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Origem e construção do conceito de infância no Brasil

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. Origem e construção do conceito de infância no Brasil
A criança recebe o estatuto de “criança” instituído através de políticas sociais introduzidas pelo Estado, apenas a partir do século XVIII. Essa infantilização da criança não é natural nem generalizável a todas as sociedades. Relata-se que até o início da época moderna, a criança passava a ser independente, cuidar de si mesma e frequentar o mundo dos adultos como uma igual por volta dos sete anos.
O processo de infantilização se inicia a partir de um interesse acentuado pela educação da criança, desenvolvido pelo Estado, com objetivos de assegurar uma população adulta saudável, adaptada e produtiva. Essa política aguça o interesse dos eclesiásticos e higienistas, que se apresentavam antes de tudo, como moralistas. A família deixa de ser capacitada a educar os filhos e estes passam a ser educados sob a tutela da escola.
Apenas no século XIX a criança foi objeto da primeira norma legal de proteção que estabelecia o limite mínimo de idade para o trabalho nas minas de carvão. Com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, surge a necessidade de criação de mecanismos jurídicos de proteção da criança no ambiente de trabalho.
A ideia de proteção à infância surgiu apenas no final do século XIX e  início do século XX, porém como aplicação dos direitos do homem à infância, somente nos últimos vinte anos do século XX.
O século XVIII ainda enxergava as crianças como “menores” que precisariam de alguma proteção do Estado, através de um sistema disciplinador, até conseguirem alcançar condições para ingressarem no modo  de produção econômica. 
Em 1919, com a criação da OIT, sua Carta do Trabalho, do mesmo ano, documento que regeria a atuação da OIT, explicitamente prevê na alínea “f” a “abolição do trabalho Infantil.”
Em 1924, A Liga ou Sociedade das Nações, considerada a antecessora da Organização das Nações Unidas (ONU), publicou a Declaração sobre os Direitos da Criança, composta por um preâmbulo e cinco princípios. Esse documento serviu de base para a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959.
No pós-Segunda Guerra surge o Fundo de Emergência das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF), criado para  auxiliar as crianças dos países assolados pela guerra. Em 1953 o Fundo foi transformado em agência permanente e especializada da ONU para a assistência à infância dos países em desenvolvimento.
Com a criação das Nações Unidas surgiram inúmeros documentos referenciais atinentes à infância. Declarações, Resoluções e Tratados internacionais passaram a se ocupar da proteção da criança no âmbito global, aliados a sistemas regionais de direitos humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 marcou uma nova etapa do sistema de valores no âmbito internacional, transcendendo a questões ideológicas, culturais ou religiosas, e se apresentou como universal (direcionada a todos os seres humanos, sem distinção), além de situá-los no mesmo plano os direitos civis, políticos econômicos, sociais e culturais.
A DUDH tornou-se referência e fundamentação de todas as declarações e tratados internacionais de Direitos Humanos que lhe seguiram. Em relação  às crianças, a Declaração de 1948 faz expressa menção ao direito a cuidados especiais para a maternidade e a infância, tema que foi retomado  posteriormente na Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, e na   Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), de 1989.
A partir da Declaração dos Direitos da Criança a realidade da infância sofre alteração, ainda numa perspectiva simbólica muito mais normativa do que com reais participações sociais ou políticas. Porém, a alteração da norma internacional impôs uma evolução hoje bastante sentida, sobretudo no Brasil, que elaborou uma norma muito avançada do ponto de vista da garantia dos direitos da criança.
Essa evolução tem imposto novos debates sobre reais práticas de efetivação dos direitos protagonizados na Convenção sobre os Direitos da Criança e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. O Conceito de infância contemporâneo e as novas narrativas.
Com todos os estudos, debates e práticas realizadas a partir do ECA e após 28 anos de aprendizagem de instituições e da população brasileira, o momento atual demanda um exercício de repensar o conceito de infância. O paradigma atual precisa reconhecer a infância e adolescência enquanto população que participa da vida social, ocupa espaços públicos, altera as dinâmicas das cidades e até tem influenciado no mercado. Esse contexto impõe a redefinição de conteúdos, métodos, processos, práticas  e resultados que levem em conta a participação desse público e dos demais atores sociais.
Para esse novo olhar é preciso reduzir as diferenças entre adultos e crianças, sobretudo de oportunidades. Produzir, portanto, novas narrativas que deem conta de localizar a criança e o adolescente como sujeitos subjetivos com sua origem e história influenciando o seu lugar social atual.
Não defende-se aqui uma aproximação do conceito de criança e adulto, mas de reconhecimento de que essa diferença varia segundo épocas e culturas, ou seja, a diferença é produzida social e historicamente.
O lugar da infância sofre alteração sobretudo com a eclosão da rede internacional de computadores. O deslocamento virtual e o acesso à informação aproximam adultos a crianças e, por outro lado, ressaltam a existência de diversas infâncias.
Nesse sentido, é inadiável considerar o conceito de infância de forma dinâmica, em evolução, de acordo com um novo lugar social, com direitos positivados e com participação social efetiva, entre pares e com adultos, sem contudo, perder a lógica da proteção de direitos.
Esse novo olhar permitirá o reconhecimento de uma infância muito mais conectada com o mundo adulto e com o mundo de outras infâncias. A chamada “ficção universalizante da infância” precisa ser repensada principalmente pelos órgãos de atendimento e, no Brasil, pelo Sistema de Garantia dos Direitos.
3. Pós-modernidade e os destinos da infância e da adolescência.
A criança não se constitui no amanhã: ela é hoje, no seu presente, um ser que participa da construção da história e da cultura de seu tempo" (Jobim e Souza, 1994, p.159).
 
Pensar a criança como um sujeito de direitos em uma perspectiva presente e não como um promessa para o futuro. Esse olhar implica noutro modo de conceber a sociedade e a vida humana. A sociedade ocidental tende a inserir tudo em modelos e a infância não fugiu a tal tendência. Assim, tudo que escapa aos padrões é considerado desvio, ou ‘um menos’ ou ‘ainda não’ que precisa se enquadrar ou evoluir até o modelo estabelecido como ideal. As crianças são concebidas assim, devem se comportar dentro de um padrão. São interpretações criadas por seres humanos em determinados contextos sócio-históricos e, como tais, podem e devem ser constantemente questionados e transmutados.
Em contraposição a este pensamento, pode-se ter maior facilidade para entender a infância na contemporaneidade dentro de um pensamento processual, em que não existe uma forma pré-fixada, mas uma construção permanente, admitido novos formatos de relações dos adultos, com a criança e o adolescente, baseadas sobretudo no respeito aos direitos humanos, iguais e indivisíveis, reconhecendo a participação igualitária como premissa para um novo marco civilizatório.
4. Estudo de Caso.
Ana, 20 anos, está grávida e procura o único hospital de referência do seu município para fazer o acompanhamento pré-natal. Ao chegar ao hospital não consegue ser inserida no atendimento. A equipe do hospital responde que não tem verba para o atendimento integral, e a verba do serviço pré-natal foi deslocada para a ala infantil que tem prioridade, no caso de Ana ela é adulta. Inconformada procura o Conselho Tutelar, para solicitar providências. Nesse caso, o que pode ser feito? Qual o embasamento legal?
O Conselho Tutelar poderá requisitar serviço de atendimento público, com base no art. 136, inciso III, alínea “a” do ECA que dá poderes administrativosao Conselho para requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança.
Nesse caso, a justificativa da equipe do hospital é completamente ilegal, pois a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Enquanto nascituro, conforme o artigo 8º é assegurado à gestante no pré e pós-parto, pelo sistema único de saúde, atendimento adequado e acompanhamento médico na fase pré-natal.
1. Educação em Direitos Humanos para Criança e Adolescente.
Os resultados de uma educação de qualidade devem necessariamente abranger capacidades relativas ao respeito e valorização dos direitos humanos e à cidadania ativa. De acordo com as diretrizes  do ECA e dos documentos internacionais, o desenvolvimento de condições pessoais e sociais mais favoráveis ao exercício de todos esses direitos humanos devem expressar a abertura e a valorização do pluralismo e da diversidade.
Tratar da Educação em Direitos Humanos no Brasil é uma das exigências e urgências para que possamos ter uma formação mais humanizadora das pessoas e o fortalecimento dos regimes políticos democráticos na sociedade.
As expectativas sobre a promoção dos direitos humanos por meio da educação têm implicações diretas no conceito de qualidade e de educação enquanto um direito.
O debate em torno da importância da educação em direitos humanos se intensifica a partir da publicação dos Planos Nacionais de Direitos Humanos. A amplitude do tema demonstrada no documento exemplifica a necessidade de mudança de cultura para que os direito humanos sejam considerados. Para tanto um amplo processo educativo será necessário.
Algumas iniciativas nesse sentido ganham relevância, seja pelo aprofundamento teórico do tema, ou pela publicação de diretrizes sobre o tema quanto pela capilarização do debate, estendido para organizações governamentais e não governamentais. 
Assim, tal como ocorrido em outros países da América Latina, essa proposta de educação no Brasil se apresenta como prática recente.
1. Educação em Direitos Humanos para Criança e Adolescente.
1.1. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH)
É nesse contexto que surgem as primeiras versões do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), produzidos entre os anos de 1996 e 2002. Dentre os documentos produzidos a respeito desse programa, no que diz respeito ao tema da Educação em Direitos Humanos, destaca-se o PNDH-3, de 2010, que apresenta um eixo orientador destinado especificamente para a promoção e garantia da Educação e Cultura em Direitos Humanos. 
Em 2003, Educação em Direitos Humanos ganhará um Plano Nacional (PNEDH), revisto em 2006, aprofundando questões do Programa Nacional de Direitos Humanos e incorporando aspectos dos principais documentos internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. 
Esse documento é portanto, a política educacional voltada para os direitos humanos e educação. O PNEDH está dividido em cinco áreas: educação básica, educação superior, educação não-formal, mídia e formação de profissionais dos sistemas de segurança e justiça. 
Também define a Educação em Direitos Humanos como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: 
a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e
a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; 
b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; 
c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, cultural e político; 
d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; 
e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações.
O Conselho Nacional de Educação também tem se posicionado a respeito da relação entre Educação e Direitos Humanos por meio de seus atos normativos. Como exemplo podem ser citadas as Diretrizes Gerais para a Educação Básica, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, do Ensino Fundamental de 9 (nove) anos e para o Ensino Médio. Nas Diretrizes Gerais para a Educação Básica o direito à educação é concebido como direito inalienável de todos/as os/as cidadãos/ãs e condição primeira para o exercício pleno dos Direitos Humanos.
O parecer do CNE/CEB nº 7/2010, recomenda que o tema dos Direitos Humanos deverá ser abordado ao longo do desenvolvimento de componentes curriculares com os quais guardam intensa ou relativa relação temática, em função de prescrição definida pelos órgãos do sistema educativo ou pela comunidade educacional, respeitadas as características próprias da etapa da Educação Básica que a justifica (BRASIL, 2010, p. 24).
Neste sentido, afirma que uma escola de qualidade social deve considerar as diversidades, o respeito aos Direitos Humanos, individuais e coletivos, na sua tarefa de construir uma cultura de Direitos Humanos formando cidadãos plenos.
O parecer do CNE/CEB nº 7/2010, recomenda que o tema dos Direitos Humanos deverá ser abordado ao longo do desenvolvimento de componentes curriculares. 
O Parecer CNE/CEB nº 5/2011 que fundamenta essas diretrizes reconhece a educação como parte fundamental dos Direitos Humanos.
Nesse sentido, todos os órgãos do SGD precisam estar atentos à educação em direitos humanos nos processos de formação de seus agentes. É necessário implementar processos educacionais que promovam a cidadania, o conhecimento dos direitos fundamentais, o reconhecimento e a valorização da diversidade étnica e cultural, de identidade de gênero, de orientação sexual, religiosa, dentre outras, enquanto formas de combate ao preconceito e à discriminação. 
O CNE ainda aborda a temática dos Direitos Humanos na Educação por meio de normativas específicas voltadas para as modalidades da Educação Escolar Indígena, Educação Para Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos Estabelecimentos Penais, Educação Especial, Educação Escolar Quilombola (em elaboração), Educação Ambiental (em elaboração), Educação de Jovens e Adultos, dentre outras. 
Quanto às escolas, atores que não estão tão integradas ao SGD, mas que compõem esse sistema, precisam ser agregadas cada vez mais pois nesse contexto assumem papel decisivo na garantia dos Direitos Humanos.
	PRINCIPAIS REFERÊNCIAS NORMATIVAS E POSICIONAMENTOS TÉCNICOS
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&Itemid=30192
 
Decreto Nº 186/08 - Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.
Decreto nº 6.949/09 - Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
Decreto Nº 6.214/07 - Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência.
Decreto Nº 6.571/08 - Dispõe sobre o atendimento educacional especializado - AEE.
Decreto nº 5.626/05 - Regulamenta a Lei 10.436 que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS.
Decreto nº 5.296/04 - Regulamenta as Leis n° 10.048 e 10.098 com ênfase na Promoção de Acessibilidade.
Decreto nº 3.956/01 – (Convenção da Guatemala) Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.
Parecer do CNE/CEB nº 7/2010
Nota Técnica nº 04 - Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotaçãono Censo Escolar.
Nota Técnica nº 24 - Orientação aos Sistemas de Ensino para a implementação da Lei nº 12.764-2012.
Nota Técnica nº 28 - Uso do Sistema de FM na Escolarização de Estudantes com Deficiência Auditiva.
Nota Técnica nº 29 - Termo de Referência para aquisição de brinquedos e mobiliários acessíveis.
Nota Técnica nº 35 / 2016 / DPEE / SECADI / MEC - Recomenda a adoção imediata dos critérios para o funcionamento, avaliação e supervisão das instituições públicas e privadas comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos especializadas em educação especial. 
2. Estudo de Caso.
João Carlos, pai de Davi, criança com deficiência física de 7 anos, procura o Conselho Tutelar para denunciar que tentou matricular seu filho em uma escola particular e foi impedida porque  o diretor alegou que não tem acessibilidade na estrutura física de escola.   Como o Conselho deve agir?
Uma das principais decorrências do estabelecido na Constituição Federal, em relação à educação, é que a mesma é um direito de todos (CF. Art. 205). Logo, toda criança ou adolescente tem o direito à educação, pouco importando as suas características pessoais ou eventuais deficiências.
Como consequência desta regra constitucional, as escolas estaduais, municipais e particulares devem se preparar para receber o citado aluno, não somente em relação à eventual acessibilidade, mas também no aspecto pedagógico.
Destarte, ainda que haja resistência das instituições privadas ao oferecimento de atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, pode-se afirmar que estas exercem atividade estatal de forma delegada, não podendo sobrepor os seus interesses particulares aos princípios constitucionais, dentre os quais, podemos destacar a formação de uma sociedade livre justa e solidária, em igualdade de condições.
Percebe-se, portanto, que por força do dever constitucional constante do artigo 205 da Lei Maior, compete às instituições públicas e privadas providenciar a adaptação necessária ao efetivo desenvolvimento dos alunos portadores de deficiência. Isto porque, apenas com a efetivação da educação inclusiva nas escolas regulares é que os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil serão atingidos.
Assim, o Conselho Tutelar deve requisitar a inclusão da criança e caso não seja atendido deve comunicar ao Ministério Público.
 
IMPORTANTE. A autoridade, o agente público ou funcionário que rejeitar a requisição pode ser processado no âmbito criminal por cometer crime de impedir ou embaraçar a ação de membro do Conselho Tutelar no exercício de sua função, o que deve ser provado (artigo 236 do ECA), ou na Justiça da Infância e da Juventude por infração administrativa de descumprir, dolosa ou culposamente, determinação do Conselho Tutelar, tudo com amplo direito de defesa aos acusados (artigo 249 do ECA).
1. O Enfrentamento das Violências contra a Criança e o Adolescente.
A literatura sobre o tema assinala uma preocupação em dividir (classificar) a violência em três modalidades: física, psicológica e sexual. A isso são acrescidas referências à violência estrutural e à violência institucional. Trata-se de uma tentativa de se compreender o fenômeno em suas diferentes manifestações. Porém, quando da análise de situações concretas de violência, verifica-se que as suas variadas formas não são tão excludentes entre si, como uma classificação levaria a crer. Por exemplo, a violência física é também uma violência psicológica que pode ser também institucional e estrutural; a violência sexual é também violência física e psicológica.
Para melhor entendimento, porém, é importante conceituar as chamadas expressões da violência, como forma de facilitar a compreensão e o desenho das diversas metodologias de enfrentamento do fenômeno e dos fatores que propiciam sua manifestação, assim como da melhor delimitação dos responsáveis em cada espectro de expressão de violência. 
Para tanto, apresentam-se os conceitos de violência utilizados na Cartilha do Disque 100, publicada pelo Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), em parceria com o Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), como uma macrocategoria que envolve violência física, violência psicológica e violência sexual.
. O Enfrentamento das Violências contra a Criança e o Adolescente.
1.1. Expressões da violência
  Violência Física – Uso da força física de forma intencional, não-acidental, por um agente agressor adulto (ou mais velho que a criança ou o adolescente). Geralmente, esses agentes são os próprios pais ou responsáveis, que muitas vezes machucam a criança ou adolescente sem a intenção de fazê-lo. A violência física pode deixar marcas evidentes e, em casos extremos, até causar a morte (Brasil, 2004).
·      Violência Psicológica – Conjunto de atitudes, palavras e ações para envergonhar, censurar e pressionar a criança de modo permanente. Ela ocorre quando xingamos, rejeitamos, isolamos, aterrorizamos, exigimos demais das crianças e dos adolescentes, ou, mesmo, os utilizamos para atender a necessidades dos adultos (Brasil, 2004).
·      Violência Sexual – É uma violação dos direitos sexuais, porque abusa do corpo e da sexualidade, seja pela força ou outra forma de coerção, ao envolver crianças e adolescentes em atividades sexuais impróprias para a sua idade cronológica ou para seu desenvolvimento psicossexual. Trata-se de toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra à realização de práticas sexuais, por meio da força física, da influência psicológica (intimidação, aliciamento, sedução) ou do uso de arma ou droga (Brasil, 2004).
O Brasil conta com um importante serviço que vem ampliando e sua atuação, o disque denúncia nacional.  Disque 100 é um serviço de discagem direta e gratuita disponível para todos os estados brasileiros, que recebe denúncias de transgressões aos direitos humanos, inclusive da criança e do adolescente e presta orientações sobre os serviços e redes de atendimento e proteção nos estados e municípios.
O Ministério dos Direitos Humanos disponibiliza três canais de denúncia: o telefone Disque 100, o aplicativo Proteja Brasil e uma Ouvidoria Online. O Disque 100 funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. A denúncia, após análise, é encaminhada aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos
2. O Enfrentamento ao Trabalho Infantil e a Proteção ao Trabalho Adolescente.
A realidade do trabalho infantil traduz uma das mais graves violações de direitos humanos e a negação de princípios fundamentais de ordem constitucional.
No Brasil, identificam-se variadas situações de trabalho infantil, sob as mais diversas configurações, que podem ser classificadas do seguinte modo:
·      Em relação à área, tem-se o trabalho urbano – comércio e indústria – e o trabalho rural – agricultura e pecuária.
·      Quanto ao tempo, pode ser contínuo – extração e venda de pedras, mineração –, sazonal – plantação e colheita de frutas e outras culturas – e o trabalho de natureza eventual ou episódica – eventos esportivos ou culturais.
·      Quanto à forma, pode ser trabalho subordinado – cerâmicas, carvoarias e salinas –, trabalho autônomo ou por conta própria – vendedor ambulante, flanelinha –, trabalho eventual – produção de peças publicitárias veiculadas nos meios de comunicação –, trabalho terceirizado – tecelagem – e, o trabalho forçado, degradante ou em condições análogas à de escravo – em fazendas.
·      Quanto ao local, observa-se o trabalho em estabelecimentos privados – galpão, fábrica e loja – e em espaços e vias públicas – lixões, matadouros, feiras, ruas e avenidas.
·      Em face da natureza da atividade, destaca-se o trabalho produtivo – que visa ao lucro; o trabalho voluntário e assistencial – entidades beneficentes, igrejas; trabalho doméstico – realizado no âmbito residencial e voltado para a família, própria ou de terceiros,como acontece nos casos em que um adolescente labora como babá de uma criança; o trabalho sob o regime de economia familiar – que ocorre dentro do núcleo familiar, podendo ser doméstico ou não; o trabalho de subsistência; o trabalho artesanal; o trabalho artístico; o trabalho desportivo; e, ainda, o trabalho ilícito – tráfico de drogas, exploração sexual.
As possibilidades de trabalho infantil são amplas e inesgotáveis e, via de regra, sua existência sempre poderá descortinar uma realidade de exploração, abuso, negligência ou violência, perante a qual incidirá a responsabilidade da própria família, de terceiros beneficiários do labor e também do Poder Público, podendo alcançar as esferas civil, penal, trabalhista e administrativa.
A legislação brasileira guarda consonância com os preceitos estabelecidos na Constituição Federal, cujas normas incorporam os postulados de proteção erigidos pela Convenção dos Direitos da Criança.
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT destacou o Capítulo IV do seu Título III, para tratar “Da Proteção do Trabalho do Menor”.
No âmbito internacional, o Brasil é signatário das Convenções Internacionais do Trabalho nº 138 e 182, da OIT, ambas voltadas para a grave questão do trabalho infantil. Em observância a esse compromisso internacional, foi editado pelo Poder Executivo o Decreto 6.481/2008, que aprovou, no Brasil, a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil.
	O QUE DIZ A LEI?
O ECA é claro com relação ao trabalho infantil. Em seu art. 60: É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
É vedado o trabalho noturno (entre 22h e 5h), o trabalho perigoso, insalubre ou penoso; o trabalho realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; e aquele realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.
A Portaria nº 659/2016 instituiu o Projeto Estratégico Resgate a Infância, com o objetivo de prevenir e combater o trabalho infantil, conscientizar a sociedade, fomentar políticas públicas, promover a formação profissional e proteger o trabalhador adolescente.
A condição de aprendiz, a partir de 14 anos, é peculiar, porque ela pressupõe que o adolescente esteja frequentando regularmente a escola e que tenha bom aproveitamento escolar (ou seja, o trabalho não pode impedir o sucesso escolar), que tenha carteira assinada com contrato de aprendiz (remunerado como tal, com direitos trabalhistas e previdenciários assegurados) e que, na sua vida de profissional, o aprendizado, o desenvolvimento pessoal e social são mais importantes que o aspecto produtivo.
Não é qualquer profissão que se enquadra para oferecer um contrato de aprendizagem. No art. 62, o Estatuto traz o conceito: “Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.” E essa formação obedece a princípios estabelecidos no art. 63:
·      a garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regular;
·      atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;
·      horário especial para o exercício das atividades.
O art. 67 destaca condições em que o trabalho não pode ser realizado pelo aprendiz.
Tais itens estão em sintonia com a Convenção 182, da OIT, em vigor no Brasil desde 2000, com a publicação do Decreto 3.597.
O Conselho Tutelar tem o dever institucional de intervir em toda e qualquer situação em que há suspeita ou confirmação de violação de direitos de crianças e adolescentes, inclusive em casos de exploração do trabalho infanto-juvenil.
A partir do momento em que o Conselho Tutelar recebe a notícia de que está havendo exploração do trabalho de criança ou adolescente, deve intervir para constatar sua efetiva ocorrência ou não, sendo a prestação de informações aos interessados uma obrigação decorrente, inclusive, do disposto no art. 5º, incisos XXXIII e XXXIV, da Constituição Federal.
As diligências a cargo do Conselho Tutelar no sentido da proteção às vítimas de trabalho infantil devem ser realizadas conjuntamente com os órgãos estatais encarregados da repressão aos autores da exploração no trabalho (com ênfase para os fiscais do Ministério do Trabalho - que devem sempre ser acionados e Polícias Civil e Militar - que devem ser acionadas quando houver indícios da prática de crimes e/ou quando houver resistência quanto ao acesso ao local da exploração).
3. O Enfrentamento da Letalidade na Adolescência.
A partir da década de 90 ocorreu a drástica mudança na vitimização letal de adolescentes no Brasil. Os homicídios ultrapassaram os acidentes de trânsito como principal fator de mortalidade. De modo geral, os dados mostram um aumento da participação das causas externas, que incluem acidentes, suicídios, homicídios e outros, na mortalidade de meninos e meninas de 16 e 17 anos, em detrimento das causas naturais.
As pesquisas e estudos divulgados nos últimos 5 (cinco) anos têm evidenciado o crescimento expressivo da violência letal de adolescentes e jovens, especialmente os do sexo masculino, negros e com baixa escolaridade.
O Mapa da Violência: Adolescentes de 16 e 17 anos, divulgado em junho de 2015 na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Assassinato de Jovens no Senado, aponta que o homicídio é atualmente a principal causa de morte de pessoas nessa faixa etária no país.
De acordo com o levantamento, produzido pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, 3.749 adolescentes entre 16 e 17 anos foram vítimas de homicídios em 2013. Os dados indicam que 10,3 adolescentes foram mortos por dia.
Desde 2013, a taxa de homicídios de jovens apenas aumenta. No Nordeste, por exemplo, o índice saltou de pouco menos de 3 adolescentes mortos por 100 mil habitantes para 7. Estima-se que cerca mais de 6 mil jovens morram por ano vítimas de violência (de acordo com o UNICEF). Em outras palavras, mais da metade das mortes de adolescentes no Brasil, decorre da violência.
O enfretamento à violência no país deve ser uma responsabilidade compartilhada entre os governos federal, estadual e municipal. Com intuito de coibir o crescimento desses índices, foi elaborado o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Letal de Crianças e Adolescentes, instituído pela Portaria nº 104/2015.

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