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Síndrome de Zollinger-Ellison (ZES) Definição: Síndrome caracterizada por hipersecreção ácida pelo estômago, resultando em doença ulcerosa péptica grave e diarreia crônica. Associa-se à hipergastrinemia secundária a tumores neuroendócrinos do tipo gastrinoma. Fisiopatologia: A gastrina exerce ação trófica sobre as células parietais e enterocromafins (produzem histamina, que é o principal mecanismo fisiológico de secreção ácida), resultando em aumento da produção de ácido clorídrico pelas células parietais. A diarreia crônica resulta de: Grande volume de secreção ácida que não é absorvido; -O pH intestinal não neutralizado pelo bicarbonato pancreático: impede a ativação das enzimas pancreáticas e interfere na emulsificação de gorduras. Além disso, danifica as células epiteliais, diminuindo a absorção intestinal; -Componente secretor: diminuição da reabsorção de sódio e água pelo intestino. Epidemiologia: -Incidência anual de 0,5-2 casos por milhão de pessoas. -A maioria dos pacientes tem entre 20-50 anos, com maior incidência em homens (1,3:1). -Entre 20-30% têm associação com neoplasias endócrinas múltiplas tipo 1 (NEM 1), que incluem adenomas hipofisários, hiperparatireoidismo primário, tumores das ilhotas pancreáticas, tumores do córtex adrenal, angiofibroma cutâneo e lipomas; 80% são esporádicos. A principal localização do gastrinoma é no duodeno, geralmente em sua primeira porção, enquanto somente 25% surgem no pâncreas. -Em 5-15% dos casos, os gastrinomas podem ter outra localização abdominal ou extra-abdominal. -Os gastrinomas duodenais são menores (< 1 cm), múltiplos e menos metastáticos para o fígado ao diagnóstico do que os gastrinomas pancreáticos (0-10% versus 22-35%). Quadro clínico: 1) Dor abdominal: 75%; 2) Diarréia crônica (esteatorréia): 73%; 3) Pirose: 50%; 4) Sangramento digestivo: 25%; 5) Perda de peso: 17%; 6) Vômito, náusea, história de úlcera péptica: 73 a 98%; *Entre 1-10% dos pacientes podem apresentar sintomas secundários a uma segunda síndrome hormonal (VIPoma, somatostinoma, glucagonoma, ACTHoma). Exame Físico: Na maioria dos pacientes, é normal. Pode-se observar palidez cutaneomucosa secundária à hemorragia gastrointestinal, dor à palpação epigástrica e hepatomegalia em caso de metástases hepáticas. Abordagem Diagnóstica: Deve ser pensada em todo paciente com: 1) Múltiplas úlceras; 2) Úlcera refratária; 3) Úlceras duodenais distais ou jejunais; 4) Úlcera associada à diarreia crônica; manuelle graciano 5) Pregas gástricas proeminentes; 6) NEM tipo 1; 7) História familiar de doença ulcerosa péptica ou de NEM. Abordagem diagnóstica: Dosagem sérica de gastrina: Deve-se solicitar a dosagem sérica de gastrina em jejum. → Gastrina sérica > 1.000 pg/mL + pH gástrico < 2 é diagnóstico de Zollinger-Ellison. *A medida do pH gástrico é importante para afastar acloridria (ex.: gastrite atrófica, pangastrite associada a H. pylori, insuficiência renal, vagotomia, uso de IBP), condição em que o pH é maior que 2. Teste de estimulação com secretina: Teste confirmatório, para pacientes com gastrinemia entre 110-1.000 pg/mL. A prova compreende seis dosagens de gastrina, em intervalos seriados, duas dosagens antes e 2, 5, 10 e 30 minutos após a infusão endovenosa de secretina em bólus lento (0,4 micrograma/kg em 1 minuto). → Aumento do valor basal de gastrina igual ou superior a 120 pg/mL sugere a presença de gastrinoma. *Deve-se substituir IBP uma semana antes por antagonista H2 em alta dose (ranitidina 450 a 750 mg 6/6 horas, até 24 horas antes do teste). *Esse teste não deve ser realizado em pacientes com manifestações graves (dor abdominal intensa, vômitos e diarreia com desidratação, ou achados endoscópicos de pregas gástricas espessadas ou úlceras múltiplas). *Não disponível no Brasil. Teste de infusão de cálcio: Indicado para pacientes com alta suspeita clínica e teste de estimulação com secretina negativo. -Menos sensível e menos específico. -Infusão de gluconato de cálcio 5 mg/kg/hora, durante três horas, e mensuração dos níveis de gastrina e cálcio séricos a cada 30 minutos. → O teste é considerado positivo com aumento > 50% do valor basal. Estadiamento: De acordo com o estadiamento TNM pela American Joint Committee on Cancer e Union for International Cancer Control 2017 para tumores neuroendócrinos do pâncreas. T (tumor primário): Tx: não pode ser acessado; T1: limitado ao pâncreas < 2 cm; T2: limitado ao pâncreas 2-4 cm; T3: limitado ao pâncreas > 4 cm ou invade o duodeno ou ducto biliar; T4: invade órgãos adjacentes (estômago, cólon, baço ou adrenal) ou parede de grandes vasos (tronco celíaco ou artéria mesentérica superior). N (linfonodos regionais): Nx: não pode ser acessado; N0: sem envolvimento linfonodal; N1: envolvimento linfonodal. M (metástases a distância): M0: sem metástases a distância; M1a: confinadas ao fígado; M1b: pelo menos um sítio extra-hepático; M1c: hepático e extra-hepático. Estágio I: T1N0M0. Estágio II: T2N0M0 / T3N0M0. Estágio III: T4N0M0 / Qualquer T, N1, M0. Estágio IV: Qualquer T, Qualquer N, M1. Diagnóstico Diferencial: 1) Gastrite atrófica autoimune; 2) Carcinoma gástrico; 3) Úlcera péptica; 4) Gastrite por H. pylori; 5) Vagotomia; 6) Hiperplasia de células G do antro; 7) Uso de IBP, causando hipergastrinemia; 8) Síndrome do antro retido. Abordagem Terapêutica: Abordagem medicamentosa: Tem por objetivo limitar manifestações clínicas e complicações da manuelle graciano doença ulcerosa péptica, com ajuste de dose baseado na sintomatologia. -IBP em altas doses: ligação e inibição irreversível da hidrogênio/potássio ATPase da célula parietal. 1) Omeprazol (20 mg/cp) 60 mg VO em jejum ou 40mg de 12/12 horas em jejum; OU 2) Esomeprazol (40 mg/cp) 120 mg VO em jejum; OU 3) Lansoprazol 45 mg (1 cp de 30 mg + 1 cp de 15 mg) VO em jejum; OU 4) Rabeprazol (20 mg/cp) 60 mg VO em jejum; OU 5) Pantoprazol (40 mg/cp) 120 mg VO em jejum; Manter até ressecção do gastrinoma. -Octreotida: inibe a secreção de gastrina, porém tem resposta imprevisível, não sendo agente de primeira linha. Abordagem cirúrgica: Recomendação 1B para pacientes com gastrinoma esporádico, sem evidência de doença metastática, com intenção curativa. -Diminui a necessidade da terapia anti secretória e diminui a morbimortalidade da doença metastática. -Também é indicada para aqueles cuja localização do tumor não foi possível através de técnicas de imagem (cerca de 17%). -A cura bioquímica é alcançada em 30% dos pacientes, com indicação de reoperação naqueles em que o tumor pode ser identificado e localizado. Radioterapia: Para pacientes não candidatos ao tratamento cirúrgico para paliação sintomática e controle de progressão local. Experiência limitada; pouco utilizado. Análogos da somatostatina: Indicados para pacientes com tumor metastático. Octreotida e lanreotida podem reduzir o nível sérico de gastrina e desacelerar o crescimento do tumor, com duração média de benefício de 25 meses, e sem atividade antitumoral evidente. Terapia direta para metástase hepática: -Ressecção: envolvimento bilobar ausente, função hepática preservada e ausência de metástase extra-hepática. Aumento de sobrevida; -Embolização de artéria hepática: para pacientes não candidatos à ressecção cirúrgica, com resposta favorável > 50%; -Ablação por radiofrequência ou crioablação: menor morbidade que ressecção ou embolização, porém só pode ser aplicada para lesões pequenas e sua eficácia a longo prazo ainda é limitada; -Transplante hepático: ainda carece de estudos. Terapia para metástases extra-hepáticas: Quimioterapia a ser individualizada, com as principais drogas sendo estreptozocina + doxorrubicina ou temozolomida + capecitabina. Prognóstico: -Depende da natureza do tumor (maligno ou benigno) e seu estadiamento. -Sobrevida em dez anos de 30% para aqueles com metástase hepática e maior que 83% para pacientes sem metástase. -Pacientes com NEM1 têm sobrevida de 100% em 20 anos, possivelmente por apresentarem menos metástases ao diagnóstico. → O nível sérico de gastrina em jejum ao diagnóstico tem valor prognóstico. Deve ser realizado controle clínico com 3-12 meses pós-ressecção através de história, exame físico, gastrina sérica e imagem (tomografia ou ressonância de abdome/pelve + TC de tórax). -Depois, a cada 6-12 meses por dez anos, com história e exame físico. -Tomografia ou ressonância de abdome/pelve + TC de tórax devem ser solicitados conforme avaliação clínica. manuelle.graciano@upe.br manuelle graciano mailto:manuelle.graciano@upe.br
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