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Marianna Matos – EAD 20.2 Aula 2 –Farmacologia Neuroendócrina Sistema nervoso Autônomo e Somático Parte V: Estudaremos a ação farmacológica dos antagonistas muscarínicos e dos bloqueadores neuromusculares, que são fármacos que bloqueiam os receptores nicotínicos na placa motora. ATROPINA E ESCOPOLAMINA (SOLANACEA) Começando pela farmacologia dos antagonistas muscarínicos, nós podemos citar dois fármacos que são muito importantes: A atropina que é oriunda da Atropa beladona e a Escopolamina oriunda da Hyoscyamus niger. Ambos os fármacos são antagonistas não seletivos oriundos de produtos naturais. ANTAGONISTAS MUSCARÍNICOS Nós temos a Atropina, que é um derivado do ácido trópico. Ela possui o nitrogênio terciário, então, é uma amina e ela apresenta uma característica importante, que é a presença de um centro quiral. Então nós temos o d,l-hyoscynamina que são os isômeros presentes na forma de mistura racêmica nos medicamentos que contém atropina. Por outro lado, a Escopolamina guarda uma grande semelhança estrutural com a atropina. A principal diferença é a presença do grupamento epóxi e o isômero farmacologicamente ativo é a l- hyoscina. Temos também ainda a Homotropina que tem uma aplicação farmacológica mais restrita. Esses 3 fármacos configuram-se como antagonistas muscarínicos competitivos, reversíveis e não seletivos. Posteriormente, surgiram fármacos de natureza sintética que inicialmente tiveram, com seu desenvolvimento, o objetivo de aumentar a seletividade/afinidade com algum subtipo de receptor muscarínico. A Pirenzepina tem uma estrutura distinta da atropina, com a presença dos três anéis. E ela foi desenvolvida visando o antagonismo inicialmente seletivo para M1. Contudo, na medida em que M4 e M5 foram descobertos e sua seletividade avaliada, foi visto que ela também possui afinidade com M4. No brasil, a pirenzepina não teve registro para uso clínico. Por outro lado, o Ipratrópio, tiotrópio e tolterodina são três fármacos que tem características próprias que vão justificar o seu uso clínico em situações específicas. Ipratrópio (brometo de ipratrópio – genérico) tem uma relação estrutural com a atropina. A característica desse fármaco é a adição de um substituinte nesse grupamento amino do anel, fazendo com que o ipratrópio tenha um nitrogênio quaternário e, portanto, apresente uma carga (positiva). Tiotrópio também tem uma característica semelhante, embora tenha havido outros tipos de modificação na sua estrutura química. Tanto o ipratrópio, quanto o tiotrópio, em função dessa carga na molécula, apresentam uma maior restrição a sua distribuição no organismo, ou seja, eles tem uma capacidade reduzida de atravessar Marianna Matos – EAD 20.2 membranas biológicas. No caso de ambos os fármacos, eles utilizados exclusivamente por via inalatória, uma vez que, por via sistêmica, por via oral particularmente, não teriam uma boa biodisponibilidade. O tiotrópio ele é um fármaco que possui mais afinidade para os receptores M1 e M3. No caso da Tolterodina, que é um outro antagonista muscarínico sintético, ela foi desenvolvida visando o tratamento de doenças relacionadas ao sistema urogenital, mais especificamente visando uma condição clínica, chamada de bexiga hiperativa. In vitro, a tolterodina não discrimina os receptores muscarínicos, ou seja, ela tem a mesma afinidade para os diferentes subtipos de receptores muscarínicos. Entretanto, in vivo, por alguma característica físico-química da molécula, ela tem uma capacidade de se concentrar no tecido da bexiga e, desta forma, ela acaba tendo um efeito chamado uroseletivo. Ou seja, uma vez administrada uma dose de tolterodina, o bloqueio muscarínico a nível de bexiga é mais pronunciado do que em outros órgãos, o que diminui um pouco os efeitos adversos característicos de um antagonista muscarínico não seletivo. Outros antagonistas muscarínicos → Oxibutinina → Darifenacina (M3) → Tropicamida → Ciclopentolato Todos eles são competitivos, de ação reversível e não discriminam os receptores muscarínicos entre si, ou seja, são não seletivos. A exceção da darifenacina que é um pouco mais afim para o receptor muscarínico M3 e também foi usada para o tratamento de doenças associadas a disfunção da bexiga, como a bexiga hiperativa. Entretanto, com o desenvolvimento da tolterodina, a darifenacina tem sido continuamente substituída pelo fármaco mais novo. Nessa figura nós temos um gráfico dose x resposta, onde no eixo x tem-se as doses crescentes de atropina e no eixo y tem-se a alteração percentual do processo fisiológico que foi avaliado. Então, 0% de alteração significa que a função fisiológica não foi alterada e 100% de alteração significa que essa função foi totalmente alterada pelo fármaco atropina. Nesse estudo foram avaliados 4 funções: salivação, contração e esvaziamento da bexiga, frequencia cardíaca e acomodação da lente para visão do objeto de perto (ajuste do foco). A administração da atropina por via subcutânea na menor dose (0,5mg), pouco alterou a capacidade de esvaziamento da bexiga, como também não teve nenhuma alteração sobre a frequência cardíaca ou acomodação. Entretanto, nessa dose, a atropina foi capaz de reduzir cerca de 40% a salivação, secundária, então, ao bloqueio dos receptores muscarínicos nas glândulas salivares. E de forma dose dependente, o aumento de dose de atropina foi inibindo progressivamente a secreção salivar, chegando em um bloqueio quase que completo e, também, a um efeito dose dependente crescente da capacidade da bexiga de contrair e eliminar a urina. Portanto, se nós tivermos que usar a atropina por via sistêmica para tratar um paciente com incontinência urinária, ou seja, um paciente que tem uma disfunção do funcionamento da bexiga onde ela se apresenta hiperativa, nós precisaríamos de doses relativamente altas de atropina e causaria nesse paciente, uma queixa de boca seca. Então nós vemos com esses dados que as diferentes funções fisiológicas mediadas pelos receptores muscarínicos, terão impacto diferente em função do uso de uma dose desse antagonista não seletivo. Marianna Matos – EAD 20.2 No caso do coração, o bloqueio do receptor muscarínico M2 promove um aumento da frequência cardíaca, ou seja, promove uma taquicardia. Porque isso? Porque o receptor muscarínico M2 inibe a atividade do nó sinoatrial. Então, se nós bloqueamos esse receptor, o nó sinoatrial/célula marcapasso dispara com mais facilidade e, com isso, o ritmo cardíaco é acelerado. Entretanto, esse efeito também ocorre em doses mais elevadas de atropina, doses essas, que levariam também a esse fenômeno de boca seca nos pacientes. No caso de querermos promover uma midríase e uma perda da acomodação da lente, nós também precisaríamos de uma dose relativamente alta se fossemos usar a via sistêmica. E por isso, que para tratar qualquer disfunção oftalmica é sempre melhor o uso da via tópica onde conseguimos promover uma alta concentração do fármaco sem causar todos esses efeitos adversos que visualizamos aqui nesse gráfico. Uma vez que nós descrevemos que os receptores muscarínicos estão presentes no coração regulando principalmente a frequência cardíaca e também no endotélio, induzindo a produção de óxido nítrico que é vasodilatador, será que o uso de um antagonista muscarínico não seletivo como a atropina teria algum impacto sobre a pressão arterial? Bom, uma coisa que precisamos levar em consideração para responder essa pergunta é relembrar que na fisiologia cardiovascular que embora o coração tenha uma boa inervação parassimpática, principalmente no nó sinoatrial, nos vasos sanguíneos, essa inervação parassimpática é muito rara. Ou seja, se considera-se todos os vasos sanguíneos do nosso organismo, poucos são os que recebem inervação parassimpática mais expressiva. Ora, se eu não tenho a fibra parassimpática, eu não tenho a liberação do neurotransmissor acetilcolina e, portanto,fisiologicamente, embora o endotélio expresse receptores muscarínicos, esses receptores não estão sendo ativados fisiologicamente porque não tem acetilcolina sendo liberada. Entretanto, se eu utilizar o antagonista muscarínico como fármaco, ele irá sim se distribuir no organismo e vai se ligar e bloquear esses receptores muscarínicos do endotélio. Mas como esses receptores já não estavam funcionando, então, um antagonista muscarínico como a atropina a priori não teria nem um impacto sobre a resistência vascular periférica e logo, não teria um impacto significativo sobre pressão arterial. Então, para concluir, sempre importante ressaltar que as ações farmacológicas da acetilcolina foram descritas usando-se a acetilcolina exógena, ou seja, a acetilcolina como um fármaco. E esse endotélio que expressa esses receptores muscarínicos só irar produzir óxido nítrico (substância vasodilatadora) se nós usarmos um fármaco agonista muscarínico. Na ausência desse fármaco, não temos acetilcolina exógena de forma significativa e, portanto, esse mecanismo de regulação da pressão arterial pela via parassimpática é de menor relevância (tem relevância farmacológica, mas não fisiológica). PRINCIPAIS FÁRMACOS E USOS CLÍNICOS Visto essas características de quais são os fármacos antagonistas muscarínicos mais disponíveis na clínica e que o bloqueio dos receptores muscarínicos causa impactos diferenciais a depender do órgão, então, em alguns casos, nós teremos que usar exclusivamente uma via tópica para garantir a concentração do fármaco no local e o seu efeito farmacológico e em outros casos utilizaremos a via sistêmica, mas tentaremos usar fármacos que tem um grau de seletividade. Homatropina: Sua apresentação farmacêutica é em forma de colírio oftálmico. A Homatropina sendo usada como colírio, qual seria a finalidade terapêutica? Nessa imagem a esquerda nós temos a representação de uma pupila no estado normal e uma pupila no estado dilatado do lado direito. O que isso significa? Essa pupila dilatada vai permitir uma entrada maior do feixe luminoso e vai iluminar o fundo do olho. Então, os antagonistas muscarínicos são utilizados clinicamente na forma de colírio para promover a midríase (pupila dilatada) e também para impedir o reflexo da pupila de contrair em resposta ao feixe luminoso, que é a cicloplegia. Marianna Matos – EAD 20.2 Então, o paciente vai oftalmologista, que pinga uma gota de colírio e em poucos minutos a pupila dele está dilatada e ele pode fazer o exame de fundo de olho. Nesse gráfico, chamaremos atenção para um aspecto importante que é a duração do efeito farmacológico. Um exame de fundo de olho é um procedimento relativamente rápido e, portanto, seria interessante que esse efeito farmacológico fosse um efeito mais breve ou curto possível. Se utilizasse por exemplo a escopolamina, que é o exemplo utilizado no estudo, o que nós observaríamos? Na ordenada nós temos a alteração ou do tamanho da pupila ou da capacidade de acomodação em função do tempo. Note que no início tem-se uma escala de minutos e, posteriormente, uma escala de dias. Após a administração da escopolamina na forma de colírio, tem-se uma rápida resposta da pupila, que aumenta o seu tamanho (midríase), uma perda significativa e rápida da capacidade de acomodação da lente e o que não está sendo medido aqui diretamente, a cicloplegia. Bom, esse fato da pupila se manter dilatada por esse tempo todo vai permitir ao médico a realização do procedimento. Entretanto, notem que a recuperação é muito lenta, então, o paciente fica com a midríase e foto sensibilidade por um bom tempo e, da mesma forma, ele fica com uma dificuldade de ajustar o foco e ver com nitidez o objeto de perto também por um tempo bem prolongado. Então, a escopolamina não seria o fármaco de escolha para essa situação clínica e, por essa razão, dentre os antagonistas muscarínicos, o fármaco de escolha é a Homatropina. Tolterodina: Outro fármaco que nós vamos dar maior ênfase é a Tolterodina. Relembrando que a Tolterodina e Darifenacina são fármacos que tem uma ação sobre a bexiga, mas a tolterodina tem uma ação mais uroseletiva. Qual a característica da Tolterodina e a importância de ela ter uma uroseletividade? Nessa figura nós temos a representação do músculo que compõe a bexiga, o chamado músculo detrusor. Este é o músculo que contrai e relaxa. Quando ele contrai, ele estimula o esvaziamento da bexiga. Fisiologicamente, numa bexiga com um funcionamento normal, a medida que o volume de urina vai acumulando, nós temos uma capacidade de conter a urina na bexiga, chamada de capacidade de continência. Entretanto, em alguns indivíduos, principalmente com o envelhecimento, desenvolve-se uma condição chamada e bexiga hiperativa, onde em qualquer volume de urina, a bexiga começa a contrair espontaneamente e faz com que esse paciente necessite procurar urgentemente um banheiro ou de outra forma ele não vai conseguir controlar a micção. Essa incontinência urinária tem a alteração de expressão de alguns receptores que estariam envolvidos na fisiopatologia. Dentre eles, já foi descrito que há um aumento Marianna Matos – EAD 20.2 da expressão de receptores muscarínicos e como nós sabemos, M3 aumenta os níveis de cálcio intracelular e fazem a contração dessa musculatura. Então, embora a tolterodina não seja um antagonista seletivo pra algum subtipo específico de receptor muscarínico, por alguma característica físico-química da molécula, ela consegue atuar mais na bexiga em detrimento de outros tecidos ou órgãos. Essa característica é bastante importante porque os receptores muscarínicos também estão presentes a nível de SNC e lá a neurotransmissão colinérgica no sistema nervoso central está envolvida nos processos de aprendizado e de consolidação de memória recente. Portanto, se nós usarmos um antagonista muscarínico para tratar um paciente com bexiga hiperativa que é uma condição clínica crônica, que tivesse a capacidade de atravessar a BHE, um efeito adverso possível seria um declínio da capacidade de memória desse paciente idoso. Como a tolterodina se concentra mais na bexiga em detrimento a outros tecidos, então, ela tem um menor impacto sobre essa função o que caracteriza uma melhor relação custo benefício. Então o uso clínico da Tolterodina é na incontinência urinária, e em algumas crianças que não conseguem controlar bem a micção durante a noite. Brometo de Ipratrópio (não seletivo), Brometo de Tiotrópio (M1 e M3): Nós vamos mudar para esses 2 fármacos com características particulares, que são aqueles fármacos com nitrogênio quaternário, que são o Brometo de Ipratrópio, que é um antagonista não seletivo e o Brometo de Tiotrópio que é antagonista muscarínico com maior afinidade para M1 e M3. Sendo que M3 é particularmente importante pois eles estão presentes nas glândulas secretoras de muco e na musculatura lisa bronquiolar. Como comentamos na aula anterior, a árvore brônquica tem um diâmetro e esse diâmetro vai diminuindo progressivamente até chegarmos aos alvéolos, onde ocorre a troca gasosa. Em algumas doenças ocorre o fenômeno chamado de broncoconstricção. Esta pode ser aguda, como o que ocorre na asma, ou crônica, como ocorre na doença pulmonar obstrutivo crônica. Em ambos os casos, o tratamento requer, primeiro, relaxamento da musculatura lisa bronquiolar, então, esse tônus aumentado diminui a luz do brônquio e, com isso, diminui a passagem de ar e a troca gasosa, então, precisa-se reestabelecer o fluxo aéreo. E também é importante inibir a secreção de muco, pois ele também compromete a passagem de ar, também em algum grau, obstrui a passagem de ar. Se nós utilizássemos um antagonista muscarínico não seletivo como a escopolamina, nós observaríamos uma série de efeitos adversos (constipação intestinal, retenção urinária, boca seca, midríase, fotosensibilidade visão turva), então, é importante que a gente utilizarum fármaco que possui a capacidade de se concentrar no pulmão. O Brometo de Ipratrópio ou Tiotrópio eles atendem essa característica, porque? Porque em função daquele nitrogênio quaternário, se eles forem administrados por via inalatória, eles chegam até o pulmão e não se distribuem de forma significativa pelo resto do organismo, e, portanto, a gente minimiza os efeitos adversos sistêmicos. Obviamente que a boca seca continuará ocorrendo em função da via de administração. No caso do Ipratrópio e Tiotrópio, nós temos formulações de aerossol, ou seja, a bombinha. Então, o paciente aperta o botão e a dose do fármaco na forma de aerossol é propelida. No caso do ipratrópio existe também na forma de solução para inalação. Então, o paciente usa um nebulizador, ele adiciona as gotas do fármaco ao soro fisiológico e faz depois a inalação. Apesar da via inalatória promover uma alta concentração do fármaco a nível do pulmão, uma grande parcela desse fármaco que está sendo inalado acaba ficando na cavidade oral, ou seja, na boca do paciente. É sempre recomendado lavar a boca e bochechar após o uso da via inalatória. Marianna Matos – EAD 20.2 Mas, uma vez que uma grande parcela desse fármaco se depositou na cavidade orofaríngea é natural que o paciente acabe engolindo parte desse fármaco. Entretanto, como esses fármacos não possuem boa biodisponibilidade por via oral, os efeitos adversos sistêmicos seriam minimizados. Esses fármacos se diferenciam entre si: O ipratrópio possui um início de ação mais rápido, mas em compensação a duração do seu efeito é mais curto. Então, precisa de mais de uma administração ao dia. É mais utilizado no tratamento da asma. O tiotrópio, por sua vez, é usado uma vez ao dia e ele é um fármaco bastante útil no apoio da doença pulmonar obstrutiva crônica. Atropina e Escopolamina (hioscina): A atropina e a escopolamina que foram os primeiros fármacos que foram falados no início da aula, como foi dito, são fármacos neutros. Ou seja, nitrogênio terciário e sem carga. E, portanto, possuem uma boa absorção por todas as vias, inclusive atravessam a barreira hematoencefálica e placentária, em particular a escopolamina. Quais seus usos clínicos? O uso clínico desses fármacos, em geral, baseia-se no uso mais pontual, ou seja, esses fármacos não costumam ser usados para tratamento crônico como a tolterodina que pode ser usada para o tratamento da bexiga hiperativa ou mesmo o tiotrópio no tratamento da DPOC. Um dos principais usos clínicos desses fármacos, principalmente da escopolamina é como antiespasmódico. Existe alguns tipos de dores, como a cólica biliar, cólica intestinal e cólica renal que estão associadas a uma contração muito intensa da musculatura lisa do ducto biliar, do intestino ou dos ureteres. E aí o uso desses fármacos que bloqueiam esses receptores muscarínicos contribui para o relaxamento dessa musculatura lisa, aliviando a dor. Além disso, esses fármacos quando são usados com finalidade antiespasmódica são utilizados em associação com fármacos que tenham finalidade analgésica, como por exemplo: paracetamol, dipirona ou ibuprofeno. Um segundo uso da escopolamina é como anti-diarreico em condições gerais, mas em particular em quadros de diverticulite (processo inflamatório do intestino) e na chamada síndrome do cólon irritável (é uma doença crônica em que paciente possui um desconforto muito grande, além de uma diarreia associada). Então, o bloqueio muscarínico vai aliviar a dor e vai inibir as secreções do TI, diminuindo a motilidade. E tudo isso converge para a redução do desconforto da dor e da diarreia. Nós já vimos o efeito midriático e cicloplegia embora eles tenham essa propriedade, não seriam os fármacos de escolha. E uma outra possibilidade de uso clínico de atropina ou escopolamina, principalmente, é no caso da intoxicação com inibidores da enzima acetilcolinaesterase, como os carbamatos ou organofosforados (substancia utilizadas no controle de pragas em lavouras). No caso da intoxicação com organofosforados ou carbamatos, utilizamos a escopolamina por ser um fármaco que tem uma lipossolubilidade (atravessa mais a barreira hematoencefálica) e vai conseguir então ter uma ampla distribuição e bloquear os receptores muscarínicos de forma sistêmica de forma então, enquanto essas substancias estão inibindo a acetilcolinaesterase não forem totalmente removidas do organismo, aquelas concentrações elevadas de acetilcolina na fenda sináptica serão parcialmente bloqueadas pela presença do antagonista muscarínico. E um último uso clínico é o antiemético (apenas escopolamina). Esse efeito antiemético é explorado no tratamento da labirintite. Marianna Matos – EAD 20.2 Abaixo temos o exemplo de uma cartela onde existe o extrato fluido de Atropa beladona, ou seja, temos em algum grau a presença de atropina associada a dipirona. E como foi dito, é um fármaco com propriedade analgésico. Temos um exemplo de um medicamento que é muito utilizada para condições associadas a cólica (cólica intestinal, cólica biliar, cólica na cavidade abdominal...). Notem que é um medicamento de venda livre, ou seja, o paciente consegue comprar sem apresentação de uma receita médica. E como é uma cartela, não vem com a bula. Portanto, o paciente precisa receber orientação do farmacêutico e saber que se ele for portador de glaucoma ou hiperplasia prostática benigna (também chamada de hipertrofia prostática), ele não deve fazer uso desse tipo de medicamento, nem de qualquer outro medicamento que contém um antagonista muscarínico. Quais são as contra indicações dos antagonistas muscarínicos? Deve-se evitar o uso deles em crianças, porque? Porque as glândulas sudoríparas estão sob controle da sinalização muscarínica. E o bloqueio desses receptores inibe a sudorese, o que pode levar a elevação da temperatura corporal, a uma hipertermia (também conhecida como febre atropínica porque está sendo induzida pelo fármaco e não por uma infecção). Não usar se tiver glaucoma, porque o bloqueio do receptor muscarínico vai diminuir a drenagem do humor aquoso. Então, vai impedir a ação do fármaco que está sendo utilizado para tratar o glaucoma e pode precipitar no paciente uma crise, fazendo com que o paciente tenha que procurar uma emergência médica para receber o tratamento. No caso de hiperplasia prostática benigna, a próstata quando aumenta de tamanho obstrui a uretra e com isso, dificulta o esvaziamento da bexiga. Se o paciente tem hiperplasia prostática benigna usar um antagonista muscarínico de forma prolongada, a bexiga vai ficar relaxada e a próstata obstruindo a uretra, como consequência esse paciente pode apresentar uma crise de retenção urinária aguda que é um quadro que requer a ida ao hospital para colocar uma sonda, a fim de esvaziar a bexiga. Caso o paciente tenha retenção urinária de qualquer natureza (não só pela hiperplasia prostática benigna) ou constipação intestinal, também não deve usar antagonistas muscarínicos. Porque essas situações serão agravadas. Da mesma forma, se ele já tem xerostomia, ou seja, se a secreção salivar já está comprometida (seja porque é um paciente que tem uma doença autoimune – a síndrome de Sjögren, seja por ser um paciente oncológico que fez radioterapia e como sequela ficou com a xerostomia). O antagonista muscarínico vai agravar muito essa situação. Na gravidez e na lactação porque os fármacos atravessam a placenta e são secretados no leite. E também tem que se ter atenção com os idosos porque antagonistas muscarínicos que atravessam a barreira hematoencefálica vão prejudicar a consolidação da memória recente. Então, farão com que esse paciente idoso fique mais esquecido, podendo até mesmo ficar desorientado. Quais são os efeitos adversos ? Os efeitos adversos são todos relacionados as ações dos receptores muscarínicos que estarão bloqueadas. Então: Boca seca, constipação intestinal, retenção urináriae visão turva (chamam mais atenção de modo geral). A redução da sudorese pode causar hipertermia, mas isso é mais comum em crianças. Midríase vai causar a foto sensibilidade e a acomodação da lente fica bloqueada, que vai caracterizar a visão turva. Agitação psicomotora Marianna Matos – EAD 20.2 Bom, essas características de bloqueio muscarínico que causam boca seca, visão turva, constipação intestinal e retenção urinária também estão presentes em fármacos de outras classes farmacológicas, como por exemplo: antidepressivos tricíclicos, anti-histamínicos de 1ª geração. Por que? Porque esses fármacos atuam também nos receptores muscarínicos. Então, eles são fármacos relativamente promíscuos, que além de bloquearem receptores histaminérgicos do tipo H1 e portanto, através desse bloqueio exercerem o seu efeito antialérgico, porém, de forma inespecífica eles também tem afinidade pelos receptores muscarínicos e acabam causando esses efeitos adversos. Então, sempre que virmos um paciente relatando boca seca, visão turva, constipação intestinal e retenção urinária, isso são indícios de que o paciente está usando ou um antagonista muscarínico ou um fármaco que também causa bloqueio muscarínico de forma inespecífica. E no caso de um paciente que chega ao hospital com uma intoxicação com antagonista muscarínico, como por exemplo, a atropina? Que tipo de sinais esse paciente vai apresentar que vai facilitar a equipe médica a identificar o tipo de intoxicação? Uma característica extremamente importante é a midríase (pupila dilatada). E isso vai estar acompanhado da visão turva, ou seja, o paciente tem dificuldade de focar nos objetos para perto. Além disso, esse paciente também vai estar apresentando boca seca, retenção urinária, taquicardia e se o médico auscultar o abdômen desse paciente, ele não vai ouvir os sons característicos da motilidade do TGI, porque? Porque toda essa musculatura lisa intestinal está relaxada. Além disso, esse paciente pode estar com a temperatura um pouco mais alta. Isso vai dar um certo rubor na sua face e ele pode apresentar em pessoas mais suscetíveis, a confusão mental (muito comum no idoso). Então, feito o diagnóstico correto de intoxicação por atropina ou escopolamina, qual será o tratamento? Um inibidor da enzima acetilcolinesterase. E o fármaco que poderia ser utilizada é a fisiostigmina, porque? Porque é um inibidor da enzima acetilcolinesterase e não tem carga. E, portanto, ela tem uma distribuição tecidual, podendo inclusive chegar ao SNC, atravessar a barreira hematoencefálica e promover a reversão do bloqueio muscarínico a nível de SNC. PARTE VI BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES (BNM) Agora iremos para a última parte da aula que será a parte que trata dos bloqueadores neuromusculares (BNM). Por definição, bloqueadores neuromusculares irão bloquear a neurotransmissão colinérgica ao nível da placa motora. E em farmacologia esse capítulo de bloqueadores neuromusculares tem uma importância bastante grande porque os estudos começaram há muito tempo e podemos observar que ainda no século XIX já havia interesse em caracterizar como se dava a inervação da musculatura esquelética e o funcionamento daquela capacidade de contração voluntária da musculatura esquelética. Então, o fisiologista Claude Bernard em 1856 começou a estudar e a demonstrar essas terminações nervosas no músculo esquelético que posteriormente foi caracterizado por Langley (1906) e então definiu como placa motora. E o que essa estrutura se relaciona com a farmacologia dos bloqueadores neuromusculares? Nessa época, havia grande interesse em estudar a ação farmacológica de um extrato que era usado por índios da América do Sul para embeber as flechas e realizar a caça dos animais. E através do estudo desse composto que foi chamado de curare, foi identificado posteriormente uma substância chamada de tubocurarina, que foi então o primeiro fármaco bloqueador neuromuscular. O que chamou atenção na época, uma vez que os animais fossem atingidos por essa flecha embebidas no curare, os animais logo perdiam a capacidade de fugir. Eles estavam vivos, mas não tinham capacidade fugir, ou seja, a musculatura esquelética deles parava de funcionar. Em seguida, veio a descoberta da tubocurarina com o antagonista dos receptores nicotínicos na placa motora. E na década seguinte, ela começou a ser utilizada clinicamente na anestesiologia. Marianna Matos – EAD 20.2 Acoplamento excitação-contração no músculo esquelético: Antes de nos vermos como a tubocurarina vai atuar, vamos relembrar aquele conceito de acoplamento excitação-contração no músculo esquelético: Então aqui a esquerda, temos os motoneurônios (em laranja) que são as fibras que vão liberar o neurotransmissor acetilcolina, e em lilás temos os feixes de fibras musculares que expressam os receptores nicotínicos na placa motora. Quando a acetilcolina é liberada, ela vai interagir com o receptor nicotínico na placa motora, promover o influxo de sódio e, portanto, vai haver a despolarização dessa região da placa motora. Essa depolarização localizada da placa motora é chamada de potencial de placa motora. E essa despolarização inicial é necessária para a ativação posterior dos canais de Na+ voltagem dependente, ou seja, primeiramente tem-se ativação do receptor nicotínico que permite a entrada de sódio causa o potencial de placa motora e esse potencial que é caracterizado por uma despolarização na região da placa motora vai agora ativar canais de Na+ voltagem dependentes que vão então permitir o influxo de sódio na fibra muscular, promovendo o potencial de ação muscular. E esse potencial de ação muscular vai ativar canais de Ca+2 voltagem dependente permitindo a entrada de cálcio na célula muscular esquelética e também a mobilização de cálcio a partir do retículo sarcoplasmático. E com isso, quando nós o aumento do cálcio intracelular, ocorre a interação das proteínas contráteis e a gente tem a contração da musculatura esquelética. De forma então que a cada potencial de ação muscular vai corresponder a uma contração muscular. E se esse potencial de ação é repetido e sustentado, a contração muscular também é repetida e sustentada. Se eu quiser impedir essa contração muscular, uma das estratégias farmacológicas é bloquear esse receptor nicotínico. Porque ele se estiver bloqueado, eu não tenho aquela primeira despolarização que foi o gatilho para todo o fenômeno. Sem o potencial de placa motora, eu não tenho o potencial de ação muscular e assim, não tem contração muscular. Logo, esse musculo relaxa. BNM – Bloqueio competitivo A tubocurarina que foi o primeiro fármaco usado clinicamente é um antagonista competitivo e de ação reversível. A tubocurarina quando se liga no receptor nicotínico, ela impede que a acetilcolina se ligue e com isso, não há a abertura do canal. Não havendo a abertura do canal, não tem o influxo de sódio. Logo, eu não tenho potencial de placa motora que é tão importante como já foi visto anteriormente. A tubocurarina pertence à classe das Benzilisoquinolínas. Notem que é uma estrutura grande, rígida e que apresenta como uma característica a presença de dois nitrogênios quaternários. Na verdade, todo fármaco que vai atuar no receptor nicotínico da placa motora, se tiver esse nitrogênio quaternário, ele será mais potente. Um outro fármaco também pertence à classe dos bloqueados neuromusculares que promovem o efeito competitivo de natureza reversível é o Pancurônio. Que possui uma característica esteroidal, mais especificamente amônio esteroidal. Note que também possui a presença desse nitrogênio quaternário. Marianna Matos – EAD 20.2 Receptores Nicotínicos Bom, uma segunda forma de fazer o bloqueio da neurotransmissão colinérgica é de alguma fazer com que esse receptor nicotínico se torne inativo ou refratário. E a figura a seguir vai nos ajudar a relembrar a característica de todo canal iônico.Ele existe na sua forma de repouso e pode ser ativada e assim, ele se torna condutor (conduz o íon ao qual esse canal é permeável no caso aqui é o Na e Ca2+) e depois, ainda com a ligação do agonista, ele se torna refratário ou dessensibilizado (e aí, ele para de conduzir os íons aos quais ele é permeável). No caso do receptor nicotínico, a ligação da acetilcolina desloca esse receptor para o estado aberto/condutor e posteriormente, o receptor vai para o seu estado dessensibilizado. Em seguida, a acetilcolina se dissocia, é degradada pela enzima acetilcolinesterase e nesse tempo, o receptor volta ao seu estado de repouso, pronto para uma próxima ativação/contração muscular. Se tiver um fármaco que se ligue ao receptor e “congele” esse receptor por mais tempo no estado refratário/dessensibilizado, a neurotransmissão é bloqueada. Então, esse fármaco é a succinilcolina. Esse fármaco é um éster de colina, possui também nitrogênio quaternário. E aí A succinilcolina quando se liga ao receptor nicotínico, ela promove inicialmente a abertura do canal e a excitação do tecido. Entretanto, em seguida o receptor vai para o seu estado dessensibilizado e permanece nesse estado porque a dissociação da succinilcolina do receptor é mais lenta. E a succinilcolina também não é substrato da enzima acetilcolinesterase. Então, succinilcolina tem como uma forma de agir: Causa uma despolarização e até o músculo sofre algumas contrações. E posteriormente, esse músculo relaxa. Esse relaxamento irá persistir enquanto o receptor estiver dessensibilizador. Pela natureza desse bloqueio da succinilcolina, ele é chamado de bloqueio despolarizante. Enquanto que o bloqueio feito por tubocurarina, atracúrio ou pancurônio é chamado de não-despolarizante. Cada fármaco terá uma vantagem e uma desvantagem. Marianna Matos – EAD 20.2 Succinilcolina → A principal vantagem da succinilcolina é o seu início rápido de ação e a sua duração curta. Ou seja, todos os fármacos são administrados por via parenteral, por via intravenosa. E uma vez que a infusão seja suspensa, a succinilcolina é rapidamente hidrolisada pelas colinesterases plasmáticas e aquele bloqueio neuromuscular é revertido. Isso é importante porque?! Como o receptor nicotínico presente na placa motora está presente em todos os músculos esqueléticos no nosso organismo (inclusive na musculatura diafragmática), nós temos que ter um bloqueio neuromuscular apenas para o tempo necessário para o procedimento médico. Porque de outra forma, podemos comprometer a capacidade respiratória desse paciente. → E a principal desvantagem é a possibilidade de liberar histamina. E em alguns pacientes isso causa um quadro caracterizado pela queda de pressão arterial, broncoespasmo, um quadro que se assemelha ao choque anafilático. Tubocurarina A tubocurarina já não é mais um fármaco de primeira linha e os outros antagonistas não despolarizantes usados clinicamente seriam: → Atracúrio: É uma BIQ (benzilisoquinolínicos) e tem uma duração de ação intermediária, sendo também hidrolisado pela colinesterase plasmática. → Pancurônio: É um AE (amônio esteroidal) que tem uma duração de ação bastante longa, o que é uma desvantagem. Mas tem como vantagem o fator de ser eliminado apenas por via renal (não depende de metabolização hepática). Em alguns pacientes com cirrose hepática, a atividade da colinesterase plasmática está diminuída. Então, o tempo de meia vida dos fármacos estaria elevado. Por outro lado, o pancurônio tem outra desvantagem que é o bloqueio muscarínico M2 que pode causar taquicardia. Esses fármacos são fármacos de uso restrito no ambiente hospitalar. De forma que muitos farmacêuticos, dependendo da área de atuação, nunca terão contato. Quais os usos clínicos? O uso clínico deles é restrito a anestesia cirúrgica, e portanto, a aplicação é feita por anestesistas. E eles serão usados para induzir o relaxamento da musculatura esquelética que pode ser importante por exemplo: Intubação, broncoscopia e também em alguns procedimentos ortopédicos, algumas cirurgias de abdômen aberto. Quais os efeitos adversos? → Hipotensão → Hipersensibilidade e broncoespasmo - pela liberação de histamina no caso da succinilcolina → Taquicardia – Pelo bloqueio de M2, no caso do pancurônio. Reversão do efeito No caso dos agentes não despolarizantes, eles tem uma vantagem, que eles podem ter o seu efeito farmacológico revertido através do uso de anticolinesterásicos. Porque ao bloquear a enzima acetilcolinesterase, aumenta acetilcolina na fenda e ela vai reverter o bloqueio. Então, mesmo o pancurônio que tem um tempo de ação longo, o seu efeito poderia ser revertido através de uma modulação farmacológica com associação dos agentes anticolinesterásicos. Mas sempre que possível, é melhor usar um fármaco de ação mais curta. E uma outra forma de reverter o bloqueio é através do uso de resina, como sugammadex, no caso para fármacos de natureza amônio esteroidal. Marianna Matos – EAD 20.2 Para estudar: 1) Diferencie antagonistas muscarínicos e nicotínicos musculares 2) Quais são os principais antagonistas muscarínicos? 3) Quais são as suas propriedades farmacológicas (secreção salivar, glândula sudorípara, sistema cardiovascular, olho, pulmão, trato gastrointestinal e bexiga)? 4) Qual papel da ACh na placa motora? Qual receptor? 5) Qual é o efeito de um antagonista nicotínico na placa motora? 6) Como tratar a intoxicação com antagonista muscarínico?
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