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1 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 – 1) DEFINIR SISVAN E IDENTIFICAR SUA IMPORTÂNCIA É um sistema de informação que visa descrever e predizer de maneira contínua, tendências das condições de nutrição e alimentação de uma população, e seus fatores determinantes, com fins ao planejamento e avaliação dos efeitos de políticas, programas e intervenções. O SISVAN tem como objetivos: descrever o estado nutricional da população com particular referência a subgrupos que são identificados como estando sob-risco, permitindo o conhecimento do problema nutricional; prover informação que irá contribuir para a analise das causas e fatores associados possibilitando uma seleção de medidas preventivas e/ou educativas que poderão ser ou não nutricionais; permitir predições a serem feitas com base na consolidação e análise dos dados a fim de indicar a evolução provável dos problemas nutricionais; acompanhar e monitorar o estado nutricional da população atendida em Unidades Básica de Saúde e/ou Programa Saúde da Família; monitorar programas e políticas públicas no contexto da alimentação e nutrição, e avaliar sua efetividade. No contexto do setor saúde, o SISVAN contempla quatro eixos interligados: SISTEMA: Padronização de atividades, isto é, tarefas organizadas de receber, tratar, analisarem dados e informações para devolvê-los à rede do Sistema Único de Saúde (SUS) e à sociedade, retro alimentando os setores responsáveis pelo planejamento, gestão e controle social dos programas e políticas públicas. VIGILÂNCIA: Engloba quaisquer atividades rotineiras e contínua de coleta, processando, análise e interpretação dos dados: recomendação de medidas de controle apropriadas: promoções das ações de controle indicadas; avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas; e divulgação de informações pertinentes. ALIMENTAR: Envolve os aspectos relativos à promoção de práticas alimentares saudáveis e à prevenção e ao controle dos distúrbios alimentares e de doenças associadas à alimentação. NUTRICIONAL: Considera o estado nutricional de coletividades como resultante do equilíbrio entre o consumo alimentar e a utilização biológico e sua estreita relação com o estado de saúde 2) DESCREVER A FISIOLOGIA DA AMAMENTAÇÃO E FASES DO LEITE MATERNO A produção de leite materno decorre de uma complexa interação neuropsicoendócrina. Durante toda a gravidez, a grande quantidade de projestogênio estimula o crescimento de alvéolos e lóbulos, ao passo que os estrogênios secretados pela placenta estimulem a proliferação de ductos lactíferos 2 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 e suas ramificações. Simultaneamente, o estroma das mamas aumenta em quantidade, e ocorre grande deposição de gordura nesse estroma. Além disso, outros hormônios como lactogênio placentário, gonadotrofina coriônica e prolactina também participam do crescimento glandular ao longo da gestação. Embora o estrogênio e a progesterona sejam essenciais ao desenvolvimento físico das mamas durante a gravidez, uma ação de ambos é a inibição da secreção de leite. Já com o nascimento e a saída da placenta, esses efeitos inibitórios sobre a prolactina cessam e a secreção de leite aumenta. A prolactina é secretada pela hipófise anterior e sua concentração no sangue da mãe aumenta uniformemente a partir da quinta semana de gravidez até o nascimento do bebê. Além disso, a placenta secreta grande quantidade de somatomamotropina coriônica humana, que provavelmente tem propriedades lactogênicas, apoiando assim, a prolactina da hipófise materna durante a gravidez. Imediatamente depois que o bebe nasce, a perda súbita tanto de secreção de estrogênio quanto de progesterona da placenta permite que o efeito lactogênico da prolactina assuma seu papel natural de promotor da lactação. Entre o 3º e o 4º dia pós-parto, ocorre a “descida do leite” ou apojadura, etapa que não depende da sucção do mamilo pelo bebe, estando sob controle hormonal (ou seja, mesmo que não haja a sucção ela acontecerá). Em seguida ocorre a galactopoiese ou lactogênese fase III, que é a manutenção da produção e ejeção do leite sob total dependência da sucção do mamilo pelo bebe e esvaziamento das mamas. Isto é, quanto mais o lactante suga, mais leite será produzido. A secreção de leite aumenta de 100ml/dia no inicio da lactação para 600ml/dia em media por volta do 4º dia. Depois do nascimento do bebê, o nível basal da secreção de prolactina retorna aos níveis não gravídicos durante algumas semanas. Entretanto, cada vez que a mãe amamenta o bebe, sinais neurais dos mamilos para o hipotálamo causam um pico de 10 a 20 vezes da secreção de prolactina, 3 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 que dura aproximadamente 1 hora. Essa prolactina age nas mamas maternas para manter as glândulas mamárias secretando leite nos alvéolos. A amamentação não é um ato simples, e sim um fenômeno psicossomático. Uma prova disso, é que o leite é secretado de maneira continua nos alvéolos das mamas, mas não flui facilmente dos alvéolos para o sistema de ductos e, portanto não vaza continuamente pelos mamilos. Em vez disso, o leite precisa ser ejetado dos alvéolos para os ductos. Essa ejeção é causada por um reflexo neurogênico e hormonal combinado, que envolve o hormônio ocitocina. Primeiramente, é preciso que impulsos sensoriais sejam transmitidos através de nervos somáticos dos mamilos para a medula espinal da mãe, e então para seu hipotálamo, onde desencadeiam sinais neurais que promovem a secreção da ocitocina, ao mesmo tempo em que causam a secreção da prolactina. A ocitocina é transportada no sangue para as mamas, onde faz com que as células mioepiteliais (que circundam as paredes externas nos alvéolos) se contraiam, transportando assim o leite dos alvéolos para os ductos. Assim, dentro de 30 segundos a 1 minuto depois que o bebe começa a sugar, o leite começa a fluir. Esse processo de ejeção do leite pode ser bloqueado pelo estresse, pela baixa autoestima, pelo medo, dor e falta de apoio. A ocitocina também produz contração da musculatura lisa uterina (Reflexo de Fergusson) e por isso, o estimulo ao aleitamento materno na sala de parto diminui a incidência de hemorragias no pós- parto. O ato de sugar uma mama faz com que o leite flua não só naquela mama, mas também na oposta. Um fato interessante, é que quando a mãe pensa no bebe, ou só escuta chorar, muitas vezes isso proporciona um sinal emocional suficiente para o hipotálamo provocar a ejeção do leite. Se o pico de prolactina estiver ausente ou for bloqueado em decorrência de dano hipotalâmico ou hipofisário, ou se a amamentação não prosseguir, as mamas perdem a capacidade de produzir leite dentro de mais ou menos uma semana. Entretanto, a produção de leite pode se manter por vários anos se a criança continuar a sugar, embora a formação do leite, normalmente diminua depois de 7 a 9 meses. FASES DA PRODUÇÃO DO LEITE 1. COLOSTRO É secretado nos primeiros três a cinco dias após o parto. Sua composição comparando-se com o leite maduro, possui o teor de eletrólitos, proteínas, vitaminas lipossolúveis (Vit. A – dá a coloração 4 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 amarelada), minerais e concentração de imunoglobulinas é maior, destacando-se a alta concentração de IgA e lactoferrina. Por outro lado, possui menos gordura, lactose e vitaminas hidrossolúveis. É um leite imaturo, basicamente um exsudato plasmático. Além disso, ele facilita a eliminação de mecônio nos primeiros dias (diminuindo a icterícia) e permite a proliferação de Lactobacillus na luz intestinal. 2. LEITE DE TRANSIÇÃO Seu período deprodução está entre 6-10 dias até a segunda semana pós-parto. Em relação a sua composição, a concentração de imunoglobulinas torna-se progressivamente menor, assim como o teor de vitaminas lipossolúveis. Ocorre o aumento das vitaminas hidrossolúveis, lipídios e lactose. 3. LEITE MADURO Produzido a partir da 2ª quinzena pós-parto. Em relação a sua composição, possui um maior teor lipídico e de lactose, menor quantidade de proteínas. O leite anterior (solução) é ralo e doce, ocorrendo predomínio de proteína do soro e lactose. No meio da mamada (suspensão) é maior a quantidade de caseína. E o leite posterior (emulsão) tem grande concentração de gordura, necessária para saciar o lactente. 4. LEITE DE MÃES DE PREMATURO Sua composição é mais rica em proteínas (aminoácidos essenciais para o RN), gorduras, sódio, cloro, vitaminas A e E, menor teor de lactose e vitamina C. No fim do primeiro mês, o conteúdo é similar ao de nascidos a termo, exceto pela concentração de imunoglobulinas. Este leite materno especial produzido pela mulher que pariu precocemente seu filho é um dos pilares do cuidado mãe-canguru. O leite humano possui numerosos fatores imunológicos que protegem a criança contra infecções. A IgA secretória é o principal anticorpo, atuando contra microrganismos presentes nas superfícies mucosas. Os anticorpos IgG no leite humano são um reflexo dos antígenos entéricos e respiratórios da mãe, ou seja, ela produz anticorpos contra agentes infecciosos com os quais já teve contato. Além do IgA, o leite materno contem outros fatores de proteção, tais como anticorpos IgM e IgG, macrófagos, neutrófilos, linfócitos B e T, lactoferrina, lisozima e fator bífido. 3) COMPREENDER AS ORIENTAÇÕES DIETÉTICAS DOS PRIMEIROS MIL DIAS DE VIDA, ASSIM COMO AS SUPLEMENTAÇÕES NECESSÁRIAS. Após os seis meses de idade, o aleitamento materno de modo isolado não atende mais ás necessidades nutricionais do lactente, sendo necessária a introdução de outros alimentos. De acordo com a OMS, o aleitamento materno é recomendado até 2 anos, sendo exclusivo até o 6º mês. A época da introdução alimentar também respeita o desenvolvimento neurológico do lactente e o amadurecimento das funções motoras relacionadas à alimentação. A aquisição de marcos como sustentação da cabeça, pescoço e tronco, perda de reflexo de protrusão da língua e capacidade de mastigação aos cinco meses são exemplos de habilidades necessárias para o inicio da alimentação complementar. Além do aparecimento dos dentinhos. A introdução da alimentação é feita de forma gradual, com cada alimento novo sendo introduzido separadamente. A não aceitação inicial de um determinado alimento, não deve ser interpretada como uma recusa definitiva. Pelo contrario, este mesmo alimento deve ser oferecido em 5 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 media de 8 a 10 vezes para que ocorra sua aceitação plena. A consistência do alimento também deve ser modificada, oferecendo inicialmente alimentos na forma pastosa e posteriormente na forma de pedaços, mas nunca deve ser processada em liquidificador ou na consistência de sopa. Após os 6 meses, a criança amamentada deve receber três refeições ao dia (duas papas de fruta e uma papa salgada). Após completar 7 meses, deve ser introduzida a segunda papa salgada. Já com 12 meses a criança deve receber no mínimo cinco refeições por dia. Lembrando que a papa salgada deve conter alimentos de todos os grupos: cereais ou tubérculos, leguminosas, carnes e hortaliças (verduras e legumes). Embora a amamentação deva continuar em livre demanda após os seis meses de vida, é possível estabelecer um esquema para a administração da alimentação complementar, de forma a aproximar gradativamente os horários da criança aos da família. Alimentos industrializados (refrigerantes, chás, alimentos embutidos e congelados), aqueles que oferecem risco de broncoaspiração (pipoca, amendoim, milho cozido) e os mais implicados no desenvolvimento de alergias (frutos do mar) e mel (pela presença de esporos de Clostridium botulinum) devem ser evitados no primeiro ano. O ovo cozido pode ser introduzido após o sexto mês. ALIMENTAÇÃO PARA CRIANÇAS NÃO AMAMENTADAS Na impossibilidade de se proporcionar aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida, por motivos inerentes à saúde da mãe, da criança ou por motivos sociais, a complementação da nutrição do lactente será realizada preferencialmente pela administração de formula láctea ou formula infantil. As formulas lácteas infantis são produzidas a partir do leite de vaca, mas modificadas em vários aspectos: redução da concentração de proteínas e eletrólitos, enriquecimento com ácidos graxos essenciais. Adição de carboidratos e adição de vitaminas e minerais. Já as formulas Infantis são compostos modificados a partir do leite de vaca ou do leite de soja. São chamados de formula de partida aquelas para criança ate 6 meses, e de formulas de seguimento aquelas para crianças de 6 meses a 12 meses. Entretanto, na impossibilidade de adquirir uma formula láctea, o leite de vaca modificado poderá ser utilizado, até mesmo porque esta é a realidade para a maioria das famílias de baixa renda. A criança alimentada com formula infantil a base de leite poderá receber novos alimentos a partir do 6 meses. Seguindo as mesmas recomendações que uma criança amamentada. Já as crianças que receberam leite de vaca modificado em casa poderá receber novos alimentos a partir dos 4 meses. A partir dessa data, o leite de vaca integral não precisa mais ser diluído. Recomenda-se dar fruta (de manha e de tarde) e duas papas salgadas. 6 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 SUPLEMENTAÇÃO Em geral, a criança amamentadas exclusivamente ate os 6 meses de vida por uma mãe bem nutrida, não necessita de suplementação com vitaminas, com exceção da vitamina K (que é ofertada de forma rotineira nas maternidades) e da vitamina D em situações selecionas. FERRO A suplementação em todas as crianças de 6 a 18 meses (ou se não estiverem em período de aleitamento materno, a partir dos 4 meses). VITAMINA A O Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, busca reduzir e controlar a deficiência nutricional de vitamina A em crianças de 6 a 59 meses de idade e mulheres no período pós-parto imediato VITAMINA D Recomenda-se administrar de 200 a 400UI/dia de vitamina D a crianças que apresentam os seguintes fatores de risco: prematuridade, pele escura, exposição inadequada à luz solar ZINCO Entretanto, não há uma recomendação universal quanto à suplementação de zinco para a população brasileira. Deve-se enfatizar o consumo de alimentos ricos em zinco, como carnes, vísceras (em especial, o fígado) e gema de ovo 7 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 Ao fazer 5 meses, a criança pode começar a receber mais de uma refeição. Recomenda-se a partir dessa idade dar fruta, almoço, jantar. Nos outros horários do dia, o leite de vaca deve ser oferecido. ALIMENTAÇÃO SEGUNDO ANO É comum a falta de interesse da criança por certos alimentos e redução da ingesta nesse período. Além disso, a criança passa a demonstrar preferencias de paladar, e esta seleção deve ser respeitada. Uma alimentação balanceada e isenta de consumos prejudicais como refrigerantes, doces, salgados, biscoito é fundamental entre um e dois anos, pois é nessa fase que os hábitos e padrões alimentares são definidos ate a idade adulta. Recomenda-se que a criança receba três refeições principais e dois lanches. ALIMENTAÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR Nesta fase é comum a neofobia alimentar, que é a negação de um alimento fora do habitoda criança. É comum também que as crianças prefiram alimentos doces e muito calóricos, isso porque o paladar para o doce é inato. Entretanto os pais precisam determinar regras para evitar o hiperconsumo desses alimentos. 4) RECONHECER A IMPORTÂNCIA DA PUERICULTURA, SABER COMO ORIENTAR A FREQUÊNCIA DAS CONSULTAS E IDENTIFICAR OS MARCOS DE DESENVOLVIMENTO ADEQUADOS POR IDADE NA PRIMEIRA INFÂNCIA (MARCOS DE DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR / REFLEXOS). PUERICULTURA É recomendado pelo MS uma visita domiciliar à gestante e a criança na primeira semana pós-parto. Nesta visita é fundamental que o profissional de saúde saiba identificar sinais de perigo à saúde da criança. Isso porque, as crianças menores de 2 meses podem adoecer e morrer em um curto espaço de tempo por infecções bacterianas graves. A primeira consulta do RN deverá ocorrer na sua primeira semana de vida, que constitui um momento propicio para estimular e auxiliar a família nas dificuldades do aleitamento materno exclusivo, para orientar sobre as imunizações, para verificar a realização da triagem neonatal (teste do pezinho) e para estabelecer ou reforçar a rede de apoio. A partir da anamnese procura-se identificar as condições de nascimento da criança (tipo de parto, local de parto, peso ao nascer, índice de Apgar, intercorrências clinicas na gestação e parto). Já o exame físico deve ser completo, avaliando peso – lembrando, que se considera normal uma perda de peso de ate 10% ao nascer, devendo ser recuperado ate o 15º dia de 8 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 vida - comprimento, perímetro cefálico, estado geral, face, pele, fontanelas, reflexos. O MS recomenda sete consultas de rotina no primeiro ano e vida (1ª semana, 1º mês, 2º mês, 4º mês, 6º mês, 9º mês e 12º mês) além das duas consultas no 2º ano de vida (18º e no 24º mês), e a partir do 2º ano de vida, consultas anuais. Essas faixas são selecionadas porque representam momentos de oferta de imunizações. É importante que em todas as consultas, o pediatra observe: Crescimento: peso, altura, perímetro cefálico (este até 2 anos); Desenvolvimento neuropsicomotor: conduta motora grosseira, fina, conduta adaptativa, conduta de linguagem e conduta pessoal-social; Alimentação, vacinas, prevenção de acidentes e identificação de riscos para a saúde. MARCOS DO DESENVOLVIMENTO O acompanhamento do desenvolvimento da criança na atenção básica objetiva sua promoção, proteção e a detecção precoce de alterações passivem de modificação que possam repercutir em sua vida futura. A criança deve atravessar cada estagio segundo uma sequencia regular, ou seja, os estádios do desenvolvimento cognitivo são sequenciais. Se a criança não for estimulada ou motivada no devido momento, ela não conseguirá superar o atraso do seu desenvolvimento. A identificação de problemas, tais como: atraso no desenvolvimento da fala, alterações relacionais, tendência ao isolamento social, dificuldade de aprendizado, agressividade, é fundamental para o desenvolvimento e a intervenção precoce para o prognostico dessas crianças. Por isso, as avaliações do desenvolvimento infantil devem sempre levar em conta as informações e opiniões dos pais e da escola sobre a criança. CONDUTA E DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento neuropsicomotor é o conjunto de todas as reações da criança, todo o seu comportamento que evolui progressivamente ao longo do tempo sob forma de funções e habilidades cada vez mais especificas. Esses comportamentos são nas fases iniciais, reações reflexas e estereotipadas, e progressivamente vão se tornando voluntarias e apreendidas. As bases fisiológicas que explicam esta evolução neuropsicomotora assentam-se no próprio crescimento somático e desenvolvimento (mielinização, formação e remodelamento sináptico) das vias motoras, sensitivas, sensoriais, de linguagem, raciocino e memoria dos SNC e SNP. Esse desenvolvimento deve ser analisado em 5 grandes áreas: 1. Conduta adaptativa Compreende as reações da criança frente aos estímulos apresentados (bola, chocalho, cubos) e que dependem da interação de sua capacidade motora, sensorial, de coordenação e cognitiva para adequado exploração e aprendizagem. 2. Conduta Motora Fina Compreendem as habilidades cada vez mais precisas e especificas com o uso da mão e dedos, garantindo-lhe a exploração cada vez mais deliciada do objeto. 3. Conduta Motora Grosseira Compreendem as habilidades motoras gerais como sustentar a cabeça, tronco, sentar-se, rolar, engatinhar, andar e pular. Também é uma conduta dependente da interação das vias motoras centrais e periférica. 9 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 4. Conduta de Linguagem Refere-se à capacidade de compreender e exprimir sensações e pensamentos. Inclui as reações de comunicação não verbal (sorriso, choro, expressões faciais) e verbal (balbucio, primeiras palavras, frases). 5. Conduta pessoal-social: Refere-se às reações da criança frente às outras pessoas. A sequência de desenvolvimento neuropsicomotor ocorre no sentindo céfalo- caudal, proximal-distal e da borda ulnar- radial. Por exemplo, o lactente adquire primeiro o controle da cabeça, para depois adquirir o controle do tronco, o sentar, o engatinhar e o andar. 10 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 Esses marcos neuropsicomotores devem estar obrigatoriamente presentes em uma determinada idade. Contudo, estes podem aparecer um pouco antes no desenvolvimento. Por exemplo, sentar sem apoio é um marco adquirido aos seis meses de vida, podendo adiantar-se ou atrasar-se um pouco. 11 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 REFLEXOS Os reflexos primitivos neonatais são respostas motoras estereotipadas, deflagradas por estimulo externo do examinador e representam as primeiras reações do neonato ao meio. São chamadas de primitivas porque não são voluntarias ou apreendidas, e estão sob controle de centros subcorticais, tronco encefálico e medula. Possuem um caráter transitório, ou seja, estão presentes ao nascimento, mas possuem uma época determinada para desaparecer. O desaparecimento do reflexo primitivo permite o surgimento de uma conduta motora voluntaria, apreendida e sob controle cortical, o que é possível devido ao amadurecimento do SNC - que envolve mielinização e formação de sinapses. 1. REFLEXO DE MORO (OU DO ABRAÇO) É realizado segurando a criança pelas mãos e liberando bruscamente os braços, ocorrendo uma abdução seguida de adução e flexão das extremidades superiores. Aos 3 meses ele desaparece de forma incompleta e aos 6 meses ocorre o desaparecimento definitivo. 2. REFLEXO TÔNICO CERVICAL ASSIMÉTRICO É realizado com uma rotação da cabeça para um lado, com consequente extensão dos membro superior e inferior do lado do queixo e flexão dos membros contralaterais. Desaparece aos 3/4 meses. 3. REFLEXO DA PREENSÃO PALMOPLANTAR O examinador coloca o dedo na face palmar do bebe e a resposta esperada é a flexão dos dedos e fechamento da mão. E no pé, o examinador comprime seu polegar sobre a face plantar abaixo dos dedos, a resposta é a flexão dos dedos do pé. O palmar desaparece aos 4 meses. O plantar desaparece aos 15 meses. 4. REFLEXO DO APOIO PLANTAR E MARCHA Segura o RN de pé pelas axilas e ao colocar seus pés apoiados sobre uma superfície, imediatamente ele retificará o corpo e iniciará a marcha reflexa. Desaparece aos 2 meses. 12 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 5. REFLEXO DE GALANT Coloca-se o bebê em pronação, com o tronco apoiado no braço do examinador, e com o dedo da mão estimula a pele do dorso em um movimento linear do ombro até asnadegas. A resposta esperada é a flexão do tronco para o lado estimulado. Desaparece aos 4 meses. 6. REFLEXO DE LANDAU Com uma das mãos suspendemos o lactante pela superfície ventral. Com a outra mão flexionamos a cabeça rapidamente e todo o corpo entra em flexão. Surge aos 3 meses e desaparece ao final do 2º ano. 7. REFLEXO DE PROCURA Ao tocarmos suavemente a bochecha do lactente, ele roda o pescoço em direção ao lado estimulado e abre a boca. 8. REFLEXO CUTÂNEOPLANTAR Ao estimular a sola do pé com um objeto de ponta romba, faz-se um risco do calcanhar à base do quinto dedo. Até o 4 mês de vida, todos os lactentes tem uma resposta de extensão do hálux com ou sem abertura em leque dos dedos. No 12º mês, a resposta passa a ser flexão dos dedos e assim permanece por toda a vida. O termo sinal de Babinsk refere-se ao reflexo plantar patológico. 9. REFLEXO DO PARAQUEDISTA Segura o lactente pela região ventral e o aproxima da mesa bruscamente, para lhe dar a impressão de que está caindo. A resposta esperado é a de que a criança estenda os braços e abra as mãos na tentativa de proteger-se. Surge aos 8/9 meses e permanece por toda a vida. 5) AVALIAR OS GRÁFICOS DE CRESCIMENTO POR PERCENTIL E ESCORE Z, SABER PLOTAR E IDENTIFICAR ALTERAÇÕES ANTROPOMÉTRICAS. 13 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 O acompanhamento do crescimento pediátrico é habitualmente realizado através da obtenção de medidas antropométricas e da interpretação dessas medidas. PESO As crianças de 0 a 2 anos ou de até 16kg devem ser pesadas nas balanças pediátricas, sempre despidas, sentadas ou deitadas. Após os 2 anos é realizada a pesagem em balança do tipo plataforma, com a criança de costas para o medidor, descalça e com o mínimo de roupas possível. A forma de acompanharmos o crescimento ponderal de uma criança é através da construção de sua curva de crescimento e da comparação dos dados obtidos com os referenciais populacionais. ESTATURA Entre 0 e 2 anos devemos avaliar o comprimento da criança com o auxilio de uma régua antropométrica. Após os 2 anos, devemos medir a estatura com o estadiômetro de parede. PERÍMETRO CEFÁLICO A avaliação do perímetro cefálico é capaz de refletir de forma indireta o crescimento cerebral nos primeiros dois anos de vida da criança. Essa avaliação é muito útil nos primeiros meses de vida para identificação dos desvios do desenvolvimento neurológico. O PC é medido passando uma fita métrica do ponto mais elevado do occipital até a glabela. A partir desses dados podemos construir índices antropométricos, como estatura para a idade, peso para a idade, peso para a estatura, índice de massa corporal por idade ou perímetro cefálico por idade. A partir da comparação com as populações de referencia é que podemos avaliar o crescimento da criança; CURVAS DE CRESCIMENTO Para avaliar o estado nutricional de uma criança a partir das curvas de crescimento, são utilizadas duas medidas para expressar a situação nutricional e de desenvolvimento do indivíduo. São elas o percentil e o score-z. PERCENTIL As medidas de percentil tendem a ser mais sensíveis, ou seja, mais abrangentes. Em outras palavras, crianças classificadas como risco nutricional a partir do percentil podem estar apenas próximas de uma situação de risco, mas não necessariamente em risco nutricional. http://www.cookie.com.br/crianca-com-baixo-peso-saiba-fazer/#.VZEstvlViko http://www.cookie.com.br/crianca-com-baixo-peso-saiba-fazer/#.VZEstvlViko http://www.cookie.com.br/paciente-filho-alergico-leite-vaca/#.VZEt8PlViko 14 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 Nesta distribuição, os valores obtidos para qualquer um dos parâmetros avaliados (peso, estatura, PC) são ordenados de forma crescente como se fossem 100 valores. Cada percentil representa a posição que aquele valor ocupa na distribuição dos valores. O percentil 50 é o ponto central da serie de valores crescentes, estado. Os gráficos de crescimento das curvas da OMS trazem as curvas correspondentes aos percentis 3, 15, 50, 85 e 97. ESCORE-Z As medidas de score-z são mais específicas, ou seja, elas detectam com mais precisão aqueles casos que estão mais gravemente relacionados com situações de risco nutricional. Recentemente, o uso do score-z vem sendo estimulado pela OMS, o que permitiria uma padronização e uma maior comparabilidade entre as estatísticas de desenvolvimento infanto juvenil dos diferentes países! Um escore-z positivo indica que o valor da medida do individuo é maior que a media da população de referencia, enquanto que escore-z negativo corresponde a um valor menor que a media. E o escore-z zero corresponde a média. CLASSIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Essa classificação é feita com base nos gráficos de crescimento da OMS e pode ser encontrado nas Cadernetas de Saúde da Criança. Na caderneta, usadas de 0 a 10 anos, encontramos as medidas que trazem as representações do escore-Z. Os gráficos disponibilizados na Caderneta são: perímetro cefálico (0-2 anos), peso para idade (0-2anos, 2-5anos e 5-10 anos), comprimento/estatura para idade (0-2anos, 2-5anos e 5-10 anos), e Índice de Massa Corporal (0-2anos, 2-5anos e 5-10 anos). CRESCIMENTO DE CRIANÇAS PREMATURAS As crianças prematuras (<37 semanas de idade gestacional) deverão ter o crescimento (peso, comprimento e PC) acompanhando realizando-se a correção da idade cronológica. Considera-se a termo, a idade de 40 semanas gestacionais, e assim, deve-se descontar da idade cronológica o numero de semanas que faltaram para completar as 40 semanas. Ex: Imagine um RN com 32 semanas de idade gestacional e com 3 meses de idade cronológica. A diferença entre a idade gestacional e 40 semanas é de 8 semanas. Logo, 3 meses – (8semanas = 2 meses) = 1 mês de idade gestacional corrigida. Dessa forma, os índices de peso, comprimento e PC deverão ser colocados no marco de um mês. E esta correção de idade deve ser feita ate 2 anos. O ACOMPANHAMENTO DO CRESCIMENTO As varias medidas de crescimento de uma criança vão sendo colocados como pontos no gráfico a cada consulta. Esses pontos são unidos e formam uma linha, que representa a curva do crescimento dessa criança. O MS orienta que os seguintes aspectos sejam considerados na interpretação da curva: A curva de crescimento de uma criança que esta crescendo adequadamente tende a seguir um traçado paralelo a linha verde, acima ou abaixo dela. Qualquer mudança rápida nessa tendência (desvio da curva para cima ou para baixo do seu traçado normal) deve ser investigado para determinar a causa e orientar a conduta. Um traçado horizontal indica que a criança não esta crescendo, o que necessita ser investigado. 15 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 Na primeira medição é importante observar a posição do peso em relação aos pontos de corte superior e inferior. E nas medidas seguintes, observar a posição e também o sentindo do traçado da curva de crescimento da criança. 6) AVALIAR COMO IDENTIFICAR UM QUADRO DE DESNUTRIÇÃO, SEUS TIPOS, MEDIDAS PREVENTIVAS E CONDUTAS APÓS IDENTIFICAÇÃO. A desnutrição é um distúrbio da nutrição decorrente da falta concomitantemente de calorias e de proteínas, em diferentes proporções. Sua forma primária resulta da combinação de 3 fatores: carência alimentar (macro e micronutrientes), falta de acesso a condições sanitárias (agua/esgoto) e serviços de saúde (acarretando em quadros prolongados de diarreia) e falta de praticas de cuidado infantil (vacinação, higiene pessoal). As formas secundárias são provocadas por doenças que aumentam as necessidades metabólicas, ou diminuem a absorção intestinalou levam a perda de nutrientes, como as síndromes disabsortivas. O período mais susceptível à desnutrição são os primeiros 1000 dias de vida, e qualquer agravo nutricional neste momento, afeta o crescimento e desenvolvimento, trazendo consequências cognitivas futuras. O estado nutricional é avaliado de acordo com parâmetros antropométricos, tais como peso (reflete os agravos agudos à nutrição), estatura (reflete os agravos crônicos à nutrição)e circunferência braquial (útil na avaliação nutricional de crianças edemaciadas) O diagnostico de desnutrição é feita com base nos escores/percentis das curvas da OMS. Os principais índices antropométricos para avaliar a desnutrição são o peso e a estatura. A curva peso/estatura reflete o efeito agudo da desnutrição na vida da criança. Já a curva estatura/idade reflete o efeito crônico da desnutrição na vida da criança. EPIDEMIOLOGIA Os desnutridos no Brasil tem duas origens: os miseráveis, que não dispõe de recursos algum para alimentação da família e 16 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 aqueles que embora tenham recursos para atender a demanda nutricional, não o fazem por não terem o envolvimento com os filhos. Há uma maior prevalência de desnutrição no segundo ano de vida, porque apesar do aleitamento proteger as crianças, o desmame é feito precocemente e de forma errada. Além disso, as condições sanitárias insatisfatórias acompanham a desnutrição, o que favorece a ocorrência de parasitoses, infecções e diarreia. FISIOPATOLOGIA Como consequência da baixa ingestão alimentar, a criança torna-se hipoativa. Essa é a primeira resposta adaptativa do organismo à privação energética. Posteriormente, ocorre uma parada de crescimento: inicialmente diminui o ganho de peso e em seguida a estatura. A fisiologia hormonal se altera com o objetivo de captar energia por outras vias metabólicas. Alterações metabólicas e hormonais Ocorre uma redução do metabolismo com diminuição do gasto energético, da síntese de proteínas e da atividade da bomba sódio-potássio. Inicialmente há um aumento da glicólise (quebra de glicogênio), lipólise (liberação e ácidos graxos) e neoglicogênese (síntese de glicose a partir do glicerol de ácidos graxos) para a geração de energia. O metabolismo cerebral passa a ser mantido as custas de ácidos graxos e corpos cetonicos. O consumo progressivo desses estoques leva a queda plasmática nos níveis de glicose e aminoácidos, e com isso ocorre uma diminuição da insulina sérica e um aumento do glucagon e da adrenalina. Os níveis de GH se elevam e com ele há um maior estimulo à lipólise. Por outro lado, os níveis de IGF-1 estão reduzidos. O estresse provocado pela DEP (desnutrição energético proteica) estimulam a secreção de cortisol, que atua sobre a glicogenólise e 17 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 gliconeogênese. A atividade da bomba sódio encontra-se muito reduzida pela menor oferta de ATP, e com isso a célula passa a excretar menos sódio e importar mais potássio. Como o sódio corporal esta aumentado, mas seus níveis séricos estão reduzidos, vamos ter um quadro de HIPONATREMIA. Além disso, as células vão ter uma tendência de edemaciar, devido a retenção de sódio. E o potássio intra e extracelular encontram-se reduzidos, levando ao quadro de HIPOCALEMIA. Alterações neurológicas Tanto a desnutrição calórico-proteica quanto a carência de ferro e iodo e a privação psicoafetiva contribuem para o déficit no desenvolvimento neuropsicomotor e para o déficit cognitivo. Há redução na formação de sinapses e proliferação dendritica e retardo na mielinização, bem como prejuízo na síntese de neurotransmissores. ANAMNESE Deve ser feita uma avaliação da condição nutricional dessa criança. Essa avaliação deve englobar a pesquisa de fatores de risco para a DEP, como: História gestacional e periparto (pré- natal, uso de drogas, peso e comprimento ao nascer); Historia patológica pregressa (presença de doenças respiratórias, gastrointestinais, internações; História vacinal; Anamnese alimentar (duração da mamada, processo de desmame e alimentação atual); Pesquisa de sinais e sintomas de DEP (diminuição da atividade, irritabilidade, alterações de cabelo e pele, escassez de subcutâneo, musculatura hipertrófica, fácies senil, edema e hepatomegalia); História social (núcleo familiar, relacionamento afetivo, condições socioeconômicas, saneamento básico); EXAME FÍSICO Os indicadores antropométricos (peso, comprimento/ estatura, PC, circunferência do braço, prega cutânea) são instrumentos diagnósticos na avaliação da desnutrição infantil. O sinal clinico mais precocemente observado é a insuficiência do crescimento. Quando a desnutrição é aguda, observa-se incialmente um maior comprometimento do peso e a estatura sofre interferência quando o processo se prolonga. O acompanhamento das curvas de peso e estatura nos gráficos mostram curvas estacionarias ou decrescentes em crianças com desnutrição. Ao exame, a criança mostra-se apática, letárgica, com nível de atividade inferior ao esperado para sua faixa etária. FORMAS CLÍNICAS GRAVES A desnutrição energético proteica aguda grave em que se verifica algumas das condições abaixo: - Índices de peso ou estatura para idade estão abaixo de 3 da média. - Circunferência braquial abaixo de 115 mm nas crianças entre 6 e 59 meses. - Edema com cacifo bilateral. 1. MARASMO É um estado de má nutrição que resulta de uma deficiência calórica total (energia e proteínas). Marasmo significa “desgaste” e em termos grosseiros denota inanição. Essa apresentação clínica é mais comum em crianças com menos de um ano de idade, embora não seja restrita a este grupo etário. 18 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 Ocorre praticamente em todos os países em desenvolvimento, sendo a causa mais comum a retirada precoce do aleitamento materno, substituindo por formulas caloricamente deficientes. Isso combinado com a ignorância sobre higiene e atrasos costumeiros na administração de vacinas, leva frequentemente ao desenvolvimento de infecções gastrointestinais preveniveis. A criança geralmente é internada pela intercorrência infecciosa, e não pela desnutrição. Observa-se déficit de peso e estatura, atrofia muscular extrema, emagrecimento acentuado com pobreza de tecido celular subcutâneo e pele enrugada, principalmente nas nadegas e coxas. Em geral, o apetite esta preservado, ao contrário do Kwashiokor. A anemia e a diarreia são comuns e com frequência as crianças apresentam abdome volumoso. Não há edema, nem lesões cutâneas. Os cabelos podem eventualmente estar alterados. 2. KWASHIORKOR Embora a ingestão calórica possa ser adequada, observa-se deficiência dietética de proteína. Apesar da energia adequada, a deficiência de proteínas de alto valor biológico impede a adaptação do organismo à desnutrição. A instalação costuma ser mais rápida; Kwashiokor é um vocabulário africano, que significa “doença do primeiro filho quando o segundo nasce”. Essa síndrome foi inicialmente descrita em lactentes desmamados subitamente, devido ao fato de a mãe ter engravidado de novo. Sendo mais comum no segundo e terceiro anos de vida. A criança geralmente se apresenta com estatura e peso menores do que o esperado para a idade. O edema é muito frequente e considerado a manifestação clinica mais importante dessa síndrome. Vale ressaltar que o edema pode afetar qualquer parte do corpo, sendo que em crianças que deambulam, o edema se inicia nos pés se estendendo para a perna. Posteriormente o edema acomete mãos e face. Alterações mentais/comportamentais estão invariavelmentepresentes. A criança se apresenta apática, hipoativa, anoréxica e desinteressada. Ela geralmente não sorri, mesmo quando estimulada e esta permanentemente irritada e sem apetite. Diferentemente do marasmo, a criança tem tecido celular subcutâneo. A pele da face esta frequentemente despigmentada, desenvolvendo dermatoses. Os cabelos apresentam alteração de textura e de cor e são quebradiços. As fezes podem estar liquefeitas, com sangue e alimentos não digeridos. A anemia esta presente na maioria dos casos. Hipoalbuminemia e redução da proteína sérica total, relacionados com a intensidade 19 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 do edema são observados em todos os paciente. E geralmente as crianças tem hepatomegalia. 3. KWASHIORLOR-MARASMÁTICO A maioria dos casos encontra-se na faixa intermediaria dos dois extremo. São formas ditas mistas: a criança evolui com carências na ingestão proteica e/ou energética, apresentando características dos dois tipos. TRATAMENTO Não é absolutamente necessário que todas as crianças com esse quadro sejam internadas, sendo possível o acompanhamento ambulatorial de muitas delas. Isso se deve, em partes, da disponibilização de preparados alimentares especiais que podem ser usados no tratamento ambulatorial do desnutrido. As crianças com desnutrição grave devem ser avaliadas e deve ser definido se há evidencias de complicação e preservação do apetite. As crianças com idade entre 6 e 59 meses com apetite preservado e que estão clinicamente bem e alertas, podem ser tratadas em regime ambulatorial. As crianças nessa idade com complicações clinicas, edema grave, diminuição do apetite ou presença de sinais de alerta devem ser internados. Os sinais de alerta são: incapacidade de beber ou mamar, vomitar tudo que ingere, presença de convulsões, letargia e inconsciência. Crianças com edema são sempre internadas! O tratamento hospitalar é dividido em 3 fases: 1ª fase: estabilização (1-7 dias) 2ª fase: reabilitação (2-6 semanas) 3ª fase: acompanhamento (7 semanas a 6 meses); 1ª fase: ESTABILIZAÇÃO O objetivo dessa fase é prevenir e tratar as condições que levam ao risco iminente de morte (hipoglicemia, hipotermia, sepse, desidratação), tratar as anormalidades metabólicas, corrigir algumas deficiências nutricionais especificas e iniciar a alimentação; Hipoglicemia É diagnostica como glicemia menor que 54mg/dl. A criança com desnutrição grave pode ter hipoglicemia sem as manifestações clinicas clássicas, como sudorese fria e palidez. Desse modo, se a criança estiver consciente, o tratamento é feito com solução de glicose por via oral com alimentação por sonda nasogástrica a cada duas horas. Caso a criança esteja inconsciente ou com convulsões, o 20 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 tratamento é feito com solução de glicose por via intravenosa. Hipotermia É diagnosticada com temperatura axilar <35 ou retal <35,5. O tratamento é feito com estratégias para manter a criança aquecida, como a técnica canguru, agasalhar a criança e manter aquecedores. Desidratação e choque A avaliação do estado de desnutrição da criança desnutrida é difícil, pois muitos sinais encontrados no desnutrido podem ser confundidos com sinais de desidratação. Como a avaliação do real estado de hidratação é difícil, sempre damos preferencia pela via oral com solução com menor teor de sódio e maior teor de potássio. A hidratação venosa é restrita à crianças com desnutrição grave em casos de choque séptico. Deve-se ter bastante cuidado com os sinais de hiper-hidratação, que incluem elevação da frequência cardíaca e respiratória Infecção Considera-se que todas as crianças com desnutrição grave tem infecção e devem receber antibióticos desde o inicio do tratamento. Alguns sinais indica infecção grave como hipoglicemia, hipotermia, letargia ou inconsciência. Diversos estudos mostraram que o uso de antibióticos nas primeiras 48 horas contribui para a redução da mortalidade. Reiniciar a alimentação A alimentação durante a fase de estabilização tem por objetivo somente fornecer a quantidade de calorias e proteínas necessárias para manter os processos fisiológicos basais. Se essa alimentação não for feita de forma cautelosa, uma das possíveis complicações é o estabelecimento da síndrome de retroalimentação. 2ª fase: REABILITAÇÃO O sinal clinico que indica que a criança está apta a entrar nessa fase é o retorno do apetite. O objetivo nessa fase é promover o rápido crescimento da criança, e para isso, é necessário uma ingestão calórica e proteica. Além disso, também iremos iniciar a suplementação de ferro, que não havia sido feita na fase de estabilização. Essa fase tem duração de duas a seis semanas. 3ª fase: ACOMPANHAMENTO Essa fase é realizada em nível ambulatorial, no qual a criança e a família são periodicamente avaliadas. A criança poderá receber alta desse acompanhamento quando apresentar o indicador peso/estatura > escore-Z -2, ou circunferência braquial > 125 e não apresentar edema há pelo menos duas semanas. Após a alta do programa, as crianças seguem avaliações periódicas, para se evitar a recidiva do quadro. PREVENÇÃO A OMS destaca as principais intervenções globais em prol do combate À desnutrição infantil: Intervenções maternas: suplementação de ferro e acido fólico na gestação, utilização do sal iodado, suplementação de cálcio materno, redução do tabagismo e da poluição ambiental. 21 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 Intervenções neonatais: promoção do aleitamento materno; Intervenções infantis: promoção do aleitamento materno, melhoria da qualidade da alimentação complementar, suplementação de ferro, zinco, vitamina A e iodo e estimulação a praticas de higiene. 8) DEFINIR MAUS TRATOS, CONHECER OS DIREITOS DA CRIANÇA E OS DEVERES DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM SITUAÇÕES DE AGRAVOS AO MENOR DE ACORDO COM O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Os maus-tratos contra a criança e o adolescente podem ser praticados pela omissão, pela supressão ou pela transgressão dos seus direitos, definidos por convenções legais ou normas culturais. Classicamente os maus-tratos são divididos nos seguintes tipos: Maus-tratos físicos: uso da força física de forma intencional, não-acidental, praticada por pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou adolescente, com o objetivo de ferir, danificar ou destruir esta criança ou adolescente, deixando ou não marcas evidentes. Síndrome de Munchausen por procuração: é definida como a situação na qual a criança é trazida para cuidados médicos devido a sintomas e/ ou sinais inventados ou provocados pelos seus responsáveis. Abuso sexual: é todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente. Maus-tratos psicológicos: são toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança ou punição exageradas e utilização da criança ou do adolescente para atender às necessidades psíquicas dos adultos. Negligência: é ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente em prover as necessidades básicas para o seu desenvolvimento. O abandono é considerado uma forma extrema de negligência. A negligência pode significar omissão em termos de cuidados básicos como a privação de medicamentos; cuidados necessários à saúde; higiene; ausência de proteção contra as inclemências do meio (frio, calor); não prover estímulo e condições para a frequência à escola. A suspeita de maus-tratos contra crianças e adolescentes surge, geralmente,no momento em que se procede a anamnese ou no decorrer do exame físico do paciente. Cabe ressaltar que, na maioria das vezes, as vítimas não possuem evidências físicas de maus-tratos. Sendo assim, a anamnese ocupa lugar relevante no esclarecimento dos casos, não apenas pelo relato da ocorrência da violência em si, como também de sintomas sugestivos de que a criança possa estar sendo vitimizada. Sempre que possível, é importante que a avaliação seja feita por equipe multiprofissional, na qual estejam incluídos, além do médico, psicólogo e assistente social. A ATITUDE DO PROFISSIONAL A entrevista inicial tem como objetivo estabelecer uma relação entre o médico e os pais ou responsáveis, além de se ouvirem as queixas apresentadas. É em nome deste relacionamento que o profissional da saúde deve manter uma atitude de isenção, 22 Marcela Oliveira – Medicina 4º semestre 2020 mesmo que haja suspeita de que um dos pais ou o responsável seja o abusador. As perguntas devem ser isentas de qualquer conotação de acusação ou de censura, embora as intenções de esclarecer a suspeita ou confirmação dos maus-tratos e de proteger a criança de novas agressões devam estar sempre presentes. Diante de qualquer tipo de maus-tratos, todos os dados obtidos a respeito da criança (relatos sobre o episódio de maus-tratos, exame físico e exames complementares) devem ser cuidadosamente registrados no prontuário, uma vez que a Justiça pode solicitar cópias da documentação da unidade de saúde. Segundo o ECA, os profissionais da saúde são obrigados a notificar os maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes. Para que este preceito legal seja cumprido, é preciso sensibilizar e conscientizar os profissionais da área para o problema; fornecer maior conhecimento sobre o tipo de atendimento a ser dado às vítimas desses agravos; disponibilizar informação e capacitação para o diagnóstico e a intervenção; promover medidas preventivas; e aperfeiçoar o sistema de informação sobre o perfil de morbimortalidade por violência. O cumprimento dos direitos garantidos pelo ECA é amparado pelo Conselho Tutelar, que é um órgão permanente e autônomo, mantido com recursos públicos. Por este motivo, o profissional de saúde deve notificar ao Conselho Tutelar, estabelecendo uma parceria fundamental para a proteção da criança e o apoio à família. O campo de atuação do Conselho Tutelar é diferente e mais amplo que o de uma unidade de saúde e o profissional passa a ter um parceiro para compartilhar o atendimento e dividir responsabilidades.
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