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Técnicas de análise cromossómica

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Técnicas de análise cromossómica
 13 de Julho de 2014 João Rodrigues 1 Comentário
 I. Cultura de células para análise cromossómica
 
As técnicas de análise citogenética permitem observar o complemento cromossómico de um organismo, ou segmentos específicos de cromossomas, sendo um dos seus principais objetivos, a identificação de alterações cromossómicas associadas a evolução e especiação. Outro objetivo importante é a identificaçãode instabilidade cromossómica associada a genotoxicidade.
Os cromossomas observam-se em células que se encontram em metafase. Assim sendo, é necessário obter células em divisão para fazer um estudo cromossómico. Podem-se obter células em divisão espontânea (e.g., a partir das brânquias dos bivalves), ou a partir de culturas cuja divisão é induzida, como células do sangue periférico.
Serão descritos os fundamentos da técnica de cultura de linfócitos, por ser a técnica de rotina mais utilizada para o estabelecimento do cariótipo constitucional e porque inclui procedimentos que são comuns a todos os tipos de cultura.
 
Cultura celular para análise cromossómica
 Recolhe-se sangue periférico em seringa heparinizada. A cultura pode ser feita a partir de amostras de sangue total, ou dos linfócitos isolados com Histopaque. As células são inoculadas, numa câmara de fluxo laminar, em meio de cultura (que contém um meio de suporte celular basal, nutrientes, obtidos a partir de soro fetal bovino, penicilina e estreptomicina, para se garantir condições assépticas, e fitohemaglutinina, PHA, agente mitogénico para induzir especificamente o crescimento de linfócitos T); a suspensão celular é depois incubada a 37ºC, numa atmosfera com 5% CO2, durante 3 a 5 dias.
 
Bloqueio das células em metafase
 Ao fim da incubação adiciona-se colchicina ao meio de cultura. Esta substância impede a formação do fuso acromático, por dissolução da tubulina, e consequentemente e paragem do ciclo celular em metafase, com espalhamento dos cromossomas pelo núcleo e contração gradual dos cromossomas. O tempo de atuação da colchicina (1 a 2 horas) é um parâmetro fundamental: tempo a menos pode não bloquear um número suficiente de metafases para fazer o estudo cromossómico adequado; tempo a mais pode dar origem a uma contração exagerada dos cromossomas.
 
Tratamento das células com soluto hipotónico
Após centrifugação, para se retirar o meio com colchicina, a suspensão celular é sujeita a um tratamento com um soluto hipotónico (KCl a 0,075M), que provoca a lise da membrana plasmática dos linfócitos, obtendo-se uma suspensão nuclear; além disso, provoca o intumescimento dos núcleos permitindo um maior espalhamento dos cromossomas.
 
Fixação
Após centrifugação, para a remoção do soluto hipotónico, as células são fixadas em ácido acético:metanol. Seguem-se várias lavagens com o mesmo fixador para eliminar restos celulares e citoplasmáticos que se encontram na suspensão. Após a última lavagem, suspendem-se as células numa quantidade de fixador adequada para a obtenção de um número suficiente de células por gota de suspensão.
 
Espalhamento cromossómico
Coloca-se uma gota de suspensão numa lâmina de vidro. A gota deve ser largada, com o uso de uma pipeta Pasteur, a uma determinada altura da lâmina para melhor espalhamento dos cromossomas. Este passo é crucial porque permite que os cromossomas fiquem suficientemente separados na lâmina, para uma boa visualização, e suficientemente próximos, para não haver mistura de cromossomas de células contíguas. As lâminas assim obtidas designam-se por preparações cromossómicas.
 
Coloração
Uma vez obtidas as preparações cromossómicas, estas podem ser imediatamente coradas para visualização dos cromossomas. A coloração com Giemsa é a mais utilizada em técnicas citogenéticas de rotina: este tipo de coloração, por si só, é uniforme ao longo do cromossoma, não permitindo a identificaçãoindividual dos cromossomas (permite apenas detetar variações de número); no entanto, como deixa visível a constrição centromérica, permite identificar grupos de cromossomas de acordo com a sua morfologia e identificar alterações de largo espectro, tais como grandes variações de forma, ou quebras cromossómicas.
 
II. Técnicas de marcação cromossómica por citogenética convencional (técnicas de bandeamento)
 
Se o objetivo de estudo é a deteção de alterações cromossómicas, os cromossomas devem ser marcados de uma forma específica, de modo a que cada um dos pares seja identificado individualmente. Esta marcação pode ser obtida através de diferentes técnicas de bandeamento diferencial. Existem também métodos que marcam regiões específicas dos cromossomas, que se designam por técnicas de bandeamento seletivo.
 
Técnicas de bandeamento diferencial
Cariótipo com padrão de bandas Q
As bandas Q foram o primeiro método de diferenciação longitudinal a ser utilizado, e baseia-se na coloração dos cromossomas pela mostarda de quinacrina e observação da fluorescência emitida usando luz ultra-violeta. Os cromossomas são corados sem qualquer tipo de pré-tratamento, preservando assim a sua morfologia. Apresentam então um padrão de bandas brilhantes e pálidas, específico para cada cromossoma. Esta técnica apresenta, contudo, uma desvantagem: a fluorescência desvanece rapidamente. Assim sendo, para a análise citogenética de rotina este método foi substituído por técnicas de bandeamento não fluorescente.
Cromossomas humanos marcados com bandas G
As bandas G podem ser obtidas fazendo um pré-tratamento dos cromossomas com uma solução salina a 60ºC, ou com enzimas proteolíticas, como a tripsina, seguido de coloração com Giemsa. Os cromossomas apresentam, então, um padrão de bandas claras e escuras, específico para cada cromossoma. O padrão das bandas G é coincidente com o das bandas Q, ou seja: as bandas G escuras correspondem às bandas Q brilhantes; as bandas G claras correspondem às bandas Q pálidas. As bandas G são as que se utilizam mais frequentemente em qualquer laboratório de rotina, pois o método é simples de executar e a coloração é permanente.
As bandas R (reverse), tal como o nome indica, são o reverso das bandas G. A técnica envolve um pré-tratamento alcalino a elevada temperatura (80 a 90ºC), seguido de coloração com Giemsa.
As bandas refletem a organização funcional do genoma que regula a replicação do DNA, a reparação, a transcrição e a recombinação genética. As bases moleculares das técnicas de bandas envolvem a composição de bases do DNA, as proteínas associadas e a organização funcional do genoma. De um modo geral, as bandas G escuras (R claras) são ricas em bases AT, replicam tardiamente e são pobres em genes; as bandas G claras (R escuras) são ricas em bases CG, replicam precocemente e são ricas em genes.
 
Todas as técnicas de bandas descritas até aqui são aplicadas a cromossomas que se encontram em metafase, e que estão já fixados e espalhados nas preparações cromossómicas. Os cromossomas em prometafase são muito mais longos, mas também podem ser bandeados. Este tipo de marcação pode ser obtido fazendo um tratamento in vivo, durante o tempo de cultura, com agentes bloqueadores do período S (metotrexato ou bromodesoxiuridina). Quando o bloqueio é libertado (com meio rico em timidina), o ciclo celular fica sincronizado, permitindo então fazer a paragem das células na fase que se pretende (neste caso, em prometafase). Este tipo de marcação permite aumentar o número de bandas visíveis, e daí a designação de bandas de alta resolução. Permite localizar com maior rigor alterações cromossómicas subtis, difíceis de detetar em cromossomas metafásicos (e.g., micro-deleções).
Técnicas de bandeamento seletivo
 
a) bandas NOR; b) bandas C
O método das Bandas C marca seletivamente a heterocromatina constitutiva. Esta está localizada primordialmente nas regiões centroméricas dos cromossomas. Assim, as bandas C são aplicadas ao estudo dos polimorfismos que envolvem a região justa-centromérica. As bandas C podem ser obtidas através de vários métodos, mas o mais comum consiste num breve tratamento com ácido, seguido de tratamentoalcalino (hidróxido de bário, p. ex.) e posteriormente coloração com Giemsa.
As bandas NOR correspondem à marcação das regiões dos organizadores nucleolares, que se encontram, geralmente, nos braços curtos dos cromossomas acrocêntricos. O método mais utilizado é o da precipitação de nitrato de prata sobre aquelas regiões. A precipitação não se dá sobre o DNA ribossómico; resulta antes da redução de uma (ou várias) proteínas ácidas argirófilas que se encontram associadas àquelas regiões, onde se localizam os genes que codificam as subunidades 18S e 28S do rRNA. O precipitado localiza-se, por isso, no exterior dos cromossomas e só aparece se os referidos genes estiverem ativos.
Tal como o nome indica, as bandas T (teloméricas) coram especificamente os segmentos terminais dos cromossomas. Este método baseia-se numa modificação do método das bandas R.
III. Técnicas de marcação cromossómica por citogenética molecular (hibridização in situ)
 
O estudo do cariótipo por técnicas de citogenética convencional é o mais utilizado pois permite, com muita resolução e de forma simples e prática, observar todo o complemento cromossómico. No entanto, em determinadas situações (e.g., nas culturas de células malignas) a má qualidade dos cromossomas pode não permitir a identificação correta de todo o complemento cromossómico. Nestes casos, e se o que se pretende identificar são cromossomas específicos e não o complemento cromossómico total, podem utilizar-se técnicas de citogenética molecular, que se baseiam na marcação de cromossomas ou segmentos cromossómicos por hibridização in situ. Destas, aquela que se aplica mais frequentemente é a técnica de marcação por FISH (fluorescent in situ hybridization).
A técnica de FISH baseia-se no uso de sondas, isto é, sequências de DNA ligadas a fluorocromos que, por sua vez, se ligam a sequências de DNA que lhe são complementares.
Existem diversas sondas:
Sondas de painting – ligam-se a todas as posições de um cromossoma específico. Permitem detetar aneuploidias, deleções, translocações e identificar cromossomas marcadores.
Sondas centroméricas – permitem identificar alterações a nível do centrómero. Ao marcarem regiões centroméricas de cromossomas específicos também podem ser utilizadas para deteção de aneuploidias sem necessidade de utilizar sondas de painting.
Sondas de sequência única (génicas) – permitem identificar micro-deleções, alterações envolvendo genes específicos e oncogenes, que não são detetados por citogenética convencional.
Sondas subteloméricas – permitem identificar translocações atípicas que envolvem regiões subteloméricas.
 
FISH, com sondas de painting
A técnica de FISH envolve basicamente os seguintes passos: desnaturação da sonda específica de DNA e sua marcação com um fluorocromo, em que o método de marcação pode ser direto (a própria sonda marcada com o fluorocromo) ou indireto (a sonda é ligada a um anticorpo que por sua vez se liga a outro que transporta o fluorocromo), que tem a vantagem de amplificar o sinal de fluorescência; desnaturação do DNA dos cromossomas alvo de estudo que se encontram em placas metafásicas fixadas e espalhadas em lâmina; hibridização da sonda com os cromossoma; e observação dos cromossomas marcados em microscópio de fluorescência, com filtros adequados para o tipo de fluorocromo que se utiliza. Sob condições de temperatura e concentração salina altamente restringentes, a sonda hibrida unicamente com segmentos complementares de DNA e não com a imensa quantidade de segmentos de outras partes do genoma. Sob estas condições, as pontes que se formam entre sequências que não emparelham perfeitamente tornam-se instáveis, e as que se formam entra sequências que emparelham perfeitamente são estáveis.
A técnica de IFISH (FISH aplicado a células em interfase) refere-se à visualização de alterações cromossómica em núcleos inteiros. É particularmente útil na identificação de alterações cromossómicas que se encontram em pequenas percentagens de células (mosaicismo) e que são difíceis de detetar por citogenética convencional ou mesmo por técnicas de FISH. Também se utiliza este método quando não é possível obter um número suficiente de cromossomas em metafase.
Apesar da grande sensibilidade e versatilidade da IFISH, é sempre um método citogenético indireto e necessita de controlo, para salvaguardar falsos positivos e/ou negativos. A disponibilidade de diferentes tipos de sondas específicas para uma grande variabilidade de sequências de DNA e de sistemas de deteção de fluorescência permitem a visualização simultânea de múltiplas sondas no mesmo núcleo.
 
A técnica de FISH é a técnica de citogenética molecular mais utilizada em análises de rotina. No entanto, outras técnicas moleculares são também aplicadas, quando as alterações são submicroscópicas, embora na maioria dos casos é usada apenas para estudos de investigação.
A CGH (hibridação genómica comparativa) é uma técnica de citogenética molecular que se utiliza para fazer um screening de todo o genoma, com o objetivo de detetar diferenças no número de cópias de qualquer sequência de DNA de um indivíduo.
Sondas obtidas a partir de DNA do organismo a testar e de DNA de um organismo normal serão marcadas de forma diferente (a verde o DNA do organismo a testar e a vermelho o DNA do organismo normal). Estas duas sondas serão então co-hibridadas com cromossomas metafásicos normais. As diferenças no número de cópias serão detetadas através dos diferentes índices de intensidade das cores verde e vermelho. O índice será calculado ao longo de cada cromossoma por um sistema de análise de imagem digital.
Esta técnica é utilizada para estudos de alterações submicroscópicas, que por isso não podem ser identificadas por citogenética convencional ou mesmo por FISH. Com o método de CGH descrito, regiões que aparecem a verde refletem ganhos de DNA e amplificação; regiões que aparecem a vermelho refletem perdas e deleções.
SKY ou FISH espectral é um método que permite fazer a deteção simultânea de todos os cromossomas de uma metafase. Utilizando sondas de painting para cada cromossoma e associar o mesmo número de fluorocromos é possível fazer um esquema de marcação combinada que permite marcar de forma diferente cada um dos autossomas, o X e o Y.
IV. Estabelecimento do cariótipo
 
Observação ao microscópio para estabelecimento do cariótipo
O cariótipo só pode ser estabelecido a partir da observação de um número de metafases que seja realmente representativo do tecido em questão. A escolha das metafases a analisar é crucial para que o estudo seja feito correctamente:
1. Só devem ser escolhidas metafases que tenham qualidade suficiente para que seja feita a identificação de todos os cromossomas de uma forma inequívoca.
2. Não devem ser escolhidas metafases que estejam muito próximas umas das outras (pode haver sobreposição de cromossomas pertencentes a metafases diferentes).
3. Não devem ser escolhidas metafases cujos cromossomas estejam muito espalhados e distribuídos de uma forma irregular, não circular (pode haver perda de cromossomas por artefacto técnico).
Estabelecimento do cariótipo por citogenética convencional:
· observação de 15-20 metafases marcadas com bandeamento.
· organização do cariótipo em 3-5 metafases.
 
Detecção de mosaicismo:
· contagem de 15 metafases para despiste de 20% de mosaicismo.
· contagem de 30 metafases para despiste de 10% de mosaicismo.
· contagem de 60 metafases para despiste de 5% de mosaicismo.
 
Estabelecimento do cariótipo por citogenética molecular:
· observação de 30 metafases para pesquisa de alterações em metafases.
· observação de 100 metafases para pesquisa de alterações em núcleos interfásicos.
 
V. Técnicas citogenéticas para estudos de instabilidade cromossómica (IC)
 
A análise citogenética permite fazer uma avaliação dos danos genéticos que ocorrem em organismos sujeitos a uma exposição ambiental a agentes mutagénicos. Os métodos citogenéticos convencionais permitem detetar três tipos de alterações cromossómicas: aberrações cromossómicas, micronúcleos e sisterchromatid exchanges.
 
Aberrações cromossómicas (AC)
As AC detetadas em estudos de IC incluem vários tipos de alterações estruturais adquiridas. É possível identificar quebras cromossómicas ou cromatídicas e rearranjos assimétricos, que incluem: figuras tri e tetra-radiais; anéis acêntricos ou com centrómero; cromossomas dicêntricos (formados por fusão telomérica). Deleções, translocações e inversões não são visíveis em cromossomas sem bandas, e por isso não são contabilizadas na IC. Estas alterações tanto podem ocorrer espontaneamente como induzidas, durante uma cultura celular, por agentes específicos.
Aberrações cromossómicas
Micronúcleos (MN)
Células apresentando micronúcleos
Os micronúcleos são formados por condensação de fragmentos de cromossomas acêntricos (efeito clastogénico) ou por cromossomas inteiros que se atrasam em relação aos outros na anafase (efeito aneugénico). Na telofase estes fragmentos ou cromossomas são envolvidos por um invólucro nuclear formando estruturas tipicamente arredondadas, com cor e textura semelhantes ao núcleo principal (daí a designação de micronúcleos). Os MN só podem ser observados em células em interfase que completaram uma divisão nuclear. Adicionando, durante uma cultura celular, citocalasina-B (Cyt-B) ao meio de cultura, as células vão ser bloqueadas em citocinese, apresentando-se então binucleadas.
Sister chromatid exchanges (SCE)
SCE
As SCE são manifestações citogenéticas da ocorrência de troca de informação genética durante a replicação, através da quebra das cadeias de DNA e posterior junção, em locais aparentemente equivalentes nos dois cromatídios de um mesmo cromossoma.
A técnica para deteção das SCE baseia-se no princípio da replicação semiconservativa do DNA. Fazendo uma incorporação de bromodesoxiuridina (BrdU), durante dois ciclos de divisão consecutivos, com posterior coloração dupla com Hoescht 33258 (fluorocromo que se liga à BrdU) e Giemsa, é possível obter cromossomas com os cromatídios marcados desigualmente: ao fim do 1º ciclo com BrdU cada cromossoma terá cada cromatídio monosubstituído, ou seja, com um braço da cadeia de DNA normal e outro com a BrdU incorporada, e assim o Giemsa cora igualmente os dois cromatídios; ao fim do 2º ciclo consecutivo com BrdU, cada cromossoma terá um cromatídio monosubstituído (que cora com Giemsa) e um bisubstituído (que não cora com Giemsa).
As SCE correspondem a um fenómeno biológico que ocorre nas células normais. Elas só são consideradas IC quando a frequência é significativamente superior ao padrão normal.
 
Fonte: a informação utilizada para a construção deste artigo foi fornecida pelo Laboratório de Citogenética do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar

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