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Elementos de Matemática Finita Exercícios Resolvidos 1 - Algoritmo de Euclides; Indução Matemática; Teorema Fundamental da Aritmética 1. Considere os inteiros a = 2406 e b = 654. (a) Encontre d = mdc(a, b), o máximo divisor comum entre a e b. (b) Encontre inteiros x e y, que satisfaçam a identidade de Bézout ax+ by = d. (c) Resolva a equação diofantina ax+ by = 102, com x, y inteiros e y > 0. (d) É possível resolver a equação ax+ by = 184 com x, y inteiros? Resolução: (a) Para determinar o mdc, usamos o algoritmo de Euclides, fazendo sucessivas divisões com resto: 2406 = 3 · 654 + 444 654 = 1 · 444 + 210 444 = 2 · 210 + 24 210 = 8 · 24 + 18 24 = 1 · 18 + 6 18 = 3 · 6 + 0. Logo mdc(2406, 654) = mdc(654, 444) = · · · = mdc(18, 6) = 6. (b) Vamos usar o desenvolvimento do algoritmo de Euclides na alínea (a) para obter uma identidade da forma ax+ by = 6. Assim, escrevemos: 6 = 24 + (−1) · 18 = = 24 + (−1) · (210 − 8 · 24) = = (−1) · 210 + 9 · 24 = = (−1) · 210 + 9 · (444 − 2 · 210) = = 9 · 444 + (−19) · 210 = = 9 · 444 + (−19) · (654 − 444) = = (−19) · 654 + 28 · 444 = = (−19) · 654 + 28 · (2406 − 3 · 654) = = 28 · 2406 + (−103) · 654. Assim, (x, y) = (28,−103) é uma solução. (c) Para resolver a equação ax+by = 102 primeiro verificamos que 6 é divisor 1 de 102. De facto, 102 = 17 · 6. Como a, b e c = 102 são todos divisíveis por 6, a equação dada é equivalente a 2406 6 x+ 654 6 y = 102 6 ⇔ 401x+ 109y = 17. A identidade da alínea (a) mostra que x′ := 28, y′ := −103 é solução da equação 401x + 109y = 1 (pois esta última equivale a 2406x + 654y = 6). Assim, (x0, y0) := (17·(28), 17·(−103))) = (476,−1751) é solução da equação pedida. No entanto, a coordenada y é negativa. Para encontrar uma outra solução com y positivo, usamos o facto de que todas as soluções de 401x + 109y = 17 (note-se que 401 e 109 são primos entre si) são dadas por (xk, yk) = (x0 + 109k, y0 − 401k) , k ∈ Z. Assim, basta encontrar k inteiro de modo a ter −1751−401k positivo. Temos que ter k ≤ −5. Por exemplo, com k = −5, obtemos (xk, yk) = (−69, 254). [Verificação: 401 · (−69) + 109 · 254 = 17.] (d) Como 184/6 = 30 + 23 , 6 não é divisor de 184, pelo que a equação dada não tem soluções inteiras. 2. Mostre as seguintes propriedades da relação de divisibilidade, com a, b ∈ Z: (a) Para todos os inteiros a, k, temos a | ka; (b) Se a | b para todo o a ∈ Z, então b = 0; Se a | b para todo o b ∈ Z, então a = ±1; (c) Sejam a, b ∈ Z. Se a|b e b|a então |a| = |b|; Resolução: (a) Sejam a, k ∈ Z. Por definição a|ka ⇔ ∃q ∈ Z tal que ka = qa. Esta afirmação é válida com q := k, pelo que a|ka verifica-se sempre. (b) A expressão “a|b ∀a ∈ Z”, significa, por definição, que “b é um inteiro tal que, para todo a inteiro, existe q ∈ Z, tal que b = qa”. Seja a > b > 0; Então a|b é impossível (pois para isso teríamos q = b a , que não é inteiro). Seja 0 > b > a; então novamente, a|b é impossível (pela mesma razão). Assim, b só pode ser 0. De facto, com b = 0 basta escolher q = 0 para termos 0 = 0 ·a para todo o a ∈ Z. A expressão “a|b ∀b ∈ Z”, significa, por definição, que “a é um inteiro tal que, para todo b inteiro, existe q ∈ Z, tal que b = qa”. Seja a um número natural maior que 1. Então a + 1 ∈ N e a não divide a + 1, pois o resto da divisão de a + 1 por a é 1. Se a = 0 não há forma de encontrar q para resolver a equação b = q · 0 com b 6= 0. Mas se a = 1, dado b ∈ Z temos sempre 1|b pois existe q ∈ Z (de facto, q := b) tal que b = q · 1. Assim, se a ∈ N, a única hipótese é a = 1. Do mesmo modo, se a ∈ −N, verifica-se que a única hipótese é a = −1. (c) Sejam a, b positivos. Então a|b e b|a implica que a ≤ b e b ≤ a respecti- vamente. Logo a = b. Se a é positivo e b negativo, seja c = −b. Aplicando o raciocínio anterior, temos a = −b. Os outros casos são análogos, pelo que se sempre se conclui que |a| = |b|. 3. Mostre ou indique um contra-exemplo para as seguintes afirmações: 2 (a) Sejam a, b, c ∈ Z. Se a|bc então a|b ou a|c; (b) Sejam a, b, q, r ∈ Z tais que a = bq + r. Então (a, b) = (b, r); (c) Sejam m e n naturais cujas factorizações em primos não contém primos em comum. Então mdc(m,n) = 1. (d) Sejam a, b ∈ Z. Se mdc(a, b) = d então mdc(a d , b d ) = 1. (e) Para a, b ∈ Z, e k ∈ N, temos mdc(ka, kb) = kmdc(a, b). Resolução: (a) A afirmação é falsa em geral. Por exemplo, se a = 6, b = 3 e c = 4 temos que a|bc pois 6|12. No entanto, 6 não divide nem 3, nem 4. A afirmação é verdadeira nos casos em que a é primo (visto nas aulas), ou em que (b, c) = 1 (ver o problema seguinte). (b) Seja d = (a, b). Então d | a e d | b. Logo, d | (a − bq) pelo que d | r. Logo d é um divisor comum a r e a b. Seja c um outro inteiro que divide b e r simultaneamente. Então também divide a = bq + r. Como c divide a e b, então divide d (por definição de d = (a, b)). Assim, qualquer divisor comum a b e r divide d. Conclui-se então que d é o mdc de b e r. (c) Vamos supor que d|m, com d > 1. Seja p um primo que divide d. Então, pela transitividade, p|m. Logo, se um inteiro é divisível por d > 1, então existe pelo menos um primo que o divide. Seja d > 1 um divisor comum a m e n. Então, há um primo p que divide m e n simultaneamente. Sejam m = p1 · · · pr e n = q1 · · · qs as factorizações de m e n. Por hipótese, nenhum dos p’s é igual a um dos q’s. Mas p|p1 · · · pr implica que p = pi para algum i (estamos a considerar os pi’s podem ser iguais). Da mesma forma p|n significa que p|q1 · · · qs implica p = qj para algum j. Isto contradiz o facto de {p1, · · · , pr}∩{q1, · · · , qs} = ∅. Logo, apenas d = 1 divide simultaneamente m e n. (d) Se (a, b) = d então, pela aplicação do algoritmo de Euclides, existe solução inteira de ax+ by = d. Mas a/d e b/d são também inteiros e aquela equação é equivalente a a d x+ b d y = 1. Seja (a d , b d ) = c. Então temos c|a d e c| b d , e esta equação implica c|1. Mas isto quer dizer que c = 1. (e) Seja d = mdc(a, b). Então kd|ka e kd|kb, porque d|a e d|b. Logo kd é um divisor comum a ka e kb. Por outro lado, pela identidade de Bézout, é possível resolver a equação d = ax+ by, com x, y ∈ Z, equação que equivale a kd = kax + kby. Consideremos c ∈ Z tal que c|ka e c|kb. Pela última equação c|kd. Assim, por definição, kd é o máximo divisor comum entre ka e kb. 4. Seja ( n k ) = n! k!(n−k)! o coeficiente binomial, para n ≥ k ≥ 0. Por convenção, assumimos que, para outros valores inteiros de n e k, ( n k ) = 0. Mostre, por indução, que ( n k ) = n−1 ∑ j=0 ( j k − 1 ) . 3 Resolução: Vamos fixar um k ∈ N. Seja P (n, k) a equação acima, que se pre- tende mostrar. Seja n = k. Então, a equação fica ( n n ) = ∑n−1 j=0 ( j n−1 ) = 0 + · · · + 0 + ( n−1 n−1 ) , (são n − 1 parcelas nulas, quando j < n − 1) que equi- vale a 1 = 1 (pois 0! = 1). Assim, mostrámos o passo base da indução. Assumimos agora que a fórmula é válida para n ≥ k. Temos então: ( n+ 1 k ) = (n+ 1)! k!(n + 1 − k)! = (n+ 1)n! k!(n + 1 − k)! = (n + 1 − k)n! + k n! k!(n + 1 − k)! = = (n+ 1 − k)n! k!(n + 1 − k)! + k n! k!(n + 1 − k)! = = n! k!(n − k)! + n! (k − 1)!(n + 1 − k)! = ( n k ) + ( n k − 1 ) = n−1 ∑ j=0 ( j k − 1 ) + ( n k − 1 ) = = n ∑ j=0 ( j k − 1 ) , onde a hipótese de indução foi usada na igualdade da penúltima linha. 5. Seja n um natural e sejam b1, · · · , bn números reais positivos. Mostre, por indução, que a sua média aritmética é superior ou igual á sua média geométrica, isto é: b1 + · · · + bn n ≥ (b1 · · · bn) 1 n . Resolução: Para n = 1 temos um número real b = b1. A desigualdade fica, b 1 ≥ (b) 1 que é verdadeira. Assumimos agora que a desigualdade acima é válida para quaisquer b1, · · · , bn reais positivos. Consideremos então a1, · · · , an+1 reais positivos arbitrários. SejaA := (a1 · · · an+1) 1 n+1 , ou seja An+1 = a1 · · · an+1. Assim, existe pelo menos um par de índices dis- tintos, i, j ∈ [n + 1] = {1, · · · , n + 1} tais que ai ≥ A ≥ aj > 0. Sem perda de generalidade, podemos assumir que esses índicessão n e n + 1, ou seja, an ≥ A ≥ an+1 > 0. Isto significa que 0 ≥ 1 A (an −A)(an+1 −A) = anan+1 A +A− (an + an+1) (1) Seja b1 := a1,..., bn−1 := an−1, mas agora bn := anan+1 A . Então, usando a equação (1) na segunda linha: a1 + · · · + an+1 = a1 + · · · + an−1 + an + an+1 ≥ ≥ a1 + · · · + an−1 + anan+1 A +A = = b1 + · · · + bn +A ≥ n(b1 · · · bn) 1 n +A = = n(a1 · · · an−1 anan+1 A ) 1 n +A = n(An+1 1 A ) 1 n +A = = nA+A = (n + 1)A = (n+ 1)(a1 · · · an+1) 1 n+1 como queriamos provar (o passo de indução é usado na terceira linha). 4 6. Considere a seguinte afirmação, evidentemente falsa, em geral: P (n) : n ∑ k=0 k = n2 + n+ 1 2 . Vamos assumir que a proposição é válida para um dado natural n. Então n+1 ∑ k=0 k = (n+1)+ n ∑ k=0 k = n+1+ n2 + n+ 1 2 = n2 + 3n + 3 2 = (n+ 1)2 + (n+ 1) + 1 2 , que é a afirmação P (n+1). Uma vez que o princípio de indução foi correctamente aplicado, porque é que P (n) não é verdadeira para todo o natural n? Resolução: Porque não começámos a indução num certo P (n0) que fosse ver- dadeiro. De facto, por exemplo P (1) significaria que ∑1 k=0 k = 0 + 1 = 12+1+1 2 = 3 2 , o que é falso. Da mesma forma, P (2) é falsa, etc, pelo que não conseguimos encontrar o natural n0 a partir do qual aplicar a indução. 7. Seja m = pk11 · · · p kr r a factorização de m ∈ Z em primos distintos (todos os ki > 0), e d > 0. Então d|m se e só a factorização de d é pl11 · · · p lr r com li ≥ 0, i = 1, · · · , r. Resolução: Seja d divisor positivo de m. Seja p um primo que entra na factoriza- ção de d. Então p|d logo, pela transitividade, p|m ou seja, p|pk11 · · · p kr r . Assim p|pkii para algum i = 1, · · · , r. Mas p|p ki i equivale a p|pi (como se verifica facilmente), ou seja p = pi, para algum i. Concluímos que todos os primos que entram na factorização de d pertencem a {p1, · · · , pr}. É fácil de ver que pl11 · · · p lr r |p k1 1 · · · p kr r sempre que 0 ≤ li ≤ ki (pois p k1 1 · · · p kr r = q · p l1 1 · · · p lr r , para certo q ∈ Z). Reciprocamente, se li > ki então p li i não divide p ki i , e a conclusão segue uma vez que todos os primos nesta factorização foram considerados distintos (ou seja pi ∤ pj para i e j índices distintos entre 1 e r). 8. Seja φ a função de Euler. (a) Uma função f : N → N diz-se multiplicativa se f(mn) = f(m)f(n) sem- pre que m e n sejam primos entre si. Mostre que a função φ de Euler é multiplicativa. (b) Prove que, se p1, · · · , pr são os inteiros que dividem um dado natural m ∈ N, então φ(m) = m ( 1 − 1 p1 ) · · · ( 1 − 1 pr ) . Resolução: (a) Por definição, φ(n) = |Sn|, onde Sn é o conjunto de naturais ≤ n que são primos com n. Sejam m,n dois naturais primos entre si, (m,n) = 1. Vamos encontrar uma bijecção entre Smn e o produto cartesiano Sm × Sn, o que basta para mostrar: φ(mn) = |Smn| = |Sm × Sn| = |Sm| · |Sn| = φ(m)φ(n). 5 Definimos então: ψ : Smn → Sm × Sn a 7→ (am, an) onde, para cada a ∈ Smn, definimos am ∈ [m] := {1, · · · ,m} e an ∈ [n] como, respectivamente, o resto da divisão inteira de a por m, e o resto da divisão por n. Primeiro, verificamos que ψ está bem definida. De facto, se a ∈ Smn então (a,mn) = 1. Logo, (a,m) = 1 e (a, n) = 1 (de verificação elementar, ou pelo teorema fundamental da aritmética). Pelo algoritmo de Euclides, (a,m) = (m,am) = (a, n) = (n, an) = 1. Assim, ψ está bem definida pois am ∈ Sm e an ∈ Sn. (Note-se que os casos am = 0 ou an = 0 não podem ocorrer). Vamos agora verificar que ψ é bijectiva. Para a sobrejectividade, seja (b, c) ∈ Sm × Sn ⊂ [m] × [n]. Temos que encontrar a ∈ Smn tal que ψ(a) = (b, c), ou seja (b, c), são os restos da divisão de algum a ∈ Smn por m e por n. Como m e n são primos, sabemos que a equação xm− yn = c − b tem solução, para algum par de inteiros (x, y) ∈ Z2. Assim, seja a′ := xm+ b = yn+ c. (2) Podemos ver facilmente que a′ é primo commn, ou seja (a′,mn) = 1 (o que se deixa ao leitor). Somando um múltiplo apropriado de mn, podemos garantir que a = a′ + kmn ∈ [mn]. Assim, provámos que ψ é sobrejectiva. Suponha- se agora que ψ(a) = ψ(a′) = (am, an). Isso corresponde a encontrar outra solução da equação (2). Como as soluções são parametrizadas por (x, y) = (x0 + kn, y0 + km), quaisquer duas soluções a e a′ diferem por um múltiplo de mn, e concluimos que existe uma única solução em [mn] = {1, · · · ,mn}. Assim, ψ é sobrejectiva e injectiva, pelo que é bijectiva, como pretendido. (b) Vamos usar os casos simples, em que sabemos φ(pk) = pk − pk−1 quando p é primo (no caso de pk é fácil ver que os naturais ≤ pk que não são primos com pk são todos os múltiplos de p, de 1 até pk, e portanto são exactamente pk−1 números). Assim, seja m = pk11 · · · p kr r a factorização de m em potências de primos. Usamos agora a propriedade multiplicativa da alínea (a), dado que (pkii , p kj j ) = 1 sempre que i 6= j. Temos então: φ(nm) = φ(pk11 · · · p kr r ) = = φ(pk11 ) · · · φ(p kr r ) = = (pk11 − p k1−1 1 ) · · · (p kr r − p kr−1 r ) = = pk11 · · · p kr r ( 1 − 1 p1 ) · · · ( 1 − 1 pr ) = = m ( 1 − 1 p1 ) · · · ( 1 − 1 pr ) como pretendido. 6
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