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Aula-21-a-30-Currículos-Educacionais

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FACULDADE FUTURA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURRÍCULOS EDUCACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
VOTUPORANGA – SP 
 
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1 O CURRÍCULO NO CENÁRIO EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEO 
 
Fonte:blogdoeloiltoncajuhy.com.br 
 Nunca se constatou na história da educação uma tamanha importância atribu-
ída às políticas e propostas curriculares, diria mesmo, um tamanho empoderamento 
do currículo enquanto definidor dos processos formativos e educacionais e suas con-
cepções. No Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em ação, Diretrizes Cur-
riculares, leis específicas sobre conteúdos curriculares, fazem parte do cenário con-
temporâneo de decisões educacionais em nosso país. Se levarmos em conta o con-
texto de importância que o currículo assume no mundo, em termos da concepção e 
da construção contemporânea das formações, o seu empoderamento político-peda-
gógico, assim como a complexidade que emerge dessas configurações, a explicitação 
reflexiva do campo curricular e da noção de currículo, no sentido de distinguir histórica 
e conceitualmente as perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade for-
mativa social e pedagógica incontestável. 
Junto com esse compromisso, faz-se necessário trazer para esse cenário dis-
cursivo e elucidativo o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com 
isso aceitar os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas perspec-
tivas que acolhem posições do tipo: “você deve dominar e aplicar essa concepção de 
currículo porque é científica”, ou mesmo, “não é preciso conceituar algo que é extre-
mamente complexo”. Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes demandas 
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de compreensão e interferência político-pedagógica, bem como a necessidade do ar-
gumento competente sobre o instituído e o instituinte desse campo, não mais legiti-
mam reduções, pulverizações e concepções a críticas. É urgente, avaliamos, neste 
contexto da história das perspectivas e práticas curriculares, que os educadores en-
trem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas 
e interessadas dinâmicas de ação, sob pena de deixarem que os burocratas da edu-
cação continuem tomando de assalto um âmbito das políticas e práticas educacionais 
que hoje define, em muito, a qualidade e a natureza das opções formativas, na medida 
em que trabalha, fundamentalmente, nas organizações educacionais, com o conjunto 
dos conhecimentos e atividades eleitas como formativas. 
 Este é o campo do currículo, que desejamos refletir profunda e democratica-
mente. Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco se sensibilizam por 
aquilo que podemos denominar de um currículo educativo, formativo. Ou seja, um 
currículo em que as intenções formativas sejam explicitadas e se desenvolva, eluci-
dando e compromissando-se com uma educação cidadã. “Pensam” sempre na arqui-
tetura curricular, no seu desenho expresso nas antigas “grades”, hoje matrizes curri-
culares, fixadas num documento. É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos 
de fato e os movimentos sociais implicados nos cenários e ações educacionais te-
nham a oportunidade de compreender e debater bem o currículo, num processo de 
democratização radical da sua discussão conceitual e da elucidação das práticas e, a 
partir daí se apropriem e construam percepções e ações de descolonização nos âm-
bitos das propostas curriculares correntes. 
Esse não é um esforço de fixação de conceitos, de dizer sobre um conceito 
correto-incorreto, mas, acima de tudo, um esforço de explicitação politizada de uma 
concepção sócio histórica importante; uma política de sentido em elucidação, fincada 
na relevância sócio educacional do compromisso com o trabalho de responsabilidade 
em dizer bem com implicação sobre as políticas e práticas curriculares. 
Não temos dúvida de que o currículo, uma significativa opacidade e dificuldade 
conceitual para muitos trabalhadores em educação e a sociedade em geral, ainda se 
constitui num dos dispositivos educacionais dos mais autoritários e excludentes, nes-
tes termos seu conhecimento aprofundado é urgente como um ato democrático. 
 Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os currículos já 
estão prontos para serem oferecidos como um banquete a ser consumido, alguns com 
sabores e adornos extremamente sofisticados. Entendemos com isso, que nunca 
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como hoje o trabalho crítico, diria intercrítico, é tão fecundo para deslocarmos propos-
tas supostamente democráticas para o campo da radicalização da construção de no-
vos sujeitos históricos, como partícipes ativos e crítico-reflexivos da cena curricular-
educacional. 
É essa configuração que empresta ao currículo uma formidável perspectiva sis-
têmica e complexa de um macro-conceito. Ou seja, um conceito de fecundas caracte-
rísticas analisadoras do entendimento da educação contemporânea, ou seja, dotado 
de uma significativa capacidade de abraçar as mais diversas dimensões e perspecti-
vas do ato educacional; sem, entretanto, perder a sua especificidade em termos de 
conceito, campo e história específicos. 
 
2 DISTINÇÃO E RESPONSABILIDADE SÓCIO EDUCACIONAL 
 
Fonte:empresa-legal.blogspot.com.br 
A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente, são lógicas 
necessárias para que se possa trabalhar em prol da lucidez sempre necessária nos 
âmbitos do currículo, da formação e da atividade político educacional. Dizer que “cur-
rículo é a vida da escola”, “tudo que acontece no convívio escolar”, “currículo é tam-
bém o grau de limpeza dos corredores da escola”, ou mesmo reduzi-lo ao argumento 
da mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de seleção de mes-
trado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do negócio promissor da educa-
ção”, é aceitar perspectivas equivocadas, niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de 
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equívocos, vieses não elucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é mer-
cado ou é tudo e nada. 
Os prejuízos éticos, políticos e formativos desses equívocos são fáceis de ser 
anunciado. O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de inovações 
apenas comprometidas ou reduzidas a delírios pedagógicos, só favorecem as elabo-
rações modelizadas de intelectuais delirantes e descomprometidos com as conse-
quências sociais da educação, ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às 
compreensões tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar e 
prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”. 
Estamos ainda vivendo numa percepção sócio pedagógica de currículo que dá 
preferência ao modelo e ao sistema pré-montado, em detrimento das pessoas, de 
suas demandas formativas, referências culturais e históricas; em detrimento dos con-
textos e seus interesses ligados ao complexo mundo do trabalho e da produção; e em 
detrimento, por consequência, do debate de sentidos que deve ser formulado no co-
letivo social. Nestes termos, a concepção de currículo expressa o desejo tecnocrata 
de uniformidade, de unicidade, como nos diz o educador português João Formosinho 
(1991, p. 1) “Currículo Uniforme pronto a vestir de tamanho único”. Ou mesmo, cai 
nas concepções delirantes de quem acha que as coisas da educação não têm espe-
cificidade e que toda fonte de elucidação e debate é válida para compreender o ato 
educativo a partir, apenas, da sua própria lógica ou linguagem. 
No caso dos experts de gabinete, a diferença em educação, em geral, não faz 
diferença. Tudo é, a priori, passível de homogeneização. Em geral, o que não pode 
ser homogeneizado vira resíduo a ser descartado. Entretanto, da perspectiva da teoria 
dos sistemas e da crítica complexa, os resíduos são produtos de sistemas que, para 
construir suas coerências, eliminam elementos. Porém esses elementosnão desapa-
recem. Eles se reagrupam na periferia e, num certo momento, podem retornar em 
avalanche e desestabilizar o sistema (LEFEBVRE apud HESS, 2005). 
O que nos mobiliza, em larga medida, neste momento, é a necessidade de os 
educadores saberem distinguir o campo e o objeto de estudo do currículo como pro-
cessos históricos, como processos de interesse formativo e, ao mesmo tempo, de 
empoderamento político. Numa recente discussão sobre o currículo de licenciatura 
vivido por nossa faculdade, um representante estudantil se expressou: “Não sei dis-
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cutir currículo, não tenho os instrumentos conceituais para tal, só sei que estou impli-
cado e tenho que discutir”. Essa é uma narrativa emblemática que ilustra bem a inqui-
etação e a possibilidade de empoderamento que o saber curricular envolve. 
Parece-nos importante dizer que uma visão dialógica e não formal de currículo, 
em termos de seu desenho e conteúdo não nos remete necessariamente para fora da 
implicação com o campo, o debate e a reflexão enraizados aí. Ao longo de nossas 
elaborações sobre currículo, costumamos implicar a epistemologia, a sociologia, a an-
tropologia, a política, a psicologia, o romance, a poesia, a fábula, o cinema, o teatro, 
o mito, a música, as artes plásticas e outras narrativas fora da prosa científico-educa-
cional, como possibilidades de enriquecer/aguçar/ampliar/problematizar a compreen-
são sobre as pautas e as práticas curriculares e suas questões, sem com isso perder 
de vista de onde falamos, de que falamos e qual o nosso compromisso explicativo em 
termos do objeto de reflexão e análise. 
3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAÇÕES POLÍTICO-PEDAGÓ-
GICAS 
Autorizamo-nos a dizer que o currículo tem um campo historicamente constru-
ído, onde se desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreensões mediadoras. 
Há uma especificidade histórica que caracteriza este campo. Existem os substantivos 
cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural curricular. Sig-
nifica “carreira”, em forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forenses, 
carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades funcionais pú-
blicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. 
 O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos 
séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como 
linguagem universitária. A palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. 
Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta 
mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um 
curso de aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido também pela palavra 
course. 
Somente no século XX, a palavra curriculum migra da Europa para os Estados 
Unidos. Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir de 1920, já se 
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tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda 
Guerra Mundial que vão aparecer às primeiras formulações. 
Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo tardou a se con-
figurar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin (1966), os teóricos da repro-
dução, na elaboração da crítica da cultura escolar, tratam das questões curriculares 
de forma apenas indireta. Silva (1999, p. 21), a propósito, nos diz que a emergência 
do currículo como campo de estudo está estreitamente ligada a processos tais como 
a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de disciplinas e 
departamentos universitários, a institucionalização de setores especializados sobre 
currículo na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas especializa-
das. 
Este autor aponta que a própria emergência da palavra curriculum, como mo-
dernamente conhecemos, está ligada à organização das experiências educativas. 
Faz-se necessário ressaltar que é na literatura estadunidense que o termo surge para 
designar um campo especializado de estudos. Foram talvez as condições associadas 
com a institucionalização da educação de massas que permitiram que o campo de 
estudos do currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional es-
pecializado. 
Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal encarre-
gada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um 
objeto próprio de estudo científico; a extensão da educação escolarizada em níveis 
cada vez mais altos de segmentos cada vez maiores da população; as preocupações 
com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas 
de imigração; o processo de crescente industrialização e urbanização (SILVA, 1999, 
p. 22). 
 Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno prático, social-
mente construído, historicamente formado, que não se reduz a problemas de aplica-
ção de saberes especializado desenvolvido por outras disciplinas, mas que possui um 
corpo disciplinar próprio”, no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que 
o conhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio aqui designado 
por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ que se situa nos âmbitos teórico e prático 
do conhecimento educativo.” Inspirado nesse trabalho de compreensão é que nos 
sentimos instados a elaborar uma certa noção de currículo via um esforço de distinção 
relacional, implicado às nossas opções político-educacionais. 
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Assim, compreendemos o currículo como uma “tradição inventada” (GOOD-
SON, 1998), como um artefato sócio educacional que se configura nas ações de con-
ceber/ selecionar/produzir, organizar, institucionalizar, implementar/dinamizar sabe-
res, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando uma “dada” forma-
ção, configurada por processos e construções constituídos na relação com conheci-
mento eleito como educativo. 
Enquanto uma construção social, e articulado de perto com outros processos e 
procedimentos pedagógico educacionais, o currículo, como qualquer artefato educa-
cional, atualiza-se os atos de currículo de forma ideológica e, neste sentido, veicula 
“uma” formação ética, política, estética e cultural, nem sempre explícita (âmbito do 
currículo oculto), nem sempre coerente (âmbito dos dilemas, das contradições, das 
ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito das derivas, das trans-
gressões), nem sempre sólida (âmbito dos vazamentos, das brechas).É nestes ter-
mos, que vive cotidianamente enquanto concepção e prática, a reprodução das ideo-
logias, bem como permite, de alguma forma, a construção de resistências, bifurcações 
e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como um produto das relações e 
das dinâmicas interativas, vivendo e instituindo poderes. Neste movimento, cultiva 
“uma” ética e “uma” política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas, 
ao orientar-se por determinados valores. 
Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um docu-
mento (a grade) onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o 
desenho organizativo dos conhecimentos, métodos e atividade em disciplinas, maté-
rias ou áreas, competências etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não pers-
pectivam o fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um todo e 
nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só 
não permitem elucidar. O fato é que professores e educadores em geral, nos seus 
cenários formativos, atualizam, constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, 
relacionalmente, tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de 
interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma costura, uma 
forma de tecer a formação, cuja compreensão não é possibilitadapor um documento 
apenas, a matriz curricular, por mais que os documentos educacionais, não só a pro-
posta curricular, digam muito sobre o currículo, sua concepção e prática. 
 É nestes termos que o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. 
Sabemos que o currículo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios, 
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nos estudos dos alunos e dos professores, sua vida não se encerra nas mãos e na 
cabeça daqueles que concebem a matriz curricular, que também é um ato de currí-
culo, mas não-absoluto. 
 Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear que a perspectiva 
“dura” de currículo cultiva, que argumentamos o quanto este artefato concebido como 
trajetória e itinerário, se transforma numa forma de poda das possibilidades criativas 
das experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento simbólico” 
(ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste mesmo argumento, elabora-
mos a ideia de currículo como itinerância e errância, onde mostramos a necessidade 
de se vivenciar também nas experiências formativas as interações bifurcantes, os de-
vaneios e as errâncias criativas (MACEDO, 2002). É assim que compreendemos o 
currículo, como um complexo cultural tecido por relações ideologicamente organiza-
das e orientadas. Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo, uma 
prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber o currículo como prática de 
significação sem realçar seu caráter generativo, inventivo. 
Como tal, no seio do currículo, constituindo-o, os significados, os sentidos tra-
balhados, a matéria significante, o subsídio cultural, são sempre e continuamente re-
trabalhados. “São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, 
redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transformação” 
(SILVA, 1999, p. 13). Em termos políticos, faz-se necessário ressaltar, como nos alerta 
Silva (1999), que há uma tensão constante entre a necessidade de delimitar o signifi-
cado e a rebeldia, também permanente, do processo de significação. 
É aqui que o conservadorismo está sempre às turras com o enfrentamento da 
tendência do significado ao deslizamento, à disseminação, ao vazamento, à trans-
gressão e à traição. É fato que a prática introduz elementos e problemas significativos 
sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir em termos coletivos. Faz-se ne-
cessário perceber que o currículo indica caminhos, travessias e chegadas, que são 
constantemente realimentados e reorientados pela ação dos atores/autores da cena 
curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai de encontro a 
qualquer processo de homogeneização curricular, que tende a criar certa névoa de 
generalização, sacrificando a visão das situações curriculares específicas e suas sin-
gularidades. As políticas e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clí-
nica, ou seja, um olhar focado nos movimentos singulares dos cenários sócio educa-
cionais. 
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Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo como relações 
de poder. Mais precisamente: é necessário entender que as relações de poder confi-
guram os processos de significação, e é aqui que o currículo tem um papel político de 
extremo compromisso com uma outra ética, com uma outra política que não seja a do 
alijamento, tampouco do corporativismo disciplinar. É assim que as lutas por signifi-
cado não se resolvem no terreno epistemológico formativo apenas, mas em muito no 
terreno político, ou seja, no terreno das relações de poder. Luta por significado é luta 
por recursos de poder. Um poder que, da nossa perspectiva, levando em conta a com-
preensão do que seja o campo do currículo, requer do educador a capacidade de 
nocionar bem, de explicitar bem, para saber lidar. 
Um compromisso sócio pedagógico ineliminável da formação e dos formadores 
de educadores. Neste âmbito, Goodson traz uma discussão significativa, inspirado 
nas discussões de Michael Young sobre o currículo como fato e o currículo como prá-
tica. [...] ao focalizar a definição pré-ativa de currículo escrito como algo constitutivo 
na criação de um currículo, não estou querendo especificamente promover um con-
ceito exclusivo de ‘currículo como fato’. Todo conceito progressivo de currículo (e de 
criação de currículo) teria de trabalhar com o currículo realizado na prática como um 
componente central. Todavia, a crença absoluta nas propriedades de transformação 
do mundo que o currículo como prática possa ter, é, penso eu, insustentável [...] Uma 
visão assim é estimulada pelo atual estágio de subdesenvolvimento do nosso modo 
de entender o currículo pré-ativo. 
Entender a criação de um currículo é algo que deveria proporcionar mapas ilus-
trativos das metas e estruturas prévias que situam a prática contemporânea (GOOD-
SON, 1998, p. 21). Na lucidez das reflexões de Goodson, encontra-se a preocupação 
que fez brotar parte das formulações deste texto, ou seja, a atual e intensa confu-
são/dispersão que atinge a compreensão da noção de currículo e o prejuízo formativo 
que envolve esse fato, com uma inquietação marcante entre as pessoas que precisam 
atuar política e pedagogicamente com as questões curriculares de fato. São comuns, 
por parte de estudantes e/ou educadores em formação, colocações como: “afinal, me 
informem sobre a especificidade do currículo, e como deverei compreender o que seja 
isso! ”; “currículo é política, é cultura, é poder, é complexo, mas, até agora, não sei 
dizer bem o que é realmente”. 
 É aqui que entrar no mérito do que venha a ser currículo ultrapassa a pretensa 
propriedade privada dos especialistas, que preferem uma atitude definicional reduzida 
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a uma pretensa compreensão puramente técnica de currículo. É aqui que habita a 
reivindicação de que todos os atores sociais têm o direito de compreender sua confi-
guração conceitual enquanto fenômeno histórico-social e entrar no mérito das práti-
cas. Há uma perplexidade demonstrada pelos professores, por exemplo, ao se con-
vencerem de que não sabem solucionar o currículo, tampouco discutir suas implica-
ções, mesmo reconhecendo-se atores constitutivos desse importante artefato educa-
cional. Neste sentido, os movimentos sociais vêm jogando a última pá de cal na ideia 
de que o currículo é algo que, por ser muito complexo, não é, portanto, assunto das 
pessoas “comuns” e dos segmentos historicamente alijados dos bens da educação. 
Um exemplo importante dessa superação é a apropriação demonstrada na pu-
blicação “Negros e Currículo”, lançada no Congresso de Cientistas Negros em São 
Luis do Maranhão, no ano de 2004, onde intelectuais e cientistas advindos da luta do 
movimento negro no Brasil ousam e se autorizam a falar de currículo da perspectiva 
da formação histórico-cultural do povo negro, mas, ao mesmo tempo, trazendo o 
campo curricular para o centro dos argumentos. Um outro exemplo é a construção, 
em parceria ativa com a Faculdade de Educação da UFBA, da concepção e organiza-
ção dos currículos de formação de professores indígenas da Bahia, na qual encontros 
de trabalho e debates na universidade e nas aldeias se transformaram em dispositivos 
mutualistas e intercríticos (MACEDO; CORTES, 2003) de construção de currículo, 
tendo como produto um currículo ligado à história desses povos, suas culturas, con-
textos e demandas, dentro de uma realidade social globalizada. 
Se, pelos argumentos aqui desenvolvidos, dizer é uma das maneiras de fazer, 
e o esforço de dizer bem é uma das maneiras de exercer poder numa realidade em 
muito mediada pela linguagem e seus jogos, pelo conhecimento e sua dinâmica am-
bivalente e contraditória, estamos convencidos da necessidade de que os atores edu-
cativos e a sociedade organizada passem a falar bem sobre o currículoe dos currícu-
los obviamente e, neste sentido, exerçam nos seus âmbitos o poder-com; cerne do 
currículo percebido e edificado como concepção e prática intercríticas. 
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4 HISTÓRIA DO CURRÍCULO 
 
Fonte:gazetadopovo.com.br 
4.1 Os primórdios 
Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar como orientação curricular, 
historiadores do currículo argumentam que já no período clássico grego podemos per-
ceber indicativos dessa perspectiva. Nesse período, havia uma preocupação evidente 
em construir a formação através da organização dos conteúdos por áreas distintas. 
Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em A República e As Leis, Platão 
concebia a construção do homem da Grécia Clássica nessa perspectiva. 
Assim procedeu Platão em A República e nas Leis, ao idealizar o extenso e 
demorado plano de estudos em que deveria se basear a formação dos guardiães, 
fornecendo uma base comum a todos os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; 
sucedendo-se: a educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, can-
tos e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela aprendizagem das letras a 
leitura e a escrita e pela introdução da aritmética e a geografia, cujo estudo se pro-
longa até os 16 anos, acrescido da poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, 
que, como educação do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas 
por exercícios militares e pelas artes marciais. 
A esse ciclo com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria - 
sucede, para os se que revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática centrada 
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na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na harmonia (PI-
NHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO, 2004, p. 39). 
Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa inspiração vai sofrer 
uma dupla reorganização: com a denominação de trivium, organizam-se as áreas da 
gramática, da retórica e da filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-
se as áreas da aritmética, da geometria, da astronomia e da música. Essa perspectiva 
curricular vai dominar toda a Idade Média, juntamente com a imposição de um conhe-
cimento mediado predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo. Convenci-
dos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua totalidade pela compreensão 
humana, para os educadores clássicos a saída era dividir o conhecimento em áreas. 
4.2 O currículo moderno 
 O currículo como nós conhecemos e experimentamos predominantemente, na 
sua versão moderna, portanto, consolidou - se na virada do século XIX para o século 
XX, em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática 
para sua transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma certa 
“educação geral”. 
 
Fonte:oglobo.globo.com 
 Para o professor António Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações 
que ocorreram ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveram-se 
relativamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas necessidades 
educativas. Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo, como uma ma-
neira de organizar e controlar os ideários da formação vai surgir a partir da escola 
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calvinista entre escoceses e holandeses. É interessante este aspecto histórico do cur-
rículo, pelo fato de que, já nos seus primórdios, o currículo como conhecemos hoje, 
cultivava sua função de controle, dado importante para as elaborações dos teóricos 
críticos. 
No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século passado, os 
estudiosos do currículo ligados a uma concepção tecnicista de currículo, queriam ver 
o currículo ser concebido e praticado tal qual se organiza a empresa e a fábrica, ori-
entadas pelas ideias da administração científica da época. Precisar os objetivos e ob-
ter, pelas ações minuciosamente conhecidas e fragmentadas, a eficiência e a eficácia 
transformou-se no método eleito e no caminho aceito científica e academicamente, 
para se obter a formação relevante para o contexto americano emergente. 
O currículo passou a ser gerenciado como uma mecânica, tamanha era a força 
das ideias deterministas de causa e efeito que operavam a concepção da formação e 
do próprio currículo como seu mais importante mediador. As experiências da psicolo-
gia experimental da época, pautadas no valor da eficiência das aprendizagens por 
procedimentos e processos condicionantes, forjam a intenção de um certo gerencia-
mento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e objetivos 
pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica. Essa hegemonia se conso-
lida, apesar de as ideias fincadas nos ideários democráticos já fazerem parte do con-
texto das discussões estadunidenses sobre a organização das formações. É assim 
que a aliança do econômico com o técnico-científico predomina sobre os ideários de 
uma educação pautada em princípios da democracia liberal, concebida naquela época 
e naquele contexto. 
O currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem muito 
mais presentes no desenvolvimento do próprio campo e das práticas. Numa tentativa 
de dar mais visibilidade ao movimento histórico do currículo, Pacheco (1996, p. 22) 
argumenta que Ralph Tyler, o mais importante dos discípulos de Bobbitt, dando con-
tinuidade a uma conferência realizada em Chicago, em 1947, com o intuito de delimitar 
o campo curricular e de abordar teoricamente o ensino, publica, dois anos depois, 
conjuntamente com Virgel Herrick, Toward Improved Curriculum Theory. Quiçá, se-
gundo Pacheco, não retirando a importância das obras de Bobbitt e Dewey, o grande 
marco da especialização curricular, ao salientar a necessidade de uma teoria sobre 
currículo. 
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Importante configuração elucidativa nos traz Terigi (1996, p. 163). Segundo a 
distinção ternária dessa autora, podemos nos reportar à origem do currículo a partir 
de três enfoques, segundo três autores diferentes: 
 Se curriculum é a ferramenta pedagógica de massificação da sociedade 
industrial, acharemos sua origem nos Estados Unidos, em meados do 
século, como a encontra Díaz Barriga, ou ainda um pouco antes, na dé-
cada de 1920; 
 Se é um plano estruturado de estudos, expressamente referido como 
curriculum, podemos achá-lo pela primeira vez em alguma universidade 
europeia, como propõe Hamilton; 
 Se é qualquer indicação do que se ensina, podemos chegar, como 
Narsh, a Platão e, talvez, até antes dele. 
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