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Sangramento Uterino Anormal Segundo a FIGO, SUA crônico é o sangramento originado do corpo uterino na ausência de gravidez, anormal em frequência, regularidade, duração e/ou volume, persistente por mais de 6 meses. Não necessita de intervenção médica imediata. Já o SUA agudo é definido por episódio de sangramento intenso, na ausência de gravidez, em quantidade suficiente para determinar necessidade de intervenção rápida para evitar perda sanguínea adicional. Após o diagnóstico, o sistema “PALM-COEIN” de classificação elaborado pela FIGO é utilizado para categorização das etiologias envolvidas no SUA nas mulheres em idade reprodutiva e na ausência de gestação, conforme o acrônimo em inglês: P olyp (pólipo) A denomyosis (adenomiose) L eiomyoma (leiomioma) M alignancy (malignidade – hiperplasia atípica e câncer) C oagulopathy (coagulopatia) O vulatory disorders (disfunções ovulatórias) E ndometrial (endometrial) I atrogenic (iatrogênica) N ot otherwise classified (não classificada). As causas são divididas em “relacionadas a anormalidades estruturais uterinas” (PALM) e “não relacionadas a anormalidades estruturais uterinas” (COEIN). ➔ Pólipo O pólipo uterino é definido como uma projeção digitiforme de tecido glandular, representando hipertrofia focal desse tecido, com pedículo vascular. São divididos em cervicais e endometriais, com etiopatogenias distintas e sintomatologias específicas. A infertilidade pode estar relacionada à oclusão do orifício interno pelo pólipo ou mesmo dos óstios tubários, dificultando a migração dos espermatozoides. Além disso, a presença do pólipo leva a uma “inflamação local”, com consequente liberação de citocinas e metaloproteinases, que estão presentes em maiores concentrações nos pólipos do que no tecido uterino normal. ➔ Adenomiose Histologicamente se caracteriza pela invasão benigna do endométrio no miométrio além de 2,5 mm de profundidade ou, no mínimo, um campo microscópio de grande aumento distante da camada basal do endométrio com presença de glândulas e estromas endometriais circundados por hiperplasia e hipertrofia das células miometriais. Caracteriza-se por pequenos lagos de endométrio espalhados na intimidade do miométrio e/ou por um nódulo circunscrito na parede miometrial, chamado de adenomioma. A invaginação do endométrio para a musculatura uterina leva a aumento volumétrico uterino e, por vezes, a sangramento, dor pélvica e infertilidade. ➔ Leiomiomas Tumor fibromuscular do endométrio, de caráter benigno. Apesar da alta prevalência em mulheres com SUA, ainda não se compreende essa relação de maneira integral, já que muitas mulheres são totalmente assintomáticas. O mioma com componente submucoso, sobretudo aquele que distorce a cavidade uterina, apresenta mais frequentemente SUA com fluxo intenso. Aproximadamente metade das pacientes são assintomáticas e, nesses casos, os leiomiomas são apenas achados de exame ginecológico ou ultrassonográfico. Por outro lado, quando sintomáticos, os miomas podem trazer importante impacto na qualidade de vida. As queixas mais frequentes são sangramento uterino anormal, dismenorreia secundária, sintomas compressivos gerados pelo aumento do útero, dor pélvica acíclica, dispareunia, sintomas urinários, sintomas gastrointestinais, infertilidade e abortamento. Os miomas submucosos são, em sua maioria, responsáveis por quadros de sangramento uterino irregular (metrorragia). As erosões na superfície do nódulo, em decorrência do atrito com a parede endometrial, e sua eventual isquemia geram tal sangramento. Já os subserosos, em sua maioria, não geram sintomas. Quando volumosos, podem cursar com dor pélvica e sintomas de compressão extrínseca, como lombossacralgia, aumento da frequência urinária, noctúria, retenção ou incontinência urinária e até compressão ureteral, com comprometimento da função renal. Os miomas intramurais podem cursar com aumento da intensidade e/ou duração do fluxo menstrual (menorragia ou hipermenorragia). Tais achados podem ser explicados pelo aumento da cavidade uterina, pela menor contratilidade das fibras miometriais, prejudicadas pela presença do tumor, pela estase venosa endometrial e pelo aumento das prostaciclinas no endométrio, que causam vasodilatação e dificultam a formação de trombos. ➔ Malignidade Outro DOCS ➔ Coagulopatia Em 13% das pacientes com SUA, é identificada alguma alteração na coagulação, sendo a doença de von Willebrand a condição mais comum. O rastreio deve ser realizado durante a anamnese. ➔ Disfunções ovulatórias São representadas por uma ampla variedade de anormalidades menstruais: amenorreia total, sangramento leve e infrequente, até episódios de sangramento extremamente aumentado que por vezes requer intervenção de urgência. No período da menacme, a produção de progesterona durante o ciclo menstrual é determinada pela ovulação e, após, sustentada pelo corpo lúteo. Se não há ovulação, em consequência, não há produção adequada de progesterona. O endométrio torna-se proliferado e espesso devido à ação do estrogênio sem oposição. Essa hiperproliferação torna-o frágil, resultando em sangramento anormal. Ciclos com esse padrão de sangramento correspondem a ciclos anovulatórios, sem instituição de fase lútea. Costumam ocorrer nos extremos da vida reprodutiva: nos primeiros anos após a menarca e na perimenopausa. Anormalidades do eixo hipotálamo-hipófise-ovário (HHO) devidas à sua imaturidade ou a endocrinopatias podem desencadear disfunções ovulatórias e alterar o ciclo menstrual. São elas: síndrome dos ovários policísticos, hipotireoidismo, hiperprolactinemia, estresse, obesidade, anorexia e atividade física extrema. Alterações no eixo HHO causadas por fármacos que modificam os níveis sorológicos de dopamina, como antidepressivos tricíclicos e outros psicofármacos, consequentemente resultam em disfunções ovulatórias e também estão classificados como SUA-O, apesar do seu caráter iatrogênico. ➔ Endometrial Sangramento anormal que ocorre em periodicidade regular, sugerindo ciclo ovulatório, sem outras causas identificadas. É atribuído a alterações primárias do endométrio, entre elas, disfunções no mecanismo de homeostase local, resultando em sangramento aumentado. O aumento de prostaglandinas e plasminogênio local também pode estar envolvido. O padrão de sangramento intermenstrual pode ser secundário a quadros inflamatórios ou infecciosos do endométrio, do colo uterino e das tubas, à presença de Chlamydia trachomatis no trato urogenital, ao aumento da resposta inflamatória local e a alterações da vasculogênese do endométrio. ➔ Iatrogênica Inclui o uso de hormônios exógenos sistêmicos ou dispositivos intrauterinos, medicações que impactam diretamente no endométrio, interferem na coagulação sanguínea ou interferem sistemicamente na ovulação. Os anticoncepcionais hormonais combinados em diferentes regimes de uso podem resultar em sangramento não programado quando há oscilação nos níveis de estrogênio (devido a esquecimento, atraso, uso incorreto, associação de medicações que diminuam a disponibilidade do hormônio), elevando a concentração de progesterona em relação ao estrogênio e causando sangramento por disruptura. O uso de pílulas ou métodos de longa duração contendo progestogênio exclusivamente (implante de etonogestrel, acetato de medroxiprogesterona de depósito ou sistema intrauterino de levonorgestrel) pode resultar no mesmo tipo de sangramento após um período de uso prolongado. ➔ Investigação A anamnese deve ser guiada pelo sistema “PALM-COEIN”. Primeiramente, o foco está em obter detalhes do padrão menstrual comum da paciente e as alterações apresentadas em frequência, intensidade do fluxo, periodicidade e duração. Outros sintomas relacionados devem ser investigados, assim como a história médica pregressa, a história ginecológica e obstétrica, as doenças sistêmicas e o uso de fármacos (anticoncepcionais hormonais, terapia de reposição hormonal, dispositivos intrauterinos, anticoagulantes, tamoxifeno, antipsicóticos, antidepressivos tricíclicos,inibidores da recaptação da serotonina, entre outros). Questionamentos sobre outros tipos de sangramento auxiliam na determinação das pacientes que se beneficiarão de exames complementares em busca de coagulopatias ainda não diagnosticadas. Atenção especial deve ser dada à idade da paciente, fator importante no diagnóstico diferencial, já que as principais etiologias do SUA são diferentes para cada fase da vida da mulher. Frente a uma paciente em idade reprodutiva com sangramento anormal, seja agudo ou crônico, é mandatória a investigação de gravidez. Sabe-se que as complicações de uma gestação não diagnosticada constituem a principal causa de sangramento na menacme. A partir do exame físico ginecológico com exame especular e toque vaginal bimanual pode-se determinar a origem do sangramento por meio da identificação de lesões ou outras alterações. A grande maioria é oriunda do corpo uterino, porém, outras fontes a serem consideradas são vulva (trauma, doença sexualmente transmissível [DST], lesões cutâneas), vagina (vaginites, úlceras, traumatismos, malformações), colo uterino (lesões malignas, ectopia, cervicite, pólipos), além de uretra, bexiga, ânus e reto, que merecem adequada avaliação. Além de alterações no exame ginecológico, é importante identificar outros sinais que possam contribuir para o sangramento aumentado. Alterações na tireoide, como bócio e nódulos, galactorreia sugerindo hiperprolactinemia, obesidade, quadro de hiperandrogenismo e sinais de resistência à insulina, como acantose nigricans, que possam remeter à síndrome dos ovários policísticos, são alguns exemplos. A presença de petéquias e equimoses sugere distúrbios hematológicos e coagulopatias, e deve ser pesquisada. Em situações de sangramento agudo importante, atentar para sinais de grande perda sanguínea e hipovolemia, como alterações em sinais vitais e anemia grave. Nesses casos, é mandatória a estabilização da paciente antes de prosseguir a investigação. Segundo as recomendações da FIGO, todas as pacientes com quadro de SUA agudo ou crônico devem ser avaliadas para anemia com hemograma completo, incluindo contagem de plaquetas, além de teste de gravidez. Outros exames laboratoriais estão indicados quando houver suspeita clínica de doenças relacionadas: tireotrofina (TSH), tireoxina (T4) livre e hiperprolactinemia. As pacientes com suspeita de distúrbios hematológicos e coagulopatias, com rastreio positivo por meio da anamnese ou de sinais ao exame físico, devem ser submetidas à avaliação inicial com dosagens de tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa). Se houver alterações, sugere-se avaliação com hematologista e pesquisa de testes específicos para doença de von Willebrand e outras coagulopatias. Histerossonografia – Consiste na instilação de solução salina durante a US transvaginal, distendendo a cavidade uterina e permitindo melhor visão intracavitária, aumentando a sensibilidade e a especificidade em identificar lesões focais no endométrio. Tem acurácia similar à HSC ambulatorial para diagnóstico de lesões uterinas. Histeroscopia – É o melhor método para avaliação da cavidade uterina, pois além da visualização direta da cavidade e do endométrio, permite biópsias dirigidas e a instituição de métodos terapêuticos quando possível. Consiste em uma técnica de endoscopia ginecológica na qual se visualiza a cavidade uterina com uma pequena óptica posicionada através do colo uterino. Pode ser realizada em caráter diagnóstico, como alternativa à SIS, em consultório ou em nível ambulatorial, sem anestesia, ou em caráter terapêutico, sob anestesia geral e em bloco cirúrgico, quando há necessidade de confirmar e tratar lesões suspeitas em exames de imagem prévios. ➔ Tratamento O objetivo do tratamento nos casos de SUA é manejar a fase aguda, estabilizando a paciente e cessando o sangramento, corrigir as alterações do padrão menstrual e a anemia, quando existente, além de evitar a recidiva e melhorar a qualidade de vida. Em muitos casos, pequenas irregularidades e alterações leves no fluxo menstrual não necessitam de tratamento, desde que a causa básica esteja clara. O tratamento do SUA pode ser medicamentoso, com fármacos não hormonais e hormonais, ou cirúrgico. A decisão baseia-se no padrão e na causa do sangramento, na presença de comorbidades concomitantes, no desejo de manter a fertilidade e na preferência e tolerabilidade da paciente. Porém, de maneira geral, o tratamento medicamentoso é considerado a primeira linha para causas não estruturais. Os tratamentos cirúrgicos tendem a ser indicados quando há falha do tratamento conservador. - Paciente hemodinamicamente instável Tamponamento uterino, curetagem uterina, embolização uterina (pacientes com malformações arteriovenosas uterinas), e estrogênios equinos conjugados em altas doses são algumas formas de controlar o sangramento intenso. A histerectomia é utilizada quando há falha em todos os outros métodos. - Paciente hemodinamicamente estável O tratamento hormonal via oral é a primeira escolha, quando não há contraindicações nesses casos. - Estrogênios equinos conjugados em altas doses; - Anticoncepcionais orais conjugados em altas doses; - Progesterona e progestogênio em altas doses (eficazes para pacientes com ciclos anovulatórios visando à estabilização endometrial após intensa proliferação por estímulo estrogênico em longo prazo); - AINEs (reduzem os níveis de prostaglandinas, inibindo a COX, responsável pela conversão de ácido araquidônico em prostaglandina, com ação na hemostasia endometrial devido à vasoconstrição. O resultado é a diminuição do fluxo menstrual, sendo o uso indicado para pacientes com sangramento ovulatório de grande volume); - Antifibrinolíticos (o endométrio das pacientes com sangramento uterino aumentado apresenta concentrações maiores de ativadores de plasminogênio, grupo de enzimas que causa fibrinólise. Os antifibrinolíticos inibem os ativadores de plasminogênio, diminuindo a fibrinólise, promovendo a coagulação sanguínea e diminuindo o sangramento menstrual); - Tratamento de manutenção (SUA crônico) O tratamento de manutenção não deve ser instituído sem que a etiologia do sangramento esteja elucidada e a presença de malignidade, excluída. Para evitar as recidivas, a patologia de base deve ser identificada e, quando possível, tratada. É o caso das causas estruturais como miomas, pólipos e adenomiose, que podem ser abordadas cirurgicamente, infecções e endocrinopatias, que possuem manejo farmacológico específico e que, ao terem a terapêutica correta instituída, evoluem com normalização do ciclo menstrual na maioria das vezes. O tratamento medicamentoso hormonal é a primeira escolha para pacientes com SUA e sem coagulopatias. No entanto, devem ser observadas as contraindicações: - Câncer de mama - Tabagismo e idade superior a 35 anos - Hipertensão não controlada - História de TVP ou embolia pulmonar - Distúrbios tromboembólicos conhecidos - Doença cerebrovascular - Doença coronariana isquêmica - Doença coronariana valvar com complicações - Enxaqueca com aura - Doença hepática grave (com ou sem comprometimento da função) - DM com complicações vasculares - Imobilização prolongada Para pacientes que desejam contracepção, os anticoncepcionais orais combinados (ACOs) são a primeira escolha. Sabe-se que seu uso reduz o fluxo menstrual, regulariza o ciclo, diminui a dismenorreia e possui a vantagem de ser contraceptivo. Os regimes, os tipos de hormônio e as vias de administração são variados, e todos são efetivos para a manutenção do SUA, apesar de apenas o composto trifásico de valerato de estradiol e dienogeste (Qlaira) estar indicado formalmente para controle de sangramento uterino. Opção para as pacientes com contraindicação ao uso de estrogênio e com desejo de contracepção prolongada, o dispositivo intrauterino de levonorgestrel libera 20 µg de levonorgestrel por dia, diretamente no endométrio. Seu papel no tratamento do sangramento uterino aumentado já foi comprovado. O efeitono fluxo menstrual é progressivo, com diminuição do volume menstrual em 71 a 96% das pacientes em tratamento. No fim do primeiro ano de uso, 20 a 30% das usuárias desenvolvem amenorreia. Tem efeito contraceptivo com duração de 5 anos. O uso de progestogênios no controle do SUA é amplamente utilizado; porém, sabe-se que seu efeito está limitado a situações em que o endométrio foi previamente proliferado pelo estrogênio, o que ocorre nos casos de anovulação, por exemplo. É alternativa segura para pacientes com contraindicação ao uso de terapia estrogênica. Pode ser utilizado na forma de depósito (acetato de medroxiprogesterona 150 mg a cada 90 dias), uso oral contínuo ou de forma cíclica. A forma cíclica é administrada durante 10 a 14 dias no mês, corrigindo a insuficiência lútea das pacientes anovulatórias. Ao término de cada ciclo, ocorrerá sangramento. Esse regime não tem efeito contraceptivo. No tratamento não hormonal há os AINEs e antifibrinolíticos e o tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico é oferecido quando há falha ao tratamento medicamentoso, recorrência do SUA, quando existe desejo da paciente por um tratamento duradouro ou definitivo ou quando a etiologia primária do SUA tem manejo cirúrgico. - Polipectomia – Realizada via HSC, consiste na exérese de pólipo endometrial ou endocervical. - Miomectomia – Pode ser realizada via HSC no caso de miomas submucosos, de forma segura e minimamente invasiva. No caso de miomas de grande volume ou número, o procedimento pode ser realizado via laparoscopia ou laparotomia. É a escolha para casos de miomas e desejo de manter a fertilidade. Outras opções envolvem a ablação endometrial e a embolização de artérias uterinas. A gestação após esses procedimentos não está recomendada e o uso de contraceptivos deve ser incentivado. - Histerectomia – É o tratamento definitivo para o SUA e está relacionado a altas taxas de satisfação pós-tratamento. Geralmente, é indicada após falha de outras terapias e não necessita de seguimento em longo prazo ou uso de medicações após a cirurgia; porém, está relacionada com riscos cirúrgicos e anestésicos significativos, bem como maiores taxas de morbimortalidade.