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@STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 1 A farmacodinâmica estuda os mecanismos pelos quais um medicamento atua nas funções bioquímicas ou fisiológicas de um organismo vivo. Este ramo da Farmacologia também realiza o estudo quantitativo, isto é, a relação dose-resposta dos efeitos biológicos e terapêuticos dos medicamentos; este conjunto de informações, aliadas aos dados oriundos da farmacocinética, proporciona o conhecimento completo do caminho percorrido pelos medicamentos e seus efeitos no organismo animal. Os estudos farmacodinâmicos têm primordial importância para o entendimento dos efeitos farmacológicos e adversos causados pelos medicamentos e fornecem informações sobre a forma mais adequada de tratamento das intoxicações causadas por estes agentes. O conceito de que um medicamento não cria uma função no organismo, apenas modifica uma preexistente, é importante, e coube à humanidade encontrar as substâncias que apresentavam a capacidade de alterar as funções orgânicas e, a partir deste fato, utilizar as mesmas na cura dos desequilíbrios causados pelas diversas patologias. Cabe ressaltar também que muitas vezes na história da Farmacologia a descoberta de um novo medicamento funcionou como ferramenta para o melhor entendimento sobre funções importantes que ocorrem nos organismos vivos. Para ilustrar esse fato cabe lembrar que, se não existissem na natureza substâncias químicas que mimetizassem o efeito de algumas substâncias endógenas, seria impossível entender o funcionamento de alguns sistemas de neurotransmissão; ilustra tal fato a existência da morfina obtida a partir da Papaver sonniferum e a descoberta de substâncias endógenas (endorfinas) que atuam de maneira semelhante a esta no organismo animal. Considerando o mecanismo de ação, os medicamentos podem ser divididos em dois grandes grupos distintos: os estruturalmente inespecíficos e os estruturalmente específicos. Os medicamentos estruturalmente inespecíficos são aqueles cujo efeito @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 2 farmacológico não decorre diretamente da estrutura química da molécula agindo em um determinado receptor, mas sim provocando alterações nas propriedades físico- químicas, acarretando mudanças em mecanismos importantes das funções celulares e levando à desorganização de uma série de processos metabólicos. Os anestésicos gerais inalatórios e os desinfetantes são exemplos característicos deste grupo de medicamentos. Existem várias teorias sobre o mecanismo de ação dos anestésicos gerais inalatórios, sendo consenso propor correlação positiva entre a lipossolubilidade destas substâncias e a sua potência anestésica. Uma entre as várias teorias que tentam explicar o mecanismo de ação anestésica propõe que o efeito anestésico é decorrência de acúmulo destas substâncias lipofílicas nas membranas neuronais, o que acarretaria interferência nas funções normais dos neurônios. Os medicamentos estruturalmente específicos são aqueles cuja ação biológica decorre essencialmente de sua estrutura química. Eles se ligam a receptores, isto é, macromoléculas existentes no organismo, formando com eles um complexo, o que leva a uma determinada alteração na função celular. Os vários medicamentos estruturalmente específicos apresentam certas características estruturais em comum, sendo estas fundamentais; pequenas variações nestas estruturas químicas podem resultar em alterações substanciais na atividade farmacológica. Outra característica relevante é que a ação farmacológica destes agentes ocorre com concentrações menores do que as necessárias pelos estruturalmente inespecíficos. Langley, estudando os efeitos da atropina e da pilocarpina na secreção salivar, concluiu que deveria existir alguma substância receptora com a qual estas duas substâncias fossem capazes de interagir formando um complexo. O termo receptor foi criado para indicar o componente do organismo com o qual o agente químico presumivelmente interagia. Esse mesmo pesquisador concluiu que esse componente orgânico era um constituinte celular. Ehrlich ressaltou a existência da especificidade do medicamento pelo receptor, visto que pequenas modificações nas estruturas químicas dos antiparasitários com os quais @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 3 trabalhava na época implicavam perda do seu efeito farmacológico. Clark e Gaddum formularam a teoria da ocupação, que correlacionou a intensidade do efeito farmacológico diretamente ao número de receptores ocupados pelo medicamento, sendo esse postulado a base de todos os estudos sobre a relação dose/efeito de um medicamento. Três características encontradas em alguns grupos de medicamentos reforçaram a hipótese da existência dos receptores: Alta potência algumas substâncias atuam, apresentando efeito farmacológico, em concentrações muito baixas; Especificidade química isômeros ópticos apresentando diferentes ações farmacológicas; Especificidade biológica exemplificando, a epinefrina exerce um efeito acentuado sobre o músculo cardíaco, porém apresenta fraca ação sobre o músculo estriado. Basicamente, o alvo de ligação de um medicamento no organismo animal são macromoléculas proteicas com a função de: enzimas, moléculas transportadoras, canais iônicos, receptores de neurotransmissores e ácidos nucleicos. A ligação dos medicamentos aos receptores envolve todos os tipos de interação química conhecidos: as iônicas polares (íon-dipolo ou dipolo- dipolo), as de ponte de hidrogênio, as hidrofóbicas, as de van der Waals e as covalentes. Dependendo do tipo de ligação entre o receptor e o medicamento, a duração do efeito poderá ser fugaz ou prolongada. As ligações do tipo covalente são muito difíceis de se desfazerem, portanto, uma vez estabelecida a ligação medicamento-receptor, esta será irreversível. Com frequência, um mesmo receptor pode ligar-se ao medicamento utilizando mais de um tipo de interação química. Enzimas Vários medicamentos exercem seu efeito farmacológico por meio da interação com enzimas, atuando principalmente como inibidores destas. Como exemplos, podem-se citar a neostigmina inibindo reversivelmente a enzima acetilcolinesterase, o ácido acetilsalicílico inibindo a ciclo-oxigenase, a trimetoprima inibindo a di- hidrofolato-redutase. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 4 Um medicamento também pode sofrer alterações em sua estrutura química provocadas pela interação com determinadas enzimas, transformando-se em produto anormal, que acarreta a desorganização de determinada via metabólica. Como exemplo, tem-se o agente anti-hipertensivo, metil-DOPA, que apresenta estrutura semelhante ao substrato precursor da norepinefrina a DOPA (ácido di-hidroxifenilacético); a metil-DOPA, ao sofrer descarboxilação pela DOPA-descarboxilase, transformando-se em metilnorepinefrina, substitui a norepinefrina nos depósitos sinápticos, reduzindo o tônus nervoso simpático. Moléculas transportadoras Alguns medicamentos exercem sua ação farmacológica interferindo com as proteínas transportadoras, responsáveis pelo carreamento de várias substâncias para o interior das células, como por exemplo, glicose, aminoácidos, íons e neurotransmissores. Estas proteínas transportadoras contêm locais de reconhecimento que as torna específicas para identificar e transportar moléculas para o interior do citoplasma celular. Esses locais de captação são alvo da ação de alguns medicamentos, cuja função é bloquearo sistema de transporte. Nesse grupo de medicamentos incluem-se a cocaína (impedindo a captação das catecolaminas), a reserpina (impedindo a captação da norepinefrina pela vesícula sináptica) e os glicosídeos cardíacos (inibindo a bomba de Na+/K+ ATPase do músculo cardíaco). Receptores celulares Dentre os receptores farmacológicos, há um grupo de proteínas celulares, cuja função no organismo é atuar como receptores de substâncias endógenas como os hormônios, neurotransmissores e autacoides. A função desses receptores fisiológicos está ligada à transmissão de uma mensagem, quer de forma direta (via canal iônico existente nas membranas plasmáticas), ou indireta (via um segundo mensageiro, que acarretará mudanças bioquímicas em células-alvo). Esses mecanismos de transmissão, muitas vezes complexos, funcionam como integradores de informações extracelulares. Os receptores estão associados a diferentes velocidades para a ocorrência de efeitos celulares. Estes podem ser rápidos, em milissegundos, como os da neurotransmissão colinérgica, ou lentos, como os produzidos pelos @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 5 diferentes hormônios, levando horas; existem aqueles intermediários, como os das catecolaminas, que levam segundos. Os receptores para neurotransmissores de efeito rápido (milissegundos) estão acoplados diretamente a um canal iônico. Para estes grupos de receptores, os canais iônicos se alteram quando da ligação do neurotransmissor ao receptor, o que provoca aumento de permeabilidade da membrana celular a íons específicos, levando, portanto, a uma mudança do potencial elétrico das membranas celulares e da composição iônica intracelular. Os receptores com velocidade de efeito intermediária funcionam de forma mais complexa. Assim, quando captados os sinais extracelulares, estes são transmitidos intracelularmente através de segundos mensageiros ou moléculas de informação que vão desencadear respostas celulares a este estímulo; estes receptores são também chamados de metabotrópicos. Há também sistemas de transmissão multirregulados que envolvem vários segundos mensageiros relacionados com inúmeras alterações celulares que levam horas e até dias para ocorrerem. Receptores ligados à proteína G A família dos receptores acoplados à proteína G representa a maioria dos receptores conhecidos na atualidade. As proteínas G são os mensageiros entre os receptores e as enzimas responsáveis pelas mudanças no interior das células. A proteína G é constituída de três subunidades, denominadas α, ß e (complexo αß.), sendo que a porção ß e não se dissociam. Todas as três subunidades estão ancoradas na membrana citoplasmática, porém, podem deslocar-se livremente no plano da membrana. Atualmente se conhecem vários tipos de proteína G: Gs: estimulante (stimulation) dos receptores da adenilato-ciclase. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 6 Gi: inibidora (inhibition) dos receptores da adenilato-ciclase. Go: relacionada aos canais iônicos. Gq: ativadora da fosfolipase C. A proteína G atua nos sistemas: Adenilato-ciclase/ 3’,5’-monofosfato de adenosina cíclico (cAMP). Guanilato-ciclase/ 3’,5’-monofosfato de guanosina cíclico (cGMP). Fosfolipase C/fosfato de inositol/diacilglicerol. Fosfolipase A2/ácido araquidônico/eicosanoides. Na regulação de canais iônicos. Sistema adenilato-ciclase (cAMP) Uma proteína denominada Gs é ativada após a ligação do neurotransmissor ao seu respectivo receptor e esta estimulará a enzima adenilato-ciclase a produzir, a partir do trifosfato de adenosina (ATP), cAMP, que é considerado como um dos segundos mensageiros. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 7 Os efeitos reguladores do cAMP na função celular são muito variados, incluem enzimas que participam no metabolismo energético, divisão celular, diferenciação celular etc. Porém, o mecanismo comum que acarreta esses efeitos celulares está associado à ativação de várias proteinoquinases dependentes do cAMP. Estas quinases são responsáveis pela fosforilação de resíduos de serina e treonina nas diferentes proteínas que apresentam importante papel no metabolismo celular, o que leva, consequentemente, à regulação dessas funções. Os dois tipos de proteína G relacionados com o sistema da adenilato-ciclase são Gs e Gi que produzem, respectivamente, @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 8 estimulação com aumento nos níveis de cAMP e inibição da enzima adenilato-ciclase com redução dos níveis de cAMP. Sistema guanilato- ciclase/cGMP Similar ao que ocorre como o cAMP, o cGMP tem papel importante como segundo mensageiro em eventos celulares diversos (ativação de proteinoquinases, fosfodiesterases de nucleotídeos cíclicos, canais iônicos) ligados principalmente aos efeitos do óxido nítrico na contração de músculos lisos ou ainda na migração e adesão de macrófagos. Sistema fosfolipase e fosfato de inositol Este sistema de transmissão é multirregulador e envolve vários segundos mensageiros relacionados com inúmeras alterações celulares determinadas pela ativação de diferentes receptores. Após a ligação do agonista ao seu receptor, um fosfolipídio de membrana, o fosfatidilinositol 4,5- bifosfato (PIP2), é hidrolisado pela fosfolipase C de membrana ativada pela proteína Gq em dois compostos: o inositol 1,4,5-trifosfato (IP3) e o diacilglicerol (DAG). @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 9 O IP3 apresenta grande hidrossolubilidade e alcança o citoplasma, agindo em receptores de membrana localizados no retículo endoplasmático, promovendo a liberação para o citoplasma de íons Ca++ pertencentes às reservas intracelulares. Estes íons é que, posteriormente, produzem os efeitos celulares. O aumento na concentração de Ca++ intracelular livre em resposta à ampla variedade de agonistas é, talvez, a via mais importante de produção de efeitos celulares. As ações do íon Ca++ dependem da capacidade deste íon em regular a função de várias enzimas, proteínas contráteis e canais iônicos. O DAG, por ser lipossolúvel, permanece no interior da membrana onde foi originado, ativando, neste local, a proteinoquinase C, por meio do aumento da afinidade desta aos íons Ca++. A proteinoquinase C ativada, por sua vez, causa a fosforilação de diferentes proteínas intracelulares, levando aos efeitos fisiológicos ou farmacológicos. Os efeitos fisiológicos atribuídos à ativação da proteinoquinase C são muito variados como, por exemplo, a liberação de hormônios de várias glândulas endócrinas, aumento ou redução da liberação de neurotransmissor e da excitabilidade neuronal (canais de cálcio e potássio), contração ou relaxamento de músculos lisos. A fosforilação proteica parece ser um mecanismo básico, por meio do qual vários mediadores fisiológicos e medicamentos produzem seus efeitos. A ação do DAG também pode ocorrer de forma indireta; este funcionando como precursor do ácido araquidônico que, por sua vez origina @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 10 as prostagladinas, prostaciclinas, leucotrienos e eicosanoides. Sistema fosfolipase A2/ácido araquidônico/eicosanoides A ativação da fosfolipase A2, mediada pela ligação do agonista com o receptor e a proteína G, leva à produção de eicosanoides, a partir do ácido araquidônico, e parece ser basicamente semelhante à ativação da fosfolipase C. A função do ácido araquidônico e deseu metabólito nos eventos intracelulares é bastante complexa, incluindo alteração da abertura de canais iônicos ligados ao potássio, estabelecendo comunicação entre as células e também funcionando como hormônios locais. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 11 Regulação de canais iônicos Receptores acoplados à proteína Go também parecem controlar a função de canais iônicos por mecanismos diretos, sem o envolvimento de segundos mensageiros como o cAMP e o cGMP ou o IP3. Parece que a proteína Go interage diretamente com o canal iônico, alterando a permeabilidade do mesmo aos diferentes íons. Receptores ligados à tirosinoquinase Esses receptores estão ligados à ação de vários fatores de crescimento e de hormônios como a insulina. Seu mecanismo de ação é complexo e pouco conhecido. Até o momento parece que operam via quinases que se autofosforilam; após a ligação agonista-receptor, estas fosforilações promovem a ativação de enzimas, acarretando mudanças celulares. Receptores que regulam a transcrição de DNA Hormônios esteroides e tireoidianos se utilizam destes receptores para a produção de respostas celulares, como a transcrição de genes selecionados que produzem proteínas específicas. Estes receptores, diferentes dos anteriores, encontram-se no interior da célula como um constituinte solúvel do citosol ou do núcleo, apresentando capacidade de ligar-se com grande afinidade à cromatina nuclear. Este tipo de receptor constitui-se de proteínas que, ao se ligarem ao hormônio, sofrem alteração @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 12 constitucional que expõe um sítio de ligação com alta afinidade a determinadas regiões do DNA nuclear, conhecidas como regiões hormônio- responsivas. Logo após esta ligação verifica-se aumento na atividade da RNA polimerase e na produção de RNA mensageiro, com a resposta fisiológica final acarretando síntese de proteínas que leva aos efeitos celulares, em resposta à ligação do hormônio ao seu receptor específico; este processo ocorre em um período que varia de horas a dias. Para o melhor entendimento sobre a interação medicamento-receptor é necessário quantificar a concentração de um determinado medicamento e o efeito biológico que ele causa. Para a grande maioria das substâncias com efeito farmacológico, a intensidade de efeito produzido pelo medicamento em geral depende da quantidade administrada; pode-se, portanto, expressar esta relação em termos de curva dose-resposta. Esta correlação entre a concentração de medicamento e seu efeito biológico pode ser adaptada ao estudo de receptores, uma vez que, segundo as teorias de Clark e Gaddun, a resposta farmacológica é diretamente proporcional ao número de receptores com os quais este agente efetivamente interage e que o efeito máximo é alcançado quando todos os receptores estão ocupados. O termo agonista, em Farmacologia, indica que uma determinada substância, ao ligar-se ao receptor, @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 13 ativa-o, acarretando efeito farmacológico; em oposição, o termo antagonismo refere-se a uma substância que, ao combinar-se com o receptor, não o ativa. A primeira etapa, quando da ligação a receptores específicos e da formação de um complexo medicamento receptor, que é reversível, é governada pela Lei de Ação das Massas, segundo a qual, “a uma dada temperatura, a velocidade da reação química é diretamente proporcional às massas ativas dos reagentes.” Neste caso, a velocidade da ligação medicamento-receptor é diretamente proporcional ao número de receptores e à concentração do medicamento. Construindo-se uma curva colocando- se na abscissa a concentração de medicamento e na ordenada o percentual de efeito, temos a concentração de medicamento que produz 50% do efeito máximo (EC50). Emáx: resposta máxima que pode ser produzido pelo medicamento. A potência de um medicamento está representada ao longo do eixo da concentração ou dose, isto é, quanto menor a concentração ou dose do medicamento necessária para desencadear determinado efeito (seja este mensurado in vivo ou in vitro), mais potente é este medicamento. A potência in vivo, isto é, a dose administrada a um animal íntegro, sofre influência dos parâmetros farmacocinéticos como absorção, @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 14 distribuição, biotransformação e excreção do medicamento, e parâmetros farmacodinâmicos, como a capacidade inerente de um medicamento de combinar-se com seus respectivos receptores. In vitro, as influências se restringem à capacidade do medicamento de se combinar com seus respectivos receptores. Faz pouca diferença se a dose eficaz é da ordem de µg ou mg; desde que esta seja administrada na concentração correta. A potência não está necessariamente relacionada com nenhuma outra característica do medicamento, portanto, é falsa a afirmação de que um medicamento mais potente é clinicamente superior quando comparado a outro menos potente. Medicamentos muito pouco potentes apresentam como desvantagem a necessidade de doses muito elevadas, o que muitas vezes torna incômoda sua administração. Por outro lado, medicamentos extremamente potentes devem ser manipulados com mais cuidado, podendo acarretar intoxicações. Os termos efeito máximo e eficácia máxima ou simplesmente eficácia se equivalem, sendo estes determinados por propriedades inerentes à ligação medicamento-receptor e ilustrados como um platô na curva dose-resposta. Na prática, os fatores que limitam a eficácia de um medicamento são normalmente o aparecimento de efeitos colaterais, isto é, um determinado agente terapêutico pode ser bastante eficaz para o tratamento de uma enfermidade, porém, a dose necessária para se alcançar o efeito máximo (que é o desejado) é a mesma dose que acarreta efeitos tóxicos indesejáveis. A inclinação da curva dose/efeito reflete o mecanismo de ação de um agente terapêutico, bem como sua ligação com o receptor. Pode-se, portanto, afirmar que medicamentos com mesmo mecanismo de ação não apresentam entre si diferenças significativas na inclinação de suas respectivas curvas e que a existência de diferenças entre a inclinação das curvas de dois ou mais medicamentos indica que eles têm mecanismos de ação diversos. Grande inclinação da curva dose/resposta indica também que pequenas variações na dose levam a grandes variações na intensidade do efeito. Em qualquer população, há indivíduos que apresentam variabilidade na intensidade da resposta a determinado @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 15 medicamento, uma vez que nem todos os indivíduos respondem com a mesma magnitude de resposta. Esta variação é representada como o limite de confiança da curva. As curvas descritas até aqui são do tipo gradual, isto é, aumentando-se a dose, aumenta-se o efeito; estas apresentam algumas limitações na sua aplicação em tomadas de decisões clínicas. Para efeitos quantais como, por exemplo, convulsão ou morte, nas quais prepondera a dupla “tudo ou nada”, a melhor forma de representação são as curvas de frequência acumulada versus o log da dose. A escolha de qual efeito quantal será preferível pode ser avaliada na importância clínica deste efeito ou pela segurança dos pacientes experimentais que participarão do experimento. Esta curva é utilizada para determinar a dose efetiva mediana ou dose efetiva 50% (DE50), isto é, a dose necessária para que 50% dos indivíduos apresentem determinadoefeito quantal. Se esse efeito for tóxico particular em 50% dos animais, a dose passa a ser a dose tóxica mediana ou dose tóxica 50% (DT50); se o efeito tóxico for morte do animal, a mesma será identificada como dose letal mediana ou dose letal 50% (DL50). Essas curvas permitem também que se relacione a dose para o aparecimento de um efeito desejado com a dose necessária para produzir um efeito indesejado; esta correlação @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 16 é chamada de índice terapêutico (IT) ou margem de segurança. Alguns indivíduos apresentam reações exacerbadas, reduzidas ou mesmo diferentes a determinados medicamentos. Assim, tem-se: Hiper-reativo Indivíduos que apresentam respostas a doses baixas de determinado medicamento que não causam efeitos na grande maioria da população. Hiporreativo Em oposição ao hiper-reativo, este termo identifica os indivíduos que necessitam de doses maiores do que as normalmente utilizadas pela população para desencadear determinado efeito farmacológico. Tolerância A hiporreatividade pode ser denominada também de tolerância, indicando que a baixa sensibilidade em questão resulta de uma exposição prévia ao medicamento, o qual causa alterações farmacocinéticas e/ou farmacodinâmicas, promovendo, com o decorrer do tempo, uma resposta farmacológica menor. A tolerância causada por alterações farmacodinâmicas pode ser exemplificada pela diminuição na resposta farmacológica à morfina ocorrida pelo uso prolongado deste hipnoanalgésico, que tem como consequência redução da resposta em função da ligação dos agonistas endógenos e/ou exógenos aos receptores da endorfina. Taquifilaxia ou dessensibilização São expressões sinônimas utilizadas para descrever a hiporreatividade que se desenvolve em alguns minutos e não em vários dias ou semanas, como necessário para a ocorrência da tolerância. Este fenômeno envolve diferentes mecanismos, como alteração de receptores acoplados diretamente aos canais tônicos. Idiossincrasias ou efeito incomum Representam o aparecimento de um efeito não esperado após uso de um medicamento e que ocorre em pequena porcentagem dos indivíduos. Supersensibilidade Termo utilizado para referir-se a aumento do efeito de um medicamento, sendo este causado pela elevação da sensibilidade de receptores sinápticos e que normalmente ocorre após bloqueio prolongado de receptores sinápticos ou ainda por denervação. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 17 Hipersensibilidade Este termo deve restringir-se somente aos fenômenos causados pelas reações alérgicas que têm como explicação a ligação antígeno- anticorpo, com consequente liberação de histamina. Não deve se confundir supersensibilidade com hipersensibilidade. O estudo sobre a regulação de receptores farmacológicos, após uso prolongado de determinados medicamentos, tem importância no entendimento de fenômenos que envolvem a tolerância e o desenvolvimento de supersensibilidade de receptores farmacológicos, e que podem acarretar insucesso no tratamento de doenças crônicas que necessitam de medicação continuada. Os mecanismos que acarretam tolerância envolvem, na maioria das vezes: (a) alteração no número ou função dos receptores farmacológicos; (b) perda de receptores; (c) depleção dos mediadores; e (d) adaptação fisiológica. A exposição prolongada a substâncias químicas agonistas pode acarretar diminuição gradativa no número de receptores expressos na superfície celular. Este processo é denominado também de regulação para baixo (down regulation), dessensibilização ou infrarregulação. Esta dessensibilização pode ocorrer em receptores diretamente acoplados a canais iônicos ou receptores acoplados a segundos mensageiros. Uma segunda forma de dessensibilização ocorre por desacoplamento entre o receptor e as proteínas G. A diminuição no número de receptores também é relevante no desenvolvimento da tolerância a determinados medicamentos; esta diminuição ocorre por internalização dos receptores, isto é, a endocitose, que é ativada após o desacoplamento da proteína G com o receptor. A dessensibilização pode ser também causada por depleção de mediadores químicos, importantes para o funcionamento neuronal. Muitas vezes faz-se necessária a utilização concomitante de mais de um medicamento, podendo ocorrer modificação do efeito de ambos ou de um deles quando associados. As interações dos medicamentos podem levar a aumento ou @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 18 diminuição dos efeitos dos mesmos: sinergismo ou antagonismo. Denomina-se sinergismo o efeito de dois medicamentos ocorrendo na mesma direção. Este pode ser: Sinergismo por adição ou apenas adição O efeito combinado de dois ou mais medicamentos é igual à soma dos efeitos isolados de cada um deles. Sinergismo por potenciação ou apenas potenciação O efeito combinado de dois ou mais medicamentos é maior do que a soma dos efeitos isolados. Neste tipo de sinergismo é comum que as duas substâncias não atuem pelo mesmo mecanismo de ação. Neste caso, uma das substâncias potencializa a outra por interferir na sua biotransformação, distribuição ou excreção. Muitas vezes o agente potencializador, por si só, não apresenta efeito marcante. A interação de dois medicamentos pode levar também a diminuição ou anulação completa dos efeitos de um deles. O antagonismo pode ser: farmacológico e não farmacológico. Antagonismo farmacológico O antagonismo farmacológico pode ser de dois tipos: competitivo e não competitivo. Ocorre antagonismo farmacológico competitivo quando há competição do agonista e do antagonista pelo mesmo receptor, e o antagonista impede ou dificulta a formação do complexo agonista-receptor. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 19 O antagonismo farmacológico não competitivo ocorre quando há ligação com sítio alostérico presente no receptor ou bloqueio em algum ponto da cadeia de eventos desencadeada pela ligação do agonista ao receptor. Competitivo O antagonismo farmacológico competitivo pode ser classificado em: pleno (ou total) reversível, parcial reversível ou irreversível. Competitivo pleno reversível Neste tipo, o antagonista compete com o agonista pelos mesmos locais receptores, formando com o mesmo um complexo inativo. Desta forma, é respeitada a lei da ação das massas, isto é, aumentando- se a quantidade do agonista, na presença de um antagonista, o primeiro desloca o segundo do receptor. Competitivo parcial reversível Este tipo de antagonismo representa uma situação particular de antagonismo farmacológico competitivo, com a diferença que os dois medicamentos utilizados são agonistas, porém com diferentes capacidades de desencadear efeitos farmacológicos, isto é, com diferentes atividades intrínsecas. Portanto, o agonista menos eficaz nesta situação experimental atua como antagonista parcial do agonista principal. Competitivo irreversível Este antagonismo ocorre quando o antagonista se dissocia muito lentamente ou não se dissocia, dos receptores. Portanto, mesmo aumentando a concentração do agonista na @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 20 presença do antagonista, não é possível alcançar o efeito máximo. Não competitivo No antagonismo farmacológico não competitivo, o antagonista bloqueia algum ponto importante da cadeia de eventos que levaria à resposta desencadeada pelo agonista. Esta alteração ocorre por influênciada atuação do antagonista não competitivo em um local alostérico diferente do local de ligação do agonista; portanto, não é possível desfazer o bloqueio quando se aumenta a concentração do agonista. Antagonismo não farmacológico No antagonismo não farmacológico não há o envolvimento direto do antagonista com um receptor; pode ser classificado em: farmacocinético (ou disposicional), fisiológico (ou funcional) e químico (ou antidodismo). Farmacocinético ou disposicional Neste tipo de antagonismo, uma substância química (medicamento) reduz efetivamente a concentração plasmática de outra administrada a um animal. Esta redução pode ocorrer por vários motivos, exemplificados a seguir: a velocidade de biotransformação do medicamento pode estar aumentada; a velocidade de absorção ou a quantidade do medicamento ativo no trato gastrintestinal pode estar reduzida; a velocidade de excreção renal pode estar aumentada. Fisiológico ou funcional Este tipo de antagonismo ocorre quando os dois agonistas interagem em sistemas de receptores independentes, porém produzindo efeitos opostos que se anulam. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 21 Químico ou antidotismo Neste tipo de antagonismo, as duas substâncias não reagem com os receptores do organismo, mas sim reagem quimicamente, em solução, entre si se antagonizando. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA 22 SPINOSA, H. S., et al. (2017). Farmacologia aplicada à Medicina Veterinária. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara. Koogan Capítulo 3 – Mecanismo de ação e relação dose-resposta.
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