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1 Brenda Araújo (@brendaraujo____), Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais O termo “inflamação” ou “flogose” tem origem no latim inflamare e do grego phlogos, que significam “pegar fogo”. Essa denominação foi adotada devido a ocorrência de uma vasodilatação (hiperemia ativa) associada a um intenso metabolismo celular (intensa liberação de citocinas, fagocitose), que leva ao aumento de temperatura local. ➞ Inflamação: é uma reação de defesa e, a princípio, local (pode se tornar sistêmica), destinada a livrar o organismo da causa das injúrias (agentes agressores de natureza física, química ou biológica) e das consequências delas (células e tecidos necróticos, compensar alterações de forma e função). Ocorre, então, uma resposta dos vasos sanguíneos, levando ao acúmulo de fluido (proteínas do sistema complemento, anticorpos, etc) e leucócitos nos tecidos extravasculares. A reação inflamatória constitui um dos componentes mais importantes da execução da resposta imunitária. Agressões exógenas (físicas, químicas ou biológicas) ou endógenas (estresse metabólico) constituem o que se denominam agentes inflamatórios. ➞ Rubor: surge por causa da fase vascular, em que ocorre a vasodilatação e aumenta o fluxo sanguíneo naquela região (hiperemia ativa). ➞ Calor: o aumento do fluxo sanguíneo e o aumento do metabolismo celular fazem com que haja um aumento da temperatura local. ➞ Edema/tumor: ocorre por conta da fase exsudativa, que leva ao aumento do volume tecidual. Vasodilatação + extravasamento do fluido para o meio extracelular. ➞ Dor: pode ser devido ao edema, que pode provocar a contração de terminações nervosas, e também por conta da liberação de mediadores da dor (metabolização de algumas substâncias que existem na superfície da célula, como o ácido araquidônico, que pode produzir prostaglandinas, interferindo como mediador da dor). ➞ Perda de função: a célula, no processo inflamatório, está passando por lesão celular e reduz sua função, de modo temporário ou definitivo, para se manter. O desfecho desse sinal depende do tecido onde ocorreu a inflamação e da extensão da lesão ou morte. De modo geral, os sinais cardinais acontecem em todos os proc. inflamatórios, em maior ou menor evidência, com ordem variada e são tipicamente mais proeminentes na inflamação aguda. O processo inflamatório, assim como diversas outras respostas do nosso sistema imunológico, tem um controle de feedback 2 Brenda Araújo (@brendaraujo____), Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais positivo e depois um controle de feedback negativo. No início, enquanto houver reconhecimento, há a liberação de citocinas pró-inflamatórias. A medida em que é cessado o reconhecimento, há a secreção de citocinas anti-inflamatórias. Todos os agentes que são capazes de provocar lesão e morte celular podem desencadear processos inflamatórios. São eles: ➞ Agentes físicos: força mecânica (trauma), radiação, alterações de pressão atmosférica, variações de temperatura. ➞ Agentes químicos: substâncias tóxicas, gases venosos, medicamentos, drogas ilícitas, contaminantes alimentares. ➞ Agentes biológicos: fungos, vírus, bactérias, protozoários. → Desvios da nutrição: deficiência/excesso de nutrientes. Qualquer que seja a sua causa, a reação inflamatória envolve uma série de eventos que se iniciam com o reconhecimento da agressão, em seguida tem-se a liberação dos mediadores inflamatórios, que resultam em modificações na microcirculação necessárias para a saída de plasma e de leucócitos dos vasos e em estímulos para reparar os danos produzidos. Cada um dos eventos que acontecem no processo inflamatório tem relação com os sinais cardinais: Liberação de mediadores químicos ➞ rubor e dor Vasodilatação ➞ rubor Aumento do fluxo sanguíneo ➞ calor Extravasamento de fluido ➞ tumor Influxo celular ➞ tumor Metabolismo celular elevado ➞ calor A imagem abaixo representa, de maneira simplista, o que ocorre no processo inflamatório: vasos/rede vascular normal ação de um agente inflamatório processo inflamatório vasos dilatados (maior calibre) hiperemia ativa aumento da permeabilidade vascular emigração celular (neutrófilos). Apesar da divisão em fases, a inflamação ocorre de maneira concomitante e variável. Também chamada de fase de reconhecimento, é o passo inicial de todas as infamações. A partir do reconhecimento, há a liberação de mediadores químicos (HGMB1, defensinas, catelicidinas, proteases, S100, HDGF, HSP, anexina, produtos lipídicos), que continua durante a evolução do processo, uma vez que um mediador induz a liberação de outros, inclusive com efeitos antagônicos (mediador pró inflamatório induz um anti- inflamatório). Esses mediadores vão atuar sobre 3 Brenda Araújo (@brendaraujo____), Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais os vasos sanguíneos, que irão aumentar seu calibre e sua permeabilidade. Além dos mediadores químicos citados anteriormente, também há liberação de mediadores de ação rápida, que são liberados imediatamente após a ação do estímulo agressor. Eles atuam, principalmente, sobre os vasos e envolvem grupos das aminas vasoativas. Dessa forma, o principal mediador dessa fase de ativação vascular é a histamina, que tem ação vasodilatadora, aumentando a permeabilidade. Os fenômenos irritativos não são morfologicamente visíveis. Essa etapa inicial da inflamação é crucial para se definir o curso do processo: as moléculas sinalizadoras de agressão determinam a síntese de diferentes mediadores, pró- e anti-inflamatórios, dependendo deles o início do processo e suas intensidade e evolução. Se a agressão induz inicialmente maior quantidade de mediadores anti-inflamatórios, a inflamação pode ser suprimida na sua fase inicial. Nesse caso, o organismo pode ficar mais suscetível aos efeitos da agressão. O agente inflamatório (a agressão) irrita porque: (a) é de natureza biológica e carrega, produz ou excreta PAMP; (b) é de qualquer natureza e induz os tecidos agredidos a liberar moléculas que indicam a presença de agressão (alarminas). Nos dois casos, as moléculas sinalizadoras de agressão (PAMP e alarminas) atuam em receptores celulares e induzem a liberação de mediadores que desencadeiam os demais fenômenos inflamatórios. Sintetizada pelos granulócitos, basófilos, plaquetas e, principalmente, mastócitos. Ela atua através estimulando a contração do citoesqueleto das células endoteliais venulares – afastando uma célula da outra – com consequente vasodilatação arterial e aumento da permeabilidade vascular. Além disso, participa no mecanismo de formação do edema inflamatório. A liberação de histamina de mastócitos se dá por agentes físicos (frio, calor, traumatismos), pela ligação de anticorpos na superfície celular (reações alérgicas), por estimulação de componentes do complemento (C3a e C5a, anafilatoxinas) e por estímulo de neuropeptídeos (substância P) ou de certas citocinas (IL-1). Encontrada nas plaquetas, na mucosa intestinal e no SNC. Provavelmente, também possui ação vasodilatadora e de aumento da permeabilidade vascular. Obs.: os mediadores devem ser liberados nos momentos certos para que os fenômenos subsequentes atinjam o objetivo de defesa (eliminação ou contenção da agressão) e de reparo (regeneração ou cicatrização). Nesse sentido, há uma cronologia adequada para que os mecanismos pró-inflamatórios antecedam os anti-inflamatórios,possibilitando que a inflamação aconteça e seja resolvida ou terminada. Um desequilíbrio nessa sequência pode impedir o desenvolvimento da reação inflamatória ou torná-la exacerbada, persistente e danosa. É representada por modificações hemodinâmicas da circulação (vasodilatação arteriolar) e da permeabilidade vascular no local da agressão, comandadas por mediadores (histamina) liberados durante os fenômenos irritativos, e, menos frequentemente, por ação direta do agente inflamatório. Se o vaso dilata, muito conteúdo plasmático extravasa. Naturalmente, observa- se estase vascular (o sangue flui numa velocidade mais lenta, por isso que alguns processos inflamatórios podem contribuir para o desenvolvimento da trombose, uma vez que a alteração do fluxo sanguíneo é um dos principais atores citados na tríade de Virchow). Ao contrário dos fenômenos irritativos, os fenômenos vasculares são reconhecidos por modificações morfológicas induzidas pela hiperemia: a vermelhidão inicial (hiperemia 4 Brenda Araújo (@brendaraujo____), Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais ativa), que progressivamente se torna mais escura (hiperemia passiva). Fase característica do processo inflamatório, que consiste no extravasamento de líquido e proteínas plasmáticas e células de defesa (exsudato celular e plasmático) para o interstício, e o aumento da permeabilidade vascular. Embora independentes, em geral a exsudação plasmática precede a exsudação celular; a predominância de uma ou de outra varia de acordo com os mediadores liberados. A exsudação de leucócitos é o elemento morfológico mais característico das inflamações. O exsudato líquido pode ser rico ou pobre em proteínas, variando sua quantidade. A saída de plasma resulta da formação de poros interendoteliais por contração do citoesqueleto dessas células, induzida especialmente por histamina, substância P, prostaglandinas e leucotrienos. Em agressões pouco graves, a exsudação ocorre principalmente por ação da histamina; em agressões mais graves, é provocada também por lesão direta (trauma) no endotélio. ➞ Transcitose/diapedese: saída das células de dentro do vaso para o local onde estão sendo secretadas as quimiocinas (citocinas quimioatraentes, como o TNF). O macrófago reconhece, ativa o endotélio vascular, este vai atrair os leucócitos (que também vão ser ativados para que tenhamos uma migração de maneira efetiva). Assim, a estase vascular acontece para favorecer a saída das células (o fluxo laminar dificulta isso). As células (leucócitos) fazem uma movimentação guiada e ordenada: (1) marginação, saída dos leucócitos da região central para a periferia do vaso; (2) captura e rolamento, uma adesão instável (frouxa) ao endotélio vascular, como se tivesse aderindo e soltando com ventosas (pseudópodes); (3) pavimentação, adesão firme ao endotélio; e, por fim, (4) diapedese, saída dos leucócitos, passando entre as células endoteliais. Obs.: o leucócito só vai sair da região central do vaso e se aderir ao endotélio se for ATIVADO por ação de agentes quimiotáticos, que orientam o movimento de células por meio de um gradiente de concentração. Para isso, é necessário que haja reconhecimento. Obs.: os ativadores mais potentes de células endoteliais são alarminas e citocinas pró- inflamatórias, especialmente IL-1, TNF-α, IL-17, IL-18 e IFN-γ. Obs.: a migração não é ao acaso! Elas são recrutadas pelas integrinas e selectinas, que indicam onde os leucócitos devem sair dos vasos. É por essa razão que tais moléculas são conhecidas como moléculas endereçadoras. A diapedese depende de agentes quimiotáticos que estimulam receptores celulares e induzem a formação de pseudópodes que promovem o deslocamento dos leucócitos. 5 Brenda Araújo (@brendaraujo____), Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais Obs.: os leucócitos saem dos vasos por processo ativo, enquanto hemácias e plaquetas o fazem de modo passivo, especialmente em capilares. RECONHECIMENTO LIBERAÇÃO DE MEDIADORES ATIVAÇÃO DO ENDOTÉLIO ATIVAÇAO DOS LEUCOCITOS MIGRAÇÃO ➞ Fagocitose e destruição tecidual: algumas vezes, a ação fagocítica realizada pelo neutrófilo é tão intensa, que a vesícula lisossomal funde com o fagossomo antes dele fechar na superfície da célula, contribuindo para o escape de enzimas lisossomais. Por isso que, normalmente, quando temos muitos neutrófilos chegando no local da inflamação, também há uma intensa heterólise (as enzimas lisossomais contribuem para a destruição de fibroblastos, MEC, etc). Líquido rico em macromoléculas e células que se acumulam no interstício. Possui como funções: diluir o agente agressor, facilitar sua remoção e trazer complementos, anticorpos, e outras macromoléculas. Esta fase (degenerações e necrose) é causada pela ação direta ou indireta do agente inflamatório e pode aparecer no início ou na evolução de uma inflamação. Algumas vezes, a fase alterativa representa o efeito imediato da ação do agente inflamatório; a partir dela inicia-se a irritação, com liberação de alarminas e de mediadores dos fenômenos vasculares e exsudativos. Degenerações e/ou necrose em inflamações, no entanto, resultam principalmente da atividade de produtos das células do exsudato, de trombose na microcirculação ou de fenômenos imunitários. Em algumas inflamações, necrose é componente comum e muito importante na doença (tuberculose). Células com alterações degenerativas, reversíveis (lesão) ou não (morte celular), derivadas da ação direta do agente agressor (varia com o tipo e intensidade dele) ou das modificações funcionais e anatômicas consequentes das três fases anteriores (a quantidade de neutrófilos extravasados pode ser muito grande e contribuir para aumentar o tecido necrótico). Inflamações agudas, que se instalam e terminam em, no máximo, até 12 semanas, têm tempo de cura relacionado com a eficácia dos processos de eliminação da causa e dos mecanismos de resolução. Inflamações crônicas, caracterizadas por duração acima de 6 meses, tornam-se crônicas porque os mecanismos de eliminação da causa fracassaram ou porque surgem fenômenos de autoagressão imunitária; nesse tipo de inflamação, os mecanismos de resolução são ineficientes. Desequilíbrio entre mecanismos pró- e anti-inflamatórios permite a cronificação de uma inflamação tanto quando se exacerbam os primeiros como quando fracassam os segundos. Uma inflamação crônica, principalmente de natureza infecciosa, não se cura porque: (1) os mecanismos pró- inflamatórios estão parcialmente inibidos pelos mecanismos anti-inflamatórios, diminuindo a eficácia na eliminação do agente, que persiste irritando e mantendo a inflamação; (2) os mecanismos anti-inflamatórios estão ineficientes, permitindo ação exagerada dos mediadores pró-inflamatórios, o que favorece a eliminação do agressor, mas também aumenta a probabilidade de autoagressão imunitária. Falha nos mecanismos anti- inflamatórios naturais pode ser componente importante na origem de doenças por autoagressão imunitária. Os mecanismos de resolução de inflamações podem ser locais ou sistêmicos. ➞ Mecanismos locais São numerosos e complexos; em seu conjunto, envolvem: (a) modificações em 6 Brenda Araújo (@brendaraujo____), Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais receptores nas células do exsudato e dos tecidos; (b) geração local de mediadores com efeito anti-inflamatório; (c) mudançano comportamento das células do exsudato, que tendem a apoptose ou, quando sobrevivem, passam a exercer função anti-inflamatória; (d) exsudação de células com função reguladora. ➞ Mecanismos sistêmicos A resposta sistêmica a uma agressão tem um componente aferente, nervoso e humoral, e um componente eferente, também nervoso e humoral. Em inflamações, tanto o componente nervoso quanto o humoral têm participação destacada. Estímulos de terminações nervosas aferentes por certos mediadores originam estímulos aferentes para o SNC, no qual provocam sensação de dor e geram estímulos eferentes antiálgicos, representados especialmente por endorfinas, que também têm efeito anti-inflamatório, pois inibem a atividade de linfócitos e de fagócitos. É nesta fase que ocorre a recuperação da função que foi perdida, mas é necessário levar em consideração as características teciduais para entender se o que foi perdido durante o processo inflamatório pode ser recuperado ou não. Uma agressão que induz inflamação pode provocar lesões degenerativas ou necrose, as quais devem ser reparadas por regeneração ou por cicatrização. Quimiocinas, citocinas e fatores de crescimento liberados pelos tecidos inflamados, em especial pelas células do exsudato, orquestram os fenômenos de reparação, em paralelo com os fenômenos resolutivos, de tal modo que esses fenômenos se processem de maneira simultânea e coordenada. A inflamação pode ser aguda ou crônica, dependendo da natureza do estímulo e da efetividade da reação inicial em eliminar o estímulo ou os tecidos danificados. ➞ Inflamação aguda: é rápida no início (tipicamente minutos) e de curta duração, persistindo por horas ou poucos dias. Suas principais características são a exsudação de fluido e proteínas do plasma (edema) e a migração de leucócitos, predominantemente neutrófilos. Quando a inflamação aguda é bem-sucedida na eliminação dos agentes agressores, a reação reduz-se, mas se a resposta falha em limpar os agentes invasores, ela pode progredir para a fase crônica. ➞ Inflamação crônica: pode se seguir à inflamação aguda ou ser insidiosa no início. Ela é de longa duração e está associada à presença dos linfócitos e macrófagos, proliferação de vasos sanguíneos, fibrose e destruição tecidual. A inflamação é terminada quando o agente agressor é eliminado. A reação se resolve rapidamente, porque os mediadores são esgotados e dissipados e os leucócitos têm curtas meias vidas nos tecidos. Em adição, os mecanismos anti-inflamatórios são ativados e servem para controlar a resposta e preveni-la de causar dano excessivo ao hospedeiro. A resposta inflamatória é intimamente entrelaçada com o processo de reparo. Ao mesmo tempo em que a inflamação destrói, dilui e retira os agentes injuriantes, ela põe em movimento uma série de eventos que tentam curar o tecido danificado. O reparo se inicia durante a inflamação, mas alcança a conclusão usualmente depois que a influência injuriante tenha sido neutralizada. No processo de reparo, o tecido injuriado é substituído através da regeneração das células parenquimatosas nativas, pelo preenchimento do defeito com tecido fibroso (cicatrização) ou, mais comumente, pela combinação desses dois processos. KUMAR, V. et al. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. 8ª ed. Elsevier Brasil, 2010. BRASILEIRO FILHO, Geraldo. Bogliolo: Patologia Geral. 9ª ed. Guanabara Koogan, 2016.
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