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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO UNIVERSITÁRIO NORTE DO ESPÍRITO SANTO Departamento de Ciências Naturais O Ensino de Química: Uma investigação das concepções dos professores da rede estadual de São Mateus/ES Márjory Santiago Fonseca Andrade Monografia de Conclusão de Curso São Mateus-ES 2014 Márjory Santiago Fonseca Andrade O Ensino de Química: Uma investigação das concepções dos professores da rede estadual de São Mateus/ES Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Naturais – DCN-CEUNES, Universidade Federal do Espírito Santo, como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciado em Química. Orientadora: Profª. Drª. Ana Nery Furlan Mendes São Mateus-ES 2014 Márjory Santiago Fonseca Andrade O Ensino de Química: Uma investigação das concepções dos professores da rede estadual de São Mateus/ES Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Naturais – DCN-CEUNES, Universidade Federal do Espírito Santo, como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciado em Química. São Mateus, 08 de dezembro de 2014. BANCA EXAMINADORA ____________________________ Profª. Drª. Ana Nery Furlan Mendes – Orientadora ____________________________ Profª. Drª. Leila Aley Tavares ____________________________ Prof.a Esp. Débora Lázara Rosa São Mateus-ES 2014 Ao meu Deus, toda honra, glória e louvor. Ao meu esposo Lucas e aos meus pais Paulo Márcio e Angela, com todo amor, carinho e gratidão. Agradecimentos Agradeço primeiramente ao meu Deus, por seu amor infinito e por me conceder graça e sabedoria. Ao meu esposo Lucas, por seu amor, carinho e compreensão. Aos meus pais Paulo Márcio e Angela por toda dedicação, apoio e esforço para me verem feliz. Á minha orientadora Ana Nery pela orientação, disponibilidade e boa vontade. Aos professores participantes da pesquisa pela contribuição e colaboração para a realização da mesma. A todos que, direta ou indiretamente, participaram e colaboraram para a conclusão deste projeto. “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.” Cora Coralina SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................11 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...........................................................................................14 2.1. ENSINO DE QUÍMICA....................................................................................................14 2.2. FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA............ .........................................................17 2.3. METODOLOGIAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO DIDÁTICA.....................................20 2.4. DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE E OBSTÁCULOS A SEREM SUPERADOS...22 3. OBJETIVOS........................................................................................................................26 4. METODOLOGIA...............................................................................................................27 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................................28 5.1. FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA............. ........................................................28 5.2. METODOLOGIAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO DIDÁTICA.....................................33 5.3. DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE............................................................................39 5.4. VISÕES E EXPECTATIVAS PARA A EDUCAÇÃO.....................................................45 6. CONCLUSÃO.....................................................................................................................49 7. REFERÊNCIAS..................................................................................................................52 APÊNDICE A..........................................................................................................................59 APÊNDICE B..........................................................................................................................63 APÊNDICE C..........................................................................................................................64 LISTA DE SIGLAS CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBC – Currículo Básico Comum CNE – Conselho Nacional de Educação DCNs – Diretrizes Curriculares Nacionais ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio ENEQ – Encontro Nacional de Ensino de Química LDB – Lei de Diretrizes e Bases MEC – Ministério da Educação PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais RESUMO O ensino de química tem sido nas últimas décadas motivo de preocupação devido aos resultados negativos dos instrumentos de avaliação oficiais – vestibular, ENEM, ENADE e outros – e à percepção que os estudantes e a sociedade têm do que seja química e produtos químicos. A pesquisa em torno da ação dos professores em sala de aula, da formação deles, dos saberes necessários à prática profissional e da aprendizagem dos estudantes tem se tornado mais pontual e seus resultados vêm sendo publicados e têm sido discutidos nos vários encontros de ensino de química no país. Tendo em vista essa concepção, o presente trabalho buscou entender quem são os professores da educação básica, como se tornaram professores, como ensinam e aprendem, e quais os problemas que enfrentam no cotidiano de sua prática docente nas escolas da rede estadual do município de São Mateus/ES. A pesquisa envolveu a participação de docentes que ministram aulas de química em escolas públicas estaduais de ensino. Foi aplicado um questionário misto contendo questões relativas à formação inicial e continuada dos professores, às metodologias de ensino e avaliação didática, aos desafios da prática docente, e às visões e expectativas para a educação básica. Após a aplicação dos questionários, as análises das respostas fornecidas pelos professores que responderam ao questionário foram feitas baseadas na análise de conteúdo de Bardin. A técnica permitiu a identificação dos principais conceitos e temas dentro de um determinado texto e a reconstrução da fala dos sujeitos de pesquisa. Através da pesquisa realizada com os professores de química, constatou-se que há uma carência de licenciados em São Mateus/ES, o que corrobora com os índices estaduais. Apesar disto, os atuais docentes buscam se aperfeiçoar através de cursos de formação continuada, para que possam ascender na carreira docente. Os docentes demonstraram preocupação com a efetivação do processo de ensino e aprendizagem, e com isso buscam motivar e envolver os alunos com o uso de metodologias alternativas de ensino, em detrimento do uso restrito do livro didático. Ainda assim, as dificuldades e os desafios enfrentados durante a prática docente são inúmeros, mas não são suficientes para desacreditar a maioria dos professores quanto à melhoria e evolução de todo o sistema educacional. Palavras–chave: Ensino de química. Educação básica. Prática docente. ABSTRACT The teaching of chemistry in recent decades has been a cause of concern due to the negative results of the official assessment tools - exam to university, ENEM, ENADE and others - and the perceptionthat students and society have of chemistry and chemicals. The research about the action of teachers in the classroom, their training, about their knowledge necessary for acting as a professional and about the student learning has become systemic and the results have been published and discussed in several meetings of chemistry teaching around the country. Based on these facts, the present study try to understand who are the teachers of basic education, how they have became teachers, how they teach and learn and what kind of problems they face in their daily teaching practice in State schools of São Mateus/ES. The research involved the participation of lectures who teach chemistry lessons in State public schools. A mixed questionnaire containing questions regarding to the initial and progressive teacher formation, to the methodologies and didactic assessment, to the challenges of teaching practice, and to the visions and expectations about the basic education. The analysis of the answers provided by teachers who responded to the questionnaire was made based on the Bardin’s method. The applied technique allowed the identification of the key concepts and themes considering a given text and the speech reconstruction of the subjects of research. As a conclusion of the survey, there is a shortage of teachers in São Mateus/ES, which corroborates to the governmental statistics. Nevertheless, teachers improve their techniques and knowledge through training courses. As a consequence, they can progress in their career of teacher. Teachers are concerned about the effectiveness of teaching and learning, and motivate and get the students engaged using alternative methods of teaching not only the use of the classical method of textbooks. Nowadays, there are numerous difficulties and challenges faced during the teaching practice which are not enough to take the teachers their hope to create and work on a better and efficient educational system. Keywords: Teaching of chemistry. Basic education. Teaching practice. 11 1. INTRODUÇÃO No Brasil, assim como em outros países, é evidente a ampla focalização de estudos da área educacional sobre o professor, os papéis sociais por ele exercidos, o que ele deve ou não fazer profissionalmente e como deve ser sua formação, tanto a inicial quanto a continuada. Essa focalização se manifesta na grande e diversificada quantidade de publicações – em anais de congressos, periódicos e livros – que incluem o professor como figura central (ALMEIDA, 2013). As questões que circundam a formação dos profissionais da educação e a atuação destes são bastante complexas. Ao professor é apresentado o desafio de contribuir para a formação dos alunos enquanto cidadãos críticos e preocupar-se, ainda, com os conhecimentos a serem ensinados a eles (SANTANA; SILVA, 2014). O processo de ensinar para produzir aprendizagens é extremamente complexo e vai muito além da transmissão de conhecimentos. Envolve uma expressão de múltiplos saberes incorporados em âmbitos, tempos e espaços de socialização diversos (LELIS, apud QUADROS, 2011, p. 162). O indivíduo cuja possibilidade de autonomia em um contexto específico nos interessa é o professor, sobre quem muito já se estudou e se escreveu, mas a quem muito pouco a “voz” foi dada. A relevância do papel do professor na pesquisa, situando- o como sujeito – real e concreto – de um fazer docente, dando-lhe a voz que precisa ter na produção de conhecimento sobre sua prática, ampliando as possibilidades de rompimento com a tradicional incompetência dos cursos de formação de professores rumo à inserção na realidade escolar, é ressaltada em vários trabalhos como Santos et al. (2006) e Gauche et al. (2007) (ROSA; ROSSI, 2012). A melhoria efetiva do processo de ensino-aprendizagem acontece através da ação e do conhecimento do professor, o que demanda, de sua parte, um contínuo processo de aprimoramento profissional através da contínua reflexão crítica e pesquisa sobre sua própria prática pedagógica (SCHNETZLER, 2004). Dessa maneira, acredita-se que é preciso entender quem são os professores, como se tornaram professores, como eles ensinam e/ou aprendem e, principalmente, quais os problemas que eles enfrentam no cotidiano de sua prática docente. Por isso, julga-se importante conhecer a visão que professores do ensino médio têm a respeito do ato de ensinar química (QUADROS, 2011). 12 Um dos maiores problemas da pesquisa em ciências da educação é o de abordar o estudo do ensino de um ponto de vista normativo, o que significa dizer que os pesquisadores se interessam muito mais pelo que os professores deveriam ser, fazer e saber do que pelo que eles são, fazem e sabem realmente (TARDIF, 2000). Buscamos por meio desta pesquisa conhecer e compreender o sujeito professor, por meio da análise de suas próprias concepções e reflexões sobre o sistema de ensino em que estão inseridos e suas práticas docentes, por meio da análise de seus relatos escritos. Nessa investigação, destaca-se a declarada opção pela “pesquisa com”, também conhecida como pesquisa colaborativa, em vez de “pesquisa sobre” professores. Essa opção representa uma alternativa de necessidade patente aos recorrentes estudos que, insistentemente, “diagnosticam” a “realidade escolar”, ratificando mazelas e apontando falhas, sem, no entanto, contribuir efetivamente para a superação dos quadros enfocados. A pesquisa colaborativa, conforme aponta Cardoso (2006, apud GAUCHE; TUNES, 2012, p. 177), também conhecida como “pesquisa com” (MIZUKAMI, 2003, apud GAUCHE; TUNES, 2012, p. 177), e sua perspectiva mais recente definida como “pesquisa-ação-crítico-colaborativa” (PIMENTA, 2005, apud GAUCHE, 2012, p. 178), configura-se como possibilidade de melhor aproximação do pesquisador ao mundo ético dos valores e crenças dos professores. Os professores da escola tornam-se coautores do projeto de pesquisa e protagonistas, juntamente com o pesquisador da universidade, no processo (fenômeno) estudado (GAUCHE; TUNES, 2012). A pesquisa obedeceu ao delineamento do tipo qualitativa, uma vez que teve por objetivo interpretar a escrita dos professores. Lüdke e André (1986, apud CARVALHO, 2011, p. 24) nomeiam algumas das principais características da pesquisa qualitativa: tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; os dados coletados são predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo; os pesquisadores não se preocupam em buscar evidências que comprovem hipóteses definidas antes do início dos estudos; as abstrações formam-se ou se consolidam basicamente a partir de inspeção dos dados num processo de baixo para cima (CARVALHO, 2011). A análise dos questinários foi feita com base na análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). A autora propõe as diferentes fases da análise de conteúdo, organizadas em torno de três pólos cronológicos: 1) a pré-análise; 2) a exploração do material; e 3) o 13 tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A pré-análise é a fase de organização propriamente dita. Corresponde a um período de intuições, mas tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, em um plano de análise (BARDIN, 1977). Nesta fase inicial, o material é organizado, compondo o corpus da pesquisa. Escolhem-se os documentos, formulam-se hipóteses e elaboram-se indicadores que norteiem a interpretação final, porém é fundamental observar algumas regras: (i) exaustividade, sugere-se esgotar todo o assunto sem omissão de nenhuma parte; (ii) representatividade, preocupa-se com amostras que representem o universo; (iii) homogeneidade, nesse caso osdados devem referir-se ao mesmo tema, serem coletados por meio de técnicas iguais e indivíduos semelhantes; (iv) pertinência, é necessário que os documentos sejam adaptados aos objetivos da pesquisa; e (v) exclusividade, um elemento não deve ser classificado em mais de uma categoria (SANTOS, 2012). Concluídas as diferentes operações da pré-análise, a fase de análise propriamente dita não é mais que a administração sistemática das decisões tomadas. Essa fase consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas. Na terceira fase, os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos e válidos. Operações estatísticas simples ou complexas permitem estabelecer quadros de resultados, diagramas, figuras e modelos, os quais condensam e põem em relevo as informações fornecidas pela análise. Para um maior rigor, estes resultados são submetidos a provas estatísticas, assim como a testes de validação. O analista, tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos, ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas (BARDIN, 1977). 14 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. ENSINO DE QUÍMICA Estudos revelam que o sistema educacional brasileiro mostra-se ineficiente e esta ineficiência se evidencia no seu currículo desconectado da realidade dos indivíduos; nas metodologias arcaicas; na falta de autonomia das unidades escolares e consequentemente dos profissionais da educação; nas grades curriculares que desrespeitam as diversidades culturais; na alta taxa de analfabetismo; no baixo índice de permanência dos alunos na escola; nas deficiências da formação inicial e na falta de formação continuada dos professores, e ainda nos seus baixos salários (ECHEVERRÍA; SOARES, 2007). Ensinar química, atualmente, é um desafio, pois professores e alunos concordam que ensinar e entender química é uma tarefa difícil. Uma das apostas é que o aluno não entende o motivo em se aprender química na escola. Mortimer e seus colaboradores (2000) apresentam alguns fatores, tais como: o ensino ritualístico da química e os dogmas científicos que tomam o lugar dos princípios químicos, dentre outros fatores que se sedimentam nas práticas cotidianas dos professores em sala de aula (SANTANA; SILVA, 2014). Do ponto de vista formativo, a química é estigmatizada, e a escola pode ser o ambiente propício para reverter essa imagem ruim que ainda perpassa matérias divulgadas na mídia, em discussão sobre temas que envolvem, em geral, as consequências desfavoráveis da aplicação inadequada da ciência química em questões de ordem econômica, social e ambiental. O professor bem formado, crítico e consciente pode colaborar na discussão de questões atuais em suas aulas, baseado em conceitos químicos discutidos com propriedade e correção científica adequada para subsidiar a formação de opiniões (ROSA; ROSSI, 2012). A aula de química é muito mais do que um tempo durante o qual o professor vai se dedicar a ensinar química e os alunos aprenderem alguns conceitos e a desenvolverem algumas habilidades. É espaço de construção do pensamento químico e de (re)elaborações de visões de mundo e, nesse sentido, é espaço de constituição de sujeitos que assumem perspectivas, visões e posições nesse mundo. Sujeitos que 15 assumem várias formas de ver, de conceber e de falar sobre mundo (MACHADO; MORTIMER, 2007). A química tem como objetos de investigação as propriedades, a constituição e as transformações dos materiais e das substâncias. Machado e Mortimer (2007) apontam as inter-relações entre os objetos e focos de interesse da química como uma triangulação (Figura 1) (MACHADO; MORTIMER, 2007). Figura 1 – Focos de interesse da química (Mortimer; Machado; Romanelli, 2000) Fonte: Machado; Mortimer (2007) O conhecimento das substâncias e dos materiais passa necessariamente pelo conhecimento de suas propriedades. No entanto, para explicar o comportamento dos materiais e mesmo essas propriedades é preciso lançar mão de alguns conhecimentos químicos relacionados à constituição desses materiais e substâncias. Tais conhecimentos oferecem subsídios para a compreensão, o planejamento e a execução das transformações dos materiais. Estabelecer inter-relações entre esses três aspectos é fundamental para que se possa compreender vários tópicos de conteúdo químico (MACHADO; MORTIMER, 2007). Considerando os currículos e livros didáticos de química mais utilizados no Brasil é possível constatar que, em geral, os tópicos dos conteúdos selecionados são os mesmos do triângulo 1, entretanto estes conceitos são abordados em uma sequência linear. É fundamental a inter-relação constante entre esses vértices do triângulo (MORTIMER; MACHADO; ROMANELLI, 2000). Do ponto de vista didático é útil distinguir três aspectos do conhecimento químico: fenomenológico, teórico e representacional. O aspecto fenomenológico diz respeito aos fenômenos de interesse da química, sejam aqueles concretos e visíveis, como a mudança de estado físico de uma substância, sejam aqueles a que temos acesso Transformações Substâncias e Materiais Propriedades Constituição 16 apenas indiretamente, como as interações radiação-matéria que não provocam um efeito visível mas que podem ser detectadas na espectroscopia. Os fenômenos da química também não se limitam àqueles que podem ser reproduzidos em laboratório. Falar sobre o supermercado, sobre o posto de gasolina é também uma recorrência fenomenológica. Neste caso, o fenômeno está materializado na atividade social e é isso que vai dar significação para a química do ponto de vista do aluno. São as relações sociais que ele estabelece através dessa ciência que mostram que a química está na sociedade, no ambiente. A abordagem do ponto de vista fenomenológico também pode contribuir para promover habilidades específicas tais como controlar variáveis, medir, analisar resultados, elaborar gráficos etc. O aspecto teórico relaciona-se a informações de natureza atômico-molecular, envolvendo, portanto, explicações baseadas em modelos abstratos e que incluem entidades não diretamente perceptíveis, como átomos, moléculas, íons, elétrons, etc. Os conteúdos químicos de natureza simbólica estão agrupados no aspecto representacional, que compreende informações inerentes à linguagem química, como fórmulas e equações químicas, representações dos modelos, gráficos e equações matemáticas. A Figura 2 representa as inter-relações entre esses aspectos do conhecimento químico (MORTIMER; MACHADO; ROMANELLI, 2000). Figura 2 - Aspectos do conhecimento químico (Mortimer; Machado; Romanelli, 2000) Fonte: Machado; Mortimer (2007) A maior parte do conhecimento que os alunos disponibilizam em sala de aula provém do seu cotidiano. Os significados anteriormente elaborados têm estreita relação com os grupos sociais em que vivem no seu dia-a-dia. Por isso, aceitando-se o aprender como reconstrução é essencial aceitar que as aprendizagens propostas tenham seu ponto Representacional Fenomenológico Teórico 17 de partida no cotidiano. Aprender química é ampliar entendimentos do senso comum dos fenômenos com a inserção de significados produzidos no discurso científico e, mais especificamente, no discurso da química. Isso implica que os alunos aprendem gradativamente a se movimentarem no discurso da química, abrindo novas janelas para compreender o mundo em que vivem e participar de sua transformação (MORAES; RAMOS; GALIAZZI, 2007). O professor como mediador deste processo de apreensão de informações e conceitos químicos, deve ser bem preparado e dominar tanto conceitos químicos quanto pedagógicos,adquiridos quando se passa por uma boa formação acadêmica e aprimorados com a experiência profissional e a formação continuada. 2.2. FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA A formação de professores, de um modo geral, e do professor de química, de modo particular, tem sido discutida no sentido de transformar um modelo de ensino historicamente pautado no racionalismo técnico, advindo do positivismo em uma nova forma de compreender e ensinar química (MELO, 2007). A formação de grande parte dos professores é um grave problema que se reflete em sala de aula, pois estes educadores, em sua maioria, não dominam os conteúdos a serem ministrados em sala de aula. Essa situação está bem registrada em indicadores nacionais de avaliação. Resultados negativos mostram muito mais do que a formação de uma geração de professores e estudantes: evidenciam o pouco valor dado ao conhecimento científico e a ignorância em que se encontra a esmagadora maioria da população. (WERTHEIN; CUNHA, 2005 apud BORGES; SILVA, 2011). O sistema de ensino no Brasil necessita ser reestruturado a fim de se desenvolver as competências e habilidades dos alunos. No entanto, a má formação dos professores tem sido um fator relevante na difícil tarefa de tornar a escola um ambiente estimulante (ALVES, 1998 apud BORGES; SILVA, 2011). Maldaner, citado por Quadros (2011, p. 161) aponta para a formação inicial e continuada dos professores, enfatizando os professores da educação básica, mais especificamente do ensino médio, e os cursos de formação de professores. Partindo da hipótese de que a formação do professor se dá num processo permanente que inclui toda a sua vivência escolar, a formação inicial e o mundo de trabalho, o pesquisador alerta que essa vivência pode criar uma ideia restrita e 18 muito simplificada da profissão docente, “uma imagem espontânea de ensino, para o qual basta um bom conhecimento da matéria, algo de prática e alguns complementos psicopedagógicos” (QUADROS et al., 2011). A base do saber para o ensino é constituída por um conjunto de conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender em diferentes áreas de conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino (FARIAS; FERREIRA, 2012). O educador, por ser um dos principais responsáveis pelo processo ensino-aprendizagem, deve possuir conhecimentos que vão além do conteúdo da sua disciplina, pois é necessário que ele tenha sensibilidade suficiente para reconhecer as dificuldades dos alunos e, desta forma, empregar uma linguagem de fácil compreensão, sem, no entanto, deixar de ser uma linguagem científica. Adicionalmente, o profissional da educação deve estar atento para o conhecimento sobre os desenvolvimentos científicos e pedagógicos recentes da sua área. (CARVALHO, 2001 apud BORGES; SILVA, 2011). A atividade docente não se restringe a uma simples aplicação de teorias, métodos, procedimentos e regras ensinados nos cursos de graduação, porque a prática profissional caracteriza-se pela incerteza, pela singularidade, pelo conflito de valores, pela complexidade, para a qual nenhuma teoria pedagógica pode dar conta de resolver os problemas, constituindo-se, portanto, em práticas que necessitam ser investigadas para serem melhoradas (SCHÖN, 1983; MALDANER, 2000 apud SCHNETZLER, 2011, p. 69). As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os Cursos de Química (BRASIL, 2001), destacam como principais características do perfil profissional para o professor de química a formação geral, com uma base aprofundada e abrangente em relação aos conhecimentos químicos, bem como formação pedagógica adequada do conhecimento e de experiências de química e áreas afins, na atuação profissional como educador na educação básica. Além dessas características, tanto nas DCNs para a Formação de Professores (BRASIL, 2002a) como para os Cursos de Química, as orientações assinalam a formação de um professor reflexivo e/ou um professor investigador de sua prática educativa. Isso implica na necessidade de repensar a formação do professor e suas ações cotidianas, no sentido de refletir sobre quais saberes profissionais são necessários para tornar o professor crítico, reflexivo, consciente de seus limites e possibilidades, e inquiridor de sua prática social. Tais saberes estão vinculados diretamente à função do professor na escola e na sala de aula (FARIAS; 19 FERREIRA, 2012). Gil-Perez e Carvalho (1993, apud CIRÍACO, 2009) apontam a necessidade dos professores de dominar os conteúdos a serem ensinados em seus aspectos epistemológicos e históricos, explorando suas relações com o contexto social, econômico e político, questionar as visões simplistas do processo pedagógico de ensino das ciências usualmente centradas no modelo de transmissão-recepção e na concepção empirista-positivista da ciência; a saber, planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a construção e reconstrução de ideias dos alunos; conceber a prática pedagógica cotidiana como objeto de investigação, como ponto de partida e de chegada de reflexões e ações pautadas na articulação teoria-prática (CIRÍACO, 2009a). Considerando que os conhecimentos profissionais exigem sempre uma parcela de improvisação do profissional, num processo constante de reflexão e discernimento dele, para além da formação universitária, torna-se necessário que o professor esteja em constante processo de aperfeiçoamento ou atualização. Tardif (2000) afirma que “os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte, uma formação contínua e continuada. Os profissionais devem, assim, autoformar-se e aperfeiçoar-se através de diferentes meios, após seus estudos universitários iniciais” (TARDIF, 2000). Essa formação continuada pode ocorrer mediante várias formas: programas de extensão, grupos de estudo nas universidades com espaços abertos ao professor da educação básica, pesquisas, entre outras, de forma que o professor do ensino médio não seja apenas objeto de investigação, mas sujeito ativo no encaminhamento das discussões e na proposição dos temas das mesmas (ECHEVERRÍA; SOARES, 2007). Os professores, por não terem participado das discussões e elaboração do projeto de mudanças curriculares; por desconfiarem das verdadeiras intenções políticas; por terem condições muitas vezes precárias de trabalho; por se sentirem sós e muitas vezes sem o apoio necessário para a construção de uma nova prática pedagógica, sentem mais do que nunca a necessidade de uma formação inicial e continuada mais abrangente e que vá ao encontro da complexidade das situações escolares (ECHEVERRÍA; SOARES, 2007). Também tem sido frequentes e insistentes as solicitações do professorado pela oferta de oportunidades de atualização profissional. Para atender a essa demanda, surgiram diversas iniciativas oficiais, incluindo desde cursos formais nos moldes de 20 cursos de extensão até programas para tentar facilitar o acesso do professor em exercício a cursos de mestrado e doutorado (ROSA; ROSSI, 2012). Sem dúvida, a qualidade da formação de professores passa pela melhoria da prática docente, pela reflexão e análise dessa prática, sua interação com outras práticas que sejam capazes de intervir na transformação dos contextos formativos atuais, buscando qualidade na qualificação docente do ensino de química (CIRÍACO, 2009b). 2.3. METODOLOGIAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO DIDÁTICA Os modos de mediação do conhecimento expressam como o professor se vê como tal, sua função social e seu trabalho educativo. Em particular, expressam como ele aborda os diversos temas de sua disciplina; as estratégias que utiliza para promover a elaboração/reelaboração de conceitos científicos; as interações que estabelece com seus alunos; as concepçõesde ensino, aprendizagem e conhecimento químico que orientam sua prática; as relações que determina entre os conteúdos do seu ensino e temas da vida social e cotidiana dos alunos, aspectos estes que refletem articulações entre as dimensões teórica e prática da docência (SILVA; SCHNETZLER, 2006, apud SCHNETZLER, 2011, p. 67). De acordo com Andrade (2003, apud BORGES; SILVA, 2011), muitos alunos adquirem certa resistência ao aprendizado da química devido à falta de contextualidade, não conseguindo relacionar os conteúdos com o diaadia, bem como com a excessiva memorização, e pelo fato de que alguns professores ainda insistem em métodos nos quais os alunos precisam decorar fórmulas, nomes e tabelas não contribuindo em nada para as competências e habilidades desejáveis no ensino médio segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 2000). Considerando a prática docente em sala de aula, em vistas às metodologias de ensino, culturalmente o livro didático é instrumento de relevante impacto no processo de ensino-aprendizagem formal. Porém, ele não deve ser o único instrumento utilizado por professores e alunos, e sim adotado como mais um recurso didático que se alia a outros materiais para enriquecer as aulas (SANTOS; MALDANER, 2011). Ao entender que o ensino deve estar associado a uma realidade próxima do aluno, na tentativa de conectar as experiências cotidianas com o pensamento reflexivo, a escola e os educadores deveriam substituir os métodos tradicionais (teórico, livresco, 21 memorizador, estimulando a passividade) por uma metodologia ativa, incluindo atividades experimentais. Dessa forma, o professor teria o papel de mediador, estimulando os alunos a descobrirem novos conceitos (SANTOS; MALDANER, 2011). O educador de química deve utilizar diferentes metodologias, marcando positivamente a vida escolar do aluno, organizando o ensino de modo que o estudante se sinta um ser ativo na sala de aula e não apenas um ouvinte, pois ensinar química em si é muito mais que quadro e giz. (NANNI, 2004, apud BORGES; SILVA, 2011). A possibilidade de interatividade com tipos diversificados de recursos é viável em virtude da sofisticação dos artefatos educacionais disponíveis. Tavares, citado por Santos e Maldaner (2011, p. 265) defende que “o professor poderia, além do livro didático, utilizar diferentes materiais como revistas, artigos científicos, sítios disponíveis na Internet, bem como materiais alternativos de diferentes autores” (SANTOS; MALDANER, 2011). O uso de metodologias alternativas de ensino pode possibilitar uma maior participação e interação dos alunos entre si e com os professores em sala. Além disso, podem ter como resultados: uma melhor compreensão por parte dos alunos da relação teoria-realidade; o levantamento de concepções prévias dos alunos sobre determinados fenômenos; a formulação de questões que gerem conflitos cognitivos em sala de aula a partir das concepções prévias, o desenvolvimento das habilidades cognitivas por meio da formulação e teste de hipóteses; a valorização de um ensino por investigação; a aprendizagem de valores e atitudes além dos conteúdos, entre outros (SANTOS; MALDANER, 2011). Ao invés de procurar “dar conta” de todos os conteúdos usualmente presentes em livros didáticos tradicionais, abordando uma enorme quantidade de informações químicas a serem memorizadas pelos alunos, o professor necessita, então, selecionar e organizar o conteúdo do seu ensino enfatizando o tratamento de temas e de conceitos centrais desta ciência para expressar o seu objeto de estudo e de investigação. Em outras palavras, ensine bem poucos conteúdos, mas que sejam fundamentais para abordar a identidade e a importância da química (SCHNETZLER, 2011). A ação de avaliar é intrínseca ao processo de ensinar e de aprender química, assim como nos demais componentes curriculares. Consiste na realização de ações, pelo professor e pelos alunos, com vistas ao acompanhamento ativo da evolução de aprendizagens relevantes e significativas, que contribuam para o desenvolvimento da competência necessária aos integrantes da sala de aula para a vida em sociedade. Nesse 22 sentido, a avaliação também é elemento essencial e necessário ao replanejamento das ações de ensino (RAMOS; MORAES, 2011). Os resultados de uma boa avaliação podem ajudar a redirecionar o planejamento do ensino de modo a melhor garantir as aprendizagens dos alunos. Uma avaliação de qualidade não se preocupa apenas com o aluno, mas considera igualmente o trabalho do professor, seu ensino e suas metodologias de trabalho. Quando alguma situação de aprendizagem se mostra problemática, as dificuldades podem tanto estar no aluno quanto no professor ou em sua atuação docente. A avaliação necessita preocupar-se com ambos os aspectos (RAMOS; MORAES, 2011). Portanto, “uma abordagem tradicional não atende as expectativas atuais, fazendo emergir um ensino de química voltado à construção e reconstrução de significados dos conceitos científicos nas atividades em sala de aula” (MALDANER, 2000, apud MELO, 2007, p. 72). Isso implica compreender o conhecimento científico e tecnológico para além do domínio estrito dos conceitos de química (MELO, 2007). Faz-se necessário a compreensão e apropriação do conhecimento químico, por meio do contato do aluno com o objeto de estudo da química, que é o estudo da matéria e suas transformações. Este processo deve ser planejado, organizado e dirigido pelo professor, numa relação dialógica, em que a aprendizagem dos conceitos químicos se realize para organizar o conhecimento científico (MELO, 2007). 2.4. DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE E OBSTÁCULOS A SEREM SUPERADOS As conhecidas dificuldades enfrentadas pelos professores na realização de suas práticas docentes estão num contexto socioeconômico e cultural que não favorece as mudanças: baixos salários; inexistência de tempos e espaços escolares que promovam momentos de interação, posto que em muitas escolas sequer existe uma sala ou uma biblioteca na qual os professores possam se reunir, e quando existe não se encontram porque vivem “correndo” de uma escola para outra no exercício de duplas ou triplas jornadas de trabalho. Esses deslocamentos demandam tempo e provocam cansaço e estresse, prejudiciais ao desenvolvimento de uma atividade didática satisfatória (ECHEVERRÍA; SOARES, 2007). 23 Os problemas defrontados pelos professores nas práticas educativas dentro da escola devem servir de ponto de partida para a desconstrução da tradição escolar com elementos considerados “fossilizados” por Marques (1990, apud ROSA; ROSSI, 2012) para a “desmontagem das subjetividades esquecidas das suas origens”, para o processo continuado de reflexão crítico-construtiva (ROSA; ROSSI, 2012). Para a construção da cidadania não é suficiente ensinar a química pela química, o processo é mais abrangente e necessita de uma (re)visão e (re)formulação curricular que contemple na sua totalidade os anseios maiores da sociedade. Deverá ser construído coletivamente por professores, alunos e sociedade, um projeto pedagógico que deixe claro “o que ensinar, para quem ensinar, como ensinar e para que ensinar” (FREIRE, 2000, apud CIRÍACO, 2009b, p. 6). As possibilidades de superação das limitações impostas à escola e ao atual sistema educacional passa, necessariamente, por sua autonomia, assim como de seus participantes, principalmente de seus professores, também protagonistas do processo ensino-aprendizagem em sala de aula, espaço de interações e de negociação de significados individuais e coletivos (ROSA; ROSSI, 2012). Além disso, com um olhar crítico e reflexivo sobre a própria prática, o professor poderá estabelecer uma relação mais clara, segura e consciente com o que faz em sala de aula, passando a entender como e porque age de determinada forma. Acredita-seque empregando uma postura reflexiva sobre a atividade docente desenvolvida, o professor em formação tem a oportunidade de melhor analisar e entender a sua prática, o seu papel no contexto dessa prática, bem como o papel dos seus alunos e, inclusive, de compreender seu processo de formação. Como afirma Ferreira (2001, apud BANNACH; SCHNITZLER; SCHEFFER, 2008, p. 104), ele terá a chance de analisar suas dificuldades, suas dúvidas, seus problemas e investigar as causas desses elementos existirem em sua prática, a fim de melhor compreender e lidar com eles. (BANNACH; SCHNITZLER; SCHEFFER, 2008). Um grande desafio que está posto na educação no momento atual é identificar mecanismos que possibilitem a interação do professor com ideias que promovam mudanças nas suas próprias práticas docentes, tirando-o do mundo limitado e isolado em que se encontra. O isolamento do professor no espaço restrito da escola, onde prevalecem as ideias do senso comum, com discussões teoricamente pobres, com ideias culturalmente arraigadas nas antigas práticas pedagógicas, favorece atitudes pautadas na permanência irrefletida na cotidianidade (ECHEVERRÍA; SOARES, 2007). 24 Em termos práticos, são enormes as dificuldades da realização de tais orientações, pela precarização do trabalho docente aliada às precariedades das condições de trabalho, ausência de ações pedagógicas responsáveis para mudança de tal situação, dentre muitos fatores que levam a certo descrédito do propósito de transformação real da escola, e também pela falta de vontade política dos governantes (CIRÍACO, 2009b). Explorando os aspectos relacionados à frustação na profissão, que é expressa pela maioria, verifica-se que essa frustação repousa em fatores como: os baixos salários, a ausência de condições para o bom exercício da profissão, os problemas relativos à formação para a profissão, as múltiplas exigências extraclasse e a indisciplina (GATTI, 1996a). Além disso, muitas escolas públicas estão desorganizadas, em se tratando de estrutura física, o que desfavorece as condições de aprendizagem. Na educação, já começa a haver certo acordo em relação à necessidade de mudanças nas práticas de ensino e uma solicitação por maiores investimentos. É necessário recuperar o prazer, valorizando o pensamento crítico, no sentido que o aluno demonstre seu raciocínio lógico (BORGES; SILVA, 2011). Os professores, por sua vez, devem buscar métodos que motivem seus alunos e a si próprios, promovendo uma melhor interação e uma melhora no rendimento escolar de seus alunos (VALENTE, 1993, apud BORGES; SILVA, 2011). Mudanças em direção a essa adequação envolvem uma série de investimentos: por parte dos professores, em estudos; por parte dos órgãos oficiais na elaboração de projetos de capacitação e de formação continuada do docente; e, por parte do Estado, na captação e alocação dos recursos financeiros e humanos (MELO, 2007). Nos últimos anos já ocorreram algumas mudanças significativas nas universidades brasileiras como consequência das políticas públicas. Destaca-se, no caso da química, a criação de novos cursos de licenciatura por meio do REUNI, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID – CAPES) e os Mestrados Profissionais em Ensino de Ciências. Tais ações estão impactando na contratação de profissionais da área de ensino de química para as universidades, bem como, na criação ou consolidação dos cursos de licenciatura e de vários grupos de pesquisa emergentes nesta área. A presença cada vez maior da pesquisa em ensino de química nas universidades tem culminado em novos moldes para os cursos de licenciatura, que valorizam a relação entre teoria e prática, a pesquisa como princípio formador e a importância do estágio supervisionado e da prática de ensino para a formação docente. Os projetos PIBID das mais diversas universidades públicas têm possibilitado a inserção 25 dos estudantes da licenciatura nas escolas desde o início de seus cursos, e os levado a (re)pensar a prática docente a partir da vivência nos espaços da escola e da pesquisa. O retorno dos professores para a universidade, a importância de se trabalhar com pesquisas que estejam voltadas para os problemas dos professores da educação básica e a necessidade de se pensar nos mesmos à luz de referencias teóricos tem sido objetivos contemplados pelos mestrados profissionais (ENEQ, 2014). 26 3. OBJETIVOS 3.1. OBJETIVO GERAL Investigar as concepções dos professores de química da rede estadual de ensino de São Mateus/ES sobre a própria prática docente, a importância da formação inicial e continuada, as metodologias que utilizam para ministrar os conteúdos e avaliar a aprendizagem, as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar e as expectativas para a educação básica. 3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS i - Revisar a bibliografia sobre a ação dos professores de química no contexto escolar e sua prática docente; ii – Elaborar o questionário com questões relativas à formação inicial e continuada dos professores, às metodologias de ensino e avaliação didática, aos desafios da prática docente, e às visões e expectativas para a educação básica; iii – Aplicar o questionário aos professores de química da rede estadual de ensino de São Mateus/ES; iv – Analisar as respostas dos professores ao questionário com base na análise de conteúdo de Bardin. 27 4. METODOLOGIA Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica (livros, artigos científicos, periódicos, dissertações) para identificar as situações semelhantes na literatura existente e justificar a relevância do tema da pesquisa com base no conjunto de conhecimentos já desenvolvidos anteriormente por diferentes autores. Nesse sentido, Ciríaco (2009a) afirma que a pesquisa bibliográfica se constitui parte da pesquisa a se realizar, enquanto feita com objetivo de colher informações e conhecimentos prévios relativos ao problema do qual se está buscando respostas. A pesquisa qualitativa descritiva realizada neste trabalho envolveu a participação de docentes, efetivos e de designação temporária, que ministram aulas de química no ensino médio em escolas da rede estadual de São Mateus/ES. Como técnica de coleta de dados foi aplicado um questionário misto aos docentes (Apêndice A) contendo questões fechadas e abertas. O questionário, como definido por Yaremko (1986, apud MELO, 2007, p. 95), representa um conjunto de perguntas sobre um tópico que não testa a habilidade do respondente, mas mede sua opinião, seus interesses, aspectos de personalidade e informação biográfica (MELO, 2007). Também foram entregues os termos de esclarecimento sobre a pesquisa (Apêndice B) e consentimento de participação (Apêndice C). O questionário foi entregue para nove docentes e seis deles o devolveram preenchido após uma semana. Todos foram comunicados dos propósitos da pesquisa e autorizaram a divulgação dos dados, preservadas suas identidades. Com o questionário foram obtidas informações relativas à formação inicial e continuada, metodologias de ensino, dificuldades da prática docente e expectativas futuras para a educação. “A utilização do questionário tem como vantagens o uso eficiente do tempo, o anonimato para os respondentes e perguntas padronizadas” (MOREIRA; CALEFFE, 2006, apud CIRÍACO, 2009a, p. 25). As análises das respostas fornecidas pelos professores que responderem ao questionário foram feitas de forma qualitativa, com vistas à identificação, classificação e categorização dos dados, buscando garantir uma análise de interpretação mais próxima da realidade investigada. Para este fim, foram utilizadas as fases da análise de conteúdo propostas por Bardin (1977): pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. 28 5. RESULTADOSE DISCUSSÃO Os questionários respondidos pelos seis professores foram analisados, e os professores que fizeram parte da pesquisa foram codificados de P1 a P6. As respostas foram alocadas em quatro categorias: formação inicial e continuada; metodologias de ensino e avaliação didática; desafios da prática docente; visões e expectativas para a educação básica. Do total de seis professores participantes da pesquisa, cinco são do sexo feminino e um do sexo masculino. Todos eles lecionam aulas de química apenas na rede estadual de ensino, para turmas de ensino médio; dois deles atuam em mais de uma escola; e um deles leciona ciências no ensino fundamental. Em relação à idade dos professores, dois deles têm entre 20 e 30 anos, três têm entre 30 e 40 anos, e apenas um têm entre 40 e 50 anos. Em relação ao tempo na profissão, dois deles lecionam há menos de 5 anos, outros dois lecionam entre 5 e 10 anos, e dois possuem mais de 10 anos de experiência docente. 5.1. FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996), Lei n.o 9.394/96, dispõe sobre o perfil dos profissionais da educação. Art. 62º. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se- á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, 1996). A Tabela 1 revela o perfil dos professores participantes da pesquisa em relação à formação inicial, evidenciando que a maior parte deles possui formação específica na área, mas ainda existem professores com formação em outras áreas atuando no ensino de química da educação básica. 29 Tabela 1 – Formação inicial dos professores de química FORMAÇÃO INICIAL PROFESSORES Química (Licenciatura) P1 Química (Licenciatura e Bacharelado) P3, P4, P5 Farmácia e Bioquímica P2 Farmácia P6 Gatti (1996b) revela em seu trabalho “Diagnóstico, problematização e aspectos conceituais sobre a formação do magistério” que, considerando as regiões sul e sudeste, o Espírito Santo é o estado com a menor taxa de funções docentes exibindo licenciatura completa (57,7%), seguido por Minas Gerais (68,7%) e Santa Catarina (64,1%) (GATTI, 1996b). A Resolução CNE/CP Nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, expõe no seu Artigo 7º que: A organização institucional da formação dos professores, a serviço do desenvolvimento de competências, levará em conta que: I - a formação deverá ser realizada em processo autônomo, em curso de licenciatura plena, numa estrutura com identidade própria (BRASIL, 2002b). A formação de professores no país atualmente ainda sofre, primeiramente, com os impactos do crescimento rápido das redes públicas e privada de ensino, e das improvisações que foram necessárias para que as escolas funcionassem, o que criou a representação que formar professor pode ser um processo rápido e aligeirado. E, segundo, com as consequências advindas da adoção do modelo chamado de "3+1": bacharelado em área disciplinar mais apenas um ano de formação em educação para obtenção de licenciatura, o que permitiria ao profissional lecionar em escolas. Este modelo traz o problema de se centrar o perfil de formação quase somente no conhecimento disciplinar específico (biólogo, físico, químico, linguista etc.) e não na formação de um professor para a educação básica, onde deverá trabalhar com crianças e adolescentes em desenvolvimento (GATTI, 2013). Os dados da pesquisa corroboram com o quadro atual descrito por Bizzo (2005, apud STRIEDER, 2010, p. 55-56) que diz: “As aulas de ciências, tanto no ensino fundamental como no ensino médio, têm sido ministradas por profissionais de outras 30 áreas que complementam jornadas de trabalho, a pretexto de não deixar alunos sem aulas”. Tal “improvisação”, que é “verdadeiramente lesiva”, é solicitada “pelo próprio órgão encarregado de supervisionar o respeito às normas”, órgão que “tolera profissionais sem preparo específico e sequer os contabiliza como leigos nas estatísticas oficiais e no senso escolar, quando se localizam em escolas públicas” (STRIEDER, 2010). Tal situação não aparece nas estatísticas educacionais e cria o que pode ser denominado de “leigo-oculto”, pois acaba conferindo o mesmo status a professores com formação na área da sua atuação e a professores improvisados em disciplinas para as quais não possuem preparo. Sob o argumento da falta de pessoal qualificado para atuar em determinadas disciplinas, é acobertada a falta de uma política de formação para o setor, renovando a prática do improviso a cada ano e colaborando para manter a baixa qualidade da educação básica no país (STRIEDER, 2010). Cinco dos professores participantes da pesquisa reconhecem que a formação específica é importante para preparar o profissional para a docência, orientá-lo a respeito das práticas pedagógicas e inseri-lo na política educacional. Vale destacar duas concepções. P1 – Dar suporte nas questões didáticas, pedagógicas, compreender como o aluno aprende e como nós professores podemos dar assessoria a esse processo. P2 – A licenciatura por ser específica, contitui o alicerce para a formação de professores, trazendo um ensino com qualidade. As licenciaturas são espaços, por excelência, destinados à formação de professores. Portanto, para formar esse profissional, é necessário um conjunto de disciplinas científicas e outro de disciplinas pedagógicas, que fornece as bases para sua ação. No estágio supervisionado, o futuro professor aplica tais conhecimentos e habilidades científicas e pedagógicas às situações práticas de aula (MELO, 2007). Alguns professores, entretanto, acreditam que para exercer sua prática necessitam somente conhecer os conteúdos básicos e algumas técnicas para repassá-los. Não há nessa concepção uma preocupação sobre o que, por que e como ensinar (ECHEVERRÍA; SOARES, 2007). A preocupação do MEC com a formação de professores, induzindo a ampliação de vagas para os cursos de licenciatura nas universidades públicas, é recente e vem ao encontro das novas necessidades. Outras medidas adicionais, como bolsas de docência e 31 criação das licenciaturas de educação à distância também tem potencial para aumentar o contingente de licenciados (MALDANER, 2012). Quando questionados sobre a motivação para a escolha da carreira docente, quatro profesores revelaram que o gosto por ensinar, desenvolvido pelo contato com os alunos durante o estágio curricular, foi o responsável pela decisão. Os outros dois disseram que foram influenciados a seguir a carreira familiar. Nessa perspectiva, destacam-se três respostas. P1 – Aconteceu de forma gradativa, durante meu estágio na licenciatura, vi a possibilidade de fazer diferente, de motivar os alunos, de despertar o interesse deles pelo conhecimento em química. P3 – O contato com a educação, estar em sala, observando, fazendo estágio. P4 – A família toda era de professor. Os dados em relação à formação continuada dos professores estão expostos no Organograma 1, e revela a preocupação da maioria dos docentes em se aperfeiçoar na profissão. Organograma 1 – Formação continuada dos professores de química, por área e subárea A formação continuada de professores tem sido entendida como um processo permanente de aperfeiçoamento dos saberes necessários à atividade profissional, realizado após a formação inicial, com o objetivo de assegurar um ensino de melhor FO RM A ÇÃ O C O N TI N U A D A Complementação pedagógicaQuímica (P2, P6) Especialização Ensino na educação básica (P1) Metodologia do ensino de química (P6) Ensino médio integrado (P3) Informática na educação (P2) Docência do ensino superior (P2) Mestrado Ensino na educação básica (P1) Ciências da educação (P2) Físico-química (P4) 32 qualidade aos educandos (CHIMENTÃO, 2009). Todos os professores entrevistados reconhecem a importância da formação continuada para a carreira, pois acreditam que dessa forma ampliam os conhecimentos, se mantêm atualizados e são motivados. Destaca-se a resposta de um dos professores: P1 – Trazer novidades, troca de informações, ideias de experiências bem sucedidas e também mal sucedidas, a fim de adequar e corrigir falhas. Os seis disseram buscar se atualizar através de cursos de pós-graduação; participação em congressos, simpósios, debates, cursos oferecidos pela Secretaria de Educação, presenciais e/ou à distância; leitura de artigos científicos, revistas, estudos disponibilizados pelas universidades. Eles acreditam que os cursos de formação continuada influenciam em suas práticas pedagógicas, pois proporcionam reflexão sobre as próprias ações, discussão sobre o que é positivo ou não para os alunos, aprendizagem de novas ferramentas de ensino, o que gera mudanças e evoluções positivas. Vale destacar uma das respostas. P2 – Na construção do saber, troca de ideias, nos orientando para as ações em sala de aula, melhorando nossa didática. Professores de química em exercício, como quaisquer outros profissionais, necessitam de eficientes programas de formação continuada. Nesse sentido, é necessário investir em iniciativas como: o oferecimento de cursos de extensão dirigidos a professores e a realização de eventos profissionais ou científicos para congregar professores em exercício e também pesquisadores e estudantes (ROSA et al., 2012). Neste viés, torna-se urgente a necessidade de serem desenvolvidas ações e programas de formação continuada de professores, com a presença conjunta de professores universitários de química que atuam em cursos de licenciatura e a de pesquisadores da área de educação química. Com a mediação destes últimos pode ser possível e viável o compartilhamento de importantes contribuições da área com os professores de química da educação básica, introduzindo-os na investigação do/no ensino de química e auxiliando-os na proposição de melhorias à formação e atuação docentes (SCHNETZLER, 2011). 33 5.2. METODOLOGIAS DE ENSINO E AVALIAÇÃO DIDÁTICA A elaboração do novo currículo tem como foco inovador a definição do Conteúdo Básico Comum - CBC para cada disciplina da educação básica. O CBC considera uma parte do programa curricular de uma disciplina cuja implementação é obrigatória em todas as escolas da rede estadual. Essa proposta traz implícita a ideia de que existe um conteúdo básico de cada disciplina que é necessário e fundamental para a formação da cidadania e que precisa ser aprendido por todos os estudantes da educação básica da rede estadual, correspondendo a 70% de todo o conteúdo trabalhado durante o ano letivo. Além do CBC, outros conteúdos complementares deverão ser acrescentados de acordo com a realidade sociocultural da região onde a unidade escolar está inserida, correspondendo aos 30% restantes (ESPÍRITO SANTO, 2009). Os professores participantes da pesquisa concordam em partes com a formulação e divisão do CBC. Eles avaliam o CBC como sendo um documento necessário na organização dos conteúdos a serem trabalhados durante o ano letivo, entretanto, acreditam que deveria haver uma maior participação dos docentes na elaboração do documento, que são muitos conteúdos para serem trabalhados em um curto espaço de tempo e que nem sempre tais conteúdos condizem com as necessidades educacionais reveladas em sala de aula. P1 – Avalio como um documento necessário […] mas não se aplica a necessidade de aprendizado, trazendo o currículo de forma “engessada” e muitas vezes sem possibilidade de trabalhar criando elos de ligação entre os conteúdos. P5 – Regular, é necessário adaptá-lo a realidade. Para contemplar o pensamento do aluno e também os diferentes contextos nos quais a química é relevante, é necessário que o programa seja bem dimensionado em relação à quantidade de conceitos a serem abordados e que promova o desenvolvimento dos conceitos científicos. Trabalhar com um número excessivo de conceitos, como ocorre nos currículos tradicionais, tem como pressuposto que aprender química é tão- somente aprender o conteúdo químico (MACHADO; MORTIMER, 2007). Maldaner (2000, apud MELO, 2007, p. 41) propõe um novo caminho de desenvolvimento curricular no ensino de química, que envolva a participação de professores de escola, por meio de pesquisas que demonstrem os interesses dos alunos, 34 para que a partir dos quais os conteúdos sejam selecionados, evitando assim sua descontextualização e contemplando a vivência dos alunos. O autor crê que, por meio dessa ação mediada pelo professor, seja possível uma efetiva melhoria no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem em química (MELO, 2007). Apesar desta discordância parcial, todos os professores, exceto um deles, busca seguir as orientações estabelecidas pela Secretaria de Educação, mas revelam não fazê- lo de forma criteriosa, pois nem sempre a carga horária das aulas é suficiente para aplicar todos os conteúdos do CBC e, assim, é preciso selecionar e adequar os conteúdos à realidade e nível cognitivo da turma. P4 – Sim, procuro seguir e algumas vezes tenho que priorizar outros conteúdos deixando de cumprir integralmente o CBC. P5 – Não, porque o nível dos nossos estudantes está abaixo do básico. No contexto educacional, o cotidiano escolar pode ser pensado como a dinâmica de ações, que são repetições, mas que, além disso, são também criações. Estudar o cotidiano escolar é procurar compreender também uma dimensão do currículo, entendido como o conjunto de documentos, normas, regulamentos, princípios, conteúdos e, especialmente, práticas que orientam as ações educativas. Dessa forma, é necessário que o currículo-cotidiano seja entendido nos contextos históricos em que ele se encontra inserido, como constituído também pelas práticas dos professores e da própria instituição, e não como um processo pronto e acabado, tampouco como resultado de evoluções contínuas (ROSA; ROSSI, 2012). Não podemos considerar currículo apenas como um conjunto de disciplinas, uma grade curricular ou um conjunto de conteúdos e metodologias (ROSA; ROSSI, 2012). Nesse sentido insere-se o currículo oculto, conceito fundamental na teoria do currículo, que “constitui-se daqueles do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial explícito, contribui de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes” (BERNSTEIN, 2003, apud SILVA et al., 2014, p. 12). Quanto ao uso do currículo oculto na prática docente, a metade dos professores questionados na pesquisa disseram fazer uso deste. Dois responderam negativamente, e um não soube responder. Nesse sentido, revela-se a autonomia do professor, definida como o exercício da liberdade de decidir e agir. Decidir o que, o quando e o como ensinar. Agir, referindo-se 35 à execução as estratégias que considerar mais adequadas na interação com o aluno, tendo-o como foco predominante para o dimensionamento do que seja “adequado” (GAUCHE; TUNES, 2012). A procura por estratégias e metodologias para se ensinar algo deve ser uma constante no trabalho do professor, pois a diversidade de propostas enriquecerá tanto a sua atuação em sala de aula como o seu próprio conhecimento e experiência profissional (SANTANA; SILVA, 2014). A Tabela 2 mostra os principais materiais e métodos adotados pelos professores em sala de aula parao ensino de química. Tabela 2 – Materiais e metodologias adotadas pelos professores para o ensino de química MATERIAIS E METODOLOGIAS PROFESSORES Livro didático P1, P2, P3, P4, P5, P6 Artigos P1, P2, P3, P6 Revistas P1, P2, P3, P6 Aulas práticas P1, P2, P3, P4, P5, P6 Outros (jogos lúdicos e atividades diferenciadas) P1, P2 Os dados revelam que a maioria dos professores utilizam materiais diversos e metodologias alternativas para o ensino de química. Além destas citadas anteriormente, eles revelaram diversificar as aulas com aplicação de jogos didáticos, uso de tecnologias (informática e vídeo), seminários, apresentações e debates, pois acreditam que, dessa maneira, as aulas se tornam mais interessantes para os alunos. Um deles disse ter dificuldades em utilizar metodologias alternativas de ensino em razão da falta de tempo e rigidez da escola. Destaca-se a resposta de P1. P1 – Somente o ensino tradicional não é sufuciente para garantir qualidade no processo de ensino e aprendizagem. Formar para a cidadania deve ser o princípio da educação básica brasileira, e o ensino de ciências não deve valorizar o acúmulo de informações, mas sim a criatividade, nas atividades práticas experimentais, nas atividades lúdicas, nas discussões de textos, nas resoluções de problemas, pois, pensar ciências relaciona-se, 36 diretamente, com a formação de pessoas que possam participar ativamente dessa sociedade (SANTANA; SILVA, 2014). Dentre os diversos recursos pedagógicos disponíveis aos professores, destaca-se a experimentação, que contempla diversas habilidades, principalmente as cognitivas (HODSON, apud SUART, 2014, p. 71). A experimentação no ensino pode ser entendida como uma atividade que permite a articulação entre fenômenos e teorias. Desta forma, o aprender ciências deve ser sempre uma relação constante entre o fazer e o pensar (SANTOS; MALDANER, 2011). A experimentação permite ao aluno a tomada de dados significativos, com as quais possa verificar ou propor hipóteses explicativas e, preferencialmente, fazer previsões sobre outras experiências não realizadas (BRASIL, 1998). Os professores reconhecem a importância da experimentação para o processo de aprendizagem, não apenas pelo seu caráter motivador como descrevem P4 e P6, mas também para elucidação e concretização de alguns conceitos vistos na teoria, conforme relata P2. P4 – A experimentação sai da rotina, atrai o aluno [...]. P6 – Os alunos conseguem aprender melhor com aulas diferenciadas, há uma concentração maior dos alunos. P2 – Tem uma grande importância, pois os alunos colocam em prática o conteúdo estudado, facilitando a explicação, além de motivar o interesse pelos estudos de química. O professor, ao elaborar atividades experimentais, deve preocupar-se em desenvolver nos alunos habilidades como resolução de problemas, reflexão sobre as situações propostas, proposição de hipóteses e análise de resultados (GIL-PÉREZ; VALDÉS CASTRO, apud SANTANA; SILVA, 2014, p. 74). Quanto mais integradas estiverem a teoria e a prática, mais sólida se torna à aprendizagem em química. Ela cumpre sua verdadeira função dentro do ensino, contribuindo para a construção do conhecimento químico, não de forma linear, mas transversal, ou seja, não apenas trabalha a química no cumprimento da sua sequência de conteúdos, mas interage o conteúdo com o mundo vivencial dos alunos de forma diversificada, associada à experimentação do dia-a-dia, aproveitando suas argumentações e indagações (MIRANDA, 2007). Com situações simples do cotidiano dos alunos, os professores podem, em primeiro momento, conhecer as concepções que os alunos trazem sobre o assunto e 37 colocá-las em discussão, de forma que, com o desenvolvimento do conteúdo e do experimento, os alunos consigam propor uma solução para o problema investigado (SANTANA; SILVA, 2014). Apesar de reconhecerem sua importância, os docentes envolvidos na pesquisa esbarram em diversas dificuldades para a inserção da experimentação como a falta de vidrarias e reagentes, o pouco tempo para planejamento das aulas, a falta de técnico laboratorista para auxiliar no preparo das práticas e organização do laboratório, e a grande quantidade de alunos por turma. Driblar tais dificuldades é de grande importância, para que se possa retirar o “rótulo de que a química é uma matéria difícil”, pois o desenvolvimento das aulas práticas não está vinculado exclusivamente ao laboratório, assim como desenvolver um experimento que seja sofisticado não irá garantir que o aluno consiga aprender tudo o que ele precisa. Existem algumas aulas práticas que podem ser realizadas em sala, com materiais de baixo custo adquiridos em farmácias, supermercados, casas de materiais para construção etc. Para que essas aulas práticas possam acontecer, o professor precisa apresentar motivação, planejamento e conhecimento. Com isso pode-se despertar nos alunos um maior interesse em aprender química, pois eles estarão exercitando o raciocínio, manipulando e criando seus próprios experimentos (CASTELEINS, 2011). Cinco dos seis professores disseram que a escola na qual atuam possui laboratório de química ou ciências, com excessão de um deles, por estar atuando em um prédio provisório em função da reforma da escola. Além disso, estes professores revelaram que, apesar de algumas limitações, os laboratórios possuem estrutura para atender os alunos durante as aulas práticas. P1 – Espaço físico sim, vidrarias e reagents nem sempre são comprados, mas dá pra adaptar com o que tem e também fazer substituições por materiais de fácil acesso como copos descartáveis, vidros de maionese e outros. Não que isso seja o ideal, mas é uma alternativa. A frequência com que os professores realizam aulas práticas, em laboratório ou em sala de aula, variou conforme mostra o Gráfico 1. 38 Gráfico 1 – Frequência quanto à realização de aulas práticas, por número de professores. Avaliar é modo de estabelecer rumos ao processo de aprender. Os instrumentos e procedimentos de avaliação tem o papel de contribuir na construção de argumentos sobre como está ocorrendo o processo de ensino e de aprendizagem e é nesse papel que reside a sua importância, principalmente quando se trata do desenvolvimento de capacidades mais complexas. A avaliação consiste na contínua busca de compreensão, pelos sujeitos envolvidos, da evolução do processo de aprender, com base em dados e informações relevantes, para decidir o que e como fazer de modo que ocorram aprendizagens significativas para a vida presente e futura, por meio do acompanhamento crítico das produções dos alunos (RAMOS; MORAES, 2011). Como forma de avaliação didática, os professores revelaram utilizar recursos variados, e não apenas a tradicional prova escrita. Dentre eles destaca-se o uso de exercícios em sala de aula, apresentação de seminários e realização de experimentos pelos alunos. Os dados revelam que os professores envolvidos na pesquisa tem uma compreensão atual do verdadeiro processo de avaliação, e se enquadram na concepção geral de Ramos e Moraes (2011), de que é preciso superar a cultura da nota, buscando valorizar mais o processo de aprender. Nesse sentido, é necessário redefinir o conceito de prova, passando a ser todo o meio capaz de apresentar evidências de aprendizagens ou de não aprendizagens. Registros de observações, textos produzidos pelos alunos, relatos escritos e orais, resumos, relatórios de investigações, respostas a testes escritos, produtos de construções de materiais concretos, registros de habilidades e atitudes manifestadas em aulas práticas, entre muitos outros, são possíveis formas de 3 1 1 1 Uma vez por mês (P2, P5, P6) Três a quatro vezes por mês (P1) Poucas vezes ano ano (P4)Não respondeu (P3) 39 explicitação de aprendizagens ou de dificuldades de aprender. São esses meios que contribuem para a identificação de evidências, base para a tomada de decisão, pelo professor, sobre o que fazer para superar as dificuldades de aprendizagem ou para propor situações que estimulem os alunos a avançar mais (RAMOS; MORAES, 2011). A análise dos resultados das avaliações e dos indicadores de desempenho deverá permitir às escolas, com o apoio das demais instâncias dos sistemas de ensino, avaliar seus processos, verificar suas debilidades e qualidades e planejar a melhoria do processo educativo. Da mesma forma, deverá permitir aos organismos responsáveis pela política educacional desenvolver mecanismos de compensação que superem gradativamente as desigualdades educacionais (BRASIL, 1998). 5.3. DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE As principais dificuldades encontradas pelos professores para o ensino de química estão relacionadas, em geral, aos alunos, como, por exemplo, falta de interesse e comprometimento, desorganização da sala, falta de base nas séries anteriores, dificuldade em associar a química com o cotidiano, excesso de alunos por turma. Dois deles reconhecem dificuldades alheias aos alunos como o pouco tempo para planejar e ministrar as aulas. P2 – Falta de interesse dos alunos, falta de recursos, excesso de alunos por turma, a pouca cultura de estudos. P6 – Dificuldade do aluno associar a química com o meio em que vive (cotidiano). Um dos grandes desafios do ensino de ciências nas escolas de nível fundamental e médio é estabelecer uma relação entre o conhecimento ensinado e o cotidiano dos alunos. A ausência deste vínculo gera apatia e distanciamento entre os alunos e atinge também os próprios professores. A crescente preocupação com o ensino tem feito com que se busquem novas alternativas para tornar a química uma disciplina mais atraente que resulte em uma maior motivação e envolvimento dos alunos durante as aulas (ROSA; ROSSI, 2008, apud BORGES; SILVA, 2011, p. 3). 40 Quando questionados sobre as principais dificuldades dos alunos em aprender química, os professores relataram que os problemas estão além da falta de compreensão de conceitos básicos da disciplina. Os discentes chegam ao ensino médio sem base de cálculos matemáticos simples e leitura/interpretação de texto, o que torna a aprendizagem da química desprazerosa e complexa, como relata P6. Além disso, atribuem à falta de interesse dos próprios alunos uma das grandes barreiras para a compreensão da matéria. Porém, para P1, a desmotivação dos alunos pode estar diretamente ligada a atuação do próprio professor. P6 – Os alunos chegam no ensino médio sem base alguma sobre conceitos básicos como moléculas, substâncias, átomos, entre outros. Assim acham a química chata e complexa. Possuem muita dificuldade em relacionar a química com matemática. Não conseguem relacionar o cotidiano com a química. P1 – A base matemática e a leitura/interpretação de texto são a meu ver as principais, porém a falta de estímulo por parte dos professores também contribui para a desmotivação e falta de interesse/curiosidade sobre a disciplina. Comumente, os professores de química do ensino médio consideram que seus alunos não conseguem aprender determinados conceitos químicos porque acreditam que eles iniciam o ensino médio com muitas falhas e lacunas de aprendizagem, como, por exemplo, dificuldades em interpretar gráficos, tabelas, dados experimentais, enunciados e exercícios (SANTANA; SILVA, 2014). Questionou-se também aos professores sobre as principais dificuldades da profissão em relação a cinco grandes áreas, sendo elas: 1 – Escola (estrutura, espaço físico); 2 – Alunos (quantidade, falta de interesse); 3 – Externas à escola (salário, carga horária); 4 – Professor (formação inicial, tempo de dedicação); 5 – Outros; As respostas dos professores estão resumidas no Organograma 2. 41 Organograma 2 – Dificuldades da profissão de professor, por área e subárea. Trazemos conosco o pressuposto de que o insucesso escolar está associado às oposições, estabelecidas nas práticas e nos discursos, entre as culturas juvenil e escolar. Como a escola olha e se mostra para jovens estudantes de ensino médio? Como os jovens percebem o funcionamento e o sentido da escola em suas vidas? Como são e o que significam, para os jovens, as aulas de química? Estudos apontam que o insucesso escolar, como previsto, estaria relacionado à mútua negação aluno versus escola, podendo, desse modo, ser considerado um atributo de identidade projetado para os jovens de classes populares (“indisciplinados”, “desinteressados”, “nem aí!”) (LEAL; ROCHA, 2012). Em vistas às dificuldades, os professores relataram quais as principais ações adotadas por eles mesmos e pela escola para superá-las. Destacam-se três respostas bastante divergente. 42 P1 – As ações são isoladas e de cunho pessoal. P2 – Planejamento político-pedagógico das escolas precisa ser construído no coletivo, envolvendo estudantes, professores, direção, famílias e a sociedade, e já está sendo realizado na escola que atuo. P4 – Muitas vezes ignoro os problemas pois sei que não adianta o aluno passar pela coordenação. Converso com os alunos. Ações do Ministério de Educação vem sendo implantadas com vistas à auxiliar os professores e alunos no processo de aprendizagem nas áreas específicas. Um dos programas é o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID. O PIBID é uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para a educação básica. O programa concede bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com escolas de educação básica da rede pública de ensino. Os projetos devem promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola (BRASIL, 2008). Quatro professores são favoráveis a essas ações e vêem como positiva a participação dos monitores do PIBID na realidade escolar, como uma importante contribuição para a melhoria da qualidade de ensino, na medida em que propõem novas metodologias de ensino. Uma das prerrogativas para a efetivação do processo de ensino e aprendizagem é a boa relação aluno/professor. Cinco docentes acreditam que este fator é essencial, pois quando essa relação é saudável, o aluno passa a enxergar a disciplina de outra maneira, com bons olhos, pois se sentem mais motivados, receptivos e confiantes. Apenas um dos professores não acredita que este seja um fator fundamental. P1 – Criar vínculo e confiança no professor favorece o interesse do aluno, pois de alguma forma isso passa a ser significativo e contribui para a aprendizagem. P4 – É tudo que a gente tem, depois de criado esse vínculo o comportamento em sala, o respeito melhora. P3 – Auxilia no processo de aprendizagem, mas não é fator fundamental. 43 Ressalta-se o aluno como foco da ação docente, na constituição da autonomia, que se configura como oportunidade de conhecimento desse ser especial, com o qual precisa haver “intimidade”. Essa “intimidade” relaciona-se à proximidade afetiva fraterna, mas talvez, sobretudo, à cumplicidade no processo ensino-aprendizagem, cujo principal fim é o do crescimento pessoal e coletivo, por meio do domínio de conhecimento, sempre visando, em última instância, ao desenvolvimento da autonomia coletiva. A autonomia é desenvolvida com seu próprio exercício, todo voltado ao conhecimento do outro, ao conhecimento e ao convencimento do aluno, cúmplice e coautor
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