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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA - FAMEB MEDICINA SOCIAL E CLÍNICA I – MEDB10 DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA E SOCIAL DOCENTE: EDUARDO JOSÉ REIS DISCENTE: MARIA VITÓRIA MASCARENHAS SILVA ATIVIDADE FINAL DA UA1 – PRODUÇÃO TEXTUAL Caso Serafina à luz das Ciências Sociais aplicadas à Saúde (Determinantes Sociais da Saúde e Cultura) A Medicina Social surgiu num determinado momento histórico com o objetivo de gerir a vida dos indivíduos, compreendendo os problemas de saúde que afligem a coletividade e buscando alternativas que contemplem uma articulação entre a medicina, as ciências sociais e determinação social das doenças. Dessa forma, a necessidade de uma interpretação mais ampla sobre a causa das doenças corroborou para o surgimento da noção de determinação social em saúde, pautada na defesa dos processos de adoecimento como um reflexo sociocultural que envolve todas as dimensões do sujeito e das coletividades (GARBOIS, 2017). Assim, ficou nítido o quanto as condições sociais e econômicas influenciam decisivamente nas condições de saúde de pessoas, considerando que a maior parte das doenças, assim como as iniquidades em saúde, acontecem por conta das condições que os indivíduos nascem, vivem, trabalham e envelhecem, esse conjunto de condicionantes são denominados “determinantes sociais da saúde (CARVALHO, 2013). Para ilustrar essas temáticas importantes como determinantes sociais da saúde e cultura, o caso Serafina que apesar de fictício, discute e escancara a realidade de muitos brasileiros no cenário pandêmico. Os determinantes geram a estratificação social, estão relacionados aos contextos sociais (etnia, classe, gênero), econômicos (distribuição de renda), políticos (políticas públicas, sociais, macroeconômicas), culturais (valores sociais) e o preconceito (gênero, etnia, deficiências). Esses determinantes estruturais são operados pelos determinantes intermediários, que estão relacionados com as condições de vida, circunstâncias materiais, fatores psicossociais, Vitoria comportamentais, biológicos e até mesmo o sistema de saúde, os quais moldam os efeitos na saúde dos sujeitos (GARBOIS, 2017). No caso Serafina, existe uma diferença entre os determinantes estruturais e intermediários dela e sua patroa. Ana Maria possui o poder e prestígio de ser uma promotora de justiça, teve acesso a uma boa educação, renda alta, desenvolve seu trabalho em Home Office sem descontos salariais, possui plano de saúde e mora em apartamento grande em um bairro nobre. Serafina empregada doméstica, não ocupa um local de prestigio e poder na sociedade, não concluiu os estudos, possui uma renda mensal baixa que sustenta sua família de 6 pessoas, mora em casa pequena, em um bairro periférico, hipertensa e obesa, não é acompanhada frequentemente pela Equipe de Saúde da Família. Diante dos fatos retratados acima, é notório perceber o quanto os determinantes sociais da saúde (estruturais e intermediários), são decisivos no processo de adoecimento de cada uma, principalmente quando considerada as condições de vida e trabalho, e o acesso diferenciado aos serviços de saúde. No caso Serafina por exemplo, tanto ela quanto Ana Maria são contaminadas pela COVID-19, entretanto o processo de adoecimento das duas se estabelece de diferentes formas. Ana Maria, provavelmente se contaminou em uma tour na Europa, foi prontamente levada para um hospital privado, no qual foi rapidamente diagnosticada com COVID-19, sem comorbidades ficou dois dias internada, onde os custos da internação foram cobertos pelo seu plano de saúde. Já Serafina, se contaminou na casa da sua patroa, pois não teve escolha de fazer o isolamento social em casa, necessitava trabalhar, nos primeiros dias dos sintomas tomou chá, mel, foi rezada de espinhela caída e quando não suportou mais foi para UPA, na qual demorou algumas horas para ser atendida e diagnosticada, esperando mais doze horas para conseguir um leito de UTI, com comorbidades passou quatorze dias internada, sobreviveu e teve seu salário cortado por conta dos dias em tratamento. Desse modo, é perceptível que a pandemia da COVID-19 atingiu os indivíduos de diferentes formas, estando alguns em maior vulnerabilidade que outros. A pandemia apesar de ser causada por um novo tipo de vírus o SARS-CoV-2, uma nova cepa de Coronavírus, escancarou as desigualdades sociais e tem nos mostrado o quanto ela não é apenas, um processo puramente biomédico, mas também social. Afinal as condições sociais dos sujeitos determinarão a sua condição de saúde e consequentemente, a vulnerabilidade em ser atingido pela doença (SANTOS, 2020). Esse caso especifico, nos permite refletir sobre a gravidade que pandemia pode impactar nas comunidades mais pobres, especialmente em um país capitalista como o Brasil, no qual as pessoas precisam pagar para ter acesso ao básico necessário para sobreviver, quando possível, visto que muitos não tem o acesso devido a água tratada, saneamento e estrutura para prevenção adequada da COVID-19 (SOUZA, 2020). As Serafinas brasileiras/os, são representados por minorias raciais e étnicas que trabalham em empregos informais e carecem de recursos financeiros necessários para o auto isolamento, o qual torna- se impossível praticar. Assim, marcadores de classe e raça, determinam vulnerabilidades e exposições diferenciadas nas condições de saúde e refletem o lugar que cada um ocupa dentro das hierarquias sociais (ESTRELA, 2020). No processo de adoecimento e cura, Serafina ingressou em subsistemas da saúde, os quais foram identificados nos seguintes momentos: O subsistema familiar/informal, quando nos primeiros sintomas da COVID-19, ela toma chá de limão com mel e repousou, nesse subsistema os cuidados podem ser adotados pela pessoa doente ou pela família e incluem: remédios caseiros, repouso, suporte emocional, práticas religiosas e massagens. Outro subsistema identificado é o popular, o qual Serafina utiliza quando busca orientações com Dona Gerônima, que a examinou e concluiu que ela estava com espinhela caída, rezando-a, esse subsistema os cuidados são adotados por curandeiros, benzedeiras e outros profissionais que não são reconhecidos legalmente, mas são aceitos por boa parte da sociedade. E por fim o subsistema profissional, o qual é identificado quando Serafina procura a atendimento médico na UPA, esse subsistema é formado pelas profissões de cura organizadas e com aprendizado formal, são legalmente reconhecidas e representadas pelo modelo hegemônico o biomédico (AMADIGI et al, 2009). Cabe salientar, que os subsistemas de saúde familiar e popular não possuem caráter excludentes, visto que são amplamente utilizados pelas pessoas de forma sobreposta, a utilização de um não exclui o outro, fornecendo caminhos diferentes que podem ser utilizados juntos, para que assim à pessoa possa interpretar sua condição de saúde-doença e buscar as ações possíveis que proporcionem o cuidado e a cura. Entretanto o subsistema profissional ele possui caráter excludente, visto que o mesmo modelo biomédico não aceita tratamentos de cura ou cuidado por senso comum ou por pessoas não especializadas, que não seja legalmente reconhecidas (AMADIGI et al, 2009). Desse modo, regido pelo modelo biomédico o subsistema de saúde profissional possui um grande problema em relação ao processo de escuta profissional/usuário. Centrado no cuidado individual com caráter excludente sobre a negação e a invisibilização de outras abordagens, não enxergando assim a integralidade dos sujeitos,de acordo aos seus pontos de vista cultural, histórico e social, esse subsistema falha quando não enxerga a multidimensionalidade que circunscrita no processo de cuidado integral que antecede e sucede um ciclo de sofrimento para além da definição da patologia da doença (AMADIGI et al, 2009). No caso Serafina, Leandro, não entendeu o significado de adoecer e a percepção da doença da perspectiva de Serafina, a qual não foi compreendida e não teve sua opinião considerada. A conduta mais correta, seria respeitar os procedimentos feitos por ela, entendendo que foi sua interpretação para o processo de cura da doença. Na posição de profissional da saúde informaria a mesma, que ela estava acometida pela COVID-19, e apesar de não julgar as condutas adotadas por ela de maneira errada, naquele momento não seria o ideal para o processo de cura, e só assim explicaria quais as medidas, que iria tomar para o processo de cura e cuidado da mesma. É importante inferir, que a relação do profissional de saúde com o sujeito é um encontro de culturas, histórias e saberes. Assim, compreendendo que as diferentes abordagens de cuidado são fatores que precisam ser considerados pelos profissionais de saúde, como forma de fazer com que os significados ou as práticas das pessoas com relação ao seu corpo, ao fenômeno da doença, ao cuidado e à cura sejam considerados pelo processo terapêutico, visto que o paciente é o protagonista ativo no seu processo de cuidado e cura (AMADIGI et al, 2009). Portanto, por inúmeras Serafinas que vivem no nosso país se faz necessário o debate sobre os determinantes sociais da saúde e cultura, os quais estão presentes desde a interpretação do processo de adoecimento até a cura. Por isso, pauta como essas merecem destaque nas diversas esferas de atuação dos mecanismos de participação social, visto que as iniquidades em saúde são ocasionadas principalmente por desigualdades sociais, as quais na maioria das vezes se estabelecem por processos estruturantes, que se caracterizam como forma de manutenção dos modelos assistenciais hegemônicos, o quais não contemplam os mais vulnerabilizados com a equidade devida. Referências: AMADIGI, Felipa Rafaela et al. A antropologia como ferramenta para compreender as práticas de saúde nos diferentes contextos da vida humana. Revista Mineira de Enfermagem, v. 13, n. 1, p. 139- 146, 2009. Disponível em: < https://cdn.publisher.gn1.link/reme.org.br/pdf/v13n1a19.pdf>. Acesso em 01. Abril. 2021. CARVALHO, Antônio Ivo; FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde. Fundação Oswaldo Cruz. A saúde no Brasil em, v. 2030, p. 19-38, 2013. Disponível em:< https://saudeamanha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2016/07/11.pdf>. Acesso em 02. Abril. 2021. ESTRELA, Fernanda Matheus et al. Pandemia da Covid 19: refletindo as vulnerabilidades a luz do gênero, raça e classe. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 3431-3436, 2020. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232020000903431&script=sci_arttext>. Acesso em 02. Abril. 2021. GARBOIS, Júlia Arêas; SODRÉ, Francis; DALBELLO-ARAUJO, Maristela. Da noção de determinação social à de determinantes sociais da saúde. Saúde em Debate, v. 41, p. 63-76, 2017. Disponível em: < https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2017.v41n112/63-76/pt>. Acesso em 01. Abril. 2021. SANTOS, José Alcides Figueiredo. Covid-19, causas fundamentais, classe social e território. Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. 3, 2020. Disponível em:< https://www.scielo.br/pdf/tes/v18n3/0102-6909-tes-18-3-e00280112.pdf>. Acesso em 02. Abril. 2021. SOUZA, Diego de Oliveira. A pandemia de COVID-19 para além das Ciências da Saúde: reflexões sobre sua determinação social. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 2469-2477, 2020. Disponível em:< https://scielosp.org/pdf/csc/2020.v25suppl1/2469-2477/pt>. Acesso em 02. Abril. 2021.
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