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Sistema Complemento O sistema complemento tem o papel de proteger contra as infecções, regular processos inflamatórios, remover imunocomplexos, opsonização, lise de bactérias e vírus, etc. O nome complemento é derivado de experimentos de Jules Bordet, o qual demonstrou que se um soro fresco contendo anticorpo for adicionado a uma cultura de bactérias, as bactérias são lisadas. Porém, se o soro for aquecido a 56°C, ele perde sua atividade lítica. Portanto, ele concluiu que o soro continha um componente termossensível que complementa a função lítica dos anticorpos. O sistema complemento é ativado por microrganismos e/ou por anticorpos ligados a microrganismos. Sua ativação envolve a proteólise sequencial de várias proteínas. Os produtos de clivagem se tornam covalentemente ligados às superfícies celulares dos microrganismos ou aos anticorpos ligados aos microrganismos. Os subprodutos estimulam reações inflamatórias, funcionando como anafilotoxinas. Definições Existem várias definições diferentes envolvendo o sistema complemento. A C-ativação é a ativação do complemento, a qual envolve alterações nas proteínas do complemento. Vale ressaltar que no soro as proteínas estão inativas. A C-fixação é a utilização do complemento pelos complexos antígeno- anticorpo, caracterizando o início da ativação da cascata enzimática. A C-inativação ocorre pela desnaturação de componentes do complemento, resultando em perda de atividade. Proteínas do Complemento As proteínas do complemento são marcadas numericamente com o prefixo C (C1, C2, C3) e os fatores são designados por letras do alfabeto (fator B, fator D). As proteínas que regulam o complemento possuem sua nomenclatura própria (como o C1-INH, DAF). Os componentes do complemento são sintetizados no fígado (C3, C6, C8 e B), por macrófagos (C2, C3, C4, C5, B, D, P e I) ou por neutrófilos (C6 e C7). Quando uma clivagem enzimática ocorre, a maior parte da molécula se liga ao complexo na membrana e a menor parte é liberada. Normalmente, a maior parte é a letra “b” (C3b, C4b, C5a) e a menor parte é a letra “a” (C3a, C4a, C5a). Porém, C2 é uma exceção a essa regra (C2a é a parte maior e C2b a menor). Vias de Ativação Existem três vias para ativação do complemento: clássica (ativada por anticorpos ligados a antígenos), alternativa (ativada por microrganismos) e a das lectinas (ativada ao se ligar em carboidratos de superfície em microrganismos). A via alternativa é a filogeneticamente mais antiga, mas todas resultam na clivagem de C3 e C5. As vias alternativas e das lectinas são mecanismos da imunidade inata, já a via clássica é um mecanismo da imunidade adaptativa. O evento central do sistema complemento é a geração da C3 convertase, que cliva C3 em C3a e C3b e a geração da C5 convertase, que cliva C5 em C5a e C5b. Via Clássica A via clássica é iniciada pela ligação do complexo C1 aos domínios Fc das moléculas de IgG ou IgM ligadas a antígenos. Essa via só pode ser ativada até que os anticorpos sejam produzidos, portanto, só pode ocorrer de 7 a 10 dias após a infecção. O complexo C1 é um complexo proteico multimérico composto pelas subunidades C1q, C1r e C1s ligadas por cálcio. A subunidade C1q é constituída de um arranjo radial de seis cadeias com cabeças globulares ligadas a uma haste central responsáveis por se ligar a porção Fc do anticorpo. Estrutura de C1 e sua ligação ao anticorpo Somente anticorpos ligados a antígenos podem iniciar a via clássica, pois C1q deve se ligar a pelo menos duas porções Fc de Ig para ser ativada. Como cada IgG só possui uma região Fc, são necessárias duas moléculas de IgG para que C1q se ative. Por outro lado, só é necessária uma molécula de IgM ligada a antígeno para ativar C1q, visto que IgM é pentamérica. Porém, IgM livre não se liga ao C1q, pois suas porções Fc estão em configuração inacessível a C1q. Ao se ligar ao antígeno, IgM induz uma alteração conformacional nas porções Fc. Por ser pentamérica, a IgM é um anticorpo mais eficiente que IgG para ligação ao complemento. A ligação de C1q a região Fc de IgG ou IgM ativa C1r, a qual cliva e ativa C1s. C1s ativada cliva C4, gerando C4a e C4b. C4a é liberado e C4b se liga covalentemente ao complexo antígeno-anticorpo ou com a superfície a qual o anticorpo esteja ligado. Depois, C2 se liga com C4b e é clivado por C1s em C2a e C2b. C2b é liberado e C2a se liga a C4b, formando o complexo C4b2a. O complexo C4b2a é a C3 convertase da via clássica, sendo responsável pela clivagem de C3 em C3a e C3b. C3a é liberado e C3b se liga ao complexo, formando C4b2a3b. Vale ressaltar que C3b também pode atuar como uma opsonina. O complexo C4b2a3b é a C5 convertase da via clássica, capaz de clivar C5 na via lítica. Via das Lectinas A via das lectinas é ativada pela ligação de carboidratos microbianos a lectinas circulantes. Portanto, é uma via estimulada por PAMPs bacterianos. As lectinas são proteínas do tipo colágeno semelhantes C1q, podendo ser lectinas ligante de manose (MBL) ou ficolinas. MBL reconhece resíduos de manose e ficolina liga-se aos glicanos contendo N-acetilgliosamina. Ambas se ligam a serinas proteases associadas à MBL (MASPs), incluindo MASP-1 e MASP-2. As MASPs possuem funções homólogas a C1r e C1s, portanto, clivam C4 e C2. As etapas seguintes são idênticas a via clássica Quando MBL associa-se a MASP-1 e MASP-2, MASP-2 cliva C4, formando C4a e C4b. C4b se liga a superfície microbiana. Depois, MASP-2 cliva C2, formando C2a e C2b. C2a se liga a C4b, formando o complexo C4b2a (C3 convertase). C3 convertase cliva C3 em C3a e C3b. C3b se associa ao complexo C4b2a, formando o complexo C4b2a3b (C5 convertase). C5 convertase cliva C5 na via lítica. Via Alternativa A via alternativa é a via evolutivamente mais antiga. Ela é desencadeada por componentes das paredes celulares microbianas, sendo resultada pela proteólise de C3. O C3 é clivada espontaneamente em C3a e C3b no plasma. O C3 contém uma ligação tioéster reativa que só aparece em C3b. Se o C3b não se ligar a nenhum microrganismo, ele permanece na fase fluida e a ligação tioéster é rapidamente hidrolisada, tornando o C3b inativo. Porém, se o C3b se ligar às superfícies de microrganismos, ocorre uma ligação covalente de C3b à superfície celular por ligação tioéster, tornando o C3b ativo e iniciando a via alternativa. Ligações tioéster de C3b Se o C3b se ligar a uma molécula do hospedeiro, ocorre quebra do C3b graças ao fator H. O fator H interage com as células do hospedeiro e com isso as glicoproteínas ricas em ácido siálico aumentam sua ligação a C3b, permitindo a ativação do fator I, o qual destrói o C3b em iC3b e C3c. As paredes microbianas não possuem ácido siálico, por isso é possível a ligação normal do C3b. Depois que o C3b se adere à parede microbiana, o fator B se liga ao C3b. O fator B é clivado pelo fator D, liberando Ba e Bb. Bb permanece ligado ao C3b, formando o complexo C3bBb. C3bBb é a C3 convertase da via alternativa e atua clivando várias moléculas de C3, funcionando como um loop de amplificação, pois clivando mais C3 vai ter mais C3 convertase, o que gera ainda mais C3. Vale ressaltar que a properdina é responsável por estabilizar o complexo C3Bb, aumentando a vida útil do complexo para 30 minutos, sendo o único fator de regulação positiva do complemento. Algumas moléculas de C3b geradas se ligam à própria C3 convertase, resultando na formação da C5 convertase (C3bBbC3b). Via alternativa Via Lítica A C5 convertase gerada pelas três vias inicia a ativação da via lítica, culminando com a formação do complexo de ataque à membrana (MAC). A C5 convertase cliva C5 em C5a e C5b. C5b se liga ao C6 plasmático e o complexo C5b, 6 seliga à membrana. Depois, C7 se liga ao C5b, formando o complexo C5b, 6, 7 (C5b-7). C7 ligado pode penetrar na membrana. C8 também se liga ao C3b, se inserindo na membrana e formando o complexo C5b, 6, 7, 8 (C5b-8). Por fim, C9 se liga ao complexo C5b-8 e se polimeriza para formar poros na membrana, formando o complexo C5b-9. Esses poros permitem a livre circulação de água e íons no microrganismo, causando dilatação osmótica e ruptura das células. Complexo de ataque a membrana (MAC) Além de promover a lise do microrganismo, o MAC também é muito importante por seus efeitos pró-inflamatórios dos peptídeos C3a e C5a que são liberados. Esses peptídeos são anafilotoxinas, pois são capazes de desgranular mastócitos e estimular as plaquetas a liberarem moléculas vasoativas, estimulando a inflamação. Também são poderosos quimiotáticos para neutrófilos e macrófagos, podem aumentar a permeabilidade vascular e C3a pode matar bactérias. CR1 O receptor de complemento do tipo 1 (CR1) é responsável por promover a fagocitose de partículas opsonizadas por C3b e C4b e por remover imunocomplexos da circulação. Nos eritrócitos, o CR1 liga-se a imunocomplexos circulantes com C3b e C4b ligados, e os transportam para o fígado e baço para serem removidos do organismo por macrófagos. Com isso, os eritrócitos continuam a circular. Regulação do Complemento O sistema complemento é regulado para evitar sua ativação em células do hospedeiro e para limitar sua duração no microrganismos. Os reguladores do complemento podem ser proteínas de membrana celular: DAF (fator de aceleração do decaimento ou CD5), MCP (proteína cofator de membrana ou CD46), CR1, CR2, CD59 ou podem ser proteínas plasmáticas: fator H, C1 INH (inibidor de C1), fator I e C4BP (Proteína de ligação ao C4). A ativação do complemento precisa ser regulada, pois a ativação pode ser danosa para as células do hospedeiro e porque os produtos da degradação do complemento podem se difundir para células adjacentes e produzir lesão. A atividade proteolítica de C1r, C1s e MASP-2 é inibida pelo C1 INH, o qual mimetiza os substratos normais de C1r e de C1s. Quando C1q é ativado, o C1 INH é clivado e ligado a C1r e C1s, impedindo a ativação da via clássica. Também inibe a via das lectinas ao inativar o MASP-2. Inibição de C1 por C1 INH As C5 e C3 convertases também podem ser inibidas. Quando C3 é depositado nas células normais do hospedeiro ele pode se ligar a MCP, CR1, DAF e Fator H. C4b depositado nessas células é ligado por DAF, CR1, MCP e C4BP. Todas essas proteínas inibem a ligação de outros componentes da C3 convertase (Bb da via alternativa e C2a da via clássica). O Fator H inibe somente a ligação de Bb a C3b. Esses reguladores fazem essa inibição apenas em células do hospedeiro. Inibição da formação da C3 convertase A deficiência da enzima formadora do DAF leva a hemoglobinúria paroxística noturna, pois o DAF é expressado em células endoteliais e eritrócitos. O C3b e o C4b podem ser degradados pelo Fator I associado a cofatores (MCP, Fator H, C4BP e CR1). A inflamação induzida por C3a e C5a é regulada pela sua clivagem por carboxipeptidases plasmáticas. A formação do MAC é inibida pelo CD59, o qual se incorpora aos MACs que estão sendo montados após a inserção de C5b-8 na membrana, inibindo a adição de C9. A formação do MAC também é inibida pela proteína S, que se liga aos complexos C5b, 6, 7, impedindo sua inserção em membranas celulares próximas. Regulação do MAC Existe uma hierarquia na inibição do complemento: CD59 > DAF > MCP. Funções do Complemento O sistema complemento possui diversas funções, como opsonização, estimular a inflamação, induzir a lise, etc. Na opsonização, C3b, iC3 ou C4b recobrem microrganismos por ligações covalentes, servindo como opsoninas. Os macrófagos e neutrófilos, por terem CR1 vão poder se ligar a essas proteínas, fagocitando o microrganismo. Microrganismos opsonizados por IgG e C3b ao mesmo tempo aumentam a eficiência da opsonização. Os fragmentos C5a, C4a e C3a (anafilotoxinas) induzem a inflamação. Eles induzem a desgranulação de mastócitos, com a liberação de mediadores vasoativos (histamina). O C5a é a anafilotoxina mais potente, pois estimula a motilidade, a adesão às células endoteliais, o burst respiratório e a produção de espécies reativas de oxigênio pelos neutrófilos, induz o aumento da permeabilidade vascular e a expressão de P-lectina e é o mediador mais potente de desgranulação de mastócitos. O MAC é extremamente importante para realizar a lise de organismos estranhos pela chamada citólise mediada pelo complemento. O sistema complemento pode aumentar a coagulação sanguínea e inibir a fibrinólise. C5a promove a expressão do fator tecidual e do inibidor do ativador de plasminogênio I. O fator de coagulação XII pode ativar a via clássica pela clivagem de C1 e a trombina age diretamente no C5 para gerar C5a. Sua função na quimiotaxia também deve ser ressaltada. O C5a atrai neutrófilos, eosinófilos, basófilos e macrófagos. C5b, 6, 7 atrai neutrófilos e eosinófilos. C3a atrai eosinófilos e Bb atrai neutrófilos. Também promove a cicatrização após o processo inflamatório pela remoção de células apópticas e imunocomplexos. Células apópticas são removidas por fagocitose mediada pela opsonização do complemento. O C3d gerado de C3 pode ligar-se a CR2 em células B e promover o início das respostas imunes humorais. Algumas funções do complemento