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ESLYMAR MARTINS SILVA CURSO DE LICENCIATURA PARA GRADUADOS / R2 EM DOCÊNCIA EM ADMINISTRAÇÃO EDUCAÇÃO PRISIONAL, JOVENS EM PRIVAÇÃO DA LIBERDADE: FREQUENTAR A ESCOLA VAI ALÉM DE UMA RELAÇÃO DE CUSTO BENEFÍCIO BELO HORIZONTE, 2021 ESLYMAR MARTINS SILVA EDUCAÇÃO PRISIONAL, JOVENS EM PRIVAÇÃO DA LIBERDADE: FREQUENTAR A ESCOLA VAI ALÉM DE UMA RELAÇÃO DE CUSTO BENEFÍCIO BELO HORIZONTE, 2021 Trabalho acadêmico apresentado à disciplina de Educação Prisional: Jovens em Privação da Liberdade: Articulando entre textos, no Curso de Licenciatura da Uniplena Educacional. Turma: EAD 285. Sumário Conteúdo 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 4 2. A EDUCAÇÃO DO DETENTO POR PARTE DO PODER PÚBLICO É UMA OBRIGAÇÃO....... 4 2.1. PORQUE A EDUCAÇÃO É UM DIREITO HUMANO ..................................................... 5 2.2. PORQUE A RESSOCIALIZAÇÃO PELA EDUCAÇÃO É UM ELEMENTO CENTRAL .......... 8 3. REFLEXÃO: TIRANDO A PENA COM LETRAS ............................................................ 10 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 11 5. REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 12 4 1. INTRODUÇÃO O presente ensaio através da articulação de textos de diferentes autores apresenta a educação como dever do Estado e direito consagrado na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal, defendendo o investimento na educação de detentos como um importante fator de restauração, considerado que isto implica na prevenção de crimes e na orientação do retorno à convivência em sociedade. De início será abordada a obrigação do poder público em garantir a educação para os detentos, justificando que ela é um direito da pessoa humana e um elemento central de ressocialização. Ao final é proposta uma reflexão para compreender que frequentar a escola vai além de uma simples relação de custo-benefício para os presos. 2. A EDUCAÇÃO DO DETENTO POR PARTE DO PODER PÚBLICO É UMA OBRIGAÇÃO O direito penal é composto de um conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, no qual defini crimes e a eles vinculando penas ou medidas de segurança. As penas aplicadas no Brasil são privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa. Sobre as penas privativas de liberdade, o Estado priva o indivíduo principalmente da sua liberdade de locomoção, podendo ser aplicadas conforme dispõe o Código Penal as seguintes sanções: reclusão, detenção ou prisão simples. A dinâmica da aplicação da pena de reclusão é basicamente explicada por Durães (2017) A pena de reclusão pode ser inicialmente cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A pena de detenção permite o regime de cumprimento inicialmente semiaberto ou aberto, existindo, porém, a possibilidade de transferência para o regime fechado. A prisão simples, cumprida em regime semiaberto ou aberto, sem possibilidade de transferência ao regime fechado, é a pena destinada ao condenado pela prática de contravenção penal (DURÃES, 2017) 5 Durante a permanência do condenado ou do preso provisório nos estabelecimentos prisionais, o poder público deve prestar assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e promover e orientar a ressocialização do preso, possibilitando a este assistência material, à saúde, jurídica, social, religioso e também educacional, conforme determinam os artigos 10 e 11 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal: Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa (Lei nº 7.210/1984). O artigo 41 da Lei de Execução Penal traz um rol de direitos dos presos, salientando em seu inciso VII o direito a educação: “Art. 41 – Constituem direitos dos presos: (...) VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa”. Destaca-se também que a educação como dever do Estado é direito consagrado na Constituição Federal conforme estabelece o seu artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Neste diapasão, é importante entender que a educação do detendo é, por parte do Estado, uma precaução imprescindível no interesse da sociedade e, sobretudo, uma obrigação para com o detento. 2.1. PORQUE A EDUCAÇÃO É UM DIREITO HUMANO A educação é um direito humano conforme entendimento na atual ordem internacional. E por ser considerado um direito de segunda geração, ele exige 6 uma prestação positiva, assim, o Estado precisa realizar uma ação em prol de sua observância. Conforme dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos – DHDH, a qual o Brasil é signatário, todos os seres humanos têm o direito à educação, estabelece ainda que a educação fundamental será obrigatória e gratuita, e tais direitos são inerentes à pessoa humana, fato este que não se admite a supressão do direito, sobretudo para os analfabetos e os jovens presos. O artigo 26 da DHDH determina: Artigo 26 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória (...). 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais(...). (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948) Apresentando disposições semelhantes ao tratar da assistência educacional, a Lei de Execução Penal, através da alteração trazida pela Lei nº 13.163, de 9 de setembro de 2015, dispõe que: Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) § 1º O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou administração penitenciária. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) § 2º Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de educação de jovens e adultos. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) 7 § 3º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos e às presas. 7.627 (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) (Lei nº 7.210/1984) Um dos esforços mais recente do Estado brasileiro na promoção do direito a educação foi com a aprovação da Assembleia Geral de outubro de 2015 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, também conhecida como Regras de Mandela, ela responsabiliza o poder público a ofertar a educação formal para pessoasprivada da sua liberdade. Regra 104 1. Instrumentos devem ser criados para promover a educação de todos os presos que possam se beneficiar disso, incluindo instrução religiosa, em países onde isso é possível. A educação de analfabetos e jovens presos deve ser compulsória, e a administração prisional deve destinar atenção especial a isso. 2. Na medida do possível, a educação dos presos deve ser integrada ao sistema educacional do país, para que após sua liberação eles possam continuar seus estudos sem maiores dificuldades (Regras de Mandela) Um das mais importantes características do direito a educação é a universalidade e a não discriminação, e esses princípios se somam a outras quatro características da educação: disponibilidade, acessibilidade material e acessibilidade econômica, aceitabilidade e adaptabilidade. Disponível: significa que a educação gratuita (Ensino Fundamental) deve estar à disposição de todas as pessoas. Acessível: é a garantia de acesso à educação pública, disponível sem qualquer tipo de discriminação. Aceitável: é a garantia da qualidade da educação, relacionada aos programas de estudos, aos métodos pedagógicos e à qualificação dos(as) professores(as). E por fim adaptável: requer que a escola se adapte a seus alunos e alunas; que a educação corresponda à realidade imediata das pessoas, respeitando sua cultura, costumes, religião e diferenças; assim como às realidades mundiais em rápida evolução Graciano (2005). A educação e inerente a espécie humana, e ela permite que ele diferencie de outros seres vivos. Graciano (2005) diz que é do homem “a vocação de 8 produzir conhecimento e, por meio dele, transformar a natureza, organizar-se socialmente e elaborar cultura”, por isto mesmo a educação deve ser concebida como um direito humano. 2.2. PORQUE A RESSOCIALIZAÇÃO PELA EDUCAÇÃO É UM ELEMENTO CENTRAL No Brasil a Lei de Execução Penal garante ao preso que perdeu sua liberdade seja tratado com dignidade. Mediante isto, e considerando também que ficar com muito tempo ocioso não parece uma medida saudável para o preso, são propostas diversos programas educacional, profissional e cultura, como o objetivo de prevenir o seu retorno, diminuir a ociosidade na prisão e favorecer a reintegração do indivíduo ao meio social. A oferta da educação é fundamental as pessoas presas, não devendo ser considerada uma atividade extra e opcional dentre as atividades oferecidas, mas precisa ser tratada como um elemento central durante todo o período vivido na prisão, sendo uma oportunidade positiva para reorganizar a vida. Uma vez que o nível de escolaridade da população prisional no Brasil, que não possuem ensino fundamental completo compõem aproximadamente 51% na taxa, e dos que possuem ensino superior é de apenas 7%, conforme mostra o gráfico abaixo: .GRÁFICO 1 – GRAU DE INSTRUÇÃO EM PORCENTAGEM FONTE: BENARROSH, XAVIER e NERY (2016). 9 De acordo com Coyle (2002) antes da oferta da educação e de quaisquer outros programas de ressocialização é necessário observar as necessidades individuais de cada preso para que tenha o efeito desejado. [...] Para tanto, deverão ser empregados todos os meios apropriados, inclusive atendimento religioso, nos países onde isso for possível, educação, orientação vocacional e capacitação profissionalizante, assistência social, aconselhamento para o emprego, desenvolvimento físico e fortalecimento do caráter moral, conforme as necessidades individuais de cada preso, levando-se em conta sua história social e criminal, suas capacidades e aptidões físicas e mentais, seu temperamento pessoal, a duração de sua sentença e suas perspectivas após a soltura (COYLE, 2002, p. 101-102). Neste sentido, a psicopedagoga Jesus (2007) defende: A lei de Execução Penal foi influenciada, por esses estudos, pela preocupação por buscar a individualização da execução da pena, respeitar o preso como pessoa, como cidadão e não simplesmente, como criminoso. Nesta linha de respeito pela pessoa do preso, a Lei de Execução Penal prevê a realização de exame de personalidade, diferenciando essencialmente do exame criminológico, já que investiga a relação crime – criminoso, enquanto o de personalidade busca a compreender o preso enquanto pessoa, “para além das grades”, visando uma investigação de todo um histórico de vida, numa abordagem, bem mais abrangente e profundo para sua ressocialização (JESUS, 2007). Para Marcão (2015) a assistência educacional além de proporcionar ao executado melhores condições de readaptação social, é inegável, ainda, sua influência positiva na manutenção da disciplina do estabelecimento prisional. O reabilitado não é aquela pessoa que aprendeu a viver bem na prisão, mas é aquele que tem êxito no mundo externo após adquirir sua liberdade. 10 3. REFLEXÃO: TIRANDO A PENA COM LETRAS Os detentos precisam passar o tempo todo ocupados e “interessados” em “mudar de vida” para reabilitarem ainda durante o cumprimento da pena, então, inicialmente frequentam a escola apenas com esse objetivo, pois precisam ter seus laudos favoráveis. Mas existe algo a mais que supera a quantidade de presenças na “cela de aula”, que tem um sentido, um significado que só eles, os presos, podem explicar, que é maior que um possível laudo favorável. O fato dos presos frequentarem a escola vai além de uma simples relação de custo benefício (LEME, 2007). Observe a história abaixo: Com sobrenome de gênio cientista, Venilton Leonardo Vinci, 62 anos, diz que não souber dar valor. Entre idas e vindas para cadeia, à última condenação, aos 33 anos, cumpriu desta vez 12 anos de prisão ininterruptos, pelo crime de homicídio. Foi durante essa última passagem na prisão que Vinci decidiu terminar o ensino médio, e logo em seguida, virou monitor dos outros presos que queriam estudar. Assumiu a coordenação da sala de biblioteca, aprendeu braile e passou a ensinar alunos com deficiência visual. Mas o grande progresso de sua vida foi quando cursou faculdade a distância de pedagogia, conquistando o título de: primeiro preso do estado de São Paulo a terminar um curso superior dentro da prisão. Em 2017, após deixar a prisão em regime aberto, conseguiu bolsa para cursar pós-graduação em Psicopedagogia. Foi preciso um longo tempo na prisão para que Venilton decidisse mudar, mas garante que agora está no caminho certo: “É minha última oportunidade na vida. Eu sei as escolhas que tô fazendo hoje.” E acrescenta, “Eu penso em escrever um livro: „Superação atrás das grades‟. Mostrar a verdade dentro da prisão e salvar vidas. Não permitir que as pessoas entrem em caminhos errados”. A história1 descrita foi retirada do blog História do Dia, de Daniela Penha, que mostrar que a educação abre importantes caminhos, e foi nessa oportunidade que Venilton, o protagonista, agarrou-se. 1 PENHA, Daniela. Venildo se formou professor na prisão e hoje faz pós-graduação. São Paulo, 2017. 11 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreende-se que o ordenamento jurídico tem normas repletas de caráteres valorativos e principiológicos que garantem a oferta de educação durante a manutenção da pena privativa de liberdade. Assim, esse direito assume um papel decisivo para que os presos, quando na condição de alunos, tenham acesso e possam concluir os ciclos de formação da educação básica. A alerta que se faz é que há uma necessidade crescente de investir em educação para os presos, pois mais da metade da população carcerária não concluiu ao menos o ensino fundamental, fazendo necessária uma medida urgente, sendo que a realidade mais próxima destes estudantes é o próprio aparato estatal, e a transformação mais duradoura e multiplicadora na qual eles possam participar é a da própriaeducação. Não investir em educação é destruir sonhos antes mesmo de nascer. 12 5. REFERÊNCIAS BENARROSH, R. S; XAVIER, T. C.; NERY, L. S. O grau de instrução da população carcerária da unidade prisional de mineiros, como fator social da criminologia. Goiás, 2016. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Mandela: Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2016. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. ______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília: Diário Oficial da União, 13 jul. 1984. ______. Lei nº 13.163, de 9 de setembro de 2015. Modifica a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para instituir o ensino médio nas penitenciárias. Brasília: Diário Oficial da União, 13 set. 2015. COYLE, Andrew. Administração Penitenciária: uma abordagem de direitos humanos. Manual para servidores penitenciários. Londres: Internacional Centre for Prision Studies, 2002. DURÃES, Alexandre Luiz. O direito à educação nas penas privativas de liberdade no Brasil. Montes Claros, 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61327/o- direito-a-educacao-nas-penas-privativas-de-liberdade-no-brasil>. Acesso em: 27 jan. 2021. GRACIANO, Mariângela. Educação também é direito humano. São Paulo: Ação Educativa, 2005. Plataforma interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento – PIDHDD. JESUS, Valentina Luiza de. Ressocialização: mito ou realidade? Disponível em: <http://na1312.my1blog.com/2007/09/12/ressocializacao-mito-ou-realidade/>. Acesso em: 15 de ago. 2019. LEME, José Antonio Gonçalves. A cela de aula: tirando a pena com letras. Uma reflexão sobre o sentido da educação nos presídios. In: ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano (org). Educação escolar entre as grades. São Carlos: EdUFSCar, 2007. MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por meio da Resolução 217 A (III). 1948. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 27 jan. 2021. PENHA, Daniela. Venilton se formou professor na prisão e hoje faz pós- graduação. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://historiadodia.com.br/venilton-se- formou-professor-na-prisao-e-hoje-faz-pos-graduacao/>. Acesso em: 29 jan. 2021.
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