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Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 CASO 8 - TRANSTORNOS RELACIONADOS À SUBSTÂNCIAS Dependência: Na dependência comportamental, atividades de busca pela substância e evidências relacionadas de padrões de uso patológico ganham destaque. A dependência física é referente aos efeitos fisiológicos de múltiplos episódios de uso de substância. A dependência psicológica é caracterizada por fissura contínua ou intermitente pela substância para evitar um estado disfórico. Abuso: uso de qualquer tipo de droga, em geral autoadministrada, de modo que desvia dos padrões médicos ou aceitos socialmente. Adição: uso repetido e crescente da substância, cuja privação faz surgir sintomas de sofrimento e compulsão irresistível de usá-lo novamente, e que leva, também, à deterioração física e mental. Intoxicação: síndrome reversível causada por substância específica que afeta uma ou mais das seguintes funções mentais: memória, orientação, humor, discernimento e funcionamento comportamental, social ou profissional. Tolerância cruzada: Capacidade de uma substância de ser substituída por outra, sendo que cada uma normalmente produz mesmos efeitos fisiológicos e psicológicos. Dependência cruzada. Neuroadaptação: Alterações neuroquímicas ou neurofisiológicas no corpo que resultam da administração repetida de uma droga. Adaptação farmacocinética se refere à adaptação do sistema de metabolização. Adaptação celular ou farmacodinâmica refere-se à capacidade do sistema nervoso de funcionar apesar de níveis sanguíneos elevados da substância nociva. Codependência: Este é um termo usado para se referir a familiares afetados ou que influenciam o comportamento do indivíduo que abusa de substância. Facilitador é a pessoa que contribui para o comportamento aditivo do indivíduo. Já facilitação também inclui a relutância de um familiar em aceitar a adição como um transtorno psiquiátrico ou negar que o indivíduo abusa de uma substância. Remissão: desaparecimento das manifestações clínicas. No campo das farmacodependências, a cessação do abuso de álcool ou de outras drogas, de dependência ou de problemas associados. Recaída: retorno ao uso após abstinência, frequentemente acompanhado pela reinstalação de sintomas de dependência. CANNABIS A Cannabis é a droga ilegal mais utilizada no mundo. Ao longo dos últimos 30 anos, se tornou uma parte da cultura jovem na maioria das sociedades desenvolvidas, com o primeiro uso atualmente ocorrendo entre a metade e o fim da adolescência. Trata-se da 4ª droga psicoativa de uso mais comum entre adultos nos EUA, depois de cafeína, álcool e nicotina. Homens acima de 26 anos consomem 2 vezes mais que mulheres. Entre os 12 e 17 anos, não há diferença significativa. Até os 35 anos, os brancos consomem mais. Acima disso, a proporção é igual. NEUROFARMACOLOGIA O principal componente da Cannabis é o -9-THC; contudo, a Δ planta contém mais de 400 componentes químicos, dos quais cerca de 60 estão quimicamente relacionados ao -9-THC.Δ Em seres humanos, o -9-THC é rapidamente convertido em Δ 11-hidróxi- -9-THC, o metabólito ativo no SNC. O receptorΔ canabinóide, membro da família de receptores ligados à proteína G, está ligado à proteína G inibitória (Gi), a qual está ligada à adenilciclase de maneira inibitória. O receptor é encontrado em concentrações mais elevadas nos gânglios basais, no hipocampo e no cerebelo, sendo que concentrações mais baixas encontram-se no córtex cerebral. Esse receptor não é encontrado no tronco encefálico, um fato consistente com os efeitos mínimos da Cannabis sobre as funções respiratória e cardíaca. Há controvérsia se os canabinoides estimulam os centros de recompensa do cérebro. Contudo, ocorre tolerância e identificou-se dependência psicológica. Ao se fumar Cannabis, os efeitos de euforia surgem em minutos, atingem o auge em aproximadamente 30 minutos e duram de 2-4h. Alguns efeitos motores e cognitivos podem durar de 5-12h. O dobro ou triplo de Cannabis precisa ser ingerido por via oral para ter o mesmo efeito da inalação da sua fumaça. TRANSTORNO POR USO DE CANNABIS Critérios Diagnósticos DSM-5 A. Um padrão problemático de uso de Cannabis, levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativos, manifestado por pelo menos dois dos seguintes critérios, ocorrendo durante um período de 12 meses: 1. Cannabis é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido. 2. Existe um desejo persistente ou esforços mal sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso de Cannabis. 3. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção de Cannabis, na utilização de Cannabis ou na recuperação de seus efeitos. 4. Fissura ou forte desejo ou necessidade de usar Cannabis. 5. Uso recorrente de Cannabis, resultando em fracasso em desempenhar papéis importantes no trabalho/escola/casa. 6. Uso continuado de Cannabis, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos da substância. 7. Importantes atividades sociais, profissionais ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso de Cannabis. 8. Uso recorrente de Cannabis em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física. 9. O uso de Cannabis é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância. 10. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes: a. Necessidade de quantidades progressivamente maiores para atingir a intoxicação ou o efeito desejado. b. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade de Cannabis. 11. Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes: 12. a. Síndrome de abstinência característica de Cannabis b. Cannabis (ou substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Especificar se: Em remissão inicial: Após todos os critérios para transtorno por uso de Cannabis terem sido preenchidos anteriormente, nenhum dos critérios para transtorno por uso de Cannabis foi preenchido durante um período mínimo de 3 meses, porém inferior a 12 meses (com exceção de que o Critério A4, “Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar Cannabis”, ainda pode ocorrer). Em remissão sustentada: Após todos os critérios para transtorno por uso de Cannabis terem sido preenchidos anteriormente, nenhum dos critérios para transtorno por uso de Cannabis foi preenchido em nenhum momento durante um período igual ou superior a 12 meses (com exceção de que o Critério A4). Especificar se: Em ambiente protegido: Este especificador adicional é usado se o indivíduo encontra-se em um ambiente no qual o acesso a Cannabis é restrito. Código baseado na gravidade atual: Especificar a gravidade atual: 305.20 (F12.10) Leve: Presença de 2 ou 3 sintomas. 304.30 (F12.20) Moderada: Presença de 4 ou 5 sintomas. 304.30 (F12.20) Grave: Presença de 6 ou mais sintomas. OBS: O risco de desenvolver dependência é de aproximadamente 1 entre 10 para qualquer pessoa que usea substância. Quanto mais cedo ocorre o primeiro uso, quanto maior a frequência e o período de tempo de consumo, maior o risco de dependência. Consequências Funcionais do Transtorno por Uso de Cannabis A função cognitiva, especialmente a função executiva superior, parece ficar comprometida e, aparentemente, essa relação depende da dosagem (tanto na forma aguda como na crônica), o que pode contribuir para uma dificuldade cada vez maior na escola/trabalho. O uso de Cannabis foi relacionado à redução de atividades pró-sociais dirigidas a objetivos, o que chegou a ser denominado como síndrome amotivacional, que se manifesta por meio do baixo desempenho escolar e de problemas no trabalho. Tais problemas podem estar relacionados a intoxicação global ou a recuperação dos efeitos da intoxicação. De forma semelhante, problemas com relacionamentos sociais são bastante comuns. Acidentes por envolvimento em comportamentos potencialmente perigosos por influência da droga também são preocupantes. A fumaça da Cannabis contém altos níveis de compostos carcinogênicos que colocam usuários crônicos sob risco de doenças respiratórias semelhantes às que ocorrem em fumantes de tabaco. O uso crônico pode contribuir para o início ou exacerbação de vários outros transtornos mentais. Em especial, para esquizofrenia e outros transtornos psicóticos. INTOXICAÇÃO POR CANNABIS Critérios Diagnósticos DSM-5 A. Uso recente de Cannabis. B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e problemáticas (ex: prejuízo na coordenação motora, euforia, ansiedade, sensação de lentidão do tempo, julgamento prejudicado, retraimento social) desenvolvidas durante ou logo após o uso de Cannabis. C. Dois (ou mais) dos seguintes sinais ou sintomas, desenvolvidos no período de 2 horas após o uso de Cannabis: 1. Conjuntivas hiperemiadas. 2. Apetite aumentado. 3. Boca seca. 4. Taquicardia. D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por outra substância. Especificar se: Com perturbações da percepção: Alucinações com teste de realidade intacto ou ilusões auditivas, visuais ou táteis ocorrem na ausência de delirium. A intoxicação por Cannabis normalmente intensifica a sensibilidade do usuário a estímulos externos, revela novos detalhes, faz as cores parecerem mais brilhantes e densas e causa a impressão subjetiva de lentidão do tempo. Em doses elevadas, usuários podem experimentar despersonalização e desrealização. Durante 8 a 12 horas após o uso da substância, o prejuízo nas habilidades motoras do usuário interfere na operação de veículos automotores e maquinário pesado. Esses efeitos são cumulativos aos efeitos do álcool, normalmente usado em combinação. DELIRIUM POR INTOXICAÇÃO POR CANNABIS O delirium associado à intoxicação por Cannabis se caracteriza por prejuízo acentuado da cognição e de desempenho de tarefas. Mesmo doses moderadas da substância prejudicam a memória, o tempo de reação, a percepção, a coordenação motora e a atenção. Doses elevadas que também prejudicam os níveis de consciência do usuário apresentam efeitos acentuados na cognição. ABSTINÊNCIA DE CANNABIS Critérios Diagnósticos DSM-5 292.0 (F12.288) A. Cessação do uso pesado e prolongado de Cannabis (normalmente uso diário ou quase diário durante um período mínimo de alguns meses). B. Três (ou mais) dos seguintes sinais e sintomas, desenvolvidos no prazo de aproximadamente uma semana após o Critério A: 1. Irritabilidade, raiva ou agressividade. 2. Nervosismo ou ansiedade. 3. Dificuldade em dormir (insônia, sonhos perturbadores). 4. Apetite reduzido ou perda de peso. 5. Inquietação. 6. Humor deprimido. 7. Pelo menos um dos seguintes sintomas físicos causa desconforto significativo: dor abdominal, tremor, sudorese, febre, calafrios ou cefaleia. C. Os sinais ou sintomas do Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional, ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por ou abstinência de outra substância. Estudos demonstraram que a cessação do consumo em indivíduos que usam Cannabis diariamente resulta em sintomas de abstinência no período de 1 a 2 semanas da interrupção. TRANSTORNO PSICÓTICO INDUZIDO POR CANNABIS Esse transtorno é raro, sendo a ideação paranoide transitória a ocorrência mais comum. Os episódios psicóticos às vezes são denominados como hemp insanity [loucura do cânhamo]. O uso de Cannabis raramente causa uma experiência de bad trip, que costuma estar associada à intoxicação por alucinógeno. Quando ocorre transtorno psicótico induzido por Cannabis, ele pode estar correlacionado a um transtorno da personalidade preexistente. TRANSTORNO DE ANSIEDADE INDUZIDO POR CANNABIS O transtorno de ansiedade induzido por Cannabis é um diagnóstico comum que, em diversos indivíduos, induz estados de ansiedade breves frequentemente provocados por pensamentos paranoides. Nessas circunstâncias, ataques de pânico podem ocorrer, com base em temores mal definidos e desorganizados. O surgimento de sintomas de ansiedade está relacionado à dose e é a reação adversa mais frequente ao uso moderado. Usuários inexperientes têm probabilidade muito maior de desenvolver sintomas. OBS: O DSM-5 inclui a categoria de “transtorno relacionado a Cannabis não especificado” para aqueles que não são classificados nos transtornos citados anteriormente. Quando sintomas de transtorno do sono ou de disfunção sexual estão relacionados ao uso da substância, eles quase sempre se resolvem no período de dias ou de 1 semana após a interrupção de seu uso. Flashbacks Há relatos de caso de indivíduos que experimentaram – por vezes de modo significativo – sensações relacionadas à intoxicação por Cannabis depois que os efeitos de curto prazo desapareceram. O debate está voltado para identificar se os flashbacks estão relacionados apenas ao uso da substância ou ao uso concomitante de alucinógenos ou de Cannabis misturada com fenciclidina (PCP). Prejuízo cognitivo Evidências indicam que o uso prolongado de Cannabis pode produzir formas sutis de prejuízo cognitivo nas funções cognitivas mais elevadas de memória, atenção e organização e integração de informações complexas. Ainda é necessário investigar se esses prejuízos podem ser revertidos. Síndrome amotivacional Discute-se ainda se a síndrome está relacionada ao uso de Cannabis ou se reflete traços caracterológicos em um subgrupo independentemente do uso de Cannabis. Tradicionalmente, a síndrome amotivacional está associada ao uso intenso de longo prazo e caracteriza-se pela relutância do indivíduo em persistir em uma tarefa – seja na escola, no trabalho, seja em qualquer contexto que exija atenção ou tenacidade prolongada. Os indivíduos são descritos como apáticos e sem energia, geralmente ganham peso ou parecem preguiçosos. OBS: Váriosrelatórios indicam que o uso de longo prazo de Cannabis está associado a atrofia cerebral, suscetibilidade a convulsões, dano cromossômico, doenças congênitas, prejuízo da reatividade imunológica, alteração nas concentrações de testosterona e desregulação do ciclo menstrual. No entanto, a associação não está estabelecida. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO A abstinência pode ser alcançada por meio de intervenções diretas, como hospitalização, ou mediante monitoramento atento de base ambulatorial por meio de exames de urina, que podem detectar a presença de Cannabis até 4 semanas após o uso. Pode-se obter apoio por meio de psicoterapia individual, familiar e de grupo. Esclarecimento e informações devem ser o alicerce tanto para abstinência quanto para programas de apoio. Um paciente que não compreende os motivos lógicos para enfrentar um problema de abuso tem pouca motivação para saná-lo. No caso de alguns indivíduos, um ansiolítico pode ser útil para alívio de curto prazo dos sintomas de abstinência. Para outros, o uso de pode estar relacionado a um transtorno depressivo subjacente, que pode melhorar com um tratamento específico com antidepressivos. OBS: A maconha é usada como erva medicinal há séculos, podendo tratar ansiedade, depressão e distúrbios gastrintestinais, entre outras condições,, como náusea decorrente de quimioterapia, esclerose múltipla, dor crônica, AIDS, epilepsia e glaucoma. ALUCINÓGENOS Alucinógenos, por definição, são intoxicantes. O uso está associado a ataques de pânico, transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos (flashbacks), psicose, delirium e transtornos do humor e de ansiedade. Os alucinógenos naturais clássicos são psilocibina, mescalina, harmina, harmalina, ibogaína e dimetiltriptamina (DMT). O sintético clássico é o LSD. São chamados de psicodélicos ou psicomiméticos pois além de induzirem alucinações, produzem perda de contato com a realidade e uma experiência de expansão e intensificação da consciência. A fenciclidina e a cetamina são anestésicos dissociativos, produzem condição na qual os indivíduos permaneciam despertos, mas aparentemente sem sensibilidade ou dissociados do ambiente. Elas exercem seus efeitos comportamentais característicos por meio do bloqueio dos receptores do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA) para o neurotransmissor excitatório glutamato. Sua intoxicação pode apresentar uma variedade de sintomas, desde ansiedade até psicose. Embora tenham farmacologia e efeitos clínicos diferentes, o DSM-5 as inclui na categoria de alucinógenos. EPIDEMIOLOGIA A incidência do uso de alucinógenos teve dois períodos notáveis de destaque. Entre 1965 e 1969, houve um aumento na quantidade Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 estimada de novos usuários, impulsionado principalmente pelo LSD. O segundo período de aumento ocorreu por volta de 1992 até 2000, insuflado sobretudo pelo aumento do uso de ecstasy (MDMA). Os índices mais elevados de uso atual estão na faixa dos 18 aos 25 anos (2%), seguidos dos 12 aos 17 anos (0,9%) e adultos a partir dos 25 anos (0,2%). O uso de alucinógenos é mais comum entre homens brancos jovens (15 a 25 anos). NEUROFARMACOLOGIA O LSD é o protótipo dos alucinógenos. Ele atua no sistema serotonérgico, como antagonista e agonista. A maioria dos alucinógenos é bem absorvida após ingestão oral, embora alguns sejam consumidos por inalação, fumo ou injeção IV. Tolerância a LSD e outros alucinógenos se desenvolve com rapidez e torna-se praticamente completa após 3 ou 4 dias de uso contínuo. A tolerância também reverte de modo rápido, em geral 4 a 7 dias. Dependência física e sintomas de abstinência não ocorrem, mas o usuário pode desenvolver dependência psicológica. TRANSTORNO POR USO DE FENCICLIDINA Critérios Diagnósticos DSM-5 Repetem os mesmos critérios. Sinais e sintomas de abstinência não foram estabelecidos para fenciclidinas, então, não se aplica. Especificadores também são os mesmos. A fenciclidina pode ser detectada na urina em até 8 dias ou mesmo durante períodos mais longos em doses muito altas. Podem haver evidências físicas de lesões causadas por acidentes, brigas e quedas. Toxicidades cardiovascular e neurológica (ex: convulsões, distonias, discinesias, catalepsia, hipotermia ou hipertermia) podem resultar da intoxicação por fenciclidina. Outras consequências incluem hemorragia intracraniana, rabdomiólise, problemas respiratórios e parada cardíaca (eventualmente). INTOXICAÇÃO POR FENCICLIDINA Critérios Diagnósticos DSM-5 A. Uso recente de fenciclidina (ou substância farmacologicamente semelhante). B. Alterações comportamentais clinicamente significativas e problemáticas (ex: beligerância, agressividade, impulsividade, imprevisibilidade, agitação psicomotora, julgamento prejudicado) desenvolvidas durante ou logo após o uso de fenciclidina. C. No prazo de 1 hora (quando a droga for fumada, cheirada ou usada na forma intravenosa, o início pode ser bem mais rápido), dois (ou mais) dos seguintes sinais ou sintomas: 1. Nistagmo vertical ou horizontal. 2. Hipertensão ou taquicardia. 3. Torpor ou resposta diminuída à dor. 4. Ataxia. 5. Disartria. 6. Rigidez muscular. 7. Convulsões ou coma. 8. Hiperacusia. D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por outra substância. O tratamento visa reduzir os níveis sistêmicos da substância e tratar questões significativas de natureza médica, comportamental e psiquiátrica. No caso de intoxicação e de transtorno psicótico induzido por PCP, o objetivo de longo prazo é impedir a recaída. A retenção de PCP ionizada no estômago levou à sugestão de sucção nasogástrica contínua como tratamento para intoxicação. No entanto, pode ser desnecessariamente intrusiva e induzir desequilíbrios eletrolíticos. Carvão ativado é mais seguro. Não há fármacos que funcionem como antagonistas diretos de PCP. Portanto, o tratamento deve ser de apoio e direcionado a sintomas específicos e sinais de toxicidade. Como a PCP prejudica o processamento sensorial, estímulos ambientais podem causar reações imprevisíveis, exageradas, distorcidas ou violentas, o pilar do tratamento é a redução máxima de estímulos sensoriais. Contenções físicas de precaução são recomendadas por alguns especialistas, sendo que o risco de rabdomiólise ao se debater deve ser avaliado ante a possibilidade de evitar comportamento violento ou disruptivo. Sedação farmacológica pode ser obtida pela administração oral ou IM de antipsicóticos ou benzodiazepínicos. TRANSTORNO POR USO DE OUTROS ALUCINÓGENOS Critérios Diagnósticos DSM-5 Repetem os mesmos critérios. sinais e sintomas de abstinência não foram estabelecidos, então, não se aplica. Os especificadores também são os mesmos, mas aqui também deve-se especificar o alucinógeno em questão. Diferentemente da maioria das substâncias, não está evidente se há uma associação entre início em idade precoce com aumento do risco para transtorno por uso de outros alucinógenos. Contudo, identificou-se que os padrões de consumo de droga são diferentes de acordo com a idade de início, sendo que usuários de ecstasycom início precoce estão mais propensos a se tornarem usuários de diversos tipos de drogas. Há evidências dos efeitos neurotóxicos de longo prazo do uso de MDMA/ecstasy, incluindo comprometimento da memória, da função psicológica e da função neuroendócrina, disfunção do sistema serotonérgico e perturbação do sono, bem como efeitos adversos sobre a microvasculatura encefálica, maturação da matéria branca e dano a axônios. O uso de MDMA/ecstasy pode reduzir a conectividade funcional entre regiões do cérebro. INTOXICAÇÃO POR OUTROS ALUCINÓGENOS Critérios Diagnósticos DSM-5 A. Uso recente de alucinógeno (que não fenciclidina). B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e problemáticas (ex: ansiedade ou depressão acentuadas, ideias de referência, medo de perder o juízo, ideação paranoide, julgamento prejudicado) desenvolvidas durante ou logo após o uso de alucinógenos. C. Alterações da percepção ocorrendo em um estado de plena vigília e alerta (ex: intensificação subjetiva de percepções, despersonalização, desrealização, ilusões, alucinações, sinestesias) que se desenvolveram durante ou logo após o uso de alucinógenos. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 D. Dois (ou mais) dos seguintes sinais desenvolvidos durante ou logo após o uso de alucinógenos: 1. Midríase. 2. Taquicardia. 3. Sudorese. 4. Palpitações. 5. Visão borrada. 6. Tremores. 7. Incoordenação. E. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por outra substância. OBS: O diagnóstico diferencial inclui intoxicação anticolinérgica e por anfetaminas e abstinência de álcool. O tratamento mais indicado para intoxicação por alucinógenos é acalmar o paciente; explicar que os sintomas são induzidos pela droga, que ele não está ficando louco e que os sintomas irão se dissipar. Em casos mais graves, antagonistas dopaminérgicos (ex: haloperidol) ou benzodiazepínicos (ex: diazepam) podem ser usados por tempo limitado. O paciente que experimenta intoxicação intensa e desagradável por alucinógenos pode se beneficiar de um ambiente calmo, tranquilização verbal e do decorrer do tempo. Há probabilidade de alívio mais rápido de ansiedade intensa após a administração oral de 20 mg de diazepam ou dose parenteral equivalente de benzodiazepínico. Ansiedade e outros sintomas geralmente se reduzem no prazo de 20 minutos do medicamento, em comparação a horas com apenas apoio psicológico e ambiental, mas os sintomas de percepção podem persistir. O paciente talvez necessite de uma leve contenção se representar perigo para si ou para outros, mas contenções físicas devem ser evitadas, se possível. Neurolépticos, especialmente se ministrados em doses excessivas, podem agravar os sintomas, também sendo melhor evitá-los, a menos que o diagnóstico continue indeterminado e seja impossível manejar de outra forma. TRANSTORNO PERSISTENTE DA PERCEPÇÃO INDUZIDO POR ALUCINÓGENOS Critérios Diagnósticos DSM-5 292.89 (F16.983) A. Após a cessação do uso de um alucinógeno, a revivência de no mínimo um dos sintomas perceptivos experimentados durante a intoxicação pelo alucinógeno (ex: alucinações geométricas, falsas percepções de movimento nos campos visuais periféricos, flashes coloridos, cores intensificadas, rastros de imagens de objetos em movimento, sensação de imagem vívida após o estímulo ter cessado (pós-imagem positiva) halos em torno dos objetos, macropsia e micropsia). B. Os sintomas do Critério A causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. Os sintomas não são atribuíveis a outra condição médica (ex: lesões anatômicas e infecções cerebrais, epilepsias visuais) nem são mais bem explicados por outro transtorno mental (ex: delirium, transtorno neurocognitivo maior, esquizofrenia) ou por alucinações hipnopômpicas. O teste de realidade permanece intacto em indivíduos com transtorno persistente da percepção induzido por alucinógenos (o indivíduo está ciente de que a perturbação está ligada ao efeito da droga). Caso contrário, devemos investigar outro transtorno. 15 a 80% dos usuários de alucinógenos relatam ter experimentado flashbacks. Os episódios costumam durar poucos segundos a alguns minutos, mas às vezes podem ser mais prolongados. Comportamento suicida, transtorno depressivo maior e transtorno de pânico são complicações potenciais. Os seguintes fatores podem desencadear o evento: estresse emocional; privação sensorial, como monotonia ao dirigir; ou uso de outra substância psicoativa, como álcool ou maconha. O DDX inclui enxaqueca, convulsões, anormalidades no sistema visual e TEPT. DELIRIUM POR INTOXICAÇÃO POR ALUCINÓGENOS Transtorno relativamente raro que se inicia durante a intoxicação em indivíduos que consumiram alucinógenos puros. Essas substâncias costumam ser misturadas a outras, e os outros componentes ou suas interações podem produzir delirium clínico. TRANST. PSICÓTICOS INDUZIDOS POR ALUCINÓGENOS O efeito adverso mais comum de LSD e substâncias relacionadas é uma bad trip; pode produzir eventualmente sintomas psicóticos verdadeiros. De modo geral, essa experiência termina quando os efeitos imediatos do alucinógeno se dissipam, mas tem curso variável. Quando prolongado, é mais comum em pessoas com transtorno de personalidade esquizóide preexistente e ansiedade. Além das medicações antipsicóticas, vários agentes são eficazes nesses casos, incluindo carbonato de lítio, carbamazepina e eletroconvulsoterapia. Antidepressivos, benzodiazepínicos e anticonvulsivantes também podem contribuir para o tratamento. Diferentemente da esquizofrenia, na qual se observam normalmente sintomas negativos e fraco relacionamento interpessoal, pacientes com psicose induzida por alucinógenos exibem sintomas positivos de alucinações e delírios ao mesmo tempo que mantêm a capacidade de se relacionar com o psiquiatra. As terapias médicas mais bem utilizadas envolvem terapias de apoio, educacionais e de família. Os objetivos são o controle dos sintomas, uso mínimo de instalações hospitalares, trabalho diário, desenvolvimento e preservação de relacionamentos sociais e manejo de doenças comórbidas. TRANSTORNO DO HUMOR INDUZIDO POR ALUCINÓGENOS Os sintomas podem variar. O abuso pode fazer o indivíduo experimentar sintomas do tipo maníaco, delírios de grandiosidade, ou sentimentos e ideias do tipo depressivo ou sintomas mistos. Normalmente se resolvem após a eliminação da substância. TRANST. DE ANSIEDADE INDUZIDO POR ALUCINÓGENOS Também tem um padrão variado de sintomas, mas há poucos dados disponíveis. Informalmente, profissionais da emergência com frequência relatam transtorno de pânico com agorafobia. Ansiedade provavelmente é o sintoma mais comum que leva um indivíduo intoxicado por PCP a buscar ajuda no setor de emergência. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 OBS: “Transtorno relacionado a alucinógenos não especificado” é usado quando o paciente não satisfaz os critérios diagnósticos paranenhum dos transtornos relacionados a alucinógenos descritos. INALANTES Drogas inalantes são hidrocarbonetos voláteis que se tornam vapores gasosos em temperatura ambiente e são inalados pelo nariz ou pela boca para entrar no fluxo sanguíneo por via pulmonar. Esses compostos normalmente são encontrados em vários produtos de uso doméstico e se dividem em quatro classes comerciais: (1) solventes para colas e adesivos; (2) propelentes (latas de tinta em aerossol, laquê e creme de barbear); (3) diluentes (para tintas e fluidos corretivos); e (4) combustíveis (gasolina, propano). Inalantes estão associados a uma série de problemas, incluindo transtorno da conduta, transtornos do humor, suicidalidade e abuso ou negligência de natureza física e sexual. Em alguns casos, o uso precoce de inalantes por um tempo limitado pode indicar um problema de longo prazo de comportamentos externalizantes e propensão a correr riscos. Um subgrupo menor usa inalantes de forma crônica, e esse uso foi associado a múltiplas sequelas, incluindo patologia comportamental e orgânica graves decorrentes da toxicidade da droga. O DSM-5 exclui gases anestésicos (ex: óxido nitroso e éter) e vasodilatadores de ação breve (ex: nitrato de amila). EPIDEMIOLOGIA Substâncias inalantes são de fácil acesso, legais e baratas. Esses fatores contribuem para o uso elevado de inalantes entre pobres e jovens.Aproximadamente 20% das ocorrências em setor de emergência decorrentes de uso de inalantes envolvem indivíduos com menos de 18 anos. O uso de inalantes entre adolescentes pode ser mais comum em famílias cujos pais ou irmãos mais velhos usam substâncias ilegais. Também está associado a aumento da probabilidade de transtorno da conduta ou transtorno da personalidade antissocial. NEUROFARMACOLOGIA Os inalantes mais usados por adolescentes são gasolina, cola (que normalmente contém tolueno), tinta em aerossol, solventes, líquidos de limpeza e outros tipos variados de aerossol. Inalar o vapor pelo nariz ou inspirar profundamente pela boca leva à absorção transpulmonar com acesso extremamente rápido ao cérebro. Respirar através de um pano encharcado com solvente, inalar os vapores de um saco que contém cola, inspirar profundamente vapores em um saco plástico ou respirar o vapor de gasolina são práticas comuns. Cerca de 15 a 20 inspirações de vapor com 1% de gasolina produzem várias horas de intoxicação. Os inalantes em geral agem como depressores do SNC. Tolerância pode se desenvolver, embora os sintomas de abstinência costumem ser razoavelmente leves. Os efeitos surgem em 5 minutos e podem durar de 30 minutos até horas, dependendo da substância inalada e da dose. As concentrações de várias substâncias inalantes no sangue aumentam quando usadas em combinação com álcool, talvez devido à competição por enzimas hepáticas. Embora cerca de um quinto da substância inalante seja excretado sem alterações pelos pulmões, o restante é metabolizado pelo fígado. Consegue-se detectar inalantes no sangue de 4 a 10h após o uso, e amostras devem ser obtidas quando houver suspeita. TRANSTORNO POR USO DE INALANTES Critérios Diagnósticos DSM-5 Repetem os mesmos critérios, mas abstinência não se aplica. Os especificadores também são os mesmos, mas aqui também deve-se especificar o inalante em questão. OBS: A maioria das pessoas provavelmente usa inalantes durante um curto período de tempo sem desenvolver um padrão de uso de longo prazo que resulta em dependência e abuso. INTOXICAÇÃO POR INALANTES Critérios Diagnósticos DSM-5 A. Exposição breve e recente, intencional ou não, a altas doses de substâncias inalantes, incluindo hidrocarbonetos voláteis como tolueno ou gasolina. B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e problemáticas (ex: beligerância, agressividade, apatia, julgamento prejudicado) desenvolvidas durante ou logo após o uso ou a exposição a inalantes. C. Dois (ou mais) dos seguintes sinais ou sintomas, desenvolvidos durante ou logo após o uso ou a exposição a inalantes: 1. Tontura. 2. Nistagmo. 3. Incoordenação. 4. Fala arrastada. 5. Instabilidade de marcha. 6. Letargia. 7. Reflexos deprimidos. 8. Retardo psicomotor. 9. Tremor. 10. Fraqueza muscular generalizada. 11. Visão borrada ou diplopia. 12. Estupor ou coma. 13. Euforia. D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por outra substância OBS: Às vezes, pode-se identificar um usuário recente de inalantes pelas erupções ao redor do nariz e da boca do paciente, odores incomuns em seu hálito, resíduo de inalantes em seu rosto, suas mãos ou roupas, e irritação de olhos, garganta, pulmões e nariz. DELIRIUM POR INTOXICAÇÃO POR INALANTES Pode ser induzido pelos efeitos dos próprios inalantes, pelas interações farmacodinâmicas com outras substâncias e pela hipoxia que pode estar associada ao inalante ou ao método de inalação usado. Caso o delirium resulte em perturbações comportamentais graves, pode ser necessário tratamento de curta duração com um antagonista de receptores dopaminérgicos, como haloperidol. Evitar BZD devido ao risco de aumento da depressão respiratória. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 DEMÊNCIA PERSISTENTE INDUZIDA POR INALANTES Pode resultar dos efeitos neurotóxicos dos próprios inalantes, dos efeitos neuróticos de metais (ex: chumbo) comumente usados nos inalantes ou dos efeitos de períodos frequentes e prolongados de hipoxia. A demência causada por inalantes tem chances de ser irreversível, com exceção dos casos mais leves. TRANSTORNO PSICÓTICO INDUZIDO POR INALANTES Estados paranoides provavelmente são as síndromes psicóticas mais comuns durante a intoxicação por inalantes. TRANSTORNO DO HUMOR INDUZIDO POR INALANTES E TRANSTORNO DE ANSIEDADE INDUZIDO POR INALANTES Transtornos depressivos são os transtornos do humor mais comuns associados ao uso de inalantes. Transtornos de pânico e TAG são os transtornos de ansiedade mais comuns. EFEITOS ADVERSOS Inalantes estão associados a efeitos adversos potencialmente graves. O mais grave é a morte, que pode resultar de depressão respiratória, arritmias cardíacas, asfixia, aspiração de vômito, acidente ou lesão. Colocar um trapo encharcado com inalante e a própria cabeça em uma sacola plástica pode causar coma e sufocação. Usuários crônicos podem apresentar problemas neurológicos. TC e RM revelam atrofia cerebral, cerebelar e do tronco encefálico com doença da matéria branca (leucoencefalopatia). SPECT mostrou alterações no fluxo sanguíneo do cérebro. Sinais e sintomas neurológicos e comportamentais podem incluir perda da audição, neuropatia periférica, cefaleia, parestesias, sinais cerebelares, prejuízo motor persistente, parkinsonismo, apatia, má concentração, perda de memória, disfunção visuoespacial, comprometimento do processamento de material linguístico e encefalopatia por chumbo. Outros efeitos adversos graves associados ao uso de longo prazo de inalantes incluem doença hepática irreversível ou dano renal (acidose tubular) e dano muscular permanente associado a rabdomiólise. Efeitos adicionaisincluem sintomas cardiovasculares e pulmonares (ex: dor no peito e broncoespasmo), bem como sintomas gastrintestinais (ex: dor, náusea, vômitos e hematêmese). Há vários relatos clínicos de embriopatia por tolueno, semelhantes à síndrome alcoólica fetal, que incluem baixo peso ao nascer, microcefalia, encurtamento de fissuras palpebrais, rosto pequeno, orelhas de implantação baixa e outros sinais dismórficos. Os relatos indicam desenvolvimento lento, hiperatividade e disfunção cerebelar. No entanto, não há evidências convincentes de que o tolueno produza danos genéticos em células somáticas. TRATAMENTO A intoxicação por inalantes, como a por álcool, normalmente não exige atenção médica e se resolve espontaneamente. Contudo, os efeitos como coma, broncoespasmo, laringoespasmo, arritmias cardíacas, trauma ou queimaduras, precisam de tratamento. Caso contrário, os cuidados primários envolvem tranquilização, apoio discreto e atenção aos sinais vitais e ao nível de consciência. Sedativos, incluindo benzodiazepínicos, são contraindicados porque agravam a intoxicação por inalantes. O transtorno psicótico induzido por inalantes é breve e dura de algumas horas até poucas semanas após a intoxicação. Indica-se um tratamento diligente de complicações possivelmente letais como parada respiratória ou cardíaca, juntamente com manejo conservador da intoxicação em si. Confusão, pânico e psicose requerem atenção especial. Agitação grave pode exigir controle cauteloso com haloperidol (5 mg IM por 70 kg de peso corporal). Ansiedade e transtornos do humor induzidos por inalantes podem precipitar ideação suicida, o que deve ser avaliado cuidadosamente. Ansiolíticos e antidepressivos não ajudam na fase aguda, mas podem ser úteis em casos de coexistência. OPIOIDES O uso indevido contínuo de opioides pode resultar em síndromes de abuso e dependência e causar perturbações no humor, no comportamento e na cognição similares às de outros transtornos psiquiátricos. Em países desenvolvidos, a heroína é o opióide com maior frequência de abuso e dependência. Abuso de opioides designa um padrão de uso desadaptativo de um fármaco opioide que leva a prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo em um período de 12 meses, mas cujos sintomas nunca satisfizeram os critérios para dependência de opioides. A metadona é o padrão atual para o tratamento de dependência de opioides. Antagonistas de opioides foram sintetizados para tratar overdose e dependência de opioides. Essa classe inclui naloxona, naltrexona, nalorfina, levalorfano e apomorfina. Compostos com atividade mista agonista e antagonista em receptores de opioides foram sintetizados e incluem a pentazocina, o butorfanol e a buprenorfina. EPIDEMIOLOGIA No fim da década de 1990, o uso de heroína aumentou na faixa dos 18 aos 25 anos, e observou-se um breve surto no uso de oxicodona. Métodos de administração alternativos à injeção, como fumo e aspiração, tornaram-se mais populares. A proporção de dependência de heroína entre homens e mulheres é de cerca de 3:1. Usuários de opioides em geral começam a usar substâncias na adolescência e no início da faixa dos 20 anos; atualmente, a maioria dos indivíduos com dependência se encontra nas faixas dos 30 e dos 40 anos. A tendência é que a dependência entre em remissão a partir dos 40 anos de idade, sendo chamada de “amadurecimento”. Muitas pessoas, no entanto, continuam dependentes. A incidência de dependência de opioides é maior nos indivíduos com nível socioeconômico mais alto. NEUROFARMACOLOGIA Os efeitos primários dos opioides são mediados pelos receptores de opioides. Os receptores μ (mi) estão envolvidos na regulação e mediação de analgesia, depressão respiratória, constipação e dependência química; os receptores κ, com analgesia, diurese e sedação; e os receptores , com analgesia.Δ Existem 3 classes de opioides endógenos no cérebro, incluindo endorfinas, dinorfinas e encefalinas. Endorfinas estão envolvidas na transmissão neuronal e na supressão da dor, são liberadas de Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 forma natural no corpo quando alguém sofre um ferimento físico ou se encontra muito estressado. Os opióides endógenos também tem interações significativas com outros sistemas neuronais, como o dos neurotransmissores dopaminérgicos e dos noradrenérgicos. A heroína é mais lipossolúvel do que a morfina, o que permite que cruze a barreira hematoencefálica mais prontamente e apresente início mais rápido e agradável. A codeína, que ocorre naturalmente em cerca de 0,5% dos alcaloides opiatos no ópio, é absorvida facilmente pelo TGI, sendo transformada subsequentemente em morfina no corpo. TOLERÂNCIA E DEPENDÊNCIA A tolerância a algumas ações de opioides pode ser tão elevada que um aumento de 100 vezes na dose é necessário para produzir o efeito original. Sintomas de abstinência não surgem a menos que o indivíduo os tenha usado durante um tempo prolongado ou quando a interrupção do uso é abrupta, como ocorre funcionalmente quando se administra um antagonista de opioides. O uso de longo prazo de opioides resulta em alterações na quantidade e na sensibilidade de receptores de opioides, os quais medeiam pelo menos alguns dos efeitos de tolerância e abstinência. Embora esteja associado a aumento da sensibilidade dos neurônios dopaminérgicos, colinérgicos e serotonérgicos, o efeito de opioides sobre os neurônios noradrenérgicos provavelmente seja o mediador primário dos sintomas de abstinência de opioides. O uso de curto prazo de opioides aparentemente reduz a atividade dos neurônios noradrenérgicos no locus ceruleus; o uso de longo prazo ativa um mecanismo compensador homeostático no interior dos neurônios; a abstinência de opioides resulta em hiperatividade de rebote. COMORBIDADE Cerca de 90% dos indivíduos com dependência de opioides apresentam outro transtorno psiquiátrico, os mais comuns são transtorno depressivo maior, transtornos por uso de álcool, transtorno da personalidade antissocial e transtornos de ansiedade. Aproximadamente 15% tentam cometer suicídio ao menos uma vez. Há alguns padrões de comportamento que parecem particularmente pronunciados em adolescentes com dependência de opioides (síndrome de comportamento de heroína): depressão subjacente, com frequência de tipo agitado e quase sempre acompanhada de ansiedade; impulsividade de orientação passivo-agressiva; medo de fracassar; uso de heroína como ansiolítico para mascarar sentimentos de baixa autoestima, desesperança e agressividade; estratégias de enfrentamento limitadas e baixa tolerância à frustração, acompanhada pela necessidade de gratificação imediata; sensibilidade à disponibilidade eventual de drogas, com consciência aguçada da relação entre sentimentos de bem-estar e o ato de usar drogas; sentimentos de impotência comportamental neutralizados pela sensação de controle momentâneo sobre a vida por meio de substâncias; perturbações nos relacionamentos sociais e interpessoais com pares mantidas por experiências recíprocas com substâncias. TRANSTORNO POR USO DE OPIOIDES Critérios DiagnósticosDSM-5 Repetem os mesmos critérios. Os especificadores também são os mesmos, com adição do “Em terapia de manutenção: usado se o indivíduo estiver usando medicamento agonista prescrito, como metadona ou buprenorfina, e nenhum dos critérios para transtorno por uso de opioides foi satisfeito para essa classe de medicamento (exceto tolerância ou abstinência do agonista). Esta categoria também se aplica aos indivíduos em manutenção com agonista parcial, agonista/antagonista ou antagonista total, como naltrexona oral ou de depósito.” INTOXICAÇÃO POR OPIOIDES Critérios Diagnósticos A. Uso recente de um opioide. B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e problemáticas (ex: euforia inicial seguida por apatia, disforia, agitação ou retardo psicomotor, julgamento prejudicado) desenvolvidas durante ou logo após o uso de opioides. C. Miose (ou midríase devido à anoxia decorrente de overdose grave) e um (ou mais) dos seguintes sinais ou sintomas, desenvolvidos durante ou logo após o uso de opioides. 1. Torpor ou coma. 2. Fala arrastada. 3. Prejuízo na atenção ou na memória. D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por outra substância. Especificar se: Com perturbações da percepção: Indicado nos raros casos quando alucinações ocorrem com teste de realidade intacto ou ilusões auditivas, visuais ou táteis ocorrem na ausência de delirium. ABSTINÊNCIA DE OPIOIDES Critérios Diagnósticos DSM-5 292.0 (F11.23) A. Presença de qualquer um dos seguintes: 1. Cessação (ou redução) do uso pesado e prolongado de opioides (algumas semanas ou mais). 2. Administração de um antagonista de opioides após um período de uso de opioides. B. Três (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvidos no prazo de alguns minutos a alguns dias após o Critério A: 1. Humor disfórico. 2. Náusea ou vômito. 3. Dores musculares. 4. Lacrimejamento ou rinorreia. 5. Midríase, piloereção ou sudorese. 6. Diarreia. 7. Bocejos. 8. Febre. 9. Insônia. C. Os sinais ou sintomas do Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por ou abstinência de outra substância. Uma síndrome de abstinência pode ser precipitada pela administração de um antagonista de opioides. Os sintomas podem ter início segundos após a injeção intravenosa de um desses agentes e chegam ao pico em cerca de 1 hora. A síndrome de abstinência completa, incluindo fissura intensa por opioides, normalmente se dá apenas em decorrência de cessação abrupta do uso em indivíduos com dependência de opioides. Morfina e Heroína: a abstinência tem início em 6 a 8 horas após a última dose, normalmente depois de um período de 1 a 2 semanas de uso contínuo ou após a administração de um antagonista narcótico. A síndrome de abstinência alcança intensidade máxima durante o 2º ou 3º dia e se abranda nos 7 a 10 dias seguintes, mas alguns sintomas podem persistir por 6 meses ou mais. Meperidina: A síndrome de abstinência tem início rápido, alcança o ápice em 8 a 12 horas e termina em 4 a 5 dias. Metadona: a abstinência se inicia de 1 a 3 dias após a última dose e termina em 10 a 14 dias. OBS: A qualquer momento durante a síndrome de abstinência, uma única injeção de morfina ou heroína elimina todos os sintomas. DELIRIUM POR INTOXICAÇÃO POR OPIOIDES Delirium por intoxicação por opioides tem maior probabilidade de ocorrer quando os opioides são usados em doses elevadas, quando são misturados com outros compostos psicoativos ou quando são usados por um indivíduo com dano cerebral ou algum transtorno do SNC (ex: epilepsia) preexistente. Além de: - Transtorno psicótico induzido por opioides - Transtorno do humor induzido por opioides - Transtorno do sono induzido por opioides (hipersonia) - Disfunção sexual induzida por opioides (impotência) EFEITOS ADVERSOS O efeito adverso mais comum e mais grave associado aos transtornos relacionados a opioides é a transmissão potencial de hepatite e de HIV pelo uso coletivo de agulhas contaminadas. O usuário pode experimentar reações alérgicas idiossincráticas a opioides, as quais resultam em choque anafilático, edema pulmonar e morte se não houver tratamento imediato e adequado. Outro efeito adverso grave é a interação medicamentosa idiossincrática entre meperidina e inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), os quais podem produzir grande instabilidade autonômica, agitação psicomotora grave, coma, convulsões e morte. Por isso, opioides e IMAOs não devem ser administrados em conjunto. Overdose de opioides Morte por overdose de um opioide normalmente se deve a parada respiratória decorrente do efeito depressor sobre a respiração. Os sintomas de overdose incluem acentuada falta de reação, coma, respiração lenta, hipotermia, hipotensão e bradicardia. Quando o indivíduo se apresenta com o trio clínico de coma, miose e depressão respiratória, o clínico deve considerar overdose de opioides como diagnóstico primário. Ele também deve inspecionar o corpo do paciente em busca de marcas de agulhas em braços, pernas, tornozelos, virilha e até na veia dorsal do pênis. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO Tratamento de overdose A primeira tarefa é garantir a liberação das vias aéreas. Secreções na traqueia e faringe devem ser aspiradas; pode-se intubar a via aérea. O paciente deve receber ventilação mecânica até que naloxona possa ser administrada. A aplicação de naloxona IV deve ser lenta – inicialmente cerca de 0,8 mg por 70 kg de massa corporal. Sinais de melhora (aumento da frequência respiratória e dilatação das pupilas) devem ocorrer imediatamente. No caso de pacientes dependentes de opioides, naloxona demais pode produzir sinais de abstinência, bem como revés da superdosagem. Caso não ocorra uma reação à dose inicial, a administração de naloxona pode ser repetida após intervalos de alguns minutos. Abstinência e desintoxicação com supervisão médica - Metadona A metadona é um narcótico sintético que substitui a heroína e pode ser administrado por via oral. Uma dose diária de 20 a 80 mg é suficiente para estabilizar o paciente, embora doses diárias de até 120 mg tenham sido usadas. A duração da ação da metadona ultrapassa 24 horas, assim, uma única dose ao dia é adequada. A manutenção com metadona é continuada até que o paciente possa interromper seu uso, que também causa dependência. Uma síndrome de abstinência ocorre com a retirada da metadona, mas o paciente consegue ser desintoxicado de metadona mais facilmente do que de heroína. Clonidina (0,1 a 0,3 mg 3 a 4 vezes por dia) normalmente é ministrada no período de desintoxicação. - Outros substitutos de opioides: levometadil (LAAM, não é mais usado) buprenorfina, antagonistas opioides. Gestantes com dependência de opioides Cerca de três quartos de todas as crianças nascidas de mães aditaspassam por síndrome de abstinência. Abstinência neonatal pode levar a aborto espontâneo ou morte fetal. Manter a gestante dependente de opioides em um curso de baixa dosagem de metadona (10 a 40 mg/dia) pode ser a opção menos nociva. Nessa dosagem, a abstinência neonatal costuma ser leve e pode ser manejada com baixas doses de paregórico. Se a gravidez tem início enquanto a mulher recebe doses elevadas de metadona, a dosagem deve ser reduzida lentamente e deve-se monitorar os movimentos fetais. Caso abstinência seja necessária ou desejada, ela é menos perigosa durante o segundo trimestre. Psicoterapia Todas as modalidades de psicoterapia são adequadas para o tratamento de transtornos relacionados a opioides. Psicoterapia individual, terapia comportamental, TCC, terapia familiar, grupos de apoio (ex: Narcóticos Anônimos), comunidades terapêuticas e treinamento de habilidades sociais podem ser eficazes. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 SEDATIVOS, HIPNÓTICOS OU ANSIOLÍTICOS Seus efeitos calmantes ou sedativos figuram em um continuum com seus efeitos hipnóticos ou indutores do sono. Além das indicações psiquiátricas, são usados como adjuvantes anticonvulsivantes, relaxantes musculares, anestésicos e analgésicos. O álcool e todos os fármacos dessa classe têm tolerância cruzada, e seus efeitos são cumulativos. Dependência física e psicológica se desenvolve, e todos estão associados a sintomas de abstinência. BENZODIAZEPÍNICOS Diazepam, flurazepam, oxazepam e clordiazepóxido. São usados principalmente como ansiolíticos, hipnóticos, anticonvulsivantes e anestésicos, bem como no tratamento de abstinência de álcool. Sedativos não benzodiazepínicos, como zolpidem, zaleplona e eszopiclona – os chamados fármacos Z –, têm efeitos clínicos semelhantes aos benzodiazepínicos e também estão sujeitos a uso indevido e dependência. BARBITÚRICOS Devido a seu potencial elevado de abuso, seu uso atualmente é mais raro. Secobarbital, pentobarbital e uma combinação de secobarbital com amobarbital podem ser obtidos facilmente de traficantes. Barbital e fenobarbital, que foram introduzidos logo em seguida, são fármacos de ação prolongada, com meia-vida de 12 a 24h. O amobarbital é um barbitúrico de ação intermediária, com meia-vida de 6 a 12h. O pentobarbital e o secobarbital são barbitúricos de curta duração, com meia-vida de 3 a 6h. Embora sejam sedativos úteis e eficazes, os barbitúricos são altamente letais, sendo que uma dose apenas 10 vezes superior à dosagem normal causa coma e morte. SUBSTÂNCIAS SEMELHANTES A BARBITÚRICOS A substância semelhante a barbitúricos de abuso mais comum é a metaqualona, que não é mais fabricada nos EUA. Costuma ser usada por jovens que acreditam que a substância intensifica o prazer da atividade sexual. Indivíduos que fazem abuso de metaqualona normalmente tomam 1 ou 2 comprimidos padrão (em geral 300 mg por cp) para obter os efeitos desejados. Os nomes de rua para metaqualona incluem mandrakes e soapers. Luding out é como se chama a intoxicação com metaqualona, que costuma ser combinada com ingestão excessiva de álcool. Outras substâncias incluem meprobamato, derivado de carbato, cuja eficácia como ansiolítico é baixa, mas que tem efeito relaxante muscular e é usado com essa finalidade; hidrato de cloral, hipnótico altamente tóxico ao TGI e que, quando combinado com álcool, ganha o nome de mickey finn; e etclorvinol, agente sedativo de ação rápida com propriedades anticonvulsivantes e de relaxamento muscular. Todas essas substâncias estão sujeitas a abuso. EPIDEMIOLOGIA A faixa etária com prevalência ao longo da vida mais elevada de uso de sedativos (3%) ou tranquilizantes (6%) foi dos 26 aos 34 anos, e indivíduos na faixa dos 18 aos 25 anos eram os com maior probabilidade de ter usado sedativos ou tranquilizantes no ano anterior. Os pacientes apresentam proporção de mulheres para homens de 3:1 e proporção de brancos para negros de 2:1. Alguns indivíduos usam benzodiazepínicos de forma isolada, mas aqueles que usam cocaína utilizam frequentemente BZD para reduzir os sintomas de abstinência, e os que fazem abuso de opioides os utilizam para intensificar os efeitos eufóricos. Enquanto o abuso de barbitúricos é comum entre adultos mais velhos que apresentam longa história de abuso dessas substâncias, o abuso de benzodiazepínicos se concentra em um grupo mais jovem, geralmente com menos de 40 anos de idade. Esse grupo pode ter uma predominância masculina ligeiramente maior e uma proporção de brancos para negros de cerca de 2:1. NEUROFARMACOLOGIA Os principais efeitos de benzodiazepínicos, barbitúricos e substâncias similares a barbitúricos se dão sobre o complexo receptor ácido γ-aminobutírico (GABA) tipo A (GABAA), que contém um canal iônico de cloreto, um local de ligação para GABA e um local de ligação bem definido para benzodiazepínicos. Acredita-se, também, que ocorra ligação dos barbitúricos e seus similares em algum lugar do complexo de receptores GABAA. Após a ligação no complexo, o efeito é aumentar a afinidade do receptor com seu neurotransmissor endógeno, GABA, e aumentar o fluxo de íons de cloreto pelo canal no neurônio. O influxo de íons de cloreto com carga negativa no neurônio é inibitório e hiperpolariza o neurônio relativo ao espaço extracelular. Embora todas as substâncias dessa classe induzam tolerância e dependência física, os mecanismos por trás desses efeitos são mais bem compreendidos no caso dos benzodiazepínicos. Após o uso prolongado, os efeitos sobre o receptor causados pelo agonista são atenuados. Especificamente, a estimulação GABA dos receptores GABAA resulta em menor influxo de cloretos do que o causado pela estimulação de GABA antes da administração do benzodiazepínico. A base para infrarregulação parece estar no acoplamento entre o sítio de ligação GABA e a ativação do canal iônico de cloreto. Essa redução na eficiência do acoplamento pode ser regulada dentro do próprio complexo de receptores GABAA ou por outros mecanismos neuronais. TRANSTORNO POR USO DE SEDATIVOS, HIPNÓTICOS OU ANSIOLÍTICOS Critérios Diagnósticos DSM-5 Repetem os mesmos critérios. Desconsiderar os critérios de tolerância e abstinência em indivíduos cujo uso de sedativo, hipnótico ou ansiolítico se dá sob supervisão médica. Os especificadores também são os mesmos. INTOXICAÇÃO POR SEDATIVOS, HIPNÓTICOS, ANSIOLÍTICOS Critérios Diagnósticos DSM-5 A. Uso recente de um sedativo, hipnótico ou ansiolítico. B. Alterações comportamentais ou psicológicas clinicamente significativas e desadaptativas (ex: comportamento sexual ou agressivo inadequado, humor instável, julgamento prejudicado) desenvolvidas durante ou logo após o uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 C. Um (ou mais) dos seguintes sinais ou sintomas, desenvolvidos durante ou logo após o uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos: 1. Fala arrastada. 2. Incoordenação. 3. Marcha instável. 4. Nistagmo. 5. Prejuízo na cognição (ex: atenção, memória). 6. Estupor ou coma. D. Os sinais ou sintomas nãosão atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por outra substância. A melhor maneira de confirmar o diagnóstico de intoxicação por uma das substâncias dessa classe é a partir de uma amostra de sangue para detecção da substância. Intoxicação por benzodiazepínico está associada a menos euforia do que intoxicação por outros fármacos dessa classe. Essa característica explica o menor potencial de abuso e dependência de benzodiazepínicos do que de barbitúricos. ABSTINÊNCIA DE SEDATIVOS, HIPNÓTICOS, ANSIOLÍTICOS Critérios Diagnósticos DSM-5 A. Cessação (ou redução) do uso prolongado de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos. B. Dois (ou mais) dos seguintes sintomas, desenvolvidos no prazo de várias horas a alguns dias após a cessação (ou redução) do uso de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos descrita no Critério A: 1. Hiperatividade autonômica (sudorese ou FC > 100 bpm). 2. Tremor nas mãos. 3. Insônia. 4. Náusea ou vômito. 5. Alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas transitórias. 6. Agitação psicomotora. 7. Ansiedade. 8. Convulsões do tipo grande mal. C. Os sinais ou sintomas do Critério B causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. Os sinais ou sintomas não são atribuíveis a outra condição médica nem são mais bem explicados por outro transtorno mental, incluindo intoxicação por ou abstinência de outra substância. Especificar se: Com perturbações da percepção: Pode ser indicado quando ocorrem alucinações com teste de realidade intacto ou ilusões auditivas, visuais ou táteis na ausência de delirium. Benzodiazepínicos: A gravidade da síndrome de abstinência associada a BZD varia significativamente dependendo da dose média e da duração de uso. O início dos sintomas de abstinência normalmente se dá de 2 a 3 dias após a interrupção do uso, mas, no caso de fármacos de ação prolongada, como diazepam, a latência anterior ao início pode ser de 5 ou 6 dias. Barbitúricos e similares: A síndrome de abstinência varia de sintomas leves (ansiedade, fraqueza, sudorese e insônia) a graves (convulsões, delirium, colapso cardiovascular e morte). A maioria dos sintomas surge nos primeiros 3 dias de abstinência, e convulsões em geral ocorrem no 2º ou 3º dia, quando os sintomas são piores. No caso de convulsões, elas sempre antecedem o desenvolvimento de delirium. Os sintomas raramente são observados mais de 1 semana após a interrupção. Um transtorno psicótico, caso ocorra, tem início no período entre o 3º e o 8º dia. Os diversos sintomas costumam se dissipar no prazo de 2 a 3 dias, mas podem durar até 2 semanas. O primeiro episódio da síndrome normalmente ocorre após 5 a 15 anos de uso intenso. OUTROS TRANSTORNOS INDUZIDOS Delirium: Delirium indistinguível de delirium tremens associado à abstinência de álcool é observado com mais frequência na abstinência de barbitúricos. Delirium associado a intoxicação pode ser observado seja com barbitúricos, seja com benzodiazepínicos se as dosagens forem suficientemente elevadas. Demência persistente: É controversa, pois não há certeza se uma demência persistente é causada pelo próprio uso da substância ou pelas características associadas ao seu uso. Transtorno amnéstico persistente: Podem ser subdiagnosticados. Uma exceção é o aumento da quantidade de relatos de episódios amnésticos associados ao uso de curto prazo de benzodiazepínicos com meia-vida de curta duração (ex: triazolam). Transtornos psicóticos: Os sintomas psicóticos de abstinência de barbitúricos podem ser indistinguíveis dos sintomas de delirium tremens associados ao álcool. Agitação, delírios e alucinações costumam ser de natureza visual, mas pode haver ocorrência de características táteis ou auditivas que se desenvolvem depois de aproximadamente 1 semana de abstinência. Sintomas psicóticos são mais comuns com barbitúricos. Eles são diagnosticados no DSM-5 como abstinência de sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos com perturbações da percepção quando o teste de realidade estiver intacto (o indivíduo está ciente de que o fármaco está causando os sintomas psicóticos). Se o indivíduo acredita que as alucinações são reais, um diagnóstico de transtorno psicótico induzido por substância/medicamento é mais adequado. Outros transtornos: O uso de sedativos e hipnóticos também foi associado a transtornos do humor, de ansiedade e do sono e a disfunções sexuais. Transtorno relacionado a sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos não especificado: Quando nenhuma das características diagnósticas abordadas anteriormente é adequada. PADRÕES DE ABUSO Uso oral: Todos os sedativos e hipnóticos podem ser tomados por via oral. O padrão de uso eventual está associado a jovens que buscam relaxamento por uma noite, intensificação das atividades sexuais e um período curto de euforia leve. O padrão de uso regular está associado a indivíduos de meia-idade de classe média que normalmente conseguem a substância junto ao médico de família, prescrita para insônia ou ansiedade, nesses casos, o padrão de abuso pode passar despercebido até que sinais evidentes de abuso ou dependência sejam notados pelos outros. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 Uso intravenoso: Os usuários são, em sua maioria, jovens adultos intimamente envolvidos com substâncias ilegais. Os usuários podem estar mais inclinados ao uso de barbitúricos do que de opioides porque são mais baratos. Os perigos incluem transmissão do HIV, celulite, complicações vasculares e reações alérgicas a contaminantes. O uso IV está associado a tolerância e dependência rápidas e profundas, bem como a síndrome de abstinência grave. OVERDOSE Benzodiazepínicos têm ampla margem de segurança. Mesmo em quantidades exorbitantes (> 2g) os sintomas incluem apenas sonolência, letargia, ataxia, um pouco de confusão e leve depressão dos sinais vitais. Uma condição muito mais grave emerge quando são consumidos em combinação com outras substâncias sedativo-hipnóticas, como álcool. Nesses casos, pequenas doses de BZD podem causar a morte. A disponibilidade de flumazenil, um antagonista benzodiazepínico específico, reduziu a letalidade, pois pode ser usado na emergência. Barbitúricos são letais quando consumidos em overdose porque induzem depressão respiratória. Além das tentativas de suicídio intencionais, overdoses acidentais ou involuntárias são comuns. Seus efeitos letais são cumulativos com os efeitos de outros sedativos ou hipnóticos, incluindo álcool e benzodiazepínicos. A overdose de barbitúricos se caracteriza por indução a coma, parada respiratória, falência cardiovascular e morte. A dose letal varia conforme a via de administração e o grau de tolerância para a substância após uma história de abuso, mas ela não é muito alta em comparação a alguém que abusa há mais tempo. A tolerância se desenvolve rapidamente, a ponto de a retirada do fármaco se fazer necessária em ambiente hospitalar de modo a evitar morte acidental por overdose. Similaresa barbitúricos variam quanto a letalidade e costumam ocupar um espaço intermediário entre a relativa segurança dos BZD e a alta letalidade dos barbitúricos. O tratamento de overdose envolve lavagem gástrica, carvão ativado e monitoramento criterioso dos sinais vitais e da atividade do SNC. Deve-se evitar que os pacientes que sofrem overdose e obtêm atendimento médico ainda despertos percam a consciência. Se o paciente estiver em coma, deve-se estabelecer uma linha intravenosa de líquidos, monitorar seus sinais vitais, inserir um tubo endotraqueal para manter via aérea desobstruída e proporcionar ventilação mecânica, se necessário. A hospitalização de um paciente em coma em UTI normalmente é necessária durante os primeiros estágios de recuperação desse tipo de overdose. TRATAMENTO E REABILITAÇÃO Abstinência de benzodiazepínicos: Como alguns BZD são eliminados lentamente do corpo, os sintomas de abstinência podem continuar a se desenvolver por várias semanas. A fim de impedir convulsões e outros sintomas, médicos devem reduzir a dosagem gradativamente. Vários relatos indicam que a carbamazepina pode ser útil no tratamento. Abstinência de barbitúricos: Para evitar morte súbita durante abstinência de barbitúricos, os médicos devem seguir diretrizes clínicas conservadoras. Não administrar barbitúricos a um paciente em coma ou com intoxicação extrema. Deve-se tentar determinar a dose diária habitual de barbitúricos do paciente e, então, verificar a dosagem clinicamente. Assim que a dosagem for determinada, um barbitúrico de ação prolongada pode ser usado para o período de desintoxicação. Durante o processo, o paciente pode começar a experimentar sintomas de abstinência, e, nesse caso, deve-se reduzir o decréscimo diário pela metade. Durante o procedimento, pode ser usado fenobarbital no lugar de barbitúricos de curta ação de abuso mais comuns. Uma dose adequada é de 30 mg de fenobarbital para cada 100 mg da substância de ação breve. O usuário deve ser mantido durante o período mínimo de 2 dias nesse nível antes que a dose seja reduzida ainda mais. O regime é análogo à substituição de heroína por metadona. Distúrbios Psiquiátricos e Comportamentais Maysa Araújo Gomes Ferraz FPS MED 14 ESTIMULANTES (ANFETAMINAS, COCAÍNA/CRACK) 1. ANFETAMINAS Anfetaminas e drogas similares estão entre as substâncias ilícitas mais usadas. As indicações para anfetamina limitam-se ao uso para TDAH e narcolepsia; contudo, também são usadas no tratamento de obesidade, depressão, distimia, síndrome de fadiga crônica, AIDS, demência, esclerose múltipla, fibromialgia e neurastenia. As principais disponíveis e em uso nos EUA são dextroanfetamina, metanfetamina, e metilfenidato. Como classe geral, anfetaminas são conhecidas como analépticos, simpatomiméticos, estimulantes e psicoestimulantes. Outras substâncias semelhantes às anfetaminas são efedrina, pseudoefedrina e fenilpropanolamina (PPA). Elas, particularmente a PPA, podem exacerbar perigosamente a hipertensão, precipitar psicose tóxica, causar infarto intestinal ou resultar em morte. Drogas semelhantes com potencial de abuso também incluem fendimetrazina e dietilpropiona, benzfetamina e fentermina. A metanfetamina é uma forma potente de anfetamina, usada por inalação, fumo ou IV. Seus efeitos psicológicos são fortes e duram horas. Droga sintética manufaturada em laboratórios ilegais. EPIDEMIOLOGIA Em âmbito global, o uso de estimulantes similares a anfetamina, incluindo metanfetamina, gera grande preocupação, sendo a 2ª substância de uso mais disseminado, depois da maconha, conforme um relatório do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime. NEUROFARMACOLOGIA Todas as anfetaminas são rapidamente absorvidas por via oral e têm um rápido início de ação, em geral 1h após o consumo. Também são administradas por via IV e têm efeito quase imediato por essa rota. A tolerância se desenvolve tanto com as anfetaminas clássicas quanto com as “desenhadas” (ou designer). Anfetaminas são menos aditivas do que cocaína. Anfetaminas clássicas (dextroanfetamina, metanfetamina e metilfenidato) produzem seus efeitos ao causar a liberação de catecolaminas, especialmente dopamina, a partir dos terminais pré-sinápticos. Os efeitos são particularmente potentes para certos neurônios dopaminérgicos, os que se projetam da área tegmentar ventral para o córtex cerebral e áreas límbicas, o que foi chamado de via do circuito de recompensa, e sua ativação provavelmente é o principal mecanismo de adição das anfetaminas. As anfetaminas desenhadas causam a liberação de catecolaminas (dopamina e norepinefrina) e de serotonina (neurotransmissor envolvido na principal via neuroquímica de alucinógenos), os efeitos são um misto dos efeitos de anfetaminas clássicas e alucinógenos. 2. COCAÍNA Cocaína se tornou uma questão de saúde pública na década de 1980, quando uma epidemia se espalhou nos EUA. A cocaína é um alcaloide derivado da Erythroxylum coca, planta nativa da América do Sul, cujas folhas são mascadas pelos habitantes locais com a finalidade de obter efeitos estimulantes. EPIDEMIOLOGIA A faixa etária predominante é 18 aos 25 anos, homens usam 2x mais que mulheres. Negros e hispânicos tiveram índices mais elevados de abuso ou dependência de cocaína do que brancos. O uso atual de cocaína está em declínio pelo aumento da consciência de seus riscos e uma campanha pública abrangente. Os efeitos da diminuição do uso de cocaína, no entanto, têm sido neutralizados pelo uso frequente de crack nos últimos anos. Em relação ao crack, pessoas de 18 a 25 anos têm o índice mais elevado de uso dessa substância. COMORBIDADE O desenvolvimento de transtornos do humor e transtornos relacionados ao álcool normalmente se segue ao início de transtornos relacionados à cocaína, enquanto se acredita que transtornos de ansiedade, da personalidade antissocial e TDAH antecedam transtornos relacionados à cocaína. A maioria dos estudos sobre comorbidade em pacientes com transtornos relacionados à cocaína demonstrou que os transtornos depressivo maior, bipolar tipo II, ciclotímico, de ansiedade e transtorno da personalidade antissocial são os diagnósticos psiquiátricos mais habitualmente associados. ETIOLOGIA Análises indicam que fatores genéticos e ambientais únicos (não compartilhados) contribuem quase igualmente no desenvolvimento de dependência de estimulantes. Fatores sociais, culturais e econômicos são fortes determinantes para o uso inicial, continuidade do uso e recaída. Uso excessivo é muito mais comum em países onde há grande disponibilidade de cocaína. Diferentes oportunidades econômicas podem influenciar determinados grupos mais do que outros a se dedicaram à venda de drogas ilícitas, e esta tem mais chances de ocorrer em comunidades conhecidas do que em comunidades onde o vendedor corre alto risco de prisão. Aprendizado e condicionamento também são considerados importantes. Cada inalação ou injeção de cocaína causa um “barato” e uma experiência eufórica que reforça o comportamento anterior de consumo. Além disso, indícios ambientais associados ao uso da substância ficam associados ao estado eufórico,
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