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Transplante de Medula e Saúde Mental: Aspectos Psicossociais e Morbidade Psiquiátrica Sara Mota Borges Bottino 1 & Maria Teresa Veit 2 1 Psiquiatra, Médica Assistente do Departamento de Psiquiatra; Integrante do Comitê Científico de Psicologia da ABRALE – Associação Brasileira de Lnfoma e Leucemia. Contato: sarabottino@uol.com.br Endereço: Rua Cônego Eugênio Leite, no. 933 Cj 93 CEP;05414-012 São Paulo Telefone: 2367-3898 2 Socióloga, psicóloga e psicooncologista, coordenadora do departamento de Psicologia e do Comitê Científico de Psicologia da ABRALE – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia. Contato: mariateresa@abrale.org.br Endereço: Rua Dr. Oscar Monteiro de Barros, 328 CEP;05641-010 São Paulo Telefone: 9375- 8366 Introdução O Transplante de Medula Óssea -TMO tem indicação nas doenças onde ocorre falência no sistema hematopoético, seja por infiltração da medula óssea por células leucêmicas, seja por doenças que alterem a produção dos constituintes sanguíneos. Embora o transplante seja capaz de curar uma variedade de doenças malignas e não malignas esse procedimento ainda está associado à morbidade e mortalidade significativas. Nos últimos anos, as pesquisas têm investigado o impacto desse procedimento altamente agressivo em aspectos psicossociais, morbidade psiquiátrica e na qualidade de vida. Altos níveis de estresse psicológico têm sido observados em pacientes transplantados antes mesmo do início do tratamento e também durante o acompanhamento, após o transplante. Os estudos têm sugerido a influência de aspectos psicossociais nos desfechos de curto e longo prazo, como as atitudes do paciente em relação à doença e aos tratamentos, estresse emocional, qualidade de vida e suporte social. mailto:sarabottino@uol.com.br mailto:mariateresa@abrale.org.br A morbidade psiquiátrica pode causar impacto na saúde mental dos pacientes de muitas maneiras: reduzir a qualidade de vida, o estado funcional e o nível de energia; aumentar a sobrecarga dos sintomas e a intensidade da dor; interferir com os tratamentos médicos e, possivelmente, reduzir a sobrevida. A detecção precoce desses transtornos, por sua vez, e o uso de intervenções efetivas, podem reduzir o tempo de permanência, os custos associados ao tratamento, além de um melhor desfecho do transplante e da qualidade de vida dos pacientes. Morbidade Psiquiátrica O período de maior estresse psicológico ocorre durante a hospitalização. Nessa fase, os transtornos psiquiátricos podem ocorrer em até 44,1% dos pacientes, manifestados principalmente como Transtornos de Ajustamento: 22,7%; Transtorno do Humor: 14,1%, Transtorno de Ansiedade: 8,2% e Delirium: 7,3% 1,2 . A prevalência do Transtorno de Estresse Pós-Traumático-TEPT em mulheres submetidas à TMO por câncer de mama foi estimada em 12% a 19%, e a intensidade da sintomalogia estava associada à maior tempo de internação, baixo nível educacional e doença avançada3. A presença de sintomas ansiosos e depressivos, além de aumentar a sobrecarga e o sofrimento, está relacionada ao aumento de queixas físicas, frequentemente múltiplas, e sem uma etiologia identificável. Os pacientes gastam mais tempo fazendo exames, o que resulta no aumento dos dias de internação. Sintomas depressivos podem repercutir na aderência aos tratamentos, em dificuldades para aceitar as medicações e os cuidados da enfermagem, na realização dos testes diagnósticos, e nos comportamentos voltados para o auto-cuidado e prevenção de infecções. Em diversas populações de pacientes clínicos, a morbidade psiquiátrica tem sido associada aos maiores custos com os cuidados em saúde e ao aumento do número de dias durante a hospitalização4 . O delirium é uma complicação neuropsiquiátrica muito freqüente e ocorre em até 50% dos pacientes nas primeiras quatro semanas após o transplante, estando significativamente associado à morbidade, mortalidade e declínio funcional. A apresentação clínica mais comum nesses pacientes é de delirium hipoativo, que é mais difícil de chamar a atenção da equipe e da família, dificultando o diagnóstico e resultando em que mais da metade dos pacientes não sejam diagnosticados corretamente. Muitas vezes quadros de delirium são confundidos com os sintomas dos transtornos de humor e de ansiedade. As dificuldades para detecção precoce e indicação de tratamentos apropriados aumentam a mortalidade, o tempo de permanência no hospital e piores desfechos dos tratamentos5. O tipo de transplante de medula, autólogo ou alogênico, não influencia as frequências dos transtornos psiquiátricos: a prevalência de sintomas ansiosos e depressivos é igual nas duas situações. Alguns fatores de risco para a morbidade psiquátrica estão resumidos no quadro abaixo: Fatores de risco para morbidade psiquiátrica Gênero Feminino Idade Jovem Níveis de Ansiedade altos antes do isolamento História Psiquiátrica Prévia Cessação do fumo (recente) Dor Estado Funcional Reduzido Regimes com maior toxicidade Um número considerável de pacientes pode requerer interconsulta psiquiátrica e tratamento medicamentoso, principalmente durante o período de isolamento, quando os pacientes estão submetidos a distress psicológico e físico graves. Além de confusão mental, os quadros de excitação ou delírios podem levar a comportamentos inapropriados, incluindo violência e evasão da unidade, sem proteção. É preciso estar atento também para o aparecimento de ideação suicida durante o isolamento. O tratamento dos transtornos mentais durante o isolamento pode ser crítico para o sucesso do TMO. Abordagem psicofarmacológica no TMO Sintomas de ansiedade, com gravidade de moderada a grave podem ser controlados com o uso de benzodiazepínicos, preferencialmente aqueles com meia vida curta, como o lorazepam, que não tem metabólitos ativos e nem metabolização hepática. A presença de sintomas depressivos pode interferir na adesão do paciente, principalmente se for diagnosticado uma depressão maior. O antidepressivo deve ter baixo poder de interação medicamentosa e de efeitos colaterais, além de rápida resposta, como alguns inibidores da recapatação de serotonina como a sertralina em doses baixas, ou o citalopram e escitalopram. O cuidado maior relacionado a esses agentes está na inibição das enzimas do complexo de metabolização farmacológica do citocromo P450, resultando em interação medicamentosa prejudicial com outras drogas que o paciente esteja em uso. A ciclosporina, por exemplo, tem seu nível sérico aumentado quando interage com a fluoxetina, o mesmo não acontecendo com a sertralina. O uso dos ISRS deve ser cuidadosamente monitorado concomitante ao uso do linzolid, um antibacteriano, por causa dos riscos de sindrome serotoninérgica. Os neurolépticos estão indicados no controle de sintomas psicóticos e comportamentais resultantes dos estados confusionais agudos ou do estado de delirium. O haloperidol ainda é o mais seguro, porém tem o risco dos efeitos anticolinérgicos e extrapiramidais. Os antipsicóticos atípicos como a Risperidona, Olanzapina e Quetiapina, também podem ser utilizados, porém com monitoramento maior, e em doses baixas6,7. Estresse Psicológico e Intervenções Psicossociais Os procedimentos do TMO mobilizam três grupos de indivíduos: os pacientes acometidos por todas as vicissitudes que os esperam; os familiares e cuidadores informais a quem são dirigidas grande parte das questões do paciente e, ainda, a desestrutura que a doença, o risco de morte e as consequências que o procedimento traz às suas rotinas, e finalmente, os profissionais que se deparam constantemente com seus próprios limites, com as exigências dos pacientes e dos familiares, além das frustrações e sobrecarga do trabalho. As intervenções psicossociais devem ser estruturadas de forma a acolherem todos os envolvidos nesse processo e oferecerem espaço de elaboraçãoe desenvolvimento de recursos de enfrentamento compatíveis com a situação vivida. O Paciente Brown e Kelly (1976), citado por Contel (2000)6 dividem o processo de TMO em oito estágios, cada um com angústia psicológica específica: Estágios do Transplante de Medula e Estresse Psicológico 1. Decisão de aceitar o tratamento. 2. Preocupação no início da admissão evolutiva e dos cuidados planejados 3. Pré TMO, com a entrada para o isolamento. 4. Transplante propriamente dito, relacionado a infusão intravenosa. 5. Aceitação ou rejeição da medula, chamado de período de espera. 6. Infecções que o paciente pode vir a ter. 7. Preocupação com a alta do hospital. 8. Adaptação da vida fora do hospital e ajustamento psicossocial depois do TMO. As intervenções psicossociais devem responder às angústias específicas de cada estágio, notadamente aquelas mais mobilizadores, como insegurança, medo, e necessidade de orientação. O acolhimento empático consiste na primeira forma de aproximação, a partir da qual se podem identificar e fortalecer os recursos de enfrentamento de cada paciente. Desde o período de planejamento do procedimento, os vínculos entre terapeuta e paciente devem ser estabelecidos e consolidados. O provimento de orientações claras e a constante atenção ao nível de compreensão de cada um a respeito do que tem pela frente são elementos importantes para a formação do vínculo de confiança e para a segurança do paciente. A dosagem entre perspectivas realistas e nível de esperança precisa ser cuidadosamente balanceada, assim como a diferenciação entre otimismo vazio e esperança devidamente fundamentada. Cabe também a identificação precisa dos mecanismos de defesa levantados que devem ser preservados ao mesmo tempo em que apontam para a necessidade de esclarecimentos e interpretações, com vistas à maior plasticidade dos mecanismos identificados. Os familiares/cuidadores Sabemos da importância de que se reveste a assistência familiar, além da assistência profissional nas situações de ameaça à saúde e à vida. Arantes (2005)8salienta que o diagnóstico de enfermidades potencialmente fatais gera impacto tanto no paciente quanto em sua organização familiar, dada a ameaça de morte iminente. Por vezes, as necessidades da família chegam mesmo a exceder as do paciente. Segundo Matsubara (2007)9 a compreensão dos elementos da crise familiar instalada e a identificação de intervenções apropriadas auxiliam a assistência aos familiares dos pacientes submetidos a TMO. É imprescindível que o cuidado psicossical se estenda a familiares/cuidadores, tanto por conta do sofrimento psíquico que enfrentam quanto pelo papel estabilizador ou desestabilizador que podem exercer junto ao paciente. Estaremos assim focando a atenção em dois níveis de prevenção: a) o secundário, que visa a minimizar as comorbidades e o agravamento da situação já enfrentada pelo paciente e b) o terciário, em que se focam as eventuais morbidades futuras resultantes de um evento presente. Cabe, assim, olhar o grupo familiar tanto em função daquilo que representa para o paciente quanto na relação à sua própria saúde psíquica e eventuais distúrbios que possam vir a apresentar em função da experiência potencialmente traumática. A equipe de saúde A equipe profissional, por sua vez, sofre inegáveis efeitos da atividade que desenvolve. A desestabilização emocional de seus integrantes pode provir de frustrações constantes por conta da sobrecarga de trabalho, de uma equipe mal estruturada ou do número insuficiente de profissionais e da falta apoio administrativa. As consequências dessa desestabilização podem traduzir-se em burnout profissional e prejuízo do atendimento aos pacientes. A identificação dos elementos estressores deve ser a primeira preocupação quando se pensa em intervenções preventivas efetivas. Grupos de compartilhamento são excelentes oportunidades para que os membros da equipe de saúde se conscientizem dos processos que a fragilizam. A partir desse conhecimento será possível definir medidas de redução dos estressores e, em paralelo, estratégias de manejo do estresse, quando suas causas não puderem ser eliminadas. Conclusões Os candidatos ao transplante de medula devem ser avaliados antes do início do tratamento. A alta prevalência dos transtornos psiquiátricos, do sofrimento emocional e das complicações decorrente desses transtornos, associados às dificuldades de diagnosticar, apontam para a importância do rastreio dos transtornos psiquiátricos em pacientes transplantados de medula. É preciso que toda a equipe esteja ciente das implicações psicossociais presentes no contexto de todo o procedimento – desde seu planejamento até a alta hospitalar – a fim de que compreenda a necessidade de intervenções de cunho preventivo ou terapêutico que evitem ou minimizem seus resultados. Referências Bibliográficas 1) Sasaki T, Akaho R, Sakamaki H et al: Mental disturbances during isolation in bone marrow transplant patients with leukemia. Bone Marrow Transplant 25:315-318, 2000. 2) Prieto JM; Blanch J; Atala J; Ravira M; Cirera E; Gastó C. Psychiatrc morbidity and impact on hospital lenght of stay among hematologic cancer patients receiving stem-cell transplantation. Journal of Clinical Oncology, 20:1907-1917, 2002. 3) Jacobsen PB; Widows MR; Hann DM; Andrykowsky MA; Kronish LE & Fields KK. Posttraumatic stress disorder symptoms after bone marrow transplantation for breast cancer. Psychosom Med 60: 366-371, 1998 4) Saravay SM, Lavin M: Psychiatric morbidity and lenght of stay in the general hospital: A critical review of outcome studies. Psychosomatics 35:233-252, 1994. 5) Basinski JR, Alfano CM, Katon W J, Syrjala KL, Fann JR Impact of Delirium on Distress, Health-Related Quality of Life, and Cognition 6 Months and 1 Year after Hematopoietic Cell Transplant. Biology of Blood and Marrow Transplantation 12:928-935, 2006. 6) Contel JOB; Sponholz JR A; Torrano-Massetti LM; Almeida AC; Oliveira EA; Jesus JS; Santos MA; Loureiro SR & Voltarelli JC. Psychological and psychiatric aspects of bone marrow transplantation. Medicina, Ribeirão Preto, 33: 294-311, july/sept. 2000. 7) Huang V, Gortney JS Risk of serotonin syndrome with concomitant administration of linezolid and serotonin agonists. Pharmacotherapy. 2006 Dec;26(12):1784-93. 8) Oliveira, EA et al Intervenção Junto à Família Do Paciente Com Alto Risco De Morte Medicina (Ribeirão Preto) Simpósio:Morte: Valores e Dimensões 2005; 38 (1): 63-68 Capítulo X - 9) Matsubara, TC et al A Crise Familiar No Contexto do Transplante de Medula Óssea (TMO): Uma Revisão Integrativa Revista Latino-Americana de Enfermagem Print version ISSN 0104-1169 Rev. Latino-Americana Enfermagem vol.15 no.4 Ribeirão Preto July/Aug. 2007 http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692007000400022 http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Huang%20V%22%5BAuthor%5D http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=%22Gortney%20JS%22%5BAuthor%5D http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-1169&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0104-1169&lng=en&nrm=iso
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