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1 Giovanna Brito 2019.2 Farmacologia dos Anticonvulsionantes Introdução Existem descritas mais de 40 formas diferentes de epilepsia. As crises convulsivas epilépticas muitas vezes causam depressão transitória da consciência, deixando o indivíduo sob risco de lesão corporal e em muitos casos interferindo com as atividades educativas e profissionais. O tratamento é sintomático porque os fármacos disponíveis inibem as convulsões, mas não se dispõe de profilaxia eficaz nem de cura. A adesão ao tratamento é um problema significativo, haja vista a necessidade de tratamento a longo prazo, além dos efeitos adversos de muitos fármacos. Os mecanismos de ação dos antiepilépticos enquadram- se em três categorias principais: 1. O primeiro mecanismo é reduzir as deflagrações repetitivas e persistentes dos neurônios, um efeito mediato pela promoção do estado inativo dos canais de Na+ ativados por voltagem. 2. O segundo mecanismo parece envolver aumento da inibição sináptica mediada pelo ácido γ- aminobutírico (GABA), um efeito mediado por ação pré-sináptica ou pós-sináptica. Os fármacos eficazes nas formas mais comuns de convulsões epilépticas — convulsões tonicoclônicas parciais e generalizadas secundariamente — parecem atuar por um desses dois mecanismos. 3. Os fármacos eficazes no tratamento das crises de ausência, que é um tipo menos comum de epilepsia, atuam por um terceiro mecanismo, ou seja, inibição dos canais de Ca2+ ativados por voltagem, que são responsáveis pelas correntes de Ca2+ do tipo T. O termo crise epiléptica refere-se à alteração transitória do comportamento decorrente das deflagrações rítmicas, sincrônicas e desordenadas de populações de neurônios cerebrais. O termo epilepsia refere-se a um distúrbio da função cerebral caracterizado pela ocorrência periódica e imprevisível de crises epilépticas. Essas crises podem ser “não epilépticas” quando são deflagradas no cérebro normal por tratamentos como eletrochoque ou convulsivantes químicos, ou “epilépticas” quando ocorrem sem provocação direta. As crises epilépticas parecem originar-se do córtex cerebral, mas não de outras estruturas do sistema nervoso central (SNC) como o tálamo, tronco encefálico ou cerebelo. As crises epilépticas são classificadas em parciais quando começam focalmente em uma área do córtex e generalizadas quando envolvem os dois hemisférios difusa e simultaneamente. A crise parcial simples ocorre com preservação da consciência. A crise parcial complexa está associada ao comprometimento da consciência. A maioria das crises parciais complexas origina-se do lobo temporal. O tipo de crise epiléptica é um dos determinantes do fármaco selecionado para o tratamento. Além dessa classificação das crises epilépticas, uma classificação adicional especifica as síndromes epilépticas, que se referem a um grupo de sintomas frequentemente associados e inclui os tipos de atividade epiléptica, a etiologia, a idade de início e outros fatores. Epilepsias Parciais Os neurotransmissores que medeiam a maior parte da transmissão sináptica no cérebro dos mamíferos são aminoácidos, entre os quais o ácido γ-aminobutírico (GABA) e o glutamato são, respectivamente, os principais neurotransmissores inibitórios e excitatório. Estudos farmacológicos revelaram que os antagonistas do receptor GABAA ou os agonistas dos diferentes subtipos de receptor do glutamato (NMDA, AMPA, ou ácido caínico) desencadeiam crises epilépticas nos animais de laboratório in vivo. Já os agentes farmacológicos que acentuam a inibição sináptica mediada pelo GABA suprimem as crises epilépticas. Os antagonistas do receptor do glutamato também inibem as convulsões em diferentes modelos, inclusive as crises epilépticas evocadas por eletrochoque e convulsivantes químicos. 2 Giovanna Brito 2019.2 os estudos de eletrofisiologia celular na epilepsia enfatizaram a elucidação dos mecanismos responsáveis pelo desvio de despolarização (DD), que é o correspondente intracelular da “ponta interictal”. A ponta interictal (ou entre crises epilépticas) é uma forma de onda aguda registrada no EEG dos pacientes com epilepsia e é assintomática, porque não se acompanha de qualquer alteração evidente no comportamento do paciente. A localização da ponta interictal ajuda a definir a região cerebral que dá origem às convulsões em determinado paciente. O DD consiste em uma grande despolarização da membrana neuronial associada a uma série de potenciais de ação. Na maioria dos neurônios corticais, o DD é gerado por uma grande corrente sináptica excitatória, que pode ser ampliada pela ativação das correntes intrínsecas da membrana reguladas pela voltagem. As análises eletrofisiológicas dos neurônios separados durante uma crise parcial demonstram que eles sofrem despolarização e deflagram potenciais de ação com frequências altas. Esse padrão de deflagração neuronial é típico de uma convulsão e não é comum durante a atividade neuronial fisiológica. Desse modo, espera-se que a inibição seletiva desse padrão de deflagração reduza as convulsões com efeitos adversos mínimos. A inibição das deflagrações de alta frequência parece ser mediada pela redução da capacidade de os canais de Na+ se recuperarem da inativação. Ou seja, a abertura dos canais de Na+ desencadeada pela despolarização da membrana axônica de um neurônio é necessária ao potencial de ação; depois de abertos, os canais fecham espontaneamente por um processo denominado inativação. Essa inativação parece causar o período refratário, um intervalo curto de tempo depois do potencial de ação, durante o qual é impossível gerar outro potencial de ação. Com a recuperação da inativação, os canais de Na+ ficam novamente prontos para participar de outro potencial de ação. Como a deflagração de frequência baixa oferece tempo sufi ciente para que os canais de Na+ se recuperem da inativação, este processo produz pouco ou nenhum efeito nas deflagrações de baixa frequência. nenhum efeito nas deflagrações de baixa frequência. Contudo, a diminuição da velocidade de recuperação da inativação dos canais de Na+ limitaria a capacidade de um neurônio deflagrar com frequências altas e isto provavelmente é responsável pelos efeitos da carbamazepina, da lamotrigina, da fenitoína, do topiramato, do ácido valproico e da zonisamida nas crises epilépticas parciais. As descobertas dos mecanismos das crises convulsivas sugerem que a intensificação da inibição sináptica mediada pelo GABA possa reduzir a excitabilidade neuronial e elevar o limiar convulsivo. Vários fármacos parecem inibir as convulsões por regulação da inibição sináptica mediada pelo GABA com ações em diferentes locais da sinapse. O principal receptor pós-sináptico do GABA liberado na sinapse é conhecido como receptor GABAa. A ativação do receptor GABAa inibe a célula pós-sináptica porque aumenta a entrada dos íons Cl– na célula, o que tende a hiperpolarizar o neurônio. Concentrações clinicamente relevantes das benzodiazepinas e dos barbitúricos aumentam a inibição mediada pelo receptor GABAa mediante ações distintas neste receptor e esta inibição facilitada provavelmente é responsável pela eficácia destes fármacos no tratamento das crises convulsivas parciais e tonicoclônicas dos seres humanos. Outro mecanismo de acentuação da inibição sináptica mediada pelo GABA parece ser responsável pelo mecanismo anticonvulsivante da tiagabina; este fármaco inibe o transportador do GABA (GAT-1) e reduz a captação deste neurotransmissor pelos neurônios e pela glia. 3 Giovanna Brito 2019.2 Epilepsias de início generalizado As epilepsias de início generalizado originam-se das deflagrações recíprocas do tálamo e do córtex cerebral. Entre as diversas formas de epilepsias generalizadas, as crises de ausênciatêm sido estudadas mais intensamente. O sincronismo marcante no aparecimento das descargas convulsivas generalizadas em áreas difusas do neocórtex levou à hipótese de que uma estrutura no tálamo e/ou do tronco encefálico (o “centrencéfalo”) sincronizasse estas descargas epilépticas. O foco talâmico em especial foi sugerido pela demonstração de que a estimulação com fre quên cia baixa de estruturas na linha média talâmica desencadeava ritmos de EEG no córtex semelhantes às deflagrações de pontas e ondas típicas das crises de ausência. No EEG, a marca característica de uma crise de ausência são as descargas de pontas e ondas generalizadas na frequência de três por segundo (3 Hz). Essas descargas bilateralmente sincrônicas de pontas e ondas registradas localmente a partir dos eletrodos do tálamo e do neocórtex representam oscilações entre estas duas estruturas cerebrais. Uma propriedade intrínseca dos neurônios talâmicos que está fundamentalmente implicada na geração das descargas de pontas e ondas a 3 Hz é um tipo especial de corrente de Ca2+ conhecida como corrente de baixo limiar (“tipo T”). Os canais de Ca2+ do tipo T são ativados por um potencial de membrana muito mais negativo (por isso a denominação “baixo limiar”) que a maioria dos outros canais de Ca2+ regulados por voltagem, que estão expressos no cérebro. As correntes do tipo T são muito maio res em muitos neurônios talâmicos, quando comparadas com os neurônios localizados fora do tálamo. Na verdade, as séries de potenciais de ação dos neurônios talâmicos são mediadas pela ativação das correntes do tipo T. Essas correntes amplificam as oscilações do potencial de membrana do tálamo, entre as quais uma oscilação é a deflagração de pontas e ondas a 3 Hz evidenciadas nas crises de ausência. Fármacos O anticonvulsivante ideal deveria suprimir todas as convulsões sem causar quaisquer efeitos indesejáveis. Infelizmente, os fármacos utilizados atualmente não controlam a atividade epiléptica de alguns pacientes e também causam efeitos adversos, cuja intensidade varia de disfunção mínima do SNC a morte por anemia aplásica ou insuficiência hepática. Barbitúricos: Fenobarbital: O fenobarbital foi o primeiro anticonvulsivante orgânico eficaz. Esse fármaco tem toxicidade relativamente baixa, custo baixo e ainda é um dos fármacos mais eficazes e amplamente usados com essa finalidade. A maioria dos barbitúricos tem propriedades anticonvulsivantes. Contudo, apenas alguns desses agentes (como o fenobarbital) têm ação anticonvulsivante máxima nas doses inferiores às necessárias para causar efeitos hipnóticos e isto determina sua utilidade clínica como antiepiléptico. O fenobarbital é ativo na maioria dos testes anticonvulsivantes com animais, mas é relativamente pouco seletivo. Esse fármaco inibe a extensão tônica das patas traseiras no modelo de eletrochoque máximo, as convulsões clônicas provocadas por pentilenotetrazol e as convulsões geradas por ignição. 4 Giovanna Brito 2019.2 O mecanismo pelo qual o fenobarbital inibe as convulsões provavelmente envolve a potencialização da inibição sináptica por ação no receptor GABAA. O fenobarbital aumenta a corrente mediada pelo receptor GABAA por meio do aumento da duração da atividade das correntes mediadas por este receptor, sem mudar a frequência das ativações. A absorção oral do fenobarbital é completa mas um pouco lenta; as concentrações plasmáticas máximas ocorrem várias horas depois de uma única dose. Cerca de 40-60% da dose estão ligados às proteínas plasmáticas e em proporções semelhantes aos tecidos, incluindo o cérebro. Até 25% da dose são eliminados por excreção renal do fármaco inalterado dependente do pH; o restante é inativado pelas enzimas microssômicas hepáticas, principalmente o CYP2C9, com menor participação do CYP2C19 e CYP2E1. O fenobarbital induz as enzimas uridinadifosfato- glicuroniltransferases (UGTs), bem como as subfamílias CYP2C e CYP3A. Os fármacos metabolizados por essas enzimas podem ser degradados mais rapidamente durante a administração simultânea com fenobarbital; um fato importante é que os anticoncepcionais orais são metabolizados pelo CYP3A4. A sedação, efeito adverso mais frequente do fenobarbital, ocorre em todos os pacientes no início do tratamento, mas há tolerância durante o uso crônico. Nistagmo e ataxia ocorrem com doses excessivas. O fenobarbital pode causar irritabilidade e hiperatividade nas crianças e agitação e confusão no idoso. Succinimidas É a droga de escolha para tratar as crises de ausência por ser mais efetiva e menos tóxicas que outros fármacos. A representante da classe é a Etossuximida. Ela tem uma afinidade maior por canais de cálcio do tipo T, que são encontrados principalmente no Tálamo. Como nas crises de ausência um dos principais focos é a hiperpolarização talâmica, se reduzirmos as correntes de Ca++ no neurônio talâmico, reduzimos as crises de ausência. Oxazolidinodionas É muito usada nas crises de ausência e sua indicação é para pacientes que não respondem ou não podem tolerar a succinimida ou o ácido valpróico. A Trimetadiona é um representante dessa classe. O metabólito ativo da Trimetadiona, a dimetadiona, tem o mesmo efeito da etossuximida sobre as correntes talâmicas de cálcio. Fármacos Derivados do GABA Vigabatrina Ela inibe a GABAaminotranferase (GABA-T), que é a responsável pela degradação do GABA. Além disso, ela parece aumentar a liberação de GABA nos locais sinápticos, aumentando assim os efeitos inibitórios. Tiagabina Ela inibe a captação do GABA tanto nos neurônios quanto nas células da Glia. Inibe, preferencialmente, a isoforma 1 do transportador (GAT-1), mas não o GAT-2 ou GAT-3. O GAT-1 é a principal isoforma de transportadores GABAérgicos no SNC. Ela também aumenta os níveis extracelulares de GABA no prosencéfalo e no hipocampo. Hidantoínas Representado pela Fenitoína, é um anticonvulsivante, antirritmico, antineurálgico, miorrelaxante esquelético e inibidor da secreção e síntese da colagenase. É bastante utilizado nas crises tônico-clônicas generalizadas, parciais complexas e parciais simples. Ela pode ser administrada em associação com outros anticonvulsivantes como o ác. Valproico, carbamazepina, fenobarbital ou primidona a depender da dificuldade para controlar a excitação neuronal. É um indutor enzimático e um efeito colateral grave provocado por ela é a hiperplasia gengival. 5 Giovanna Brito 2019.2 Dibenzazepinas Representado pela Carbamazepina, é quimicamente relacionado com os antidepressivos tricíclicos. É um anticonvulsivante, antipsicótico, antineurálgico, antimaníaco e antidiurético. Pode ser usado isolado ou em associação com outros anticonvulsivantes. É a droga de primeira escolha em crises parciais, especialmente as complexas e em tônico- clônicas generalizadas. É um potente indutor enzimático e, desse modo, acelera o metabolismo de muitos outros fármacos, como a fenitoína, contraceptivos orais, varfarina e corticosteroides, bem como dela própria. Por esse motivo, no inicio do tratamento começa-se com doses baixas gradativamente vai se aumentando. Ela inibe os canais de sódio, retardando a recuperação dos canais de Na+ operados por corrente (prolonga o período refratário desses canais). Dessa forma ele deprime a transmissão sináptica GABAérgica no sistema de ativação reticular, tálamo e estruturas límbicas. Triazínicos Representado pela Lamotrigina, é derivado diclorofenílico da triazina 3,5-diamina. Reservada no tratamento de crises parciais e crises tônico-clônicas generalizadas não controladas com outros fármacos. O mecanismo de ação dele consiste em bloquear o disparo repetitivo dos canais de sódio. Não se sabe ao certo como, mas ele reduz a transmissão excitatória glutamatérgica.Há também o bloqueio dos canais de cálcio ativados por voltagem. Ácido Valpróico Esse fármaco reduz a frequência de vários tipos de crise epiléticas, porém é mais eficaz em crises generalizadas do que nas parciais. É indicado nas crises de ausência, fotossensíveis e tônico-clônicas generalizadas. É um importante fármaco para a epilepsia mioclônica juvenil. Como foi visto acima, o mecanismo de ação dele consiste em: 1. Bloquear descargas repetitivas e sustentadas de alta frequência 2. resultantes das correntes de sódio. 2. Bloqueio dos receptores NMDA. 3. Facilitar a síntese de GABA através do estímulo à GAD (enzima que participa da cascata de produção). Assim, potencializa o efeito inibitório. 4. Quando está em altas concentrações, ele inibe a GABAaminotransferase (GABA-t), bloqueando a degradação desse neurotransmissor. Gabapentina A Gabapentina é um análogo do neurotransmissor GABA. É usado em pacientes com epilepsia parcial e em pacientes com crises tônico-clônicas. Ela age elevando os níveis de GABA, alterando a síntese ou revertendo o transportador de GABA (ocupando ele, para que ele não possa transportar o neurotransmissor). Há também a inibição dos canais de cálcio (fechamento) e a alteração do metabolismo do GABA, sua liberação não sináptica e sua receptação por transportadores de GABA. Topiramato É um monossacarídeo substituído, estruturalmente diferente de todos os outros anticonvulsivantes. É utilizado no tratamento de crises tônico-clônicas generalizadas. Seus efeitos são: 1. Bloqueia o disparo repetitivo dos canais de sódio. 2. Potencializa o efeito inibitório do GABA. 3. Antagoniza os receptores AMPA e cainato, bloqueando assim os efeitos do glutamato. 4. Há evidências da inibição do bloqueio de correntes de cálcio tipo Lento. 6 Giovanna Brito 2019.2
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