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1 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias Problema 05: Objetivos: 1. Estudar a talassemia; Definição; Epidemiologia; Fatores de risco; Classificação; Fisiopatologia; Manifestações clínicas; Complicações; Diagnóstico; Diagnóstico diferencial; Tratamento; 2. Elucidar sobre o teste do pezinho; Simplificado x ampliado; Doenças detectáveis; Prazo para realização. Talassemia Definição; Talassemia deriva da combinação das palavras gregas thálassa, para “mar“, e haema para “sangue”. A talassemia é uma doença genética/hereditária, caracterizada pela redução ou ausência da síntese de um dos tipos de cadeias de globina que formam as hemoglobinas gerando uma eritropoese ineficaz. Se a deficiência for da cadeia α é (α talassemia) se for da β é (β talassemia). Sendo que em casos raros podemos ter a delta- talassemia, delta-beta talassemia (forma rara e grave variável) e gama-delta-beta talassemia. A pessoa afetada pode ser heterozigoto ou homozigoto para a doença. Sendo que ela é caracterizada também pela heterogeneidade molecular. O termo talassemia se refere aos casos que tem redução ou ausência das cadeias peptídicas da molécula hemoglobina, enquanto as alterações estruturais dessas cadeias são chamadas de hemoglobinopatias. Historicamente, as talassemias não eram reconhecidas até 1925, quando um pediatra de Detroit, Thomas Cooley, descreveu uma síndrome em uma criança descendente de italianos, caracterizada por anemia profunda, esplenomegalia e deformidades ósseas. Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 2 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias Epidemiologia; A distribuição geográfica das talassemias está relacionada a dois fatores: a) a origem e a vantagem seletiva das mutações talassêmicas nas regiões onde ocorre malária; b) os movimentos migratórios. A betatalassemia é a forma mais comum de talassemia no Brasil, sendo a terceira hemoglobinopatia registrada (menos prevalente que a anemia falciforme e a hemoglobinopatia SC). No Brasil, estima-se que, em algumas regiões, 1,5% da população caucasoide seja portadora da talassemia beta menor. Essa prevalência resulta da imigração de italianos, gregos, árabes, portugueses, sírios, libaneses, entre outros, na formação da população brasileira, sobretudo no Sul e Sudeste do País. A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 60.000 crianças gravemente afetadas pela talassemia nascem a cada ano. No Brasil, conforme dados da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta) 2013- 2015, existem 543 pessoas cadastradas com Talassemia Beta: 310 Maior e 243 Intermediária, com destaque para a Região Sudeste, especialmente o estado de São Paulo, que lidera o número de casos. Na Região Nordeste, o estado de Pernambuco possui o maior número de pessoas com Talassemia Intermediária. Estima-se que existam no Brasil cerca de 1.000 pessoas com as formas graves de Talassemias. A prevalência do gene betatalassêmico no Rio de Janeiro encontra-se em torno de 0,15%, sendo esse percentual bem mais elevado nas áreas de colonização italiana de nosso país (São Paulo e Região Sul). No mundo, grande parte dos casos se concentra nos países do Mediterrâneo, como a Grécia e a ilha de Chipre, onde prevalência do gene betatalassêmico é de 5-15%. A doença também é identificada, com uma certa frequência, no norte da África, bem como nos países do Oriente Médio e nos negros dos EUA. O gene da alfatalassemia tem uma elevada concentração em localidades no sudeste da Ásia e na China, bem como em populações originárias da costa oeste da África (negros). A doença também é encontrada esporadicamente na Índia, Oriente Médio, Itália, Grécia e nordeste da Europa. Nos demais países a doença é rara, porém, evidências recentes apontam para um aumento crescente em sua prevalência, devido, principalmente, às migrações internacionais. Classificação; Síntese e ontogenia das hemoglobinas As 4 cadeias polipeptídicas ou globínicas que representam a fração proteica da molécula de Hb são constituídas por um total de 574 aminoácidos. Cada molécula de hemoglobina é formada por dois pares de subunidades idênticas, as cadeias de Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 3 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias globina, que são nomeados com letras do alfabeto grego e pertencem a dois grupos: a cadeia de globina tipo alfa, que compreende as globinas alfa (α) e zeta (ζ), com 141 aminoácidos cada; e a cadeia de globina tipo beta, que compreende as globinas beta (b), delta (d), gama (g) e épsilon (e), com 146 aminoácidos cada. As combinações entre as cadeias do tipo alfa com as do tipo beta originam diferentes moléculas de Hb, conforme o pareamento estabelecido no decorrer das distintas fases de desenvolvimento humano, desde o embrionário até a fase pós-natal. De forma geral, as hemoglobinas normais sintetizadas após o nascimento ficam assim representadas, conforme a composição de suas cadeias: Hb A (alfa2 beta2) 95% - 98%, Hb A2 (alfa2 delta2) e Hb Fetal (alfa2 gama2). As cadeias do tipo alfa são elaboradas por genes específicos localizados no braço curto do cromossomo 16. No complexo gênico alfa existem dois genes estruturais, alfa 1 (α1 ) e alfa 2 (α2 ), que expressam as globinas alfa, as quais permanecem em atividade durante toda a vida. Como eles participam da composição de quase todas as hemoglobinas, o ritmo normal de síntese desses dois genes alfa é bastante elevado. Outros genes pertencentes a este complexo gênico são os genes zeta (ζ2 ), de expressão somente na fase embrionária, e os pseudogenes zeta e alfa (5’ - ζ2 - yζ1 - α1 - yα2 - α2 - α1 - θ - 3’). Pseudogenes são genes que possuem sequência homóloga à sequência dos genes estruturais ativos, mas que não podem ser traduzidos em uma proteína funcional. Tornaram-se inativos por meio de mutações que inibem uma ou várias fases da expressão gênica. As cadeias do tipo beta são produzidas por genes localizados no braço curto do cromossomo 11, incluindo cinco genes funcionais e um pseudogene beta (5’ - e - Gg - Ag - yb - d - b - 3’), na mesma ordem em que são ativados durante as fases do desenvolvimento humano. Os genes épsilon são expressos na fase embrionária, enquanto os genes gama-alanina (Ag) e gama-glicina (Gg) são característicos do período fetal. Os genes beta e delta globina são atuantes a partir de uma fase do período fetal e se expressam em toda sua plenitude no períodopós-nascimento. A síntese de hemoglobinas é determinada por um sistema complexo de regulação. É específica dos tecidos eritroides, modifica-se ao longo do desenvolvimento ontogenético do indivíduo e também durante o processo Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 4 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias de maturação eritrocitária. Ocorre ainda a coordenação da síntese das duas subunidades globínicas codificadas em cromossomos diferentes. Nas talassemias, geralmente a estrutura primária da Hb é normal, diferenciando-se das hemoglobinas variantes pelo fato de que estas são formadas por uma cadeia de globina estruturalmente anômala. As talassemias são classificadas de acordo com a cadeia polipeptídica afetada, sendo as mais frequentes as talassemias do tipo alfa e as do tipo beta. Também são descritas as talassemias do tipo delta, delta-beta e gama-delta-beta, porém são muito raros estes tipos de talassemia. ALFA-TALASSEMIAS: Os genes da globina alfa encontram-se duplicados no homem e, portanto, indivíduos normais possuem 4 genes alfa ativos, situados na parte distal do braço curto do cromossomo 16. Os dois genes (alfa1 e alfa2) têm propriedades de transcrição distintas: alfa2, produz de 2 a 3x mais globina do que alfa1. As alfa-talassemias são consequência da deleção (remoção) de um ou mais genes alfa. Como existem 2 genes alfa por cromossomo, a alfa0-talassemia corresponde a perda dos dois genes alfa em um mesmo cromossomo, enquanto as deleções que removem apenas um gene alfa por cromossomo são responsáveis pelo fenótipo de alfa+talassemia. Os genótipo normal dos quatro genes alfa é representado da seguinte forma: αα/αα. Este código é aproveitado para representar os genótipos alfatalassêmicos: αα/α_ (1 deleção) Portador silencioso/assintomático – 3 genes ativos; αα/_ _ (2 deleções) Alfatalassemia minor (heterozigoto α0) – 2 genes ativos; α_/α_ (2 deleções) Alfatalassemia minor (homozigoto α+) – 2 genes ativos; α_/_ _ (3 deleções) Doença da Hb H – 1 gene ativo; _ _/_ _ (4 deleções) Hidropsia fetal – nenhum gene ativo, anemia muito grave incompatível com a vida; Hidropisia fetal por Hb Bart’s - No homozigoto de α0-talassemia, como não há síntese de cadeias α, não há HbA nem HbF; o hemolisado contém unicamente Hb Bart’s e pequenas quantidades de HbH e Hb Portland (ξ2γ2). Ocorre morte intrauterina ao final da gestação ou poucas horas depois do nascimento. Há uma grande hepatoesplenomegalia e edema semelhantes aos observados na enfermidade hemolítica do recém-nascido. A enfermidade é frequente no sudeste da Ásia, China e Filipinas, não tendo sido observada na América Latina. Doença por HbH. Nesses pacientes somente um dos quatro genes α está ativo. Na vida adulta predomina a HbA, acompanhada de 5- 30% de HbH. Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 5 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias No período neonatal predomina a HbF com 10- 20% de Hb Bart’s e pouca quantidade de HbH. A HbH pode ser identificada por eletroforese ou pela coloração supravital de sangue com azul brilhante de cresil. O quadro clínico é de uma talassemia maior ou intermediária: anemia hemolítica crônica de gravidade variada, esplenomegalia e alterações ósseas. O esfregaço sanguíneo mostra hipocromia e poiquilocitose. A enfermidade foi descrita esporadicamente na América Latina, em Portugal e na Espanha. Alfa talassemia silenciosa – São os heterozigotos de α (αα/α_ ) talassemia em que o genótipo, no período neonatal é caracterizado por aumento leve de 1-2% de Hb Bart’s. Sendo que na vida adulta esses pacientes podem ter ligeira hipocromia, microcitose e anemia discreta com taxas normais de HbA2 e HbF de detecção difícil, ou o sangue periférico pode ser perfeitamente normal e silenciosa. O único meio seguro de detecção é por métodos de DNA. Traço α-talassêmico - Corresponde aos heterozigotos de α0-talassemia ou homozigotos α+-talassemia. São clinicamente normais, porém apresentam microcitose e hipocromia no sangue, e no período neonatal têm cerca de 5-10% de Hb Bart’s. Na vida adulta têm hipocromia, microcitose e ferro sérico normal; somente podem ser diagnosticados pela medida da relação sintética α/β de 0,7 ou por métodos de análise de DNA. No diagnóstico, a eletroforese de hemoglobina pode confirmar o diagnóstico em casos de hidropsia fetal (forma mais grave), ao mostrar a Hb Barts e ausência completa de HbA. A doença da HbH também é diagnosticada por esse exame: o percentual de HbH detectado varia entre 5-40%. A HbA2 e a HbF estão proporcionalmente normais ou reduzidas (ao contrário das betatalassemias). A alfatalassemia minor é mais difícil de diagnosticar. Indivíduos com microcitose entre 70-80 fL, sem anemia, com laboratório do ferro O tratamento só está indicado na doença da HbH, sendo semelhante àquele preconizado para a betatalassemia intermedia, observando- se as indicações de hemotransfusão, quelação de ferro e esplenectomia. A reposição de ácido fólico 1 mg VO/dia está sempre indicada. BETA-TALASSEMIAS: O gene que codifica a síntese de globina beta situa-se no braço curto do cromossomo 11. Na beta-talassemia homozigota, a síntese de cadeias beta está ausente(beta0) ou diminuída(beta+). As diversas mutações só podem determinar dois tipos de gene betatalassêmico: (1) um gene totalmente incapaz de produzir cadeia beta (gene β0); e (2) um gene que produz uma pequena quantidade de cadeia beta (gene β+), mas inferior ao normal. Ainda dentro do gene β+, existem subtipos que produzem mais ou menos cadeia beta (ex.: o Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 6 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias gene β+ mediterrâneo produz menos cadeia beta do que o gene β+ africano, do negro). Assim, os genótipos possíveis deencontrar são: β/β (pessoa normal), β0/β0 e β+/β+ (homozigotos), β0/β+ (duplo heterozigoto), β0/β e β+/β (heterozigotos). Quando ocorre o bloqueio total ou parcial da síntese de cadeias beta, as cadeias alfa são sintetizadas de forma desequilibrada, acumulando-se nos eritrócitos durante a eritropoese. Esse acumulo de cadeias alfa forma agregados que se precipitam, danificando a membrana celular e, consequentemente, interferindo na maturação celular, no ciclo mitótico, acelerando a apoptose intramedular dos eritroblastos ou provocando a sua destruição precoce nos sinusoides esplênicos. A intensa eritropoese ineficaz resulta em hiperplasia eritroide. A anemia, por sua vez, estimula a síntese de eritropoetina, desencadeando proliferação intensa da MO e deformidades ósseas características, principalmente na face e no crânio, como também osteopenia e defeitos focais de mineralização óssea. A eritropoetina pode estimular a formação de tecido eritropetico extramedular, principalmente no tórax e na região paraespinal. A expansão do tecido eritropoetico contribui para aumentar a absorção intestinal de FE e sobrecarga férrica tecidual. A talassemia beta abrange 3 apresentações clínicas: talassemia beta menor/traço talassêmico beta (anemia leve), talassemia beta intermediária (de anemia leve a grave, podendo necessitar de transfusões de hemácias de forma esporádica ou crônica) e talassemia beta maior (anemia grave que necessita de transfusões de hemácias a cada 2 a 4 semanas desde os primeiros meses de vida). Betatalassemia Maior (Anemia de Cooley): O tipo mais clássico desenvolve-se no homozigoto para o gene β0 (β0/β0), embora possa ocorrer este fenótipo com as combinações β0/β+ e β+/ β+ mediterrâneo. A ausência completa (ou quase completa) de cadeia beta, permite a formação de uma quantidade expressiva de complexos de cadeia alfa que irão provocar a destruição celular. Como até os 3-6 meses de idade a hemoglobina predominante é a HbF (α2γ2), não há necessidade de cadeia beta: não há como “sobrar”cadeias alfa, uma vez que elas se ligam quase todas às cadeias gama, para formar HbF. A partir dessa faixa etária, a doença se instala com anemia grave (Hg entre 3,0-5,0 g/dl) e icterícia. O ritmo acelerado de destruição de células eritroides (tanto na medula, quanto na periferia) estimula fortemente (por intermédio da eritropoietina renal) a proliferação e Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 7 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias maturação dos eritroblastos (hiperplasia eritroide). Como consequência, há uma grande expansão da medula óssea (mais do que em qualquer outra anemia), levando às clássicas deformidades ósseas talassêmicas, a saber: proeminência dos maxilares (“fácies talassêmico” ou “fácies de esquilo”, aumento da arcada dentária superior, com separação dos dentes e bossa frontal. Enquanto as reservas metabólicas são utilizadas para a expansão do eritron, outras funções, como o crescimento, desenvolvimento e resposta imunológica ficam prejudicadas. Por isso, baixa estatura torna-se uma regra, bem como disfunção endócrina, inanição e suscetibilidade a infecções. Pela hemólise crônica, as crianças talassêmicas estão sujeitas à litíase biliar (cálculos de bilirrubinato de cálcio) e a úlceras maleolares. A hepatoesplenomegalia é um achado clássico. As talassemias estão entre as causas de esplenomegalia de grande monta... O aumento dessas vísceras se dá (1) pela hemólise crônica (hiperplasia reticuloendotelial); e (2) pela eritropoiese extramedular (o intenso estímulo à hiperplasia dos eritroblastos faz com que o baço e o fígado retomem a sua produção de células eritroides, tal como na vida fetal). A radiografia de crânio pode revelar os aspectos clássicos da expansão medular- adelgaçamento da cortical, alargamento da cavidade medular e a imagem do “hair-on-end”, ou “cabelos na extremidade”. Na radiografia de mão, notamos também adelgaçamento cortical, com expansão dos espaços entre as trabéculas ósseas. As crianças que recebem hemotransfusão esporádica, evitando a morte precoce por anemia, continuam mantendo os efeitos deletérios da hiperplasia eritroide exagerada: deficit importante de crescimento e desenvolvimento, deformidades ósseas e infecções recorrentes. Acabam falecendo de complicações na primeira década de vida. Com a instituição da terapia com hipertransfusão regular, objetivando-se uma Hg entre 11-13 g/dl, as complicações acima citadas podem ser evitadas, permitindo um crescimento adequado e uma qualidade de vida mais razoável, pelo menos até os 15-17 anos de idade. Há uma importante redução da hepatoesplenomegalia. As transfusões repetidas durante longos anos levam à sobrecarga de ferro no organismo, provocando hemocromatose transfusional. Lembre-se de que o paciente já havia acumulado ferro por aumento da absorção intestinal (hemocromatose eritropoiética). O ferro se acumula em diversos órgãos e tecidos, provocando morte de células e disfunção orgânica. Os mais afetados são: fígado, sistema endócrino, pele, coração. O quadro clínico é Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 8 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias marcado por agravamento da hepatoesplenomegalia, coloração “bronzeada ” da pele, hipogonadismo, diabetes mellitus e insuficiência cardíaca congestiva refratária. O paciente acaba por falecer por arritmias cardíacas ou falência cardíaca ainda numa idade jovem. Com o início precoce da terapia quelante de ferro (ver adiante), a sobrevida média pode chegar aos 31 anos. Os achados laboratoriais são de uma anemia grave, microcítica e hipocrômica, com VCM entre 48-72 fL e CHCM entre 23-32 g/dl. As alterações características de hemólise extravascular encontram-se presentes: hiperbilirrubinemia indireta, aumento do LDH, redução da haptoglobina, reticulocitose. Como a anemia não é exclusivamente pela hemólise, o índice de reticulócitos é de apenas 5-15%, menor do que o esperado para a gravidade da anemia. O hemograma pode apresentar leucocitose neutrofílica, mas a plaquetometria está normal. O esfregaço do sangue periférico é bastante rico. Há uma intensa anisopoiquilocitose, com predomínio de hemácias microcíticas e hipocrômicas e de hemácias em alvo (leptócitos). A eritroblastose é marcante, decorrente da hiperplasia eritroide exagerada. A fragilidade osmótica das hemácias em alvo está reduzida, pois a sua superfície é maior proporcionalmente ao seu volume (oposto ao que acontece com os microesferócitos). Os eritroblastos na periferia (“hemácias nucleadas”), correspondem a mais de 10% da contagem leucocitária, ou maisde 200/mm3. Eventualmente, o hematologista se surpreende com a contagem extrema de 50.000-100.000 eritroblastos por mm3. A hematoscopia também pode revelar hemácias com pontilhado basofílico (tal como na anemia sideroblástica e no saturnismo). Talassemia beta menor/traço talassêmico beta: É caracterizada geneticamente pela herança de um único gene mutante. Nas formas beta zero e beta mais, a redução da taxa de síntese da globina beta é menor, mas é o suficiente para causar discreto grau de anemia microcítica e hipocrômica, com aumento de resistência osmótica das hemácias. São indistinguíveis por exames laboratoriais de rotina. Entretanto, com a utilização de técnicas de síntese de cadeias ou de biologia molecular com sondas de ácido desoxirribonucleico (DNA), podem-se diferenciar esses heterozigotos. Muitas vezes, a talassemia beta menor/traço talassêmico beta é mal diagnosticada e as pessoas são tratadas inadequadamente, como se apresentassem anemia por deficiência de ferro. Embora níveis de HbA2 acima de 3,5% sejam considerados como valor de corte para o diagnóstico da talassemia beta menor, uma HbA2 de 4% é geralmente considerada um limiar mais seguro para este diagnóstico. Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 9 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias Valores de HbA2 entre 3,5 a 4% podem ser encontrados pelo próprio desvio-padrão ou por artefatos técnicos durante a realização do exame e a pessoa pode não ser portadora da talassemia beta menor. Na ausência de hipocromia e microcitose, HbA2 entre 3,5 a 4% pode ser um caso de portador silencioso de traço alfa talassemia. Laboratorialmente, as formas de talassemia beta mais ou beta zero caracterizam-se: a) pelo aumento de Hb A2; b) por alterações morfológicas das hemácias identificadas, especialmente por microcitose e hipocromia, podendo ou não estar associadas a dacriócitos, codócitos e pontilhados basófilos; c) pelo volume corpuscular médio (VCM) de moderado a acentuadamente baixo, desproporcional à anemia; d) pela hemoglobina corpuscular média (HCM) diminuída; e) pela concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) de normal a discretamente diminuída; f) por red cell distribution width (RDW) normal ou discretamente elevado; g) por reticulócitos em torno de 2% a 5%; e h) por Hb total acima de 10 g/dL em crianças, em torno de 10,1 g/dL a 12,0 g/dL para as mulheres e 10,5 g/dL a 14,5 g/dL para os homens. A Hb F pode estar normal ou discretamente aumentada. A resistência globular osmótica pode estar aumentada e o perfil do ferro pode estar normal. O grau de redução dos valores de VCM está diretamente relacionado ao tipo de mutação, ou seja, talassemia beta mais (b+ talassemia) ou beta zero (b0 talassemia). A forma beta zero apresenta valores de VCM mais baixos do que os da beta mais. As manifestações clínicas, quando presentes, variam entre os diferentes gru- pos étnicos e, entre elas, podemos citar astenia, cansaço e palidez cutânea. Betatalassemia Intermedia: A betatalassemia intermedia é um quadro mais brando que o descrito para a anemia de Cooley, pois estes pacientes possuem uma produção intermediária de cadeia beta pelos seus eritroblastos. Frequentemente, o diagnóstico é feito na adolescência ou fase adulta. São indivíduos cronicamente anêmicos, com Hg na faixa entre 6-9g/dl (Ht entre 18-27%), deformidades ósseas características, icterícia intermitente, episódios de litíase biliar recorrente e esplenomegalia moderada. O crescimento, desenvolvimento e fertilidade estão preservados. A absorção de ferro intestinal também está aumentada (3-10 vezes em relação ao normal), por um mecanismo semelhante ao da talassemia major. Os sinais e sintomas da hemossiderose só aparecem após os 30 anos, a não ser quando é prescrito sulfato ferroso inadvertidamente ao paciente, quando o médico julga tratar-se de uma anemia ferropriva... Nesse caso, o acúmulo de ferro é bastante acelerado pela iatrogenia! Os achados dos índices hematimétricos e na hematoscopia do sangue periférico são Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 10 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias idênticos aos da betatalassemia major. O que as diferencia é o grau de anemia. Diagnóstico O exame padrão-ouro para o diagnóstico das betatalassemias (e o único capaz de confirmá- las) é a Eletroforese de Hemoglobina. Este exame quantifica proporcionalmente os tipos de hemoglobina presentes no homogeneizado de hemácias do paciente. Como vimos em capítulos passados, o normal de um adulto é 97% de HbA1, 2% de HbA2 e 1% de HbF. Nas betatalassemias, como há menos cadeias beta (ou simplesmente não há), as hemoglobinas formadas por outras cadeias não alfa sobressaem, como a HbA2 e a HbF. Valores de HbA2 entre 3,5 a 8% são característicos. O percentual de HbF depende do grau de deficiência da cadeia beta: na forma major, esse percentual pode ultrapassar 90%, enquanto que na forma menor, pode ser normal ou levemente elevado. Tratamento Betatalassemia Maior O tratamento se baseia na Hipertransfusão Crônica. Esta terapia controla a hiperplasia eritroide desordenada, por retirar o estímulo anêmico à produção renal de eritropoietina. Além disso, está se fornecendo hemácias com hemoglobina normal (HbA) ao paciente, justamente o que está faltando a ele. A hipertransfusão é feita na dose de 5-10 ml/kg a cada 3-5 semanas, com o objetivo de manter a hemoglobina média de 12 g/dl e mínima de 10 g/dl. Para reduzir a reações hemolíticas (aloimunização) e febris, o Banco de Sangue dá preferência a sangue de doadores da mesma etnia, além de usar hemácias leucodepletadas (filtro de leucócitos). Com esse tratamento, as crianças recuperam o crescimento e desenvolvimento, reduzem o risco a infecções e controlam a hepatoesplenomegalia. Ou seja: melhora da qualidade de vida e redução da mortalidade. Elas chegam até a adolescência sem muitos problemas. A reposição de ácido fólico 1 mg/dia é rotineira. A esplenectomia é recomendável sempre que as necessidades de transfusão aumentarem mais de 50% em um ano ou ultrapassem 200 ml/kg/ano. Toda criança candidata deve ter pelo menos 6- 7 anos de idade e deve ser imunizada (antes da cirurgia eletiva) para pneumococo, hemófilo tipo B e meningococo. O maior problema passa a ser a hemocromatose secundária (transfusional). A terapia com deferoxamina, um quelante do ferro parenteral, representa a abordagem clássica. A via de administração é subcutânea, infundida em 12h (por meio de um dispositivo próprio), com a dose variando de 1,5-2,5 g/dia, cinco vezes por semana. Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 11 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perdade peso e anemias Atualmente, no entanto, tem-se preferido um novo quelante de ferro: o deferasirox (20-30 mg/kg/dia), que pode ser feito pela via oral, com os mesmos benefícios. Transplante alogênico de medula (células- tronco): esta terapia tem excelentes resultados na betatalassemia maior, quando indicada corretamente. As crianças sem hepatomegalia e fibrose periportal, com uma boa adesão à terapia quelante de ferro (classe I), apresentam uma chance de sobrevida longa livre de doença (considerado “cura”) acima de 90%. Aquelas que apresentam hepatomegalia ou fibrose periportal (classe II), essa taxa cai para 80%. As que têm hepatomegalia e fibrose periportal (classe III), a chance passa a ser inferior a 50%. Neste último caso, o transplante, a princípio, não está indicado. Betatalassemia Intermedia e menor Os pacientes com betatalassemia intermedia devem ser acompanhados, para uma avaliação contínua de seus sintomas, função cardíaca e sinais de sobrecarga de ferro. A reposição de ácido fólico 1 mg/dia está indicada. Mesmo sem transfusões, muitos pacientes evoluem com hemocromatose (por aumento da absorção intestinal de ferro). As hemotransfusões estão indicadas para os sintomáticos e para aqueles com sinais de insuficiência cardíaca. A terapia quelante de ferro está indicada quando a ferritina sérica é superior a 1.000 ng/ml. Pode-se tentar um quelante oral, recentemente aprovado, denominado deferiprona (Ferriprox) ou a própria deferoxamina. A talassemia minor não exige tratamento, somente orientação e aconselhamento genético. Se for possível, devem-se estudar as mutações do casal, para saber se o tipo de gene é β0 ou β+ e, portanto, as chances do filho ter talassemia major ou intermedia. FISIOPATOLOGIA GERAL B O efeito da mutação sobre a produção da cadeia de globina depende de seu efeito sobre a quantidade e a qualidade do mRNA: a) suprimem ou reduzem a transcrição do DNA em mRNA; b) a transcrição está normal, mas o processamento do RNA inicialmente produzido no núcleo para formar o mRNA maduro não ocorre ou está reduzido; c) o mRNA é produzido em quantidade normal, mas tem um defeito na região codificadora que impede a tradução de uma cadeia peptídica de globina normal. Os defeitos gênicos das talassemias podem agrupar-se de forma simples em três categorias: a) grandes deleções (de seiscentos a mais de 20 mil nucleotídeos); b) pequenas deleções ou inserções de uma, duas ou quatro bases; c) mutações de ponto. As lesões moleculares responsáveis das β- talassemias são em sua maioria mutações pontuais que afetam a qualidade ou a quantidade do mRNA produzido. Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 12 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias Deleções. São raras, e incluem dois grupos de deleções parciais do gene β em que há completa ausência de síntese da cadeia β. RNA não funcional. São βo talassemias em que há produção de mRNA que não pode ser traduzido, porque: a) uma mutação pontual introduz no mRNA um códon de término, interrompendo a síntese proteica; um exemplo comum desse tipo de mutação na região do Mediterrâneo é a troca C-T no códon 39 da cadeia β; b) uma deleção ou adição de uma, duas ou quatro bases, com deslizamento do quadro de leitura (frameshift mutation) do mRNA a partir do ponto da mutação, podendo surgir mais adiante um códon de término que interrompe a leitura. A causa mais comum de β- talassemia na China é a inserção de um nucleotídeo na posição 41-42, alterando a leitura do mRNA, e interrompendo a síntese de cadeias na posição 59, onde aparece uma trinca UGA. Anormalidades no processamento do RNA. O RNA inicialmente transcrito contém os éxons e os íntrons. A retirada dos íntrons é essencial para formar um mRNA funcional. Mutações nas uniões éxon-íntron (ou próxima a elas) impedem ou dificultam a retirada do íntron, originando β-talassemia. Algumas mutações internas no íntron ou na região codificadora podem trazer um efeito inverso, criando um novo sítio (anômalo) de ruptura-união, e cada molécula de RNA poderá então ser processada por via normal (RNA funcional) ou alternativamente pela via anômala (mRNA não funcional). Essas mutações causam β+-talassemia, e a quantidade de cadeias β produzidas dependerá da proporção de moléculas de mRNA processadas pela via normal. Dois tipos de β+- talassemia no Mediterrâneo são produzidas por esse tipo de mutação: a) substituição na posição 110 do íntron 1 (IVS-1 110); b) substituição T-C na posição 6 do íntron 1 (IVS- 1 6) que produz uma forma muito benigna de β+-talassemia (inicialmente descrita como β- talassemia do tipo português). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS EXPLICAÇÃO: Hiperplasia da medula óssea. Existe uma impressionante hiperplasia eritroide da medula óssea, aumentada de sete a trinta vezes em relação ao normal. As principais consequências dessa grande massa de tecido medular são: a) shunt de uma grande fração do débito cardíaco, produzindo uma expansão de 70-100% do volume circulante e contribuindo para a anemia dilucional; b) um grande desvio de nutrientes e energia alimentar para a medula óssea; c) aumento da absorção gastrointestinal de ferro; d) alterações ósseas. A hiperplasia da medula óssea é ineficaz porque não tem nenhum efeito benéfico, uma vez que a maioria das células proliferantes é destruída na medula óssea. A destruição contínua dessa grande massa de precursores eritroides leva à liberação de enzimas Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce Win Realce 13 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias intracelulares (desidrogenase láctica) e ao aumento da produção de derivados dos ácidos nucleicos e da hemoglobina (ácido úrico e bilirrubinas). Alterações ósseas, dentárias, faciais e articulares. A intensidade das anormalidades ósseas reflete, em geral, a gravidade da doença ou a eficiência do tratamento. São particularmente evidentes no crânio e no rosto: protuberância da região frontal e das regiões malares, depressão na ponta do nariz e horizontalização dos orifícios nasais, hipertrofia dos maxilares tendendo a expor dentes e gengiva superiores. Aumenta a facilidade de ocorrer fraturas esqueléticas. As anormalidades ósseas podem ser evidenciadas ao exame radiológico. Alterações cardíacas. Antes do uso generalizado de hipertransfusões e terapia quelante, as anormalidades cardíacas começavam na infância com sopros cardíacos e progrediam para cardiomegalia, hipertrofia do ventrículo esquerdo e alterações do ritmo e condução no ECG. A partir da segunda década surgiam pericardites na metade dos pacientes e insuficiência cardíaca na maioria. Este quadro refletia os efeitos combinados da anemia e o excesso de ferro sobre o coração, e a maioria dos pacientes morria alguns meses depois de começar a insuficiência cardíaca. Atualmente, o uso regular de transfusões evita as alterações cardíacas que somente vão aparecer na adolescência ou na idade adulta, na dependência de quão rigoroso foi o uso de quelantes. Os ecocardiogramas, ECG de 24 horas (“Holter”) e angiocardiografias isotópicas com 99mTc demonstram alterações morfológicas e funcionais muito antes do aparecimento das manifestações clínicas. A Ressonância Magnética(MRI) é um excelente método não invasivo para avaliar a quantidade de ferro depositada no tecido cardíaco. A cardiomegalia e a circulação hiperdinâmica dos primeiros anos de vida podem ser revertidas ou evitadas pelas transfusões. As complicações da segunda década de vida e a probabilidade de morte cardíaca podem ser muito reduzidas com o uso regular de quelantes de ferro. Alterações hepáticas. O comprometimento hepático da enfermidade se deve ao excesso de ferro e à hepatite viral. Nos adolescentes são comuns lesões grosseiras dos hepatócitos, grandes grânulos de hemossiderina, número excessivo de trabéculas de colágeno e lesões cirróticas avançadas. O uso regular de quelantes de ferro impede ou retarda a evolução das lesões hepáticas. Outra causa de lesão hepática nos pacientes dependentes de transfusões são as hepatites virais dos tipos B ou C. Apesar de a morte por insuficiência hepática ser rara na talassemia, as lesões hepáticas podem determinar alterações do metabolismo hormonal, intolerância à glicose e níveis de ferritina sérica desproporcionalmente elevados. Win Realce Win Realce Win Realce 14 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias Teste do Pezinho A triagem neonatal a partir da matriz biológica, “teste do pezinho”, é um conjunto de ações preventivas, responsável por identificar precocemente indivíduos com doenças metabólicas, genéticas, enzimáticas e endocrinológicas, para que estes possam ser tratados em tempo oportuno, evitando as sequelas e até mesmo a morte. Além disso, propõe o gerenciamento dos casos positivos por meio de monitoramento e acompanhamento da criança durante o processo de tratamento. A data ideal para a coleta pode variar de acordo com a maior sensibilidade das tecnologias diagnósticas e necessidades inerentes às doenças do escopo do programa. Recomenda-se que o período ideal de coleta da primeira amostra esteja compreendido entre o 3º e o 5º dia de vida do bebê devido às especificidades das doenças diagnosticadas atualmente. Deve ser considerada como uma condição de exceção toda coleta realizada após o 28º dia de vida, mesmo que não recomendada, por se tratar de um exame fora do período neonatal. Consideram-se excepcionalidades as dificuldades de acesso de algumas aldeias indígenas e populações de campo e da floresta, bem como questões culturais e casos de negligência. Crianças que não tenham realizado o “teste do pezinho” no período neonatal, devem ser avaliadas pelo serviço médico, para orientação e investigação diagnóstica específica, se necessário. Essa investigação será considerada com a finalidade de um diagnóstico tardio e, nessas condições, a criança detectada se beneficiará com o acesso ao tratamento/acompanhamento especializado e, consequentemente, a uma melhor qualidade de vida. IMPORTANTE: se houver recusa por parte dos familiares para a coleta do “teste do pezinho”, o responsável pela ação no ponto de coleta deve orientá-los sobre os riscos da não realização do exame. O fato deve ser documentado com a assinatura dos pais ou responsáveis. Teste do pezinho básico: Até 12 doenças; Teste do pezinho ampliado: Até 30 doenças; Teste do pezinho plus: Até 33 doenças; 15 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias Teste do pezinho master: Até 38 doenças; Teste do pezinho expandido: Até 60 doenças; Teste do pezinho completo: Mais de 100 doenças. Simplificado: O Programa Nacional de Triagem Neonatal tem em seu escopo seis doenças: Fenilcetonúria, Hipotireoidismo Congênito, Doença Falciforme e outras hemoglobinopatias, Fibrose Cística, Hiperplasia Adrenal Congênita e Deficiência de Biotinidase. Fenilcetonúria A Fenilcetonúria (PKU) é um dos erros inatos do metabolismo, com padrão de herança autossômico recessivo. O defeito metabólico gerado, frequentemente causado pela enzima Fenilalanina Hidroxilase, leva ao acúmulo do aminoácido Fenilalanina (FAL) no sangue e ao aumento da Fenilalanina e da excreção urinária de Ácido Fenilpirúvico. Foi a primeira doença genética a ter tratamento estabelecido com terapêutica dietética específica. Sem a instituição, por meio de programas de Triagem Neonatal, do diagnóstico precoce e do tratamento antes dos 3 meses de vida, a criança afetada pela Fenilcetonúria apresenta um quadro clínico clássico, caracterizado por atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), deficiência mental, comportamento agitado ou padrão autista, convulsões, alterações eletroencefalográficas e odor característico na urina. Recomenda-se que a coleta seja feita somente após 48 horas do nascimento, pois, para que o aumento da FAL possa ser detectado, é fundamental que a criança tenha ingerido uma quantidade suficiente de proteína. Hipotireoidismo Congênito O Hipotireoidismo Congênito (HC), considerado uma emergência pediátrica, é causado pela incapacidade da glândula tireoide do recém- nascido em produzir quantidades adequadas de hormônios tireoideanos, que resulta numa redução generalizada dos processos metabólicos. A doença pode ser classificada em: Em regiões onde a deficiência de iodo não é endêmica, o Hipotireoidismo Congênito geralmente é primário, causado por agenesia ou por ectopia da glândula tireoide. Esses são casos de etiologia considerada esporádica. O quadro de manifestações clínicas inclui: hipotonia muscular, dificuldades respiratórias, cianose, icterícia prolongada, constipação, bradicardia, anemia, sonolência excessiva, livedo reticularis, choro rouco, hérnia umbilical, alargamento de fontanelas, mixedema, sopro cardíaco, dificuldade na alimentação com deficiente crescimento pôndero-estatural, atraso na dentição, retardo na maturação óssea, pele seca e sem elasticidade, atraso de desenvolvimento neuropsicomotor e retardo mental. O momento ideal para o diagnóstico do Hipotireoidismo Congênito é, sem dúvida, o período neonatal, pois é sabido que a partir da 16 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias segunda semana de vida a deficiência de hormônios tireóideos poderá causar alguma lesão neurológica. Doença Falciforme e Outras Hemoglobinopatias A Doença Falciforme (DF) é uma afecção genética com padrão de herança autossômico recessivo, causada por um defeito na estrutura da cadeia beta da hemoglobina, que leva as hemácias a assumirem forma de lua minguante, quando expostas a determinadas condições, como febre alta, baixa tensão de oxigênio, infecções etc. As alterações genéticas (mutação) nessa proteína (hemoglobina) são transmitidas de geração em geração (padrão de herança familiar). Padrão: a hemoglobina predominante em humanos adultos é chamada de hemoglobina A (padrão Hb AA). A hemoglobina predominante em humanos recém-nascidos é a Hemoglobina F (padrão Hb FA). Hemoglobinopatias: As hemoglobinopatias podem ser resultantes de mutações que afetam os genes reguladores promovendo um desequilíbrio no conteúdo quantitativo das cadeias polipeptídicas e consequentemente nos tipos normais de hemoglobina, causando as talassemias. Também podem ser originadas de alterações envolvendo genes estruturais que promovem a formação de moléculas de hemoglobinas com características bioquímicas diferentes das hemoglobinas normais, denominadas hemoglobinas variantes. As hemoglobinas variantes mais frequentes são a hemoglobina S (Hb S) e hemoglobina C (Hb C). O indivíduoheterozigoto é popularmente conhecido como “traço falcêmico” ou “traço falciforme” (Hb AS). Poderão também ser identificadas outras hemoglobinas variantes (Hb D, Hb E, Hb Hasharon, etc.) com ou sem significado clínico. Nos procedimentos de triagem neonatal em recém-nascidos, é possível identificar de forma diferenciada os indivíduos heterozigotos (Hb FAS) dos indivíduos homozigotos, ou seja, doentes (Hb FS). O termo doença falciforme (DF) é usado para definir as hemoglobinopatias nas quais o fenótipo predominante é o da Hb S, mesmo quando associada a outra hemoglobina variante (Hb Var). Os tipos de DF mais frequentes são Hb SS, a S-beta Talassemia e as duplas heterozigoses Hb SC e Hb SD. Essas variações causadas por heterozigoses compostas podem apresentar quadros clínicos variados. O paciente afetado apresenta as seguintes alterações clínicas: anemia hemolítica, crises vaso-oclusivas, crises de dor, insuficiência renal progressiva, acidente vascular cerebral, maior susceptibilidade a infecções e sequestro esplênico. Podem ocorrer também alterações no desenvolvimento neurológico, com provável etiologia vaso-oclusiva de sistema nervoso central. O ideal é que o tratamento seja iniciado antes dos quatro meses de vida para que a prevenção 17 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias das infecções e outras complicações que podem levar à morte da criança seja efetivo. A família da criança identificada deverá receber orientação básica da equipe multidisciplinar no ponto de Atenção Especializado, para a confirmação diagnóstica e o início do tratamento específico. Fibrose Cística A Fibrose Cística (FC) ou Mucoviscidose, como também é conhecida, é uma das doenças hereditárias consideradas graves, determinada por um padrão de herança autossômico recessivo e afeta especialmente os pulmões e o pâncreas, num processo obstrutivo causado pelo aumento da viscosidade do muco. Nos pulmões, esse aumento na viscosidade bloqueia as vias aéreas propiciando a proliferação bacteriana (especialmente pseudomonas e estafilococos), o que leva à infecção crônica, à lesão pulmonar e ao óbito por disfunção respiratória. No pâncreas, quando os ductos estão obstruídos pela secreção espessa, há uma perda de enzimas digestivas, levando à má nutrição. Essa afecção apresenta um índice de mortalidade muito elevado, porém, nos últimos anos, o prognóstico tem melhorado muito, mostrando índices de 75% de sobrevida até o final da adolescência e de 50% até a terceira década de vida. Estudos anteriores demonstram que apenas 10% dos pacientes ultrapassavam os 30 anos de idade. Muitas crianças com Fibrose Cística não apresentam nenhum sinal ou sintoma da doença ao nascimento. Isso pode perdurar por semanas, meses ou mesmo anos. O curso clínico da doença se caracteriza por períodos de remissão e períodos de exacerbação, com aumento da frequência e gravidade das exacerbações com o passar do tempo. Sintomas mais graves e complicações incluem a desnutrição, o diabetes, a insuficiência hepática e a osteoporose. No trato gênito urinário, observa-se puberdade tardia, azoospermia em até 95% dos homens, e infertilidade em 20% das mulheres. O diagnóstico presuntivo é estabelecido com a análise dos níveis da tripsina imunorreativa (IRT). A análise do IRT só deve ser realizada em amostras colhidas com até 30 dias de vida do RN, pois após esse período, os resultados não são confiáveis como testes de triagem. Hiperplasia Adrenal Congênita A denominação Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) engloba um conjunto de síndromes transmitidas de forma autossômica recessiva, que se caracterizam por diferentes deficiências enzimáticas na síntese dos esteroides adrenais. Nos diversos grupos étnicos as deficiências enzimáticas mais comuns em HAC são: 21- hidroxilase, que responde por cerca de 95% dos casos, e 11-beta-hidroxilase, encontrada em aproximadamente 5% dos casos. Ambas estão envolvidas na rota de síntese do cortisol e da aldosterona. Na população brasileira, a deficiência da 21-hidroxilase 18 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias também é a mais frequente, seguida da 17-alfa- hidroxilase, sendo a 11-beta-hidroxilase muito rara. As manifestações clínicas na HAC dependem da enzima envolvida e do grau de deficiência enzimática (total ou parcial). A apresentação clínica pode se expressar por insuficiência glicocorticoide, insuficiência mineralocorticoide, excesso de andrógenos ou ainda por insuficiência de andrógenos. Deficiência de Biotinidase A Deficiência de Biotinidase (DBT) é uma doença metabólica hereditária na qual há um defeito no metabolismo da biotina. Como consequência, ocorre uma depleção da biotina endógena devido a uma incapacidade do organismo fazer a sua reciclagem ou de usar a biotina ligada à proteína fornecida pela dieta. Assim, como a maioria dos erros inatos do metabolismo, essa doença apresenta uma herança autossômica recessiva, com mais de 140 mutações descritas. Classificação: Deficiência profunda de biotinidase: atividade enzimática menor que 10%; Deficiência parcial de biotinidase: atividade enzimática entre 10% e 30%,; Sem deficiência de biotinidase: atividade enzimática acima de 30%. Clinicamente, manifesta-se a partir da sétima semana de vida, com distúrbios neurológicos e cutâneos, tais como crises epiléticas, hipotonia, microcefalia, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, alopécia e dermatite eczematoide. Nos pacientes com diagnóstico tardio observam-se distúrbios visuais, auditivos, assim como atraso motor e de linguagem Coletas especiais: recém-nascidos pré-termo, de baixo peso ao nascer e gravemente enfermos. Triagem seriada, com a obtenção de pelo menos três (03) amostras em tempos diferentes, é recomendada como paradigma mais expediente e eficiente; pode-se chegar a até quatro (04) ou cinco (05) amostras, se necessário. REF: Triagem neonatal manual técnico – 2016 (MS). Ampliado: Inclui todas além do básico. Deficiência de G6PD A deficiência da enzima glicose6-fosfato desidrogenase provoca a instabilidade da membrana dos glóbulos vermelhos, favorecendo a sua ruptura. Manifestações A deficiência de G.6.P.D causa quadros hemolíticos com anemias de intensidade variável que podem surgir durante as infecções ou contato com certos medicamentos. Galactosemia (GAOS / GALT) Distúrbio provocado pela falta das enzimas responsáveis pelo metabolismo da galactose, um açúcar contido no leite e seus derivados. Manifestações O aumento da galactose nos tecidos pode causar lesões irreversíveis no aparelho digestivo, fígado e sistema nervoso. Toxoplasmose Congênita 19 Mírian Santos – 6° semestre. Fadiga, perda de peso e anemias Ocorre quando a gestante foi infectada pelo protozoário toxoplasma gondii. Manifestações Os afetados podem apresentar calcificações cerebrais, deficiência intelectual, convulsões, coriorretinite e microcefalia. Por que o sus ainda não oferece o teste ampliado? Para o Ministério da Saúde, “a triagem neonatal no sistema privado se restringe à possibilidade de uma gama de testes passíveis de serem realizados em amostra de sangue seco, mas nem todas as doenças triadas pelos exames oferecidos na saúde suplementar possuem tratamento estabelecidos e medicamentos disponíveis que possam modificar o curso natural da doença”. E, de acordo com o Ministério, isso éuma premissa inicial para que uma nova doença seja incluída em qualquer programa de rastreamento neonatal. O custo do teste mais completo é maior, em média 450 reais, e, por isso, ter um diagnóstico amplo e, assim, mais segurança em relação à saúde do bebê acaba sendo uma condição restrita às famílias que podem fazer o investimento financeiro. Mesmo assim, é direito de todos saber que essa possibilidade oferecida pela rede privada existe, o que, no geral, não acontece. Muitas famílias não sabem da existência e importância do Teste do Pezinho Ampliado, até mesmo por falta de orientação dos próprios profissionais de saúde que as acompanham.
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