incisões, a rapidez e precisão nos cortes e encaixe do enxerto no por- ta-enxerto, além da uniformidade de execução. Essas habilidades proporcionam maior rendimento ao longo do período de trabalho. Nesse contexto, os instru- mentos, ferramentas, equipamentos e materiais apropriados, bem afiados e utili- zados de forma correta, complementam o trabalho do enxertador, como veremos mais adiante. 5.5 INSTRUMENTOS, FERRAMENTAS, EQUIPAMENTOS, ACESSÓRIOS E MATERIAIS Diversos instrumentos, ferramentas, equipamentos e materiais são uti- lizados para a propagação através da enxertia, dependendo do método adotado e da espécie a ser propagada. Entre esses, destacam-se: serrote, tesoura de poda, canivete de enxertia (de lâmina simples ou dupla), alicate de enxertia (tipo ôme- ga), cortador para enxertia, sendo que todos devem estar bem afiados, em per- feitas condições de uso e higienizados. Além disso, são utilizados também: pedra de afiar, mastiques (resinas, cera de abelha, sebo, parafina, entre outros), fio ou fita de ráfia, barbante, fitas de polietileno, filme de PVC, filme de parafina (Para- film M®), etiquetas, clipes de enxertia (tubo, borboleta, grampo), acessórios para estabilização e condução (gancho, anel, junção flexível, suporte, condutor, entre outros modelos), soluções de esterilização e desinfecção, álcool (70%), algodão e recipientes (vasos, potes, sacos, entre outros), caixas plásticas e bandejas. Estruturas complementares como estufas, telados, ambientes aquecidos e/ou iluminados, sistemas de irrigação e de fertirrigação, estruturas para a redu- ção da temperatura (ventiladores, tela aluminizada, entre outros) e sombreamen- to, bancadas de trabalho, caixas e recipientes de transporte e armazenamento, câ- mara fria, salas especializadas (para a forçagem e cicatrização da enxertia), entre outros itens podem ser necessários. 6 PRINCÍPIOS FISIOLÓGICOS E ANATÔMICOS DA ENXERTIA A propagação através da enxertia necessita de algumas respostas fisioló- gicas e anatômicas das plantas envolvidas (enxerto e porta-enxerto) para o êxito na formação da nova planta. A condição fundamental para o sucesso da enxertia é a união vascular, possibilitando a ligação entre os vasos transportadores de sei- va das plantas, conectando o sistema radicular e o dossel vegetativo (parte aérea ou copa da planta). Os estágios de desenvolvimento para a cicatrização e união no ponto de enxertia envolvem cinco etapas (HARTMANN et al., 2002): 158 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO • Recobrimento do câmbio vascular do enxerto e do porta-enxerto: esse proces- so inicia com o aumento na intensidade de divisão celular nos pontos de feri- mento do enxerto e do porta-enxerto, possibilitando a proliferação de células de parênquima, o que resulta na aproximação dos tecidos das duas plantas. • Respostas ao ferimento: o ferimento efetuado em decorrência da prática da enxertia deve ser recuperado, evitando a exposição dos tecidos celulares inter- nos. Para isso, forma-se uma camada necrótica ou de isolamento, estruturada a partir dos conteúdos celulares e da parede celular na região do ferimento do enxerto e do porta-enxerto. Durante o processo de formação do callus, essa região de isolamento vai desaparecendo, sendo substituída por células de pa- rênquima indiferenciadas. • Formação do callus de cicatrização: a formação do callus é uma etapa funda- mental para que ocorra a cicatrização e a união vascular do enxerto e do porta- -enxerto. Esse processo é um pré-requisito para a união vascular e o sucesso da enxertia. O tecido do callus constitui-se de camadas de células de parênquima não danificadas. Essa camada de células pode se expandir, resultando no entre- laçamento das células do enxerto e do porta-enxerto, muitas vezes ultrapassan- do o limite da casca, sendo identificada por uma massa irregular de coloração esbranquiçada na região e nos arredores do ponto de enxertia. • Diferenciação do câmbio vascular: a formação e reparo dos tecidos vasculares de xilema e floema ocorrem com a organização e diferenciação das células do câmbio vascular e do callus. Inicialmente, os tecidos de xilema são recuperados, possibilitando uma “ponte” ou união entre o enxerto e o porta-enxerto. Em sequência, essa união vai se estabelecendo também nos tecidos de floema. Essa conexão contínua entre os vasos de xilema e de floema possibilita o transporte entre as partes da planta. • Organização e desenvolvimento dos tecidos vasculares: o estabelecimento da conexão vascular entre o enxerto e o porta-enxerto possibilita o transporte de água e sais do sistema radicular para a parte aérea, bem como o fornecimento de compostos orgânicos (fotoassimilados) para as raízes. À medida que esse transporte se torna mais intenso, reforça-se a ligação no ponto de enxertia, possibilitando a completa cicatrização e lignificação das regiões feridas. Essa maior atividade de transporte de solutos nos vasos de xilema e floema, ativa o crescimento vegetativo da parte aérea e do sistema radicular, possibilitando a condição necessária à sobrevivência da nova planta. TÓPICO 3 —PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA 159 LEITURA COMPLEMENTAR PRODUÇÃO DE MUDAS DE ARAUCÁRIA POR ENXERTIA Valdeci Constantino Ivar Wendling Flávio Zanette Importância e uso da enxertia para espécies florestais Especificamente para araucária, a enxertia já foi recomendada para a pro- dução de mudas com os seguintes objetivos: obtenção de plantas de porte redu- zido, frutificação precoce, obtenção de plantas de sexo e época de frutificação (precoce, intermediária e tardia) definidos com objetivo específico de produção de pinhões, instalação de bancos e pomares de sementes clonais, resgate e clona- gem de matrizes selecionadas e implantação de programas de silviculturaclonal da espécie. Etapas e ações envolvidas na enxertia de araucária 1. Seleção e resgate da planta matriz Para se proceder à seleção correta das plantas matrizes, em primeiro lugar deve-se definir qual o objetivo de produção, ou seja, pinhão ou madeira. De modo geral, os critérios a serem levados em conta na seleção de árvores superiores para a produção de pinhão são: produtividade, tamanho e tipo de pinhão, resistência a pragas e doenças, época de frutificação etc. 2. Formação dos porta-enxertos A enxertia pode ser feita no viveiro ou diretamente no campo. Embora possam ser utilizados porta-enxertos de diâmetros menores, recomenda-se que estes tenham de 1 cm a 1,5 cm. Em ambos os locais de enxertia, os porta-enxertos são produzidos via sementes, procurando-se coletá-las de árvores matrizes com elevado vigor de crescimento e sem sintomas de ataque de pragas e ocorrência de doenças. Recomenda-se utilizar sementes de origem regional, pois têm maior adaptabilidade às condições de clima e solo e auxiliam na manutenção da diver- sidade genética existente. 3. Coleta e transporte das brotações As brotações devem ser coletadas pela parte da manhã ou em dias nubla- dos, sendo acondicionadas em local protegido para seu transporte até o local da enxertia. O tipo de recipiente mais recomendado ao transporte é a caixa de isopor com gelo no fundo, recoberto com jornal umedecido, situação em que se consegue armazenar as brotações por até dois dias sem efeitos negativos sobre a enxertia. 160 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO Métodos de enxertia para araucária O método que tem sido mais empregado é o da borbulhia de placa, por apresentar melhor rendimento (economia de material do enxerto) e facilidade operacional, principalmente porque contorna problemas de incompatibilidade referentes ao diâmetro entre enxerto e porta-enxerto. Visando facilitar a compreensão das etapas envolvidas na produção de mudas de araucária via enxertia por borbulhia de placa e flauta, a figura a seguir apresenta uma sequência esquemática resumida do processo. BORBULHIA DE PLACA E EM FLAUTA EM ARAUCÁRIA Dentre as várias possibilidades de enxertia por garfagem, destaca-se a garfagem em fenda cheia no topo do porta-enxerto e garfagem em inglês compli- cado. Neste processo, a época mais adequada é aquela que se aproxima da saída do inverno. Uma série de estratégias ou esquemas de plantio podem ser utilizados para mudas enxertadas de araucária visando a formação de pomares para a produção de pinhões. Torna-se importante ressaltar que, na formação de um pomar de arau- cária, plantas masculinas (polinizadoras) também deverão ser incluídas juntamen- te com as femininas (produtoras de pinhão) visando garantir a polinização. TÓPICO 3 —PROPAGAÇÃO POR ENXERTIA 161 ENXERTIA EM GARFAGEM DE FENDA CHEIA E DISTRIBUIÇÃO DAS PLANTAS EM UM POMAR DE ARAUCÁRIA FONTE: WENDLING, I.; ZANETTE, F.; RICKLI-HORSTI, H. C.; CONSTANTINO, V. Capítulo 4: Pro- dução de mudas de araucária por enxertia. In: WENDLING, I.; ZANETTE, F. Araucária: Particulari- dades, propagação e manejo de plantios. Brasília, DF: Embrapa, 2017, p. 107-144. Disponível em: https://bit.ly/3d6HvoN. Acesso em: 28 fev. 2020. 162 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A enxertia é um método de grande importância e aplicação prática na agricultura. • A enxertia se distingue das outras formas de propagação, resultando na união de duas plantas (copa e porta-enxerto), constituindo um único indivíduo, mas sem resultar em uma mistura genética. • Existem vantagens e desvantagens da propagação por enxertia, além das finalidades ou objetivos desta forma de obtenção de plantas. • As partes de uma planta enxertada são o enxerto ou copa e o porta-enxerto, podendo ainda apresentar o interenxerto ou filtro. • Os principais tipos de enxertia são a garfagem, a borbulhia e a encostia. • Diversos cuidados são necessários e que muitas condições afetam a propagação através da enxertia. • Diversos princípios fisiológicos e alterações anatômicas estão envolvidos na união vascular no ponto de enxertia. • É importante conhecer o nível de compatibilidade para obter sucesso na enxertia. • Os instrumentos, as ferramentas, os equipamentos e os materiais utilizados para a propagação através da enxertia devem ser adequados e estar bem conservados. 163 1 Diversas condições afetam o sucesso da obtenção de mudas através da en- xertia. Esses fatores podem estar relacionados com aspectos genéticos, sa- nitários, fisiológicos, além das condições do meio e do manuseio. Com base nos fatores que influenciam a propagação por enxertia, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) A compatibilidade é condição necessária para o estabelecimento da união vascular entre o enxerto e o porta-enxerto. ( ) A afinidade botânica não interfere na enxertia, pois não ocorre mistura genética entre as plantas. ( ) A temperatura e a umidade devem ser controladas a fim de promover a divisão e diferenciação celular, necessárias para a conexão entre as plantas. ( ) O método utilizado e a habilidade do enxertador são fatores com impor- tância apenas na borbulhia, sem efeito na garfagem e na encostia. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – F – F. b) ( ) F – V – V – F. c) ( ) V – F – V – F. d) ( ) V – F – F – V. 2 A enxertia é uma técnica de propagação que resulta na união de duas plan- tas que passam a formar um novo indivíduo. Existem diversos métodos de enxertia, sendo que cada método possui diversos tipos ou forma de execu- ção. Nesse sentido, associe os itens, utilizando o seguinte código: I- Enxertia de gema ou borbulhia. II- Enxertia de garfagem. III- Enxertia de aproximação ou encostia. ( ) Método que resulta na retirada de uma estaca, que é encaixada no porta- enxerto. ( ) Método em que se utiliza um segmento de caule, com ou sem lenho, con- tendo uma gema. ( ) Método de aproximação dos órgãos (ramos ou raízes) da mesma ou de plantas diferentes. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) I – II – III. b) ( ) III – I – II. c) ( ) II – I – III. d) ( ) II – III – I. AUTOATIVIDADE 164 165 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO O quarto tópico aborda a propagação vegetativa através da mergulhia, da alporquia e através de estruturas especializadas. Serão discutidos a importância, tipos, vantagens, limitações e as características desta forma de multiplicação de plantas. Também serão apresentadas as técnicas e cuidados para obter êxito na formação das mudas. O objetivo deste tópico é fornecer informações necessárias para a compre- ensão dos princípios envolvidos nessas formas de propagação. Desejamos que as informações sejam úteis para complementar a compreensão das formas de pro- pagação de plantas. Bons estudos! 2 IMPORTÂNCIA DA PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS Assim como nas técnicas anteriores de propagação vegetativa ou assexu- ada (estaquia e enxertia), a mergulhia e a alporquia são estratégias de multipli- cação de plantas que permitem a obtenção de plantas clonadas. Nesse processo, a nova planta somente é separada da planta mãe após o sistema radicular estar formado, possibilitando o estabelecimento das mudas. O método de propagação por mergulhia e por alporquia é recomendado para espécies com dificuldades de multiplicação por outros métodos (sementes, estaquia e enxertia). Ele baseia-se no princípio do sombreamento parcial ou total do ramo, promovendo condições favoráveis ao enraizamento (umidade, aeração, ausência de luz) (FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005c). Essa é uma forma de propagação que ocorre naturalmente em muitas es- pécies de plantas (amora e framboesa – Rubus spp.). Comercialmente, a mergu- lhia é utilizada na produção de mudas de amoreira e de framboeseira (Rubus spp.), na obtenção de porta-enxertos de macieira, pereirae marmeleiro, além de propagar plantas frutíferas de clima tropical como a mangueira (Mangifera indi- TÓPICO 4 — PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS 166 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO ca), o rambutã (Nephelium spp.) e a lichia (Litchi chinensis) (HARTMANN et al., 2002). Além dessts, diversas plantas ornamentais e espécies forrageiras podem se propagar desta forma. Da mesma forma, algumas plantas apresentam estruturas naturalmente especializadas que favorecem a propagação vegetativa, sendo exemplificadas pe- los: estolões (bambus; morangueiro – Fragaria spp.), rebentos (amora e framboesa – Rubus spp.; abacaxizeiro – Ananas comosus) e rizomas (bananeira – Musa spp.) (FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005c). Outras formas de estru- tura especializada que são amplamente utilizadas na propagação comercial de plantas é através de: tubérculos (inhame – Dioscorea spp.; batata – Solanum tube- rosum), divisão de touceiras (capim cidreira, hemerocalis), bulbos (alho, tulipa, lírio), cormos (gladíolo, açafrão). 3 VANTAGENS, DESVANTAGENS E APLICAÇÕES PRÁTICAS DA MERGULHIA As vantagens da propagação por mergulhia, além daquelas descritas para a propagação vegetativa (ver tópico sobre propagação por estaquia e por enxertia), são: facilidade e simplicidade de enraizamento e obtenção de mudas; superação das dificuldades encontradas em outros métodos de propagação (pro- dução de sementes viáveis – forma sexuada; enraizamento de estacas – estaquia; união vascular – enxertia), além de diversas estratégias de obtenção de mudas (mergulhia terrestre ou de solo e mergulhia aérea ou alporquia) (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005c; FRANZON; CAR- PENEDO; SILVA, 2010). Entre as desvantagens da propagação por mergulhia estão: a maior neces- sidade de mão de obra e de espaço físico para a formação das mudas; o maior custo por muda, possibilidade de transmissão de pragas e doenças de solo. Outra dificul- dade está associada à capacidade de enraizamento dos ramos e partes da planta. Entre as finalidades ou aplicações práticas da propagação por mergulhia estão: a propagação de espécies ou cultivares que não produzem sementes fér- teis e/ou onde a estaquia e a enxertia não são técnicas viáveis para a obtenção de mudas. Essas formas de propagação possibilitam a obtenção de mudas em gran- de escala, como em espécies onde a mergulhia ocorre naturalmente (amoreira e framboeseira). Além disso, existem diversas espécies onde a obtenção de mudas comerciais ocorre a partir de estruturas especializadas naturalmente produzidas. 4 CLASSIFICAÇÃO E TIPOS DE MERGULHIA A mergulhia é uma técnica de propagação que permite muitas possibili- dades para a obtenção de plantas, envolvendo diversas metodologias. TÓPICO 4 —PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS 167 A mergulhia pode ser classificada em dois tipos básicos (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005c; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010): terrestre ou de solo e aérea ou alporquia (Quadro 2). QUADRO 2 – TIPOS DE MERGULHIA Tipo de mergulhia Forma Método Terrestre ou de solo Simples NormalPonta Contínua Normal ou Valeta ou ChinesaSerpenteada ou Serpentina Cepa Aérea Alporquia FONTE: Adaptado de FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL (2005c, p. 143) A mergulhia terrestre ou de solo é a técnica onde o enraizamento é pro- movido no solo, a partir da cobertura parcial do ramo ou de outra estrutura da planta. Em todas essas técnicas, a separação da nova planta somente ocorre quan- do o sistema radicular estiver formado (enraizamento). Esse tipo de mergulhia pode ser (Figura 21) (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005c; FRANZON; CARPENEDO; SILVA, 2010): • Mergulhia Simples: esta é a forma mais simples de obtenção de mudas através da mergulhia. Consiste em curvar um ramo, realizando a cobertura de uma parte com solo, deixando-se a porção apical descoberta e em posição vertical. Esse ramo é fixado no solo para evitar que o vento ou outro agente resulte em movimentação, prejudicando o enraizamento. • Mergulhia Simples de Ponta: semelhante à mergulhia simples, porém, neste método, a ponta ou extremidade do ramo também fica coberta com o solo. Des- sa forma, ocorre uma inversão na polaridade das gemas. • Mergulhia Contínua Normal ou Chinesa: este tipo de mergulhia também é chamado de mergulhia de valeta, pois recobre-se uma porção longa do ramo, possibilitando que não apenas uma muda seja obtida, mas um número maior. A mergulhia contínua chinesa pode ser feita deixando a extremidade do ramo exposta (fora do solo) ou totalmente recoberta. Neste caso, o objetivo é que o maior número possível de gemas possa brotar e resultar na formação de mudas independentes após o enraizamento e separação da planta mãe. • Mergulhia Serpenteada ou em Serpentina: a mergulhia em serpentina se asse- melha à mergulhia chinesa, porém, a cobertura do solo é realizada em algumas partes do ramo, deixando outras partes expostas de forma intercalada. A pos- siblidade de cobertura em apenas algumas partes do ramo e não em sua total extensão busca favorecer a brotação de gemas, bem como o enraizamento ao aumentar a curvatura do ramo e reduzir a circulação vascular. 168 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO • Mergulhia Cepa: a mergulhia de cepa envolve uma poda drástica na planta a ser propagada, realizada no início da estação de crescimento (primavera). Em seguida, espera-se que ocorra a emissão de diversas brotações. Quando essas brotações apresentarem cerca de 10-15 cm de altura, realiza-se a primeira amontoa, recobrindo com solo ou substrato para favorecer a emissão de raízes adventícias. Podem-se realizar outras amontoas subsequentes (com 20-25 cm de altura e com 40-50 cm de altura), formando um camalhão com aproximada- mente 25-30 cm de altura ao redor dos ramos. Essa é a principal forma para a obtenção de porta-enxertos de macieira e pereira. A separação das novas mu- das enraizadas deve ser feita no inverno seguinte, realizando-se o corte o mais próximo possível da planta mãe, que deve ser preservada para a obtenção de novas brotações na próxima estação de crescimento. A mergulhia aérea ou alporquia é a técnica onde o enraizamento é promo- vido nos ramos sem levá-los até o solo, mas sim possibilitando que a emissão de raízes possa ocorrer em diversas partes da copa a partir da criação de condições fa- voráveis (Figura 12). Assim, nos ramos que se deseja obter uma nova muda, realiza- -se a cobertura parcial com solo ou substrato, favorecendo o enraizamento a partir da ausência de luz, manutenção de umidade constante e aeração (HARTMANN et al., 2002; FACHINELLO; HOFFMANN; NACHTIGAL, 2005c; FRANZON; CAR- PENEDO; SILVA, 2010). A alporquia pode ser realizada na primavera e no verão, em ramos jovens ou da estação, podendo-se também utilizar ramos mais velhos, dependendo da espécie a ser propagada (HARTMANN et al., 2002). TÓPICO 4 —PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS 169 FIGURA 12 – TIPOS DE PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA FONTE: Adaptado de Usaid (2007, p. 13) e Franzon, Carpenedo e Silva (2010, p. 47-49) Assim, como nos outros métodos de mergulhia, na alporquia podem-se realizar práticas que favoreçam a emissão de raízes adventícias, condição ne- cessária, assim como na estaquia, para o sucesso na obtenção das mudas. Assim, a realização de ferimentos ou cortes na parte dos ramos a serem cobertos, o anelamento, a curvatura dos ramos, a aplicação de indutores de enraizamento (auxinas, como o AIB), entre outras ações, podem aumentar os índices de suces- so. Na alporquia, ainda se utiliza um filme plástico e/ou papel alumínio para 170 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO promover o sombreamento da região onde se pretende promover o enraizamen- to. Substratos que mantém a umidade e a aeração são os mais utilizados na al- porquia, como os de musgos (esfagno),argila expandida (vermiculita) e solos orgânicos (turfa) (HARTMANN et al., 2002). 5 TÉCNICAS DE PROPAGAÇÃO ATRAVÉS DE ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS Diversas espécies possuem estruturas especializadas para a propagação, podendo ser caules, folhas ou raízes com modificações e adaptações, servindo como órgãos de reserva (nutrientes, minerais e água) e que possuem gemas que possibilitam a reprodução assexuada (HARTMANN et al., 2002). Entre essas estruturas que possibilitam a propagação vegetativa, desta- cam-se: estolões, rizomas, bulbos, cormos, tubérculos e afilhos ou rebentos, além de falsos bulbos (Figura 13) (HARTMANN et al., 2002). Os estolões desenvolvem-se a partir da axila foliar ou na região da coroa das plantas (ponto de crescimento da planta na superfície do solo, onde são formados no- vos brotos). O exemplo mais conhecido são os estolões formados no morangueiro, sen- do caules aéreos, dispostos de forma horizontal, surgindo das axilas foliares, da base do caule e da região da coroa das plantas. Essas estruturas inicialmente desenvolvem brotações e na sequência ocorre o enraizamento. No caso do morangueiro, a formação dos estolões é induzida pelo fotoperíodo, sendo estimulados com comprimento do dia superior a 12 horas de luz, dependendo da cultivar (NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005b; ANTUNES; REISSER JÚNIOR; SCHWENGBER, 2016). Os rizomas são caules modificados, com crescimento horizontal e geral- mente subterrâneo. Muitas espécies de importância econômica possuem este tipo de estrutura que pode ser usada para a propagação. Dentre os exemplos mais co- nhecidos, destacam-se: bambu, cana de açúcar, bananeira, gengibre, muitas ervas e plantas forrageiras, além de diversas espécies ornamentais, como a íris e o lírio. Na bananeira, as mudas originadas do rizoma recebem diferentes deno- minações de acordo com o tamanho e tipo: “chifrinho” (20-30 cm de altura), “chi- fre” (30-60 cm de altura), “chifrão” (60-150 cm de altura), muda guarda-chuva ou muda d’água (broto fino, com folhas largas e rizoma pouco desenvolvido, inade- quadas para o plantio comercial) (HARTMANN et al., 2002; BORGES; SOUZA, 2004; NACHTIGAL; FACHINELLO; HOFFMANN, 2005b). Os bulbos são estruturas especializadas formadas por caules curtos e car- nudos, distribuídos em forma de prato ou disco. Os bulbos são mais frequentes em plantas monocotiledôneas, constituídos no centro por um meristema caulinar vegetativo ou um eixo floral não expandido. No caso do alho, as diversas divisões são chamadas de bulbilhos. Os tecidos de reserva são formados pela sobreposição de folhas, sendo exemplos: alho, cebola, lírio, tulipa (HARTMANN et al., 2002). TÓPICO 4 —PROPAGAÇÃO POR MERGULHIA, ALPORQUIA E POR ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS 171 Os cormos consistem em uma estrutura característica de certas plantas or- namentais (gladíolo), sendo um tecido sólido caulinar, que apresenta distintos nós e entrenós. No ápice do cormo, desenvolve-se uma brotação terminal, formando folhas e, eventualmente, um eixo floral. Nas axilas de cada nó, são formadas gemas late- rais. Da base do cormo são emitidas raízes adventícias possibilitando a formação do sistema radicular. Dos cormos velhos podem se originar outras estruturas menores chamadas cormelos, que também podem ser utilizados para a propagação. Como exemplo está o gladíolo (HARTMANN et al., 2002; TOMIOZZO et al., 2019). Os tubérculos são caules modificados, que apresentam a função de ór- gãos de reserva. São caules alargados, que apresentam gemas (“olhos”) localiza- dos nos nós. O arranjo dessas gemas é em espiral, iniciando de um lado na gema terminal (apical) e de outro no ponto de ligação do estolão. Por essa conformação, os tubérculos apresentam dominância apical e mecanismos de dormência para o controle da brotação. Existem caules tuberosos, como por exemplo: a batata (Solanum tuberosum), inhame (Dioscorea alata), begônia tuberosa e ciclamen. O cará do ar ou cará moela (Dioscorea bulbifera) é um tipo de caule tuberoso aéreo. Existem raízes tuberosas como: batata doce (Ipomoea batatas), mandioca (Manihot esculenta) e dália (Dhalia spp.) (HARTMANN et al., 2002). Os afilhos ou rebentos representam um grande número de brotações que podem surgir a partir de raízes, do caule e de diferentes partes dos frutos. Alguns autores separam os afilhos e os rebentos. A framboeseira, amoreira e abacaxizeiro são exemplos de plantas que se propagam através da emissão de afilhos ou re- bentos. No caso do abacaxizeiro, diversos tipos de mudas podem ser identifica- dos dependendo do local da planta em que são formados. Esses afilhos são: coroa (aglomerado de folhas originado no ápice do fruto), filhote (formado na base do fruto), filhote-rebentão (originado no pedúnculo do fruto) e rebentão (resultado do desenvolvimento das gemas laterais do caule, localizadas nas bainhas foliares). As mudas do tipo coroa resultam em um ciclo produtivo longo (22-24 meses entre o plantio e a colheita) e com desenvolvimento uniforme; as mudas do tipo filhote resultam em ciclo intermediário (18-22 meses) e uniformidade intermediária; as mudas do tipo filhote-rebentão apresentam pouca importância pela quantidade li- mitada; enquanto as mudas propagadas dos rebentões apresentam ciclo mais curto (inferior a 18 meses para a colheita) e maior vigor, além de menor uniformidade. Antes do plantio, as mudas devem ser expostas ao solo por 1 a 2 semanas para a cicatrização da região que foi destacada da planta matriz, processo este chama- do de “cura” (REINHARDT; SOUZA, 2000; NACHTIGAL; FACHINELLO; HO- FFMANN, 2005b). Ainda no caso do abacaxizeiro, as mudas podem ser obtidas a partir do seccionamento do caule (forma de estaquia), resultando em plantas com melhor sanidade, além de vigor e uniformidade (REINHARDT; SOUZA, 2000). Os falsos bulbos são estruturas comumente formadas em diversas espé- cies de orquídeas. São caules alargados e carnudos, apresentando um ou mais nós, com aparência distinta entre as espécies de orquídeas. Esses falsos bulbos servem de fonte de reserva de nutrientes e de água para que as plantas possam sobreviver durante os períodos de dormência (HARTMANN et al., 2002). 172 UNIDADE 2 — FORMAS DE PROPAGAÇÃO Além dessas formas, a divisão ou separação de touceiras é uma impor- tante forma de propagação vegetativa de plantas, originada a partir do desenvol- vimento de um grande número de brotações laterais (gemas axilares) na região basal do caule ou da coroa da planta. Essa forma de obtenção de mudas é muito simples e possibilita a multiplicação de um grande número de espécies, prin- cipalmente monocotiledôneas, diversas herbáceas perenes e plantas forrageiras (HARTMANN et al., 2002). FIGURA 13 – ESTRUTURAS ESPECIALIZADAS PARA A PROPAGAÇÃO DE PLANTAS FONTE: Adaptado de Franzon, Carpenedo e Silva (2010); Antunes, Reisser Júnior e Schwen- gber (2016); Botrel et al. (2017); Tomiozzo et al. (2019); Science Learning Hub (2013); EMBRAPA (2020); Hartmann et al. (2020) 173 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu que: • Existem diversas formas de propagação vegetativa através da mergulhia, da alporquia e por estruturas especializadas das plantas. • Existem vantagens e desvantagens da propagação por mergulhia e por alporquia. • As finalidades ou objetivos destas formas de obtenção de plantas apresentam aplicação prática na agricultura. • Muitos tipos de mergulhia podem ser utilizados, sendo que cada tipo apresentas suas características no processo de propagação. • Diversas técnicas de propagação através de estruturas especializadas podem ser utilizadas, dependendo das condições e da espécie envolvida. • Há muitas estruturas especializadas que podem ser usadas na produção de mudas, como: estolões, rizomas, bulbos, cormos, tubérculos e afilhos ou rebentos, além de falsos bulbos. Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem pensando em facilitar suacompreensão. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. CHAMADA 174 Acadêmico, faça estas autoatividades. Em caso de dúvida, volte a pes- quisar no livro didático. 1 A propagação de plantas através da mergulhia pode ser realizada através de diversos métodos. Os tipos de mergulhia terrestre e aérea possibilitam a obtenção de novas plantas iguais à planta matriz. Neste contexto, analise as alternativas: I- Na mergulhia terrestre, o enraizamento é promovido no solo, realizando a separação somente após a formação do sistema radicular. II- A condição fisiológica necessária para o sucesso da mergulhia e da alpor- quia é a união vascular das plantas envolvidas. III- Na alporquia, o enraizamento é feito a partir da colocação de um substra- to, recobrindo a parte de um ramo. IV- A alporquia envolve uma forma mais complexa e trabalhosa de obtenção de mudas, já que é necessário criar condições para o enraizamento nos ramos distribuídos na copa da planta. Agora, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas. a) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas. a) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas. a) ( ) As afirmativas I, III e IV estão corretas. 2 A propagação de plantas através da mergulhia pode ser utilizada para a produção comercial de mudas de plantas frutíferas, ornamentais, entre ou- tras. Existem dois tipos de mergulhia: mergulhia terrestre e a mergulhia aérea ou alporquia. Sobre a mergulhia, é INCORRETO afirmar: a) ( ) A nova planta só é obtida após a formação do sistema radicular, quan- do ocorre a separação da planta mãe ou matriz. a) ( ) Uma vantagem da mergulhia é o maior custo de produção em função da maior necessidade mão de obra e da maior área para a manutenção das plantas matrizes. a) ( ) A mergulhia é, preferencialmente, utilizada para espécies com dificul- dade na obtenção de novas mudas por outros métodos, como por semen- tes, a estaquia e a enxertia. a) ( ) As mudas obtidas a partir da mergulhia são clones, mantendo as mes- mas características da planta matriz. AUTOATIVIDADE 175 UNIDADE 3 — MICROPROPAGAÇÃO DE PLANTAS E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer o histórico e a importância da micropropagação de plantas; • compreender os princípios fisiológicos e anatômicos envolvidos na micropropagação; • identificar os fatores que influenciam as diferentes formas de propagação in vitro; • reconhecer as vantagens, as desvantagens e as aplicações práticas da cultura de tecidos vegetais; • conhecer as condições de cultivo e os estágios de desenvolvimento in vitro; • compreender os aspectos básicos das instalações e dos equipamentos, bem como os procedimentos para a manipulação das plantas, além do ambiente de crescimento vegetal; • compreender a importância da legislação sobre sementes e mudas, suas aplicações práticas e os efeitos para a cadeia de produção das culturas agrícolas; • relacionar os conhecimentos com as atividades de um responsável técnico, bem como suas implicações envolvidas em uma unidade produtora de sementes e/ou mudas. 176 PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS TÓPICO 2 – ORGANIZAÇÃO DO LABORATÓRIO E PROCEDIMENTOS DE MANIPULAÇÃO IN VITRO DE PLANTAS TÓPICO 3 – TÉCNICAS DE MICROPROPAGAÇÃO DE PLANTAS TÓPICO 4 – LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE SEMENTES E MUDAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 177 UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Neste primeiro tópico, abordaremos os conhecimentos sobre o histórico e a im- portância da cultura de tecidos vegetais. Apresentaremos as informações sobre as rotas de desenvolvimento morfogenético in vitro, as condições necessárias para o cultivo de tecidos vegetais, além de suas aplicações práticas e para os estudos científicos. A propagação de plantas utilizando técnicas de cultivo in vitro representa o avanço dos conhecimentos científicos, bem como sua aplicação para obter propágu- los (sementes e mudas) de melhor qualidade. Este certamente é um tema que traz muita curiosidade e que representa muitas oportunidades para o agronegócio. Como esse tema é um pouco mais complexo, buscaremos, ao longo da Unidade 3, descrever da forma mais clara possível as informações necessárias para o entendimento das técnicas e procedimentos que envolvem a cultura de tecidos vegetais. Esteja convidado a explorar o ambiente de propagação in vitro de plantas. Bons estudos! 2 HISTÓRICO DA BIOTECNOLOGIA Todas as tecnologias e atividades relacionadas ao cultivo de plantas, des- de as mais simples até as mais complexas foram desenvolvidas pela observação e compreensão do comportamento ao longo do tempo. Assim também ocorreu com as biotecnologias e em relação à cultura de tecidos vegetais, tema da Unidade 3 deste livro didático. Por isso, é importante compreender como ocorreu esta evo- lução histórica antes de aprofundarmos os estudos sobre as técnicas e condições para o cultivo in vitro. A biotecnologia, em sentido amplo, compreende a manipulação de mi- crorganismos, plantas e animais, com a finalidade de obter processos e produ- tos de interesse (GUERRA; NODARI, 2006; MMA, 2020). Assim, há milhares de anos, os humanos utilizaram e desenvolveram biotecnologias, como, por exem- plo, a fermentação, possibilitando a produção de alimentos (pães, queijos, entre outros) e bebidas (vinho, cerveja, entre outros) (Figura 1) (MMA, 2020). TÓPICO 1 — CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS 178 Há evidências arqueológicas de fabricação de pães na Jordânia (entre 14.600 e 11.600 anos atrás). A partir da domesticação do trigo na região do Crescente Fértil, os grãos torna- ram-se a base para a produção de pão. Inicialmente, o pão era elaborado a partir de uma massa simples e plana, assado sobre rochas. No antigo Egito, o processo de elaboração de pão utilizando a fermentação, de forma semelhante à atual, era realizado há cerca de 4.000 anos a.C. Os registros mais antigos de produção de bebidas alcoólicas (conhecida como “kui”) foram encontrados em artefatos arqueológicos de 7.000 anos a.C., na China. Os povos antigos utilizavam produtos como arroz (na China), cevada e uva (na Mesopotâmica – atual Irã e Iraque, e também no Egito). Na América pré-colombiana, os povos nativos já fabricavam diversas bebidas alcoólicas (pulque, chicha, cauim, entre outras) a partir do milho, mandio- ca, abacaxi, entre outros produtos. FIGURA 1 – ILUSTRAÇÕES DA PRODUÇÃO DE PÃO E DE VINHO NO EGITO ANTIGO IMPORTANT E FONTE: <https://bit.ly/3iGu7Zw>; <https://bit.ly/3jFSY14>. Acesso em: 30 mar. 2020. 179 Atualmente, o termo biotecnologia é adotado em um sentido mais restri- to, compreendendo a associação de técnicas modernas que envolvem a biologia celular e molecular, a engenharia genética e as técnicas de cultura de tecidos ou cultivo in vitro (MMA, 2020). 2.1 HISTÓRICO DA CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS (CULTURA IN VITRO) O início dos estudos de propagação de plantas usando a cultura in vitro foi realizado pelo botânico austríaco G. Haberlandt, em 1902, quando cultivou cé- lulas isoladas de tecidos somáticos de diversas espécies de plantas em uma solução nutritiva. Esses estudos foram baseados na teoria da totipotencialidade das célu- las, proposta pelo botânico alemão M. J. Schleiden, em 1838 e pelo zoólogo alemão T. Shwann, em 1839 (TORRES et al., 1998a). Haberlandt utilizou, como meio de cultura, a solução nutritiva para o crescimento de plantas em hidroponia, desenvol- vida por J. Knop, em 1865. Mesmo suplementando a solução mineral comaçucares (sacarose) e aminoácidos (asparagina), as células sobreviveram por apenas 20 dias (HARTMANN et al., 2002). Haberlandt propôs o termo cultivo in vitro para estas técnicas envolvidas na propagação de plantas (HUSSAIN et al., 2012). ATENCAO A teoria celular é baseada nas pesquisas de Schleiden e Shwann que realizaram estudos de forma independente, formulando a base científica. Em 1958, o patologista ale- mão R. Virchow complementou informações sobre a importância da célula nos processos vitais. Assim, a TEORIA CELULAR de Schwann, Schleiden e Virchow possui três postulados: • “A vida existe somente nas células”: todos os seres vivos são formados por células e por estruturas derivadas delas. Assim, as células são as unidades morfológicas dos seres vivos. • “As células provêm somente de células preexistentes”: na célula ocorrem os processos fundamentais à vida. Assim, as células são as unidades funcionais dos seres vivos. • “A célula é a unidade de reprodução e transmissão das características hereditárias”: todas as células só se originam de outras células, considera-se assim, que as células realizam di- visão celular e contém toda a informação para possibilitar formação de um novo indivíduo. 180 O primeiro cultivo in vitro de sucesso foi conduzido por Hanning, em 1904, com embriões imaturos de diversas espécies de crucíferas (atualmente per- tencentes à família Brassicaceae), que verificou a necessidade de suplementar o meio mineral com açúcares orgânicos (sacarose). Os primeiros estudos com ór- gãos vegetais isolados foram desenvolvidos por Robbins e Kotte, em 1922, traba- lhando de forma independente com raízes de milho e de ervilha, sugerindo que os ápices radiculares poderiam ser usados para o estabelecimento de culturas in vitro. Em 1925, Laibach demonstrou a possibilidade de aplicação prática da cul- tura in vitro de embriões para o melhoramento de plantas. O estabelecimento do primeiro cultivo capaz de manter o crescimento de ápices radiculares por um determinado período foi realizado em tomateiro por White, em 1934. Em 1937, White, identificou a importância da presença de vitaminas no meio de cultura, elaborando uma mistura, reconhecida com seu nome (TORRES et al., 1998a). A descoberta do primeiro hormônio vegetal (auxinas) por Went, em 1936, possibilitou novos avanços, como o estabelecimento e manutenção por tempo in- definido das culturas in vitro de callus de cenoura, em 1939. Os trabalhos com a regeneração de plantas tiveram êxito em 1946, a partir de ápices caulinares, com Ball. Porém, a formação de parte aérea e de raízes de fumo foi obtida em 1948, por Skoog e Tsui, a partir do cultivo de callus. O grupo de pesquisa liderado por Skoog avançou no controle da organogênese (formação de órgãos), contribuindo signifi- cativamente para a fisiologia vegetal com a descoberta da primeira citocinina (cine- tina), por Miller e colaboradores, em 1955-56. Agora, com a disposição de auxinas e citocinina, que possuem ação conjunta e complementar, foi possível a diferen- ciação de parte aérea, de raízes ou de ambos em uma mesma cultura de callus de fumo, melhorando a compreensão sobre o efeito do balanço hormonal no metabo- lismo das plantas, demonstrado por Skoog e Miller, em 1957 (Figura 2) (TORRES et al., 1998a). Em 1959, em trabalhos independentes, Reinert e Steward conseguiram regenerar embriões a partir de massas celulares (callus) de cenoura cultivadas em suspensão (HUSSAIN et al., 2012). Finalmente, em 1965, os experimentos com tabaco de Hildebrandt demonstraram como as plantas podiam ser obtidas a partir de uma única célula vegetal (HARTMANN et al., 2002). 181 FIGURA 2 – EFEITO DOS HORMÔNIOS NA REGULAÇÃO DA DIFERENCIAÇÃO DE CÉLULAS VEGETAIS IN VITRO FONTE: Adaptado de Hartmann et al. (2002, p. 642); <https://bit.ly/3d60tf8>; <https://bit. ly/33DRFdp>. Acesso em: 3 jul. 2020. 182 A primeira aplicação prática da cultura de tecidos foi observada por Morel e Martin, em 1952, com a recuperação de plantas de dália (Dhalia spp.) livres de viroses, a partir da cultura de ápices caulinares. Os estudos envolvendo a cultura de tecidos de óvulos e a polinização e fertilização in vitro foram rea- lizados com a liderança de Maheshwari, a partir de 1960. Em 1962, Murashige e Skoog propuseram a formulação de um meio de cultura mais completo para o desenvolvimento in vitro (meio de cultura MS), utilizado mundialmente e em larga escala na cultura de tecidos vegetais (TORRES et al., 1998a). As aplicações práticas da micropropagação de plantas tiveram início na década de 1960, com expansão de laboratórios comerciais a partir da década de 1970, nos EUA, Euro- pa, Austrália e Ásia (HARTMANN et al., 2002). Com base nos estudos postulados por Haberlandt e nas observações de diversos experimentos, em 1968 Steward utilizou o termo “totipotencialidade” para expressar a capacidade de cada célula vegetal em regenerar um novo in- divíduo. Essas observações ficaram evidentes nos experimentos com células de cenoura realizados pelo grupo de pesquisa de Steward, em 1959 (Figura 3) (HUS- SAIN et al., 2012). As técnicas de cultura de tecidos vegetais são uma importante ferramen- ta para estudos de morfogênese, diferenciação celular, organogênese e embrio- gênese, bem como para o avanço de pesquisas nas áreas de biologia molecular, fisiologia, bioquímica, entre outras. De modo geral, o uso de mutantes, princi- palmente da espécie Arabidopsis sp., têm sido utilizados nestes tipos de pesquisa, porém diversas espécies são usadas como modelo biológico (SMITH, 2012). FIGURA 3 – REGENERAÇÃO DE PLANTA DE CENOURA A PARTIR DE CÉLULAS CULTIVADAS IN VITRO FONTE: <https://player.slideplayer.com/25/7604816/data/images/img4.jpg>. Acesso em: 11 mar. 2020. 183 No Brasil, os trabalhos pioneiros envolvendo cultura de tecidos vegetais foram realizados pelo pesquisador Agesilau Bitancourt, do Instituto Biológico de São Paulo, na década de 1950. Porém, o desenvolvimento de pesquisas na área da cultura de tecidos vegetais se estabeleceu somente a partir do final da década de 1960 (USP – São Paulo) e início da década de 1970 (UnB – Brasília) (TORRES et al., 1998a). Verifica-se, assim, que o contexto histórico da cultura de tecidos vegetais está intimamente relacionado com diversas descobertas que ampliaram os co- nhecimentos de diversas áreas como fisiologia, genética, bioquímica, reprodução, entre outras. Por essa razão, a utilização das técnicas de cultura de tecidos vege- tais possibilita estar na fronteira do conhecimento e na aplicação de inovações tecnológicas para a agricultura e as ciências da vida. 3 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS A cultura de tecidos vegetais também é conhecida como micropropaga- ção de plantas, quando tem por objetivo a multiplicação e obtenção de mudas. O termo micropropagação foi usado inicialmente por Hartmann e Kester, em 1975, para indicar a propagação (regeneração) de novas plantas, principalmente por clonagem, através de técnicas de cultura de tecidos (HARTMANN et al., 2002). Essa técnica ou estratégia de reprodução vegetal tem diversas vantagens em com- paração aos métodos tradicionais de propagação sexuada e assexuada. Entre as vantagens da propagação in vitro estão (LAMEIRA et al., 2000; HARTMANN et al., 2002; SCHUCH; ERIG, 2005, p. 156; GEORGE; HALL; KLERK, 2008): • Obtenção de grande volume de plantas em qualquer estação do ano. • Redução do tempo necessário para a propagação de determinada espécie (ra- pidez de cultivo). • Utilização de espaço físico reduzido para a produção de um grande número de plantas (propagação massal). • Propagação clonal de espécies de difícil enraizamento e/ou incompatíveis na enxertia. • Manutenção de rigoroso controle genético e sanitário das plantas produzidas, bem como no processo de regeneração e fisiologia vegetal. • Facilidade de transporte a longas distâncias de material cultivado in vitro (in- tercâmbio). • Criaçãoe manutenção de bancos de germoplasma, para a conservação dos ge- nótipos. • Possibilidade de propagação vegetativa (clonagem) e aumento da variabilida- de genética (resgate de embriões, fertilização in vitro, obtenção de haploides). 184 Entre as desvantagens da propagação in vitro estão (LAMEIRA et al., 2000; HARTMANN et al., 2002; SCHUCH; ERIG, 2005; GEORGE; HALL; KLERK, 2008): • Necessidade de capacitação técnica e qualificação profissional para a realiza- ção das atividades. • Utilização de um grande número de insumos e reagentes, além de ambientes específicos para a realização das atividades (sala de preparo, sala de crescimen- to, local de aclimatização das plantas). • Custo elevado com instalações, equipamentos e insumos para a propagação in vitro. • Maior custo para a obtenção das mudas, devido à intensa manipulação e eta- pas envolvidas no processo de micropropagação. • Possibilidade de perdas elevadas em curto período de tempo, em casos de con- taminação. • Ocorrência de variação genética indesejada, devido à intensa multiplicação, al- terando as características das plantas produzidas. • Dificuldade de estabelecimento de protocolo para a propagação in vitro de de- terminada espécie. 4 APLICAÇÕES DA CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS Chamada assim pela reduzida dimensão dos propágulos, a micropropa- gação é a estratégia mais aplicável das técnicas de cultura in vitro (GRATTAPA- GLIA; MACHADO, 1998). O cultivo in vitro possui diversas aplicações científicas e nas cadeias de produção agropecuárias. Entre as diversas finalidades da cultu- ra de tecidos vegetais, destacam-se (FERREIRA; CALDAS; PEREIRA, 1998): • Realização de estudos e pesquisas científicas: avanço nos conhecimentos de reprodução e propagação, fisiologia, genética, anatomia, bioquímica, fitossani- dade, entre outras áreas das ciências biológicas. • Conservação, avaliação e intercâmbio de germoplasma in vitro: formação de bancos de germoplasma, caracterização de genótipos e troca de materiais entre instituições e países, utilizando culturas isentas de patógenos (devido às con- dições assépticas de cultivo). • Aumento da variabilidade genética para o melhoramento de plantas: através das trocas de germoplasma (intercâmbio), obtenção de variantes genéticos e mutações, transgenia ou transformação via engenharia genética de plantas. • Recombinação para o melhoramento genético de plantas: possibilidade de quebra de barreiras de incompatibilidade genética, polinização e fertilização in vitro, cultivo de embriões, fusão de protoplastos (células vegetais sem parede celular), obtenção de linhagens homozigotas através de plantas haploides (n) e duplo haploides. • Aceleração nos programas de melhoramento genético: germinação de se- mentes e cultura de frutos in vitro, cultura de anteras (obtenção de plantas haploides), limpeza de doenças sistêmicas (vírus e fitoplasmas) através da microenxertia e outras técnicas, resgate de embriões através da superação da 185 dormência ou do desenvolvimento de embriões obtidos pelo cruzamento entre plantas com nível distante de parentesco. • Propagação massal ou em larga escala: obtenção de grande quantidade de plantas com elevada qualidade genética (genótipos superiores) e sanitária, ob- tenção de plantas de espécies com dificuldade de germinação das sementes (orquídeas). • Aplicações na área de fitossanidade de plantas: estudos da relação patógeno/ hospedeiro, limpeza de doenças sistêmicas (viroses), além de estudos da biolo- gia de pragas e doenças. IMPORTANT E A biotecnologia e as técnicas de cultura de tecidos vegetais estão regulamen- tadas na legislação brasileira através da Lei Federal n° 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Essa lei regulamenta partes do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo normas para o uso das técnicas de engenharia genética e a liberação no meio ambiente de organismos genetica- mente modificados (OGMs). Além disso, cria a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que é um órgão colegiado multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança (PNB) de OGM e seus derivados. A Lei Federal n° 11.105, de 24 de março de 2005, conhecida como Lei de Biossegurança, estabelece as normas de segurança e os mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados. A Lei de Bios- segurança é regulamentada pelo Decreto Federal n° 5.591, de 22 de novembro de 2005, que estabelece os procedimentos para a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados. Ainda tem como diretrizes o estí- mulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. 5 ROTAS MORFOGENÉTICAS IN VITRO Antes de aprofundarmos o tema que trata sobre a cultura de tecidos ve- getais, é importante destacar, que muitos conhecimentos sobre fisiologia, anato- mia, genética e bioquímica estão relacionados com a propagação in vitro. Dessa forma, alguns conteúdos e conceitos necessitam de maior atenção para a compre- ensão dos procedimentos envolvidos, bem como dos padrões de desenvolvimen- to esperado nas plantas. 186 A cultura de tecidos vegetais envolve conhecimentos mais aprofundados de fisiologia e anatomia vegetal. Assim, diversos conceitos são importantes para compreender melhor as técnicas e as respostas dos tecidos vegetais cultivados in vitro. Para atender às dúvidas que possam surgir, sugere-se a leitura a partir das seguintes publicações: GUERRA, M. P.; NODARI, R. O. Apostila de biotecnologia 1 – Cultura de tecidos vege- tais. Florianópolis, SC: Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento e de Genética Vegetal, CCA/UFSC. Ed. Steinmacher, D.A., 2006. 41 p. GUERRA, M. P. et al. FIT 5507 – Apostila de biotecnologia. Florianópolis, SC: Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento e de Genética Vegetal, CCA/UFSC. 2016. 44 p. Disponível em: https://lfdgv.paginas.ufsc.br/files/2014/08/Apostila-Biotec-2016.1-Final.pdf. Acesso em: 5 mar. 2020. QUISEN, R. C.; ANGELO, P. C. S. Manual de procedimentos do Laboratório de Cultura de Te- cidos da Embrapa Amazônia Ocidental. Manaus, AM: Embrapa Amazônia Ocidental, 2008, 44 p. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/47132/1/Doc-61-A5.pdf. Acesso em: 11 mar. 2020. DICAS A micropropagação de plantas é estabelecida a partir da introdução de um segmento de tecido ou de órgão vegetal no ambiente in vitro, conhecido como explante. Esse fragmento de folha, caule, raiz, flor, uma semente ou outra estrutura da planta é submetido a condições de cultivo asséptico, ou seja, em ambiente esterilizado e livre de microrganismos que possam resultar em conta- minação e morte das culturas vegetais (Figura 4). A regeneração das plantas cultivadas in vitro depende de diversas condições: • Espécie vegetal: capacidade de resposta do genótipo envolvido no cultivo in vitro. • Composição do meio de cultura: envolvendo variações na diversidade e na concentração dos componentes do meio (nutrientes, açúcares, vitaminas, regu- ladores de crescimento, entre outros). • Tipo de explante: diferentes padrões de desenvolvimento podem ser obtidos quando se utiliza explantes de diferentes origens (folha, caule, raiz, flor, se- mente). • Condições de cultivo: tempo e condições de exposição das culturas à luz, tem- peratura, umidade, trocas gasosas, entre outros. 187 FIGURA 4 – PRINCIPAIS MÉTODOS DE PROPAGAÇÃO ATRAVÉS DA CULTURA DE TECIDOS VEGETAIS FONTE: Andrade (2002, p. 10) As rotasmorfogenéticas de desenvolvimento in vitro podem ser classifi- cadas em diferentes formas de acordo com a estrutura vegetal formada: formação de plântulas clonais, germinação in vitro, formação de callus ou massas celu- lares e formação de embriões somáticos (Quadro 1) (HARTMANN et al., 2002; GUERRA; NODARI, 2006; GEORGE; HALL; KLERK, 2008). 188 QUADRO 1 – TÉCNICAS DE REGENERAÇÃO DE PLANTAS CULTIVADAS IN VITRO Estrutura formada Método de regeneração Tipo de cultura in vitro Formação de plântulas clonais Formação de brotações axilares Cultura de ápices caulinares Cultura de brotações Gemas axilares Divisão de brotações Segmentos nodais Pseudocormos Minitubérculos Microenxertia Formação de brotações adventícias Regeneração de plantas diploides Segmentos de folhas Cultura de bulbos Cultura de caules Cultura de raízes Cultura de callus Regeneração de plantas com diferentes níveis (haploides, triploides etc.) Cultura de anteras Cultura de células do endosperma Germinação in vitro Formação de plântulas (“seedling”) Cultura de sementes Cultura de embriões Resgate de embriões Cultura de ovário e de óvulos Formação de callus ou massas celulares Formação de estruturas celulares sem tecidos organizadas Cultura de callus em meio semissólido (estacionário) Cultura de callus em suspensão celular (sob agitação em meio líquido) Cultura de protoplastos Formação de embriões somáticos Embriogênese somática direta Cultura de embriões; Cultura de brotações; Cultura de explantes de caule, folha, raiz e flor Embriogênese somática indireta ou induzida Cultura de explantes de caule, folha, raiz e flor FONTE: Adaptado de Hartmann et al. (2002, p. 640-641) Em relação à rota morfogenética, a cultura de tecidos pode ser dividida em dois tipos: a organogênese e a embriogênese somática in vitro ou embriogê- nese adventícia. 189 A organogênese envolve a formação de eixos caulinares, originados de ge- mas pré-existentes (organogênese direta) ou adventícias, formadas a partir da di- ferenciação celular (organogênese indireta) (Figura 5). A indução ao enraizamento destes eixos caulinares pode ser feita tanto in vitro, quanto ex vitro (durante a fase de aclimatização), resultando em plantas completas e capazes de sobreviver nas condições naturais (GUERRA; NODARI, 2006, p. 13; GUERRA et al., 2016, p. 6). A embriogênese somática in vitro ou embriogênese adventícia envolve uma clara demonstração da totipotencialidade das células vegetais, também po- dendo ocorrer de forma direta ou indireta (Figura 5). A embriogênese somática é o processo pelo qual novos indivíduos se originam de células vegetais simples, que não são originadas da fusão de gametas e que não apresentam conexão vascular com os tecidos maternos que foram originados (GUERRA; NODARI, 2006, p. 19). FIGURA 5 – PRINCIPAIS ROTAS MORFOGENÉTICAS IN VITRO FONTE: Guerra et al. (2016, p. 6) 190 Acadêmico, analise com atenção a “Figura 5 – Principais rotas morfogenéticas in vitro”. Nessa figura, estão organizadas as diversas possibilidades de obtenção de plantas através das diversas técnicas de cultura de tecidos vegetais. ATENCAO A cultura de tecidos vegetais possibilita a obtenção de plantas in vitro a par- tir de duas formas: o desenvolvimento de estruturas organizadas e a cultura de te- cidos não organizados ou de agregados de células (GEORGE; HALL; KLERK, 2008). As culturas in vitro de estruturas organizadas envolvem: a cultura de meristemas ou de ápices caulinares (removendo o domo apical meristemático contendo ou não primórdios foliares, nos quais as conexões vasculares ainda não estão estabelecidas com o restante da planta), a cultura de ápices de brotos (es- truturas formadas por gemas que podem originar um ou mais brotos), a cultura de gemas laterais (também chamado de segmento nodal, formado por um seg- mento de caule contendo pelo menos uma gema nas axilas das folhas), a cultura de segmentos de raiz (promoção de brotações a partir de isolados de raízes, em mecanismo semelhante à propagação natural por rebentos) e a cultura de embri- ões (estruturas ou embriões zigóticos removidos ou dissecados de sementes ou frutos gerando plântulas, que são muito distintos dos embriões somáticos) (GE- ORGE; HALL; KLERK, 2008). As culturas in vitro de estruturas não organizadas ou de agregados celu- lares envolvem: a cultura de callus (manutenção de massas celulares não orga- nizadas, que apresentam crescimento não coordenado e desorganizado, que não apresentam forma ou órgãos visíveis), a cultura de suspensão celular (popula- ções de células isoladas ou aglomerados celulares, dispersos em meio líquido e mantidos sob aeração e agitação), a cultura de protoplastos (obtenção e manuten- ção in vitro de células vegetais sem parede celular) e a cultura de anteras (cultivo de grãos de pólen imaturos, a partir de anteras fechadas, buscando a obtenção de plantas haploides (n), com finalidade para programas de melhoramento vegetal) (GEORGE; HALL; KLERK, 2008). 6 ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO IN VITRO Com o avanço dos conhecimentos científicos e o início das aplicações prá- ticas da cultura de tecidos vegetais, a micropropagação de plantas passou a ser utilizada para a obtenção de plantas matrizes para diversas espécies de impor- tância econômica. Em 1974, Toshio Murashige propôs o conceito de estágios de desenvolvimento para o processo de propagação in vitro de plantas. Murashige 191 organizou a etapa de propagação in vitro em quatro estágios, desde a seleção dos explantes e estabelecimento do cultivo in vitro (estágio I), fase de multiplica- ção da plantas (estágio II), etapa da alongamento das brotações e enraizamento (estágio III), até a fase de transplante em substrato e adaptação das plantas ao ambiente externo (ex vitro) (GRATTAPAGLIA; MACHADO, 1998). Em 1991, De- bergh e Read sugeriram a inclusão de uma etapa anterior, chamada de estágio 0, que envolve a escolha e os cuidados com a planta doadora de explantes (planta matriz) (GUERRA; NODARI, 2006). Conforme esse esquema, os estágios de desenvolvimento da micropro- pagação são (GRATTAPAGLIA; MACHADO, 1998; HARTMANN et al., 2002; GUERRA; NODARI, 2006; GEORGE; HALL; KLERK, 2008): • Estágio 0: seleção e manutenção de plantas doadoras de propágulos para o cul- tivo in vitro (matrizes), realizando cuidados sanitários e de desenvolvimento adequados para a retirada dos explantes, muitas vezes conservadas sob contro- le, em estufas ou em casas de vegetação (telados). • Estágio I: seleção dos explantes, desinfestação (ou desinfecção) e estabeleci- mento da cultura asséptica. Este estágio envolve a definição da técnica de mi- cropropagação, a escolha do material vegetal (explantes) para a introdução no ambiente in vitro, o processo de lavagem e limpeza para a obtenção de culturas isentas de microrganismos contaminantes (ambiente asséptico ou estéril), além de monitorar a sobrevivência e a estabilização do crescimento para possibilitar a fase seguinte. Condições temporárias de ausência de luz (escuro) e meios de cultura específicos, com menor concentração salina e de açúcares, além de conter compostos capazes de reduzir a oxidação (carvão ativado), podem me- lhorar os índices de sobrevivência, dependendo da espécie cultivada. • Estágio II: multiplicação das estruturas vegetais, mediante subcultivos ou repi- cagens, possibilitando a obtenção de um grande número de plantas. Nesta etapa, pode-se promover a emissão de brotação através de meios de cultura contendo reguladores de crescimento que induzam esse tipo de resposta fisiológica. Em algumas condições, a ocorrência de variações genéticas pode ocorrer em função da acelerada atividade de divisão e diferenciação celular. Por essa razão, o nú- mero de subcultivos e o intervalo de tempo entre eles deve ser bem planejado e controlado, determinando a taxa de multiplicação de plantas (número de plantas obtidas por explante em determinado