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Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB HANSENÍASE A hanseníase é uma doença espectral (assim como a leishmaniose) causada pela Mycobacterium leprae ou bacilo-de-hansen. Ela tem várias formas de apresentação clínica, geralmente associadas com a imunidade do indivíduo. Então existem dois polos: ▪ Polo hiperérgico: onde a resposta do indivíduo contra a doença é boa. O cara adoece, mas a resposta é suficiente para conter a infecção. ▪ Polo anérgico onde a resposta do indivíduo não é muito boa contra o parasito e têm-se uma forma mais exuberante da doença, com mais lesões de pele. Então ocorre uma infecção crônica com respostas imunológicas variadas. Por exemplo, olhando para o rosto desse paciente vocês conseguem identificar alguma alteração? R: Madarose, fascies virchowiana... Caso do HO. Nesse caso aí podemos ver um sinal importante que ele tem que é a madarose. Além disso ele tinha um pavilhão auricular edemaciado, na dermatologia dizemos que esse padrão auricular é infiltrado, nesse caso a gente não vê nódulos, é o paciente virchowiano. A hanseníase causa neuropatia periférica, o nervo periférico é um dos órgãos alvos da micobactéria da hanseníase. Há também eventos imunológicos crônicos e morbidades físicas, social e psicológicas muito importantes, então esses são aspectos gerais fundamentais da doença. Abaixo uma microscopia eletrônica da lesão mostrando a micobactéria parasitando o nervo, não esqueçam essa característica da doença, o neurotropismo da bactéria. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Assim como o Treponema pallidum, o Mycobacterium leprae é um bicho que não conseguimos cultivar, o que torna o estudo mais difícil. Então você inocula na pata da cobaia, ela se multiplica, o cara do laboratório vai lá e pega a bactéria, mas você não consegue cultivar, não tem meio de cultura específicos. Há uma suspeita que alguns animais possam albergar a micobactéria, o tatu por exemplo pode albergar e agora há a dúvida se pode transmitir para os humanos, se a mesma micobactéria do tatu é a que causa doença em humanos, uma área nos EUA há relatos de hanseníase em pessoas que tiveram contato. Transmissão Ocorre por mecanismos pouco conhecidos, mas sabemos que pode ocorrer por: ▪ Aerossóis ▪ Gotículas ▪ Inoculação através da pele não íntegra ▪ Contato com tatu Epidemiologia Em 2009 Índia, Brasil, Indonésia, Bangladesh, foram os países que mais registraram esses casos. Fatores de risco : ▪ Genéticos: um paciente com hanseníase bacilífera, que é o pólo anérgico, é o cara que o sistema imune não segura as bactérias, têm muitas bactérias inclusive expele pelo ar. Num mesmo ambiente pode ser que vários inalem, mas nem todos desenvolverão, porque existe um componente genético, inclusive vemos na mesma família enquanto pessoas próximas e vizinhos não desenvolvem a doença. ▪ Contato próximo com doentes ▪ Idade: de 5-15 e > 30 anos ▪ Exposição a tatus (pela caça) Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Microbiologia ▪ É uma bactéria álcool-ácido resistentes (BAAR), assim como todas as micobactérias (M. tuberculosis e micobactérias atípicas) ▪ Tem multiplicação lenta (tempo de geração em 12,5 dias) ▪ Não cultivável em meios artificiais (grande problema para estudos) Quadro clínico Sem doença: ao momento que há infecção pode não desenvolver a doença, que é o que acontece com a maioria das pessoas. Fase indeterminada: pode ter algumas lesões, mas nada muito importante, ou também essas lesões podem passar despercebidas pelo paciente. OBS: pode evoluir para apresentação de quadros clínicos. Espectros: apresentações clínicas que vão do polo tuberculoide/hiperérgico ao polo lepromatoso/Virshowiano/anérgico Boderline: características dos dois quadros clínicos O quadro clínico pode variar em 05 formas: 1. Tuberculoide puro 2. Boderline tuberculoide 3. Boderline Borderline 4. Boderline lepromatoso/Virshowiana 5. Lepromatoso/Virshowiano puro Na prática, para o tratamento, importa se é bacilífero ou não bacilífero Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Esses polos opostos da Hanseníase apresentam quadros clínicos e laboratoriais distintos, consoante o estado imunológico do hospedeiro: ▪ Hiperérgico: hanseníase paucibacilar (formas tuberculoides) ▪ Anérgico: hanseníase multibacilar (formas Virshowianas) Classificação de Ridley-Jopling (classificação histológica) ▪ Lado tuberculoide: resposta celular efetiva, não suficiente para curar a doença. – Polo tuberculoide puro: formação de granulomas (por isso chamado de tuberculoide) e não tem o parasito ▪ Virshowiana/polo anérgico: não consegue formar o granuloma e está cheio de bacilos/micobactérias (corados de vermelho) ▪ Meio: transição gradual Quadro clínico: ▪ Máculas hipopigmentadas ou eritematosas – testar sensibilidade tátil, térmica e dolorosa ▪ Perda sensorial em lesões cutâneas (mononeuropatia - é mais comum no polo tuberculoide) ▪ Parestesias em mãos e pés – polineuropatia é mais comum no polo virchowiano ▪ Feridas e queimaduras indolores nas extremidades – não são causados pela doença, mas em decorrência dela ▪ Nódulos ou edema em pavilhão auricular ou face ▪ Perda de dentes, sobretudo os incisivos ▪ Perfuração de septo nasal ▪ Nervos periféricos espessados e/ou dolorosos à palpação. Achados tardios: ▪ Fraqueza muscular (mãos) ▪ Mão em garra ▪ Pé caído ▪ Lagoftalmo (incapacidade de fechar os olhos) ▪ Madarose (perda de cílios e/ou da sobrancelha) ▪ Perfuração e colapso do septo nasal Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Alguns exemplos: Hanseníase indeterminada. Com mácula hipocrômica, não entrou naquele espectro clínico ainda e pode apenas haver essa lesão. Pode ocorrer em qualquer lugar no corpo. ▪ Como pode ocorrer em qualquer lugar no corpo, o médico necessita despir o paciente para procurar lesões. Se a mulher tiver mamas grandes o médico necessita olhar de baixo da mama. ▪ Bacilos tem tropismo por pele e nervo, mas podem ir para outros tecidos também. Hanseníase tuberculoide. Lesão bem delimitada entre a pele sã e com doença (já na indeterminada não há esse tipo de delimitação). Como saber se a mácula indica hanseníase ou outro diagnóstico? ▪ Quando temos máculas hipocrômicas, há outros diagnósticos diferenciais, porém uma mácula com característica de perda de sensibilidade tátil, térmica e dolorosa INDICA MUITO a presença de hanseníase. Hanseníase tuberculoide-borderline: lesões maculares hipopigmentadas, só que mais numerosas que no polotuberculoide. Esse tipo de classificação é muito difícil de fazer na prática e não ajuda muito na decisão terapêutica, o que importa é se é bacilífero ou não. [?] Em fases iniciais pode haver preservação da sensibilidade. Como então saber que é hanseníase? Máculas hipocrômicas podem ser causadas por uma série de coisas. Mesmo quando o exame físico evidencia preservação da sensibilidade, no caso de suspeita de hanseníase, deve-se biopsiar! Os achados histopatológicos podem ajudar, sobretudo se tiver a bactéria. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Hanseníase borderline-borderline: quando as lesões começam a ficar mais elevadas. As lesões do polo tuberculoide (hiperérgico) são geralmente máculas e quanto mais próximo do polo tuberculoide, menos lesão tem, porque nesse polo, o sistema imunológico funciona melhor. Quando se aproxima do polo anérgico ou virchowiano, as lesões aumentam em número e começam a ter relevo. Hanseníase borderline-virchowiano: vai progredindo no polo virchowiano, tem máculas, mas já tem pápulas, nódulos e placas. Há mudança de lesões planas para elevadas. Hanseníase Virchowiano: madarose, nódulos, lóbulo da orelha edemaciado e com nódulos também. Chamada fascies leonina. Então, um resumo das variações de quadro clínico: ▪ Indeterminada, o paciente só tem uma ou duas lesões, hipocrômicas, com bordas pouco delimitadas. ▪ Tuberculoide: poucas lesões também, bem delimitadas. ▪ Vischowiano: lesões vão aumentando em número, ficando bem delimitadas, até virchowiano clássico. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Diagnóstico diferencial ▪ Tinea: a ptiríase versicolor cursa com máculas hipocrômicas com descamação superficial (se você distender a pele sai uma descamação fina) e não há déficit de sensibilidade. ▪ Vitiligo: a lesão é acrômica (então nem chega a ser diagnóstico diferencial). ▪ Granuloma anular Mononeuropatia x Polineuropatia ▪ Mononeuropatia: há acometimento do 2º neurônio, pois é periférica. É localizada, unilateral, pega um nervo só. Ex.: raiz nervosa de S1 (responsável por ficar na ponta dos pés), então se tiver uma mononeuropatia ali, o paciente só conseguirá fazer esse movimento com o outro membro. Outro exemplo: ter uma mão ou um pé caído (não consegue fazer uma dorsiflexão e anda arrastando esse pé). ▪ Polineuropatia: A polineuropatia é um acometimento simétrico geralmente no padrão de luva e meia. Tem tendência de dar sintomas primeiro na periferia e ir ascendendo. É possível ter 02 ou mais nervos acometidos e não ser uma polineuropatia. Na mão eu tenho o ulnar, o radial e o mediano. Eu terei uma mononeuropatia se eu tiver apenas no radial (quando a pessoa dorme com outra pessoa deitada por cima do braço, o paciente acorda com a mão caída). Mas se eu tiver acometimento dos 3 nervos, será uma polineuropatia. Mas se for o radial de um lado, o mediano do outro e uma raiz da perna: não é polineuropatia! Agora precisamos encaixar essas informações na Hanseníase. ▪ No polo tuberculóide/hiperérgico: se o paciente tiver neuropatia expressa será em um padrão de mononeuropatia. Pode acontecer do paciente chegar com “mão em garra”. ▪ No polo virchowiano/anérgico, geralmente encontramos polineuropatia. Terá déficit de sensibilidade em padrão de luva e de meia. Lembrando que… na medicina e no amor não existe “sempre” Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Reações hansênicas A Hanseníase é uma doença complexa, imunologicamente falando. Vocês já estão vendo pelo quadro espectral, apresentações clínicas variadas. A bactéria pode desregular o sistema imunológico a tal ponto que você pode curar o indivíduo e ele continuar tendo surtos reacionais pelo resto da vida. As reações hansênicas ou surtos reacionais são complicações inflamatórias agudas, frequentemente consideradas emergências, em qualquer ponto da doença (tratada ou não). ▪ Podem acometer 30 a 50% dos pacientes. ▪ Durante as reações, o paciente pode migrar de espectro clínico: um tuberculóide pode ter uma reação e migrar para mais adiante, tendendo ao polo virchowiano. [?] O que causam essas reações? Provavelmente a micobactéria faz um dano no sistema imunológico que, mesmo depois da cura, o dano permanece. Ninguém sabe explicar direito. O paciente pode abrir o quadro de hanseníase com um surto reacional, pode fazer surto durante o tratamento, pode já ter sido tratado e curado e ter surto depois da tratamento. Reações tipo I – “Reversas” Reações tipo II – Eritema nodoso* hansênico – Ocorrem em pacientes predominantemente na faixa borderline (borderline-tuberculoide, borderline-borderline, borderline-virchowiano) – Lesões caracterizadas por induração e eritema de lesões já existentes – Edema de extremidades – Neurite (comprometimento sensorial e motor). Nesses casos tem que identificar rápido e tratar logo com corticoide, para evitar dano neural permanente. – Em quadros severos, é possível que lesões de pele ulcerem – Desenvolvem-se gradualmente e podem durar várias semanas Imagem: [A] parece um virchowiano – muita lesão, que parecem ter elevação. [B] o mesmo paciente com surto reacional (exacerbação das lesões prévias). As lesões aumentam a elevação, ficam mais vermelhas. Esse paciente foi tratado, e esse surto foi após 12 meses, ou seja, o paciente já estava praticamente com cura microbiológica. – Ocorrem em pacientes multibacilares (virchowiano e borderline-virchowiano) – Início abrupto – Nódulos dolorosos, eritematosos – Febre, mal-estar – Neurite (comprometimento sensorial e motor) – Iridociclite, esclerite, orquite, artrite, miosite – Em quadros severos as lesões podem ulcerar – Podem durar de 01-02 semanas, mas os surtos podem recorrer por meses. Imagem: vários nódulos, se prolongam abaixo da pele, são dolorosos, têm todas as características de uma inflamação, o paciente pode ter febre e mal- estar. Cuidado: é diferente da lesão do virchowiano! No paciente virchowiano, os nódulos dele não são inflamatórios, ele não sente dor e nem tem calor. *O eritema nodoso é uma paniculite (inflamação do tecido adiposo) e é, digamos, uma doença a parte. Geralmente por trás do eritema nodoso tem uma outra doença – pode ser hanseníase, infecção estreptocócica, Lupus, linfoma, várias coisas causam o eritema nodoso. O clássico do eritema nodoso são formações de nódulos na região tibial anterior, eles são mais palpáveis que visíveis. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Tabela comparativa – Reações hansênicas: Tipo 1 Tipo 2 Maior risco Borderline-virchowiano Borderline-borderline Borderline-tuberculoide Virchowiano Borderline-virchowiano Início da reação Gradual (em algumas semanas) Súbito Lesões cutâneasEdema e eritema de lesões já existentes Nódulos eritematosos, dolorosos, sem relação com lesões prévias Neurite Frequente e severa Frequente e severa Quadro sistêmico Mal-estar Febre Curso (não tratado) Semanas a meses Dias a semanas Aspecto histopatológico Inespecífico Infiltrado polimorfonuclear em lesões, com menos de 24h de evolução Tratamento Corticoides Corticoides ou Talidomida Diagnóstico ▪ Biópsia de pele: é padrão-ouro, obtida para isolar a micobactéria. ▪ Baciloscopia de linfa: existem dois pontos principais de coleta: (1) o lobo da orelha e (2) cotovelo. A pessoa que for coletar vai pegar uma lâmina de bisturi e exsanguinar o lobo da orelha, aí depois que sair todo sangue vai ficar só a linfa (Luciano disse que é difícil conseguir fazer isso). O corte precisa ser bem superficial e delicado. – No polo tuberculoide, é esperado que a baciloscopia seja negativa – No polo virchowiano, é esperado que a baciloscopia seja positiva – Independente disso, a gente pede baciloscopia pra todos! A baciloscopia serve para uma classificação importante: se o paciente tiver baciloscopia positiva, vou chamar ele de multibacilar. Se ele não tiver, vou chamar de paucibacilar. O tratamento leva em conta isso, porque um paciente multibacilar precisa ser tratado por mais tempo. [?] Então o tuberculoide vai ser sempre paucibacilar? Não. Porque o paciente pode ter uma lesão única, que você diga que ele é tuberculoide, aí você faz a baciloscopia e vem positiva. Mas é esperado que ele não tenha bacilo. Tratamento O tratamento vai ser por 06 meses (no paucibacilar) a 01 ano (no multibacilar). Esse tratamento é feito com três drogas: 1. Rifampicina (dose mensal) 2. Clofazimina (dose mensal) 3. Dapsona Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB