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Anna Beatriz Maia - Ética e Teoria da Justiça– Resumo das aulas da FDSBC A Teoria da Justiça de John Rawls e as políticas de ação afirmativa Da Equidade ao Privilégio Primordialmente, se faz necessário apresentar um pouco sobre a vida do jusfilósofo John Bordley Rawls: Jonh Rawls, como é conhecido, veio de uma família rica do Sul dos Estados Unidos e nasceu em 21 de fevereiro de 1921. Foi admitido na importante Universidade de Princeton, para estudar filosofia, em 1943, enquanto que seus estudos somente ganharam fôlego em 1946, quando chegou ao fim a Segunda Guerra Mundial, uma vez que fora convocado para combater no pacífico. Em 1949, concluiu o curso de filosofia. Em 1953, começou a lecionar na Universidade de Cornell até 1959, surge então a oportunidade de lecionar como convidado em Harvard e no M.I.T como efetivo, onde acaba por escolher Harvard, aquela que seria sua casa como famoso professor e escritor até 1991, quando se aposentou. Morreu em 2002, vítima de insuficiência cardíaca. Apesar de grande parte da vida acadêmica de Jonh ter sido ligada à Harvard, foi entre 1969/70, em Standford, que Rawls escreveu sua obra prima: Uma Teoria da Justiça. Ele visava contestar o utilitarismo clássico por meio de sua teoria da justiça, que nominou de Justiça Como Equidade, acreditando que há elementos invioláveis nos seres humanos, onde nem a felicidade da maioria justifica o desrespeito a estes. John Rawls era um (neo)contratualista, e partiu defendendo que a estrutura básica da sociedade deve ser baseada em definição de direitos e deveres iguais a todos, cuidando de estabelecer a igualdade formal entre os indivíduos. Ademais, sobre a igualdade material, a distribuição das riquezas deve ser alocada segundo o princípio da diferença (que será explicada mais a frente), combinado com o princípio da igualdade na forma de oportunidades equitativas. Além disso, criou o conceito de “igualdade democrática”, sem deixar de lado a inata desigualdade dos indivíduos defendida na “igualdade na forma de oportunidades equitativas” e no “princípio da diferença”. Logo, é possível ressaltar que toda sua ideia de justiça é caracterizada por uma distribuição justa dos bens de uma sociedade democrática, que exterminará quaisquer injustiças nas relações humanas – sendo particulares ou na esfera Institucional – de modo que culminará na justiça para todos os membros da comunidade. Seus conceitos têm sido incorporados na teoria e na prática política, como por exemplo, a teoria da renda mínima ou básica, já incorporada, com algumas variações, em muitos municípios brasileiros pela União e presente também em outros países. A teoria de John Rawls foi uma das mais lúcidas contribuições no campo da filosofia política no século 20. Todos crescem com valores e princípios, por isso Rawls usa a metáfora de colocar-se sob um “véu de ignorância’’, que nos impeça de ver quem somos, e qual realidade da sociedade estaremos inseridos; se seremos o opressor ou o oprimido. Sob esse véu de ignorância, os indivíduos escolheriam uma sociedade mais justa. E a partir desse ponto, pode-se fazer escolhas na verdadeira posição de equidade. Rawls imagina que possa vir a ideia de dois princípios de justiça quando se está sob o véu de ignorância. O primeiro princípio, chamado de “princípio de igualdade na forma de oportunidades equitativas” oferece liberdade básica para todos os cidadãos, como a liberdade de religião, e de oportunidades para todos os indivíduos. O segundo, o “princípio da diferença” refere-se à equidade social e econômica, permitindo apenas as desigualdades sociais que beneficiam os membros menos favorecidos. Há um nível de igualdade no princípio da diferença, mas dependem das circunstâncias sociais e econômicas. Em virtude disso, Rawls acredita que por mais que todos possam se esforçar e competir, todos estão em diferentes pontos de partida, ou seja, acredita que a distribuição de renda que resulta no livre mercado com oportunidades formalmente iguais não é justa. Levando-se em consideração o princípio da diferença – abordado nos parágrafos anteriores –, onde Rawls afirma que as desigualdades econômicas e sociais devem ser arranjadas de maneira que tragam maior benefício para os menos privilegiados e que as posições e cargos devem estar abertos a todos em igualdade de oportunidade (RAWLS, 2001, p. 100), torna-se possível gerar ações afirmativas pautadas no pensamento de John Rawls, apesar de que este nunca expôs minuciosamente tal questão dessa maneira. Este princípio da diferença, segundo a teoria rawlsiana, deveria existir em uma sociedade ideal e justa, assim como o princípio da oportunidade e o chamado “véu da ignorância”. Toda essa ideologia de sociedade justa, é precisamente isso: uma teoria ideal, de como a sociedade deveria comportar-se. Tal coisa, portanto, não ocorre com a nossa sociedade atual. Denomina-se ações afirmativas, as políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas etc., aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, à saúde, e fornecendo oportunidades de emprego. Destarte, tendo em vista a forte posição de Rawls em sua teoria da justiça como equidade, este fornece um bom referencial teórico para a defesa da ação afirmativa, uma vez que ele prontamente manifesta-se contra os fatores moralmente arbitrários, como fatores socioeconômicos, étnico-históricos e fatores naturais. Logo, consta-se, que o tratamento discriminatório de qualquer grupo social – a partir de Rawls – trata-se de uma injustiça, pois são moralmente arbitrários e contingentes, portanto, não podem justificar uma distribuição desigual de bens. Rawls não deseja, de forma alguma, privilegiar um determinado grupo social. Muito pelo ao contrário: sua teoria tenciona à igualdade equitativa de oportunidades aos grupos sociais menos favorecidos. Desse modo, acredita que chega-se a liquidação das cotas assim que tais indivíduos são inseridos, portanto, não são mais considerados excluídos das participações e funções empregadas na sociedade. No Brasil, de acordo com os números e estatísticas do IBGE, os grupos sociais excluídos da integração civilizatória de nosso processo histórico-social, se formam, preeminentemente, por pessoas negras e pardas. Por conseguinte, tendo-se em vista a definição de “ações afirmativas”, pode-se considerar, conquanto as leis de cotas raciais – que se caracteriza como uma medida de ação afirmativa – (Lei nº 12.711/ 2012 e a Lei nº 12.990/2014) e a Teoria da Justiça de John Rawls, ambas estão correlacionadas. Vide, então, a decisão do TRF-4 em 2017, em relação a cotas em universidade para quem já tem graduação. A aluna, que havia sido chamada para ocupar uma vaga remanescente na Universidade Federal do Paraná (UFPR) – esta tinha se inscrito pelo SISU na modalidade de cotas para negros ou pardos independentemente de renda familiar –, teve sua matrícula indeferida por já possuir curso superior, contrariando uma regra da universidade que autoriza o ingresso de candidatos através das cotas sociais, salvo se já possuem curso superior. A mulher então, ajuizou ação pedindo a sua matrícula na UFPR, e o pedido foi julgado improcedente pela Justiça Federal de Curitiba. Recorrendo ao TRF-4, também teve seu apelo negado, por unanimidade. As justificativas da Justiça Federal de Curitiba e da 4ª Turma, resumem-se no pressuposto que as cotas raciais têm o objetivo de propiciar o primeiro acesso ao ensino superior. Isto é, elas visam inserir os indivíduos considerados menos favorecidos em ambientes de educação e, consequentemente, assim que inseridos, cumprem o seu escopo. Nas palavras da relatora do caso, desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha: “Abrir vagas a portadores de diploma superior dentrodo sistema de cotas não significaria a busca de isonomia, mas, ao contrário, privilegiaria quem já obteve aquilo que o vestibular dá acesso.” Conclui-se que as regras de direito não são absolutas. Foi ponderado se o escopo das leis de cotas raciais cumpriu-se, e o fechamento do caso decreta que sim. Consequentemente, ao passar pelo sistema de cotas e adquirir seu diploma em curso superior, a aluna não sofria mais com as mazelas que afligem o povo negro e pardo no Brasil, no que tange à exclusão social. Faz-se imprescindível relacionar este caso concreto com a teoria rawlsiana. Ora, se a teoria de Rawls aponta que uma sociedade será mais justa quanto menos arbitrariedade ela admitir, então esta baseia-se no pressuposto que não é possível atribuir responsabilidade aos indivíduos menos favorecidos pela sua condição social. Dessa forma, torna-se necessário adquirir medidas que promovem o princípio da diferença, e igualdade na forma de oportunidades equitativas. Apoiando-se na prognose que Rawls não deseja privilegiar nenhum grupo social, e sim promover os princípios de igualdade de oportunidades e da diferença, é possível concluir que as decisões dos tribunais no que tangem o possível privilégio que promoveria ao dar oportunidades de uso das cotas às pessoas já incluídas na sociedade, seriam bem-vistas de acordo com a teoria rawlsiana. Segundo Samuel Freedman (2007, p. 90): “[...] Em palestras ele indicou que isso (ações afirmativas) pode ser um corretivo adequado para remediar os presentes efeitos da discriminação passada. Mas assume que é temporário. Sob as condições ideais de uma “sociedade bem ordenada”, Rawls não considerou o tratamento preferencial como compatível com a igualdade de oportunidade. Isso não se encaixa com a ênfase sobre os indivíduos e os direitos individuais.”