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Linguística Textual Florianópolis - 2012 Rosângela Hammes Rodrigues Marcos Antonio Rocha Baltar Nívea Rohling da Silva Vidomar Silva Filho 4º Período Governo Federal Presidência da República Ministério de Educação Secretaria de Ensino a Distância Coordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal de Santa Catarina Reitor: Alvaro Toubes Prata Vice-Reitor: Carlos Alberto Justo da Silva Secretário de Educação a Distância: Cícero Barbosa Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Yara Maria Rauh Müller Pró-Reitora de Pesquisa e Extensão: Débora Peres Menezes Pró-Reitor de Pós-Graduação: Maria Lúcia de Barros Camargo Pró-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da Silva Pró-Reitor de Infra-Estrutura: João Batista Furtuoso Pró-Reitor de Assuntos Estudantis: Cláudio José Amante Centro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a Distância Diretor Unidade de Ensino: Felício Wessling Margotti Chefe do Departamento: Izete Lehmkuhl Coelho Coordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Sandra Quarezemin Coordenador de Tutoria: Renato Basso e Cristiane Lazzarotto-Volcão Comissão Editorial Cristiane Lazzarotto-Volcão Silvia Coneglian Tânia Regina de Oliveira Ramos Equipe de Desenvolvimento de Materiais Produção Gráfica e Hipermídia Design Gráfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine Suzuki Coordenação: Thiago Rocha Oliveira, Laura Martins Rodrigues Adaptação do Projeto Gráfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha Oliveira Diagramação: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon Capa: Raquel Darelli Michelon Tratamento de Imagem: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon Design Instrucional Supervisão do Design Instrucional: Ane Girondi Designer gráficos: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon Designer Instrucional: Daiana da Rosa Acordi Copyright © 2010, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSC Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena- ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância. Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina. Catalogação na fonte elaborada pela DECTI da Biblioteca Central da UFSC L755 Linguística textual : 4º período / Rosângela Hammes Rodrigues ... [et al.]. – Florianópolis : UFSC/LLV/CCE, 2012. 192 p. Inclui bibliografia UFSC. Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância ISBN 978-85-61482-51-0 1. Linguística. 2. Análise do discurso. 3. Ensino a distância. I. Rodrigues, Rosângela Hammes CDU: 801 Sumário Unidade A - Trajetória e objeto(s) de pesquisa ....................... 9 1 Panorama histórico da Linguística Textual .........................................11 2 Concepções de texto .................................................................................19 Unidade B - O texto na ótica dos estudos da textualidade ........................................................27 3 Noções gerais ................................................................................................29 4 Coesão textual ...............................................................................................39 5 Coerência ........................................................................................................55 5.1 Elementos linguísticos ....................................................................................56 5.2 Conhecimento de mundo .............................................................................58 5.3 Inferências ..........................................................................................................61 5.4 Focalização ..........................................................................................................64 5.5 Relevância ............................................................................................................68 6 Intencionalidade e aceitabilidade ..........................................................75 7 Informatividade ............................................................................................83 8 Situacionalidade ...........................................................................................93 9 Intertextualidade .........................................................................................99 Unidade C - O texto na ótica dos estudos da enunciação ....................................................... 113 10 Texto, gênero, discurso: três conceitos indissociáveis ............... 115 11 Texto, hipertexto, hiperlink, novas formas de interação ......... 125 12 Multimodalidade ....................................................................................131 13 Referenciação ...........................................................................................141 Unidade D - O texto na sala de aula ...................................... 165 14 O texto nas aulas de Língua Portuguesa .........................................167 15 O que é texto para o aluno? ................................................................175 Considerações Finais .....................................................................................185 Referências ......................................................................................................187 Apresentação C aro aluno,Apresentamos a você o livro da disciplina Linguística Textual, que faz parte do conjunto de disciplinas da quarto período do Curso de Licenciatura em Letras – Português na modalidade a distância. Este livro tem por objetivo abordar o histórico dos estudos da Linguís- tica Textual e, principalmente, as diferentes noções de texto e conceitos correlatos, conhecimentos que julgamos importantes para a formação do professor. Além disso, objetiva discutir a questão do texto na disciplina escolar Língua Portuguesa. Para dar conta do objetivo proposto, o livro está organizado em quatro unidades. Na Unidade A, apresentamos um breve panorama histórico da Linguística Textual e discutimos as concep- ções de texto que foram construídas durante o percurso de consolidação dessa área e que fizeram com que a disciplina fosse adotando, em sua tra- jetória, um caráter dinâmico e multidisciplinar. Na Unidade B, aborda- mos a noção de texto a partir dos estudos da textualidade: apresentamos o conceito de texto nessa perspectiva teórica, o conceito de textualidade e desenvolvemos os princípios de textualidade. A partir dessa Unidade, incluímos, ao final das seções, uma orientação mais específica para a formação do professor, a qual relaciona os con- ceitos teóricos abordados com a prática de ensino e aprendizagem dos conteúdos na disciplina Língua Portuguesa. Na Unidade C, apresentamos o conceito de texto a partir dos estudos atuais da Linguística Textual e de áreas afins que também tomam o texto como objeto de estudo. Discutire- mos a noção de texto na perspectiva dos estudos do discurso, dos gêne- ros do discurso/textuais, do hipertexto e da multimodalidade (vertente enunciativa dos estudos do texto). Além disso, discutiremos a noção de referenciação no texto (vertente sociocognitiva dos estudos do texto). E, por fim, na Unidade D, relacionamos mais especificamente o estudo teó- rico do texto com o ensino e aprendizagem das práticas de leitura, escuta e produção textual nas aulas de Língua Portuguesa. Nosso objetivo final é que este livro seja um meio eficaz para introduzir os con- ceitos fundantes desse importante campo de estudo que é a Linguística Textual,Dell Destacar bem como demonstrar a articulação desses conceitos com o ensino e aprendi- zagem das práticas de linguagema na disciplina escolar Língua Portuguesa. Rosângela Hammes Rodrigues Marcos Antonio Rocha Baltar Nívea Rohling da Silva Vidomar Silva Filho Unidade A Trajetória e objeto(s) de pesquisa Duas jovens lendo. Pablo Picasso, 1934. Nesta Unidade, vamos apresentar uma introdução aos estudos da disciplina Linguística Textual. Ao final do estudo desta Unidade esperamos que você seja capaz de: Ӳ Conhecer a trajetória da Linguística Textual; Ӳ Conhecer as diferentes concepções de texto, sujeito e língua que nortearam a pesquisa nessa disciplina; Ӳ Refletir criticamente sobre as implicações teórico-metodológi- cas das diferentes concepções de texto nas práticas de lingua- gem em sala de aula. Para atingir os objetivos propostos, dividimos a Unidade em dois capítulos: no primeiro, apresentaremos o histórico da disciplina; no se- gundo, abordaremos o objeto da Linguística Textual, por meio da discus- são dos conceitos de texto que se constituíram nessa disciplina. Capítulo 01Panorama histórico da Linguística Textual 11 1 Panorama histórico da Linguística Textual O texto foi e é objeto de investigação de diferentes disciplinas te- óricas. Podemos observar que, no campo dos estudos da linguagem, a primeira disciplina a se ocupar do texto foi a Retórica, seguida da Esti- lística e da Filologia. Também se ocupam do texto disciplinas de outros campos do conhecimento, como a Teoria Literária, a Antropologia, a Sociologia etc. Neste livro, vamos abordar o estudo do texto no cam- po da Linguística e, em especial, em uma dada disciplina, a Linguística Textual. É preciso ressaltar que embora todas essas disciplinas de algum modo partam do texto como unidade da interação humana, ou tomem o próprio texto como objeto de investigação, elas constroem objetos te- óricos distintos. Por isso, Marcuschi, no livro pioneiro de Linguística Textual no Brasil, destaca que a Linguística Textual não é Teoria da Li- teratura, nem Estilística, nem Retórica, embora reconheça o parentesco entre essas disciplinas. Para o autor, a Linguística Textual constitui-se como uma linha de investigação interdisciplinar dentro da Linguística. Até os anos sessenta do século vinte, no campo da Linguística, com a primazia dos estudos imanentes da língua, as unidades de análise foram o fonema, o morfema, a palavra, a oração; enfim, as unidades da língua vista na sua condição de sistema e de estrutura. O interesse pelo estudo do texto nesse campo surge somente a partir do final da década de sessenta, quan- do começam a aparecer novas pesquisas, cujo objetivo era olhar o texto não por meio da ampliação e/ou alteração das teorias já existentes, calca- das nos estudos imanentes da língua, mas por meio uma nova teorização, construída a partir do estudo do texto. Essa nova posição desenvolveu-se especialmente na Europa continental, principalmente na Alemanha. “Em linguística estrutural [...], chama-se imanente toda pesquisa que define as estruturas de seu objeto apenas pelas relações dos termos interiores deste.” (DUBOIS et al, 1993 [1973], p. 331, grifo do autor). Linguística de Texto: o que é e como se faz (1983). Dell Destacar Dell Destacar Linguística Textual 12 Por exemplo, a estrutura fonológica de uma língua é definida pe- las oposições dos fonemas entre si, sem levar em conta a realização concreta da fala e os participantes da interação. Em síntese, os estu- dos imanentes da língua são aqueles que olham a língua como es- trutura, abstraída das condições de uso, focalizando a relação entre elementos dessa estrutura. Segundo Bernárdez (1982), a linguística do texto como tal aparece pela primeira vez na segunda metade dos anos sessenta, em vários tra- balhos, mas independentes entre si: Das direkte Objekt in Spanischen, de Horst Isenberg; Pronomina und Textkonstitution, de Roland Harweg; e Semantische Relationen im Text und im System, de Erhard Agicola. Tam- bém nessa época, mais especificamente em 1966, é publicado o livro Linguistik der Luge, de autoria do alemão Harald Weinrich. Já a primeira aparição do termo linguística do texto, de acordo com Bernárdez (1982), ocorreu um pouco antes, em 1956, no texto Determinación Y entorno, de Eugenio Coseriu. Nesse texto precursor, o autor discute a necessida- de de se realizar também uma linguística da parole, dado que a linguís- tica da langue já se encontrava constituída nos estudos linguísticos. E salienta que o produto da fala (parole) é o texto; logo, havia essa neces- sidade de uma linguística do texto. Ainda segundo Bernárdez (1982), as idéias de Coseriu não encontraram continuidade imediata, pois os estudos iniciais do texto (o que se denominou como a primeira fase da Linguística Textual) não buscaram estudar o texto como produto da fala, ou seja, como produto de uma atividade linguística concreta dos falantes, mas, antes, explicar fenômenos sintáticos e semânticos que não podiam ser descritos adequadamente no nível da oração, como a co-referencialidade. A co-referencialidade ocorre quando, no texto, dois itens lexicais têm uma identidade referencial, ou seja, referem-se ao mesmo ob- jeto no mundo. Vejamos um exemplo: Eugenio Coseriu O autor se refere à parole na dicotomia saussuria- na do signo linguístico: langue/parole. Podemos observar que o autor discute o paradigma epis- temológico vigente da Linguística da época, que tomava como objeto de estudo a langue (língua como estrutura). De fato, o conceito de texto de Coseriu se apro- xima mais das concep- ções contemporâneas de texto. Dell Destacar Dell Destacar Dell Destacar Capítulo 01Panorama histórico da Linguística Textual 13 Por essas diferenças teóricas iniciais da Linguística Textual, autores como Fávero e Koch (1988 [1983]) consideram que embora a origem do termo linguística do texto seja da obra de Coseriu, o uso desse termo no sentido que lhe foi atribuído nos estudos iniciais do texto aparece pela primeira vez na obra Linguistik der Luge, de autoria de H. Weinrich. Assim, desde suas origens, a Linguística Textual propõe que se tome o texto como objeto de estudo (embora com enfoques diversos, como veremos a seguir, o que determina diferentes concepções teóricas do que seja um texto). Objetiva ainda que se reintroduzam nos estudos da linguagem o sujeito e a situação de interação, que, grosso modo, foram excluídos das pesquisas da linguística estrutural. De acordo com Fávero e Koch (1988[1983], p. 11), essa disciplina busca “tomar como unidade básica, ou seja, como objeto particular de investigação, não mais palavra ou a frase, mas sim o texto, por serem os textos a forma específica da manifestação da linguagem”. No Brasil, os estudos com enfoque no texto surgem na década de 1970 e têm forte inspiração em estudos de autores europeus: Weinrich; Beaugrande e Dressler, entre outros, da Alemanha; Van Dijk, da Holanda; Charolles, Combettes e Adam , da França; e Halliday e Hasan, da Inglater- ra. Todavia, é a partir da primeira metade da década de oitenta que há uma efervescência de pesquisas com foco nesse ramo da ciência linguística. Isso se deve, em grande parte, aos trabalhos dos pesquisadores Ingedore Villaça Koch, Leonor Lopes Fávero, Luiz Antônio Marcuschi, entre outros. Segundo pesquisadores da área, no seu processo de constituição, a Linguística Textual passou por três momentos distintos – que marcam O Presidente Lula sobrevoou as cidades catarinenses afetadas pela enchente. Ele ficou sensibilizado com a situação. O pronome anafórico Ele retoma o antecedente O Presidente Lula. A anáfora e o antecedente são co-referenciais, o que equivale a dizer que há uma identidade referencial entre anáfora e antecedente. Dell Destacar Dell Destacar Dell Destacar Linguística Textual 14 a ampliação do seu objeto de análise (da análise transfrástica para o es- tudo do textonas suas condições de produção) e seu afastamento pro- gressivo teórico e metodológico das influências da linguística estrutural: a) a análise transfrástica; b) a construção de gramáticas textuais; c) a construção de teorias de texto. É importante destacar que não há consenso entre os autores se hou- ve uma cronologia na passagem de um momento para outro. Por exem- plo, Conte (apud FÁVERO e KOCH, 1988) salienta que se trata antes de uma distinção tipológica, pois entre esses momentos não houve suces- são temporal, mas diferentes desenvolvimentos teóricos. De todo modo, há consenso entre os autores de que houve uma progressiva passagem de uma teoria da frase para uma teoria de texto. A seguir, apresentare- mos breve síntese desses três momentos da Linguística Textual. Ӳ Análise transfrástica – Trata-se do momento da análise das re- gularidades que transcendem os limites da frase; parte-se desta em direção ao texto. Segundo Fávero e Koch (1988), o enfoque é o estudo das relações que podem ocorrer entre as diversas frases que compõem uma sequência significativa no texto. Nes- se estudo, destacam-se as relações referenciais, em particular a co-referência, que é compreendida como um dos principais elementos de coesão textual. Ӳ Gramáticas textuais – É o momento que tem como finalidade refletir sobre os fenômenos linguísticos inexplicáveis por meio de uma gramática da frase. A elaboração de gramáticas textuais objetiva: a) verificar o que faz com que um texto seja um texto, isto é, determinar seus princípios de constituição; b) levantar critérios para a delimitação de textos; e c) diferenciar os tipos de texto (FÁVERO; KOCH, 1988). Embora nesse momento houvesse a busca pela construção do texto como objeto da Lin- A coesão textual será discutida na Unidade B. Dell Destacar Dell Destacar Capítulo 01Panorama histórico da Linguística Textual 15 guística, a sua compreensão ainda se pautava em grande medi- da nos preceitos da linguística imanente. Por exemplo, postular a construção de gramáticas do texto pressupõe a existência de um sistema estável e abstrato, comum a todos os textos reali- zados. Ӳ Teorias de texto – Nesse momento, a tendência dominante é cons- truir teorias de texto que privilegiem os aspectos pragmáticos. As- sim, a investigação se estende do texto ao contexto, compreendido como as condições externas de produção e recepção (interpreta- ção) dos textos. Foi a partir da década de oitenta do século XX que o foco se vol- tou para o estudo do texto inserido no contexto pragmático; em outras palavras, começou a ser de interesse da Linguística Textual a análise dos textos nas condições de interação. Isso levou os estudiosos da área a adotar em suas pesquisas o conceito de textualidade, em que está imbri- cado um conjunto de princípios que contribuem para a construção e a legibilidade do texto. Analisando o percurso da Linguística Textual por meio de seus di- ferentes momentos, podemos observar que mesmo objetivando, desde as origens, construir um estudo do texto alternativo às teorias imanen- tes da língua, pelo menos nas fases iniciais esse estudo ainda se realizou abstraído das condições de produção do texto e dos participantes da interação; ou seja, também o texto foi analisado de um modo bastante imanente. Atualmente, os estudiosos da área têm se dividido em dois grandes focos teóricos a partir dos quais olham o texto: o da cognição e o da enunciação. Analisando o percurso da disciplina, observamos que de uma abordagem do texto centrado mais na imanência, no produto e na construção de uma teoria geral do texto, a Linguística Textual, hoje, busca analisar o texto nas suas condições de produção, a partir de duas visadas: de uma parte, como o sujeito se apropria dos conhecimentos textuais e como os ativa na interação (foco da cognição); de outra, como “O aspecto pragmático da linguagem concerne às características de sua utilização (motivações psicológicas dos falantes, reações dos interlocutores [...].” (DUBOIS, 1993 [1973], p. 480). A textualidade e os princí- pios de textualidade serão abordados na Unidade B. Dell Destacar Élida Marinho Destacar Dell Destacar Élida Marinho Destacar Linguística Textual 16 as questões de ordem social e discursiva interferem nos processos inte- racionais e, logo, nos processos de produção e interpretação de textos (foco da enunciação). De acordo com Koch (2004), na vertente cognitiva, a partir da dé- cada de oitenta, inicia-se o interesse pelo processamento cognitivo do texto, especialmente a partir dos estudos de Teun A. van Dijk e Walter Kintsch. Essa vertente intensifica-se na década de noventa, porém, ago- ra, com forte apelo sociocognitivo. Nos estudos cognitivos da década de oitenta, as pesquisas centram-se nas questões relativas ao processa- mento cognitivo do texto (o que implica a consideração da produção e compreensão do texto); às formas de representação do conhecimento na memória; à ativação dos sistemas cognitivos por ocasião do proces- samento; às estratégias sociocognitivas e interacionais imbricadas no processamento textual (KOCH, 2002). Por outro lado, as pesquisas de ordem sociocognitiva abordam os processos de referenciação e de infe- renciação no texto, ressignificando os estudos da coesão textual. Já na vertente enunciativa (com sua interface nos estudos do discur- so, uma vez que ela se constitui a partir do diálogo com as diversas áreas de estudo do discurso, especialmente aquelas que se baseiam nos estu- dos do Círculo de Bakhtin, e com os estudos da Linguística Aplicada), as pesquisas têm abordado questões de ordem interacional, tendo como base a situação social de interação imediata e ampla em que ocorrem a produção e a recepção (leitura, escuta) dos textos. Nesses estudos, essa situação de interação é vista como parte do texto, ou seja, ela é constitu- tiva dos processos de produção e recepção dos textos, da mesma forma que há a compreensão de que sem os textos não há interação, uma vez que o texto (visto na condição de enunciado) é a materialização dos processos interacionais. Nessa vertente são objetos de interesse de pes- quisa a relação entre oralidade e escrita; a relação entre discurso e texto; o papel dos gêneros do discurso/textuais na constituição e compreensão dos textos; e, com a convergência das novas tecnologias e das diferentes semioses, o texto visto a partir da noção de hipertexto e construído por meio de diferentes processos semióticos. Como podemos observar, essa vertente se constitui na relação interdisciplinar com outras áreas Ver Unidade C . Vicnte Neto Destacar Capítulo 01Panorama histórico da Linguística Textual 17 do conhecimento, como Linguística Aplicada e Análise de discurso (de modo particular a análise dialógica do discurso, os estudos dos gêneros do discurso/textuais e a análise crítica do discurso). “Círculo de Bakhtin é a denominação atribuída pelos pesquisadores ao grupo de intelectuais russos que se reunia regularmente no perío- do de 1919 e 1929, dentre os quais fizeram parte Bakhtin, Voloshinov e Medvedev. Bakhtin faleceu em 1975, Voloshinov, na década de vinte e Medvedev, provavelmente, na década de quarenta.” (RODRIGUES, 2005, p. 152). A opção pelo nome de Bakhtin para se referir ao grupo deve-se, provavelmente, à autoria de algumas obras de Voloshinov e Medvedev, atribuídas também a Bakhtin por alguns estudiosos, e pelo fato de a maioria dos textos do Círculo ser de autoria de Bakhtin. É desse grupo de estudiosos que se desenvolve a concepção de lin- guagem como interação. Os livros mais conhecidos no Brasil são Mar- xismo e filosofia da linguagem (VOLOCHINOV), Estética da criação verbal (BAKHTIN) e Questões de literatura e estética (BAKHTIN). Analisando essas duas grandes vertentes atuais de estudo da Lin- guística Textual e a interface da Linguística Textual com os estudos no campo do discurso e da Linguística Aplicada, ousamos afirmar que podemos considerarque a Linguística Textual hoje se encontra em um quarto momento: o estudo do texto considerando como constitutivos os elementos da interação (situação social de interação e interlocuto- res). Se nas décadas anteriores o texto era visto abstraído da situação de interação, ou a situação de interação era vista como um elemento a se considerar nos estudos do texto (daí a origem dos conceitos de co-texto e contexto), hoje ela é um elemento fundante: o texto como tal (texto- -enunciado) só existe na interação. A partir desse breve olhar para a trajetória da Linguística Textual, observamos que ela vem se consolidando como uma disciplina multi- disciplinar, dinâmica e funcional. Segundo Koch (2002), inicialmente era uma disciplina de inclinação gramatical (análise transfrástica), de- A Unidade C será destina- da a esses estudos. Dell Destacar Dell Destacar Dell Destacar Linguística Textual 18 pois pragmático-discursiva e, atualmente, tornou-se um campo de forte tendência sociocognitiva. Acrescentamos a essa observação da autora a atual tendência enunciativa da área, com forte apelo aos estudos discur- sivos do texto. Entendemos que o caráter multifacetado e complexo do texto é, de certa maneira, resultado desse objeto completo que é o texto e é responsável pelos rumos que a Linguística Textual tem tomado como campo de estudo, configurando-a como um campo transdisciplinar e que intensifica cada vez mais seu diálogo com as demais ciências. Neste Capítulo, apresentamos o panorama histórico da Linguística Textual. No próximo Capítulo, apresentaremos as principais concep- ções de texto desenvolvidas nessa Disciplina. Concepções de texto 19 Capítulo 02 2 Concepções de texto Embora tenhamos uma noção intuitiva do que seja um texto, que saibamos que não se interage do mesmo modo e nem com a mesma finalidade em uma consulta médica, uma conversa de bar, ou diante de um romance, de um e-mail de um amigo, de uma bula de remédio, de um boleto bancário, de uma charge etc., construir uma definição teórica do que seja um texto depende de uma série de fatores, como, por exem- plo, o próprio desenvolvimento teórico da disciplina e a concepção de língua e de sujeito que se tenha como fundamento teórico. Neste Capítulo, vamos abordar algumas concepções de texto cons- truídas pela Linguística Textual, pois a noção do que seja um texto so- freu mudanças acentuadas nos estudos dessa disciplina, resultado dos fatores anteriormente indicados: o próprio desenvolvimento teórico da disciplina e a concepção de língua e de sujeito. Primeiramente, vamos apresentar as concepções de texto dos diferentes momentos da Linguís- tica Textual. Em seguida, vamos cotejar essas concepções e relacioná-las com as noções de língua e de sujeito que as sustentam. Durante os períodos da análise transfrástica e da elaboração das gramáticas textuais, época em que emergiram com muita força as pes- quisas de sintaxe gerativa, o texto foi concebido, de modo geral, como conjunto de sequências linguísticas. De acordo com Fávero e Koch (1988 [1983]), nessa fase, os conceitos mais recorrentes de texto foram: frase complexa; signo linguístico primário e global; cadeia de pronominali- zações ininterruptas; unidade superior à frase; sequência coerente de enunciados. As propriedades organizadoras da definição de texto desse primeiro momento, segundo Bentes (2001), estavam expressas na forma de organização do material linguístico. Desse período, o conceito de texto mais difundido no Brasil é o que relaciona o conceito de texto de Isenberg (sequência coerente de enun- ciados) com a noção de textualidade. Por exemplo, Koch e Travaglia (1989, p.26, grifos nossos), ao discutirem a questão da coerência do tex- to, definem que “textualidade ou textura é o que faz de uma sequência Estamos aqui nos refe- rindo aos dois primeiros momentos da Linguística Textual, abordados no Capítulo 1. Linguística Textual 20 linguística um texto e não uma sequência ou um amontoado aleatório de frases ou palavras”. Costa Val (1991, p. 5, grifos nossos), ao anali- sar a textualidade nas redações de vestibular, chama de “textualidade ao conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases”. Analisando outras definições de texto dessa época, percebe- mos que o termo enunciado é intercambiado pelo termo frase, demonstrando a relação entre eles. Nessas definições de texto, o enunciado é tomado como uma unidade menor que o texto e conceituado como “manifestação particular [...] de uma fra- se.” (DUCROT, 1987 [1984], p. 164). Por exemplo, se duas pesso- as (ou uma mesma pessoa em tempos diversos) pronunciam “Faz bom tempo”, trata-se de dois enunciados, pois proferidos por diferentes sujeitos em diferentes momentos, de duas ocor- rências da mesma frase (entendida como uma estrutura lexical e gramatical). Essa concepção difere da concepção de enun- ciado do Círculo de Bakhtin, que será abordada na Unidade C deste livro, quando discutiremos a noção de texto vista à luz dos estudos do discurso. Antecipadamente, de modo sintético, podemos dizer que se para Ducrot o conceito de enunciado remete à frase enunciada, para Bakhtin o enunciado é visto como o texto nos processos interacionais (o texto-enunciado). Durante o momento das teorias de texto, tendo em vista a influência da Pragmática e das Teorias do Discurso, enfim, da crescente ampliação do escopo dos estudos linguísticos (da língua como sistema para a lín- gua em uso), passou-se a considerar, na elaboração do conceito de texto, aspectos relacionados à produção e à recepção dos textos, ancorados em situações de uso da linguagem. Dessa maneira, de uma estrutura, de um produto pronto e acabado, o texto passou a ser visto como um elemento importante nas atividades de comunicação. Podemos apresentar, como representantes do terceiro momento, os conceitos de texto de Luiz Antô- nio Marcuschi (1983) e Ingedore Grunfield Villaça Koch (1997). Terceiro e quarto mo- mentos da Linguística Textual. Concepções de texto 21 Capítulo 02 Para Marcuschi (1983, p.10-11), o texto não é uma unidade virtual e sim concreta e atual; não é uma simples sequência coerente de sentenças e sim uma ocorrência comu- nicativa. [...]. Trata-se de uma unidade comunicativa atual realizada tanto no nível do uso como ao nível do sistema. Tanto o sistema como o uso têm suas funções essenciais. Observe que o autor está elaborando o conceito de texto de modo dialógico. Nessa parte da citação, ele está se contrapondo à concepção de texto baseada na teoria gerativista, que postulava como escopo da descrição de uma gramática textual o texto como uma unidade abstra- ta, como um texto potencial. Em seguida, vai questionar o conceito de texto como conjunto coerente de enunciados. Ambos são conceitos de texto do primeiro e segundo momentos da Linguística Textual. Para Koch (1997, 22), o texto pode ser conceituado como uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão dos conteúdos semân- ticos, em decorrência da ativação de estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais. Atualmente, segundo Costa Val (2008, p.63), a partir dos avanços das teorias de texto, pode-se definir texto como “[...] qualquer produção linguística, falada ou escrita, de qualquer tamanho, que possa fazer sen- tido numa situação de comunicação humana, isto é, numa situação de interlocução”. Assim, tanto um romance como uma conversa cotidiana são textos. Para que tenha o estatuto de texto, segundo a autora, basta ao objeto que faça sentido em determinada situação de interlocução. Para Costa Val (2008), essa concepção de texto traz duas implicações: 1) Nenhum texto tem sentido em si mesmo; 2) Todo texto pode fazersentido, numa dada situação, para determinados interlocutores. Esta discussão pode ser exemplificada na análise de texto do capítulo so- bre Situacionalidade. Linguística Textual 22 Nessa definição de texto de Costa Val, bem como na de Koch, Mar- cuschi e na maioria das definições de texto da Linguística Textual do terceiro momento, o conceito de texto se fecha para os textos media- dos pela linguagem verbal. Um das características do quarto momen- to, como mencionado no capítulo anterior, é olhar o texto a partir das noções de situação social de interação, discurso, gêneros do discurso, hipertexto e multimodalidade, o que leva à teorização do texto consi- derando como constitutiva a situação social de interação e também as outras modalidades semióticas (como a pintura, por exemplo), ou, de modo mais intenso, a multimodalidade (pensemos, por exemplo, numa charge publicada na internet, em que temos a junção de linguagem ver- bal escrita, linguagem verbal oral e imagem em movimento). Essa in- clusão teórica não tira a força da noção de que a produção de texto (em qualquer materialidade semiótica) é a realização de um ato (ou ação) sobre o outro, o interlocutor, mediado pela linguagem. O que esses es- tudos recentes colocam em pauta é a ampliação da noção de texto, uma vez que em muitos casos é entendido como texto somente aquele mate- rializado pela linguagem verbal. Koch (2002) observa que as várias concepções de texto que vêm acompanhando (e delineando) a história da Linguística Textual levaram essa disciplina a assumir formas teóricas distintas. A autora resume tais concepções da seguinte forma: 1) Texto como frase complexa (fundamentação gramatical); 2) Texto como expansão tematicamente centrada de macroestru- turas (fundamentação semântica); 3) Texto como signo complexo (fundamentação semiótica); 4) Texto como ato de fala complexo (fundamentação pragmática); 5) Texto como discurso “congelado” – produto acabado de uma ação discursiva (fundamentação discursivo-pragmática); Concepções de texto 23 Capítulo 02 6) Texto como meio específico de realização da comunicação ver- bal (fundamentação comunicativa); 7) Texto como verbalização de operações e processos cognitivos (fundamentação cognitivista). (KOCH, 2002, p. 151). Analisando as concepções de texto apresentadas, podemos obser- var, de modo geral, a existência de duas vertentes básicas: a) o texto visto como produto, ainda na sua imanência, que é o conceito básico de texto do primeiro e segundo momentos da Linguística Textual; b) o texto visto como unidade de comunicação (interação), na sua relação com as condições de produção, que é o conceito básico de texto do terceiro momento e dos estudos atuais da Linguísti- ca Textual, constituído na interface com os Estudos do Discur- so e da Linguística Aplicada. Em relação à primeira vertente, notamos que, de modo geral, as definições acerca do texto revelam um olhar para o texto como produto acabado, ou estrutura acabada, resultante da competência textual (e ide- alizada) do falante. As propriedades definidoras do texto estão expressas principalmente na forma de organização do material linguístico. A ên- fase recai no aspecto material e/ou formal do texto: sua extensão, seus constituintes, a relação interna entre esses constituintes. Ainda, segundo Bernárdez (1983), muitas vezes, o texto é visto como uma unidade lin- guística superior do sistema linguístico, o que mostra ainda a influência do estruturalismo nos estudos iniciais do texto. Por essas razões, Mar- cushi (1983) afirma que são definições imanentes de texto, pois partem de critérios internos ao texto para defini-lo. Já na segunda vertente, o texto passa a ser visto como unidade co- municativa (BERNÁRDEZ, 1983), e não mais como unidade linguísti- ca. Passa, portanto, a ser tomado como parte das atividades mais gerais de comunicação. Os critérios para a definição de texto são temáticos e Embora desde o início a Lin- guística Textual buscasse uma teoria não imanente ao texto, que se constituísse como uma alternativa aos estudos estru- turais da língua, como vimos no Capítulo 1, de fato, ela não conseguiu se desvencilhar, nas fases iniciais, da forte tradição estruturalista nos estudos lin- guísticos. Linguística Textual 24 transcendentes ao texto (à imanência do texto) (MARCUSCHI, 1983). Por isso, passa a ser central na definição de texto a consideração das con- dições de produção e recepção de textos, ou seja, a situação de interação e os interlocutores, pois “o texto não existe fora de sua produção ou de sua recepção” (LEONTÉV, 1969 apud FÁVERO, KOCH, 1988, p.22). Nas diferentes vertentes teóricas acerca da linguagem, aquele que se enuncia é definido e conceituado de diversas formas: falante, lo- cutor, enunciador, interactante, produtor de texto etc. Embora re- conheçamos que essa diversidade reflete concepções teóricas dis- tintas, para efeitos didáticos, de modo geral, usaremos os termos produtor ou autor, considerado como aquele que se responsabiliza pelo texto-enunciado. Da mesma forma, aquele a quem o texto se destina será nomeado como interlocutor ou ouvinte/leitor. Quando nos referirmos a ambos, usaremos o termo interlocutores. Nessa vertente conceitual, a elaboração do conceito de texto leva em conta que: a produção textual é uma atividade verbal, isto é, os falantes, ao produ- zirem um texto, estão praticando ações, atos de fala [...]; a produção verbal é uma atividade verbal consciente, isto é, trata-se de uma atividade intencional, por meio da qual o falante dará a entender seus propósitos, sempre levando em conta as condições em que tal ati- vidade é produzida[...]; a produção textual é uma atividade interacional, ou seja, os interlocu- tores estão obrigatoriamente, e de diversas maneiras, envolvidos nos processos de construção e compreensão de um texto [...] (BENTES, 2001, p. 254-255, grifos da autora). Segundo Koch (2002), o conceito de texto depende das concepções que se tem de língua e de sujeito. Na concepção de língua como re- presentação do pensamento e de sujeito como senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, As diferentes concepções de língua e de sujeito serão também discutidas nas disciplinas de Linguís- tica Aplicada, no entanto, é preciso antecipar que as concepções de língua e de sujeito apresenta- das por Koch vêm das reflexões do Círculo de Bakhtin. Concepções de texto 25 Capítulo 02 o texto é visto como um produto – lógico – do pensamento (represen- tação mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão ‘cap- tar’ essa representação mental, juntamente com as intenções (psicoló- gicas) do produtor, exercendo, pois, um papel essencialmente passivo. (KOCH, 2002, p. 16). Na concepção de língua como código – ou seja, como apenas um instrumento para a comunicação – e do sujeito como pré-determinado pelo sistema, o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o co- nhecimento do código, já que o texto, uma vez codificado, é totalmente explícito. Também nesta concepção o papel do ‘decodificador’ é essen- cialmente passivo. (KOCH, 2002, p.16). Já na concepção de língua como interação (dialógica), na qual os sujeitos são vistos como sujeitos sociais, “o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos” (KOCH, 2002, p.17, grifo da autora). Como afirma João Wanderley Geraldi (1993 [1991], p. 102), “o outro é a medida: é para o outro que se produz o texto. E o outro não se inscreve no texto apenas no seu processo de produção de sentidos na leitura. O outro insere-se já na produção, como condição necessária para que o texto exista”. Em outras palavras: ao elaborar o texto, nós o fazemos pensando no interlocutor (quem ele é, o que sabe etc.) e nos sentidos quequeremos produzir sobre ele (informar, conven- cer, esclarecer, ameaçar etc.). Em resumo, podemos associar as duas primeiras concepções de texto apresentadas por Koch (2002) com a primeira vertente concei- tual de texto, ou seja, o texto como produto acabado. Por outro lado, a terceira concepção de texto da autora (texto como lugar de inte- ração) pode ser correlacionada com a segunda vertente conceitual. Nessa segunda vertente, podemos observar, como já mencionado, a presença da influência dos estudos do Círculo de Bakhtin. Conceitos centrais de sua teoria, como interação, dialogismo, gêneros do discur- Linguística Textual 26 so, esferas sociais, são fundamentais para a construção do conceito de texto dessa vertente, isto é, o texto como unidade da comunicação discursiva, como lugar de interação. Nesta Unidade, apresentamos o histórico da Linguística Textual e as principais concepções de texto desenvolvidas pela área. Na próxima Unidade, vamos discutir a concepção de texto à luz dos estudos da tex- tualidade. Leia mais! Sobre a trajetória da Linguística Textual, indicamos a leitura do artigo de Ingedore Villaça Koch (2001) intitulado Lingüística Textual - Quo va- dis?, publicado pela revista DELTA, disponível em: < http://www.scielo. br/pdf/delta/v17nspe/6708.pdf >. Acesso em: 10/11/2011. Para aprofundamento sobre as concepções de texto, indicamos a leitura do capítulo Concepções de língua, sujeito, texto e sentido, publicado no livro Desvendando os segredos do texto (2002), também de autoria de Ingedore Villaça Koch. Unidade B O texto na ótica dos estudos da textualidade As fiandeiras. Velasquez, 1655. Nesta Unidade, vamos abordar o texto na ótica dos estudos da tex- tualidade. Para tanto, abordaremos a concepção de texto dessa verten- te, o conceito de textualidade e princípios que constituem a tessitura dos textos, chamados de princípios de textualidade, os quais serão relidos à luz dos aspectos discursivos do texto e dos gêneros do discurso/textu- ais. Apesar de o estudo dos princípios de textualidade estar ligado a um momento de pesquisa clássico da Linguística Textual, consideramos que o aprofundamento dessa temática, contraposta e complementada hoje com os estudos dos gêneros do discurso/textuais, é extremamente relevante para a formação do professor de Língua Portuguesa (e do professor de um modo geral), pois lhe fornece base teórica necessária para o trabalho com deter- minados aspectos do ensino e aprendizagem das práticas de escuta, leitura e produção textual. Por essa razão, ao final de cada Seção, também serão apresentadas algumas orientações pedagógicas para o trabalho em sala de aula. Salientamos que essa opção de abordagem teórica, ainda que mencio- nada por alguns autores da Linguística Textual, não foi desenvolvida até o presente. Optamos por fazê-la aqui, pelas razões acima indicadas. Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz: Ӳ Reconhecer a concepção de texto a partir dos estudos da textu- alidade; Ӳ Reconhecer os princípios de textualidade; Ӳ Identificar o papel dos princípios de textualidade na tessitura dos textos; Ӳ Reler os princípios de textualidade à luz das teorias dos gêneros do discurso/textuais; Ӳ Reconhecer a importância do conhecimento dos princípios de textualidade para o trabalho com o ensino e a aprendizagem das práticas de escuta, leitura, produção textual e análise lin- guística nas aulas de Língua Portuguesa. Para atingir os objetivos propostos, dividimos a Unidade em sete capítulos: no primeiro capítulo da unidade, discutiremos o conceito de textualidade; nos demais, apresentaremos os princípios de textualidade, seguidos de orientações para o trabalho em sala de aula. Capítulo 03Noções gerais 29 3 Noções gerais Na década de oitenta, no Brasil, os aspectos mais focalizados nas pesquisas em Linguística Textual foram os princípios de textualidade, a partir do conceito introduzido por Robert-Alain de Beaugrande e Wol- fgang Dressler, em 1981, no livro Introduction to text linguistics. Para os autores, o texto pode ser definido como uma ocorrência comunicativa que reúne/satisfaz sete princípios constitutivos da textualidade, que são: a) coesão; b) coerência; c) intencionalidade; d) aceitabilidade; e) informatividade; f) situacionalidade; g) intertextualidade. No livro citado, os autores não apresentam explicitamente um con- ceito de textualidade, mas, pela análise da obra e dos princípios de tex- tualidade propostos, podemos definir a textualidade como o conjunto de características manifestas/percebidas no texto, em uma dada situação de interação, que fazem com que o mesmo seja compreendido pelos interlo- cutores como um todo significativo, na situação de interação considerada. Assim, dada a relevância dos princípios de textualidade para a compreensão de como se constitui o texto e sua interpretação, eles serão o objeto de estudo desta Unidade. No entanto, à guisa de introdução, faremos já aqui uma breve exposição de cada um deles, segundo a con- cepção de Beaugrande e Dressler (2002 [1981]): Ӳ Coesão – Diz respeito às formas como os componentes do tex- to de superfície, isto é, as palavras que efetivamente ouvimos ou lemos, conectam-se em uma sequência veiculadora de sen- tido. Para isso, a coesão deve se relacionar com os outros prin- cípios de textualidade; No Brasil, a textualidade foi articulada por muitos pesquisadores com a noção de texto como se- quência de enunciados. O exemplo mais eloquente dessa perspectiva teórica é o conceito de Koch e Travaglia (1989, p. 26): “textualidade ou textura é o que faz de uma sequ- ência linguística um texto e não uma sequência ou um amontoado aleatório de frases ou palavras”. Como a obra de Beau- grande e Dessler de 1981 que citamos é uma versão digitalizada de 2002, va- mos usar esta data como referência nas citações, se- guida da data da primeira edição entre colchetes. Dressler e Beaugrande Linguística Textual 30 Ӳ Coerência – Diz respeito às formas nas quais os componentes do mundo textual, isto é, a configuração de conceitos e relações que subjazem ao texto de superfície, são mutuamente acessíveis e relevantes. A coerência não é uma mera característica dos textos, mas antes o resultado de processos cognitivos entre os usuários de textos; Ӳ Intencionalidade – Diz respeito à atitude do produtor de que o conjunto de ocorrências deva constituir um texto coeso e coe- rente, eficiente ao cumprir as intenções do produtor Relaciona- -se às intenções do autor, que podem ser informar, impressio- nar, convencer, pedir, ofender etc.; Ӳ Aceitabilidade – Diz respeito à atitude do interlocutor do texto de que o conjunto de ocorrências deva constituir um texto coeso e coerente e que tenha algum uso e relevância para o interlocutor; Ӳ Informatividade – Diz respeito ao grau de informação con- tido em um texto: se as ocorrências do texto apresentado são esperadas versus não-esperadas, ou conhecidas versus desco- nhecidas/incertas; Ӳ Situacionalidade – Diz respeito aos fatores que tornam um texto relevante para uma dada situação de ocorrência. O sentido e a compreensão do texto são decididos pela situacionalidade; Ӳ Intertextualidade – Diz respeito aos fatores que fazem a com- preensão de um texto dependente do conhecimento de um ou mais textos já existentes. Esses princípios de textualidade têm sido rediscutidos recente- mente, uma vez que, à época, foram interpretados e aplicados por pes- quisadores no estudo do texto concebido como produto. Beaugrande, no livro New foundations for a science of text and discourse: freedom of access to knowledge and society through discourse (Novos fundamentos para uma ciência do texto e do discurso: liberdade de acesso ao conhe- Robert de Beaugrande disponibilizava grande par- te de sua produção teórica em seu sítio pessoal: http:// www.beaugrande.com/ Capítulo 03Noções gerais 31 cimento e à sociedade através do discurso) (2004[1997]), aborda essa problemática. Discute, inicialmente, o fracasso de se estudar o texto a partir de sua descrição formal como conjunto de frases, porque o tex- to é, em essência, uma unidade funcional. Dessa constatação, lembra o autor, o foco passou da elaboração de gramáticas do texto para o estudo da textualidade. Apesar disso, salienta que essa passagem não foi suficientemente longe, pois os princípios de textualidade propostos na obra de sua auto- ria e de Dressler (1981) foram equivocadamente interpretados a partir de uma perspectiva formal (texto produto, abstraído das condições de produção) e à luz dos estudos estruturalistas, fazendo uma correlação entre os princípios de textualidade e os níveis linguísticos, com vistas a analisar os textos: Passou-se a associar coesão com morfologia, sintaxe e gramática; coerência com semântica; intencionalidade, aceitabilidade e situacionalidade com pragmática; informatividade com tópico/comen- tário e tema/rema; e intertextualidade com estilística. Essas correlações, segundo o autor, são inadequadas, pois os níveis linguísticos foram descritos em termos formais e no isolamento da lin- guagem nela própria como um sistema virtual (abstrato). A associação dos princípios de textualidade a níveis linguísticos fez com que se olhas- se o texto como produto, a partir de sua imanência, e incentivou que se tratasse cada princípio de textualidade isoladamente, sem correlação com os outros. Além disso, esses princípios de textualidade foram reli- dos como características do texto em si e como critérios/fatores para se avaliar se um dado texto particular era coeso ou não, coerente ou não, por exemplo. Para Beaugrande (2004 [1997]), esses princípios deveriam ser vis- tos de modo funcional, integrado e em uma perspectiva transdisciplinar, pois o texto é um evento comunicativo em que convergem questões de ordem linguística, cognitiva e social. Portanto, “a textualidade é não só a qualidade essencial de todos os textos, mas também uma realização hu- mana sempre que um texto é textualizado [...] um texto não existe como texto a não ser que alguém o esteja processando.” (BEAUGRANDE, 2004 Segundo o estruturalismo, a língua é uma estrutura composta de diferentes níveis hierarquizados. Cada nível é uma camada de análise, possui suas re- gras e é formado por uni- dades, cujas combinações formam as unidades do nível superior. Por exem- plo, a combinação dos fonemas (nível fonológi- co) produz os morfemas (nível do morfema). Linguística Textual 32 [1997], cap. I, §41). Em outras palavras, os sete princípios de textualidade não são critérios/regras para identificar textos e não-textos – pois não existem não-textos –, mas são princípios que orientam o processamento (produção) do texto e sua interpretação, e com os quais se atribui tex- tualidade a um artefato. Um texto como produto é um mero artefato, segundo o autor, que se transforma em um texto no ato da interação. Vale destacar que, dado o sentido que se cristalizou em torno do termo textualidade, como resultado das abordagens que tomaram o tex- to como produto, surge, em muitas pesquisas recentes, o termo textuali- zação, com o objetivo de evidenciar um afastamento teórico em relação a essa noção de textualidade, que a instancia no texto como produto e a toma como fundamento para estabelecer a fronteira entre um texto e um não-texto. Na perspectiva da textualização, o sentido do texto não reside na sua materialidade, pois está atrelado às condições de produção do texto, ou seja, às condições cognitivas e sociais que estão imbricadas nos eventos comunicativos. Assim sendo, “o sentido do texto não está no texto, não é dado pelo texto, mas é produzido por locutor e alocutá- rio a cada interação, a cada ‘acontecimento’ de uso da língua” (COSTA VAL, 2008, p. 60). Podemos observar que esse conceito de textualização converge para a noção de textualidade conforme proposta por Beau- grande e Dressler (2002 [1981]). Com as crescentes pesquisas acerca dos gêneros do discurso no campo da Linguística Aplicada e na vertente enunciativa da Linguística Textual, os princípios de textualidade podem ser relidos à luz dos gêne- ros. Os estudos sobre os gêneros do discurso intensificam-se no Brasil desde a década de noventa, em decorrência, dentre outros fatores, dos estudos do texto a partir de suas condições de produção e da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) pelo MEC. De modo sucinto, segundo Bakhtin (2003 [1979]), os gêneros cons- tituem-se a partir do surgimento e da (relativa) estabilização de novas situações sociais de interação e, uma vez constituídos, medeiam as inte- rações dessa situação social. Essa concepção de texto tem relações com a con- cepção de texto desen- volvida por Bakhtin, que apresentaremos na Uni- dade C: o texto pode ser estudado como estrutura ou como enunciado Mikail Bakhtin Capítulo 03Noções gerais 33 Cada gênero tem sua concepção de autor e interlocutor, tem uma finalidade discursiva própria e apresenta certo modo de composição textual e estilo particular. Por exemplo, o mesmo indivíduo assume pa- péis de autoria bastante diversos ao escrever um romance ou uma tese; um artigo científico e um livro didático dirigem-se a interlocutores dis- tintos; a finalidade discursiva do artigo científico (apresentar resultados de pesquisa) é diferente daquela que tem o livro didático (apresentar conteúdos escolares aos alunos e mediar seu ensino e aprendizagem); o artigo científico e a notícia têm estilos diferentes, mesmo que ambos sejam redigidos na variedade linguística de prestígio. Tomemos, como exemplo, o caso do gênero bula de medicamento. Originalmente destinada a servir para comunicação entre o laboratório e o profissional de saúde, a bula era vertida em estilo técnico e bastante hermético. Em tempos recentes, devido ao interesse do paciente em acompanhar a prescrição médica, ou, talvez, devido ao reconhecimen- to do fenômeno da automedicação, o estilo da bula passou a ser cada vez mais acessível ao cidadão comum e já existem muitas bulas didati- camente escritas na forma de perguntas e respostas. Os gêneros do discurso são concebidos como modos sociais de in- teração sócio-historicamente constituídos, pois conduzem o processo de produção e interpretação de textos. Segundo Bakhtin (2003 [1979]), não conseguimos interagir com pertinência em dada situação se não dominarmos o gênero dessa interação. No processo de produção, os gê- neros balizam o autor: em que esfera social se encontram autor e inter- locutor? Em qual interação social? Qual a finalidade dessa interação? Quem é o interlocutor previsto? O que dizer e como dizer? No ato da leitura, se não soubermos a que gênero relacionar o texto que estamos lendo, teremos dificuldade em interpretá-lo. Será um artigo assinado? Uma crônica? Um editorial? Esses três gêneros circunscrevem diferen- tes situações de interação e, por isso, apresentam diferentes finalidades discursivas, o que gera expectativas distintas para o interlocutor e dife- rentes possibilidades de interpretação dos textos a eles vinculados. Linguística Textual 34 Nessa conceituação de gênero, podemos propor que os princípios de textualidade são balizados pelos gêneros, pois estes vão orientar di- ferenças de textualização dos textos que se inscrevem em diferentes gê- neros. Até mesmo os princípios de textualidade que foram inicialmen- te compreendidos como ligados à materialidade do texto – a coesão e a coerência – constituem ações linguísticas e discursivas mobilizadas com vistas a cumprir o propósito discursivo dos interlocutores dentro de determinado gênero. A construção da coesão dos textos, por exemplo, é largamente orientada pelos gêneros. É possível perceber nos fragmentos de texto a seguir a diferença de manifestação linguística da coesão em um artigo de divulgação científica e em um conto, que está ligada também ao estilo de cada um dos gêneros. 1) Emsua teoria da relatividade especial de 1905, Einstein mos- trou que nossas noções de espaço e tempo como entidades rígi- das e imutáveis são ilusões causadas pelo fato de que os nossos movimentos são muito lentos, se comparados à velocidade da luz. Se nos movêssemos a velocidades comparáveis, mas me- nores, veríamos as coisas encolhendo e o tempo passaria mais devagar para elas. Entre as conseqüências, Einstein demonstra a equivalência entre energia e matéria, algo que só é possível a altíssimas energias. Na relatividade geral, de 1916, Einstein redefine a gravidade como sendo a curvatura do espaço. A ex- pansão do Universo e os buracos negros são descritos por essa teoria. 2) Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos que se deleitam nas coisas simples que a vida dá. Ria nos seus mun- dos de faz de conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado nos vidros dos aquários, assobiava para os perus, andava na chuva. Todas estas coisas que as crianças fazem e os adultos desejam fazer e não fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo. Capítulo 03Noções gerais 35 Como destacam Beaugrande e Dressler (2002 [1981], cap. 4, §41, grifo dos autores), se a textualidade assenta-se sobre continuidade [...], os usuários de texto veriam, naturalmente, as situações e eventos do texto e do mun- do como relacionados. Lacunas perceptíveis poderiam ser preenchidas mediante atualização, isto é, fazendo inferências sobre como o texto- -mundo está evoluindo. Dessa forma, mediante análise dos tempos verbais, o lei- tor pode concluir, no primeiro caso (artigo de divulgação cien- tífica), que o tempo presente é usado para expressar as verda- des gerais da ciência. Já no segundo trecho (conto), os verbos no pretérito imperfeito descrevem a situação inicial de uma nar- rativa, anterior ao conflito. Então, leitores familiarizados com o gênero conto, sabem que a situação descrita eventualmente será, total ou parcialmente, alterada. Segundo Koch (1991 [1989]), a recorrência de termos verbais é um mecanismo de coesão, pois indica se se trata de um sequência de comen- tário (demonstra, redefine) ou de relato (assobiava, andava, escorria). Sobre a relação entre gêneros e textualidade, Matencio (2006) conside- ra que os estudos dos gêneros têm o potencial de promover reflexões acerca das relações entre a materialidade linguística e textual e o contexto histórico de produção de sentidos, e possibilita que se considere, a um só tempo: (i) as instâncias ou esferas sociais que delimitam historicamente os dis- cursos e seus processos, particularmente no que se refere às relações entre instituições, lugares e papéis sociais e às suas representações; (ii) as práticas discursivas efetivamente em construção nessas instâncias num aqui-agora, num dado evento de interação, ou seja, a assunção efetiva de lugares e papéis comunicativos, as representações das ações que se deve empreender e dos modos pelos quais elas podem se mate- rializar numa forma linguageira; (iii) os processos de textualização que daí resultam, isto é, a pro- dução de ações linguageiras, por um eu e por um tu, no aqui- -agora. (MATENCIO, 2006, p. 139-140, grifo nosso). Essa questão será abor- dada no Capítulo sobre coesão. São exemplos de esferas sociais a escola, a ciência, o jornalismo, a arte, a religião etc. Linguística Textual 36 Vejamos, na citação de Costa Val a seguir, como podem ser apreendidos os princípios de textualidade, tal como propostos por Beaugrande e Dressler (2002 [1981]) e retomados nos estudos mais atuais, a partir da exemplificação da relação desses princípios em um texto de um dado gênero, o catálogo telefônico: Um catálogo telefônico, que não apresenta as marcas linguísticas de co- esão responsáveis pela textura, tal como concebem Halliday & Hasan (1976), é analisado por Beaugrande (1997) como produto que se textu- aliza num rico processo linguístico, cognitivo e cultural, à medida que a ele aplicamos os sete princípios: com a coesão, conectamos suas formas e padrões (nomes e números dispostos em lista); com a coerência, co- nectamos seus significados; considerando a intencionalidade, supomos que ele tenha algum propósito e interpretamos o que os produtores po- deriam pretender significar e conseguir com aquela disposição formal e semântica; atentando para a aceitabilidade, assumimos o que preten- demos com ele e o que nos dispomos a fazer para tomá-lo como texto; buscando informatividade, trabalhamos no sentido de interpretar os conteúdos que ele nos apresenta a partir dos nossos conhecimentos anteriores; em termos de situacionalidade, relacionamos o evento-texto às circunstâncias em que interagimos com ele, considerando como sua configuração pode torná-lo útil e pertinente aos objetivos que temos em mente; ao interagir com ele, inevitavelmente, recorremos à nossa experiência anterior com outros textos, processando-o, pois, em função da rede de intertextualidade em que o situamos. (COSTA VAL, 2000). Implicações para o processo de ensino e aprendizagem: Como vimos neste Capítulo, segundo Beaugrande (2004 [1997]), não existem não-textos. Isso porque quando as pessoas interagem, elas buscam a resposta do interlocutor e, para isso, procuram cons- truir um texto que atinja essa intencionalidade. Essa posição pode levantar questionamentos para o professor de Língua Portuguesa, tais como: Se não existe o não-texto, se tudo é texto, se não existe O exemplo da autora é semelhante ao proposto por Beaugrande (2004 [1997]), no qual a autora se baseia. A autora não relaciona os princípios de textua- lidade com a noção de gêneros. No entanto, o modo como a apresenta a exemplificação torna a relação pertinente. Capítulo 03Noções gerais 37 texto sem coerência e sem coesão, uma vez que os princípios de textua- lidade estão sempre presentes, então, não há nada mais a fazer com os textos produzidos por meus alunos?. Veja a resposta de Beaugrande (2004 [1997]) e Costa Val (2000): “Os princípios são aplicáveis sempre que um artefato seja textualizado, mesmo que alguém julgue o resultado ‘incoerente’, ‘não intencional’, ‘inaceitável’ etc. Esses julgamentos indicam que o texto não é apro- priado (adequado para a ocasião), ou eficiente (fácil de lidar), ou eficaz (proveitoso para o objetivo proposto); mesmo assim é um texto. Nor- malmente, as perturbações e irregularidades são desconsideradas, ou, na pior das hipóteses, interpretadas como sinais de espontaneidade, estresse, sobrecarga, ignorância, e assim por diante, e não como perda ou negação da textualidade”. (BEAUGRANDE, 2004 [1997], cap. 1, § 52). “Acredito, pelo contrário, que este modo de compreender a textualida- de abre perspectivas mais promissoras para o ensino e gostaria, agora, de mostrar as possibilidades de aplicação que vejo para este quadro te- órico nas salas de aula de Língua Portuguesa.” (COSTA VAL, 2000). Na sequência de seu artigo, a autora apresenta um texto de um aluno produzido em situação de exame e mostra como o professor pode interpretar diferentemente um texto de um aluno quando ele o olha não como um artefato, mas como “resultado de uma ativida- de linguístico-cognitiva socialmente situada”. O texto analisado é: Meu amigo Eu queria ter um amigo e minha mãe o expulsou de casa. Lá fora tinha um pouco de gente e eu vendi o cachorro. E à noite caiu um temporal. E a mãe teve que pagar um prejuízo maior, teve de trocar o telhado da casa. Linguística Textual 38 Costa Val demonstra que quando resgatamos as condições de pro- dução desse texto entendemos porque o aluno textualizou esse tex- to. Veja a análise completa que ela faz desse texto, lendo o artigo da autora, que se encontra na webteca desta disciplina. Em resumo, quando o professor olha o texto de seu aluno a partir das condições de produção, ele consegue entender por que o aluno textualizou determinado textoe tem condições de indicar caminhos para que esse aluno, no ato da reescritura de seu texto, consiga ade- quá-lo àquelas condições de produção, de modo que ele seja aceitá- vel para aquela situação de interação. Vamos voltar a essa discussão na Unidade C deste livro e nas disciplinas de Linguística Aplicada, quando discutirmos a noção de gêneros e os processos de reescritu- ra de textos em sala de aula. Neste Capítulo, exploramos o conceito de textualidade e aborda- mos brevemente os princípios de textualidade. Nos Capítulos seguintes desta Unidade serão apresentados mais detalhadamente os sete princí- pios de textualidade. Capítulo 04Coesão textual 39 4 Coesão textual Beaugrande e Dressler (2002 [1981], cap. 4, §1) afirmam que “co- esão e coerência são noções centradas no texto, designando operações dirigidas aos materiais do texto”. À primeira vista, parece que, para os autores, a coesão é um fenômeno que deve ser analisado no texto de superfície e explicado a partir dele. Essa impressão, contudo, logo se desfaz quando os autores discutem longamente a relação entre coesão e processamento cognitivo do texto. Apesar de a concepção cognitiva de coesão apresentada por Beau- grande e Dressler (1981) estar até mais afinada com as tendências cog- nitivas de abordagem do texto, no restante deste capítulo, adotaremos como referência obras de Ingedore Koch, especialmente Koch (1989), por serem essas obras seminais que muito contribuíram para populari- zar entre nós o conceito de coesão textual e tiveram uma importância capital para a Linguística Textual no Brasil. Na construção da textualidade podemos dizer que há duas grandes modalidades de coesão textual: a coesão referencial e a coesão sequencial. Vejamos o funcionamento desses dois movimentos coesivos na tessitura do texto analisado a seguir. Neste livro, dadas as condições materiais deste suporte, os exemplos apresentados são apenas de textos escritos. No entanto, ressaltamos que os princípios de textualidade referem-se também aos textos verbais orais e aos mediados por outros sistemas semióticos. Abor- daremos a questão dos textos multimodais na Unidade C. Texto 1 Pinóquio às avessas Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos que se de- leitam nas coisas simples que a vida dá. Ria nos seus mundos de faz de conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado Neste Capítulo apresen- taremos a coesão textual sob a perspectiva da Lin- guística Textual da década de oitenta. Na Unidade C, no capítulo sobre referen- ciação, a coesão será re- tomada sob a perspectiva dos estudos mais recentes da Linguística Textual. Esse percurso tem por objetivo evidenciar a trajetória da Linguística Textual, desde sua fase cognitivista até a fase sociocognitiva. A história original de Pinóquio foi escrita em 1881, na Itália, por Carlo Lorenzini, sob o pseudônimo de Carlo Collodi. A história versa sobre um bo- neco de madeira que queria se tornar um menino de verdade e alcança seu objetivo através da Fada Azul. Linguística Textual 40 nos vidros dos aquários, assobiava para os perus, andava na chuva. To- das estas coisas que as crianças fazem e os adultos desejam fazer e não fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo. Não sabia que uma conspiração estava em andamento. Tudo come- çara bem antes, quando um nome lhe fora dado. Nome do pai. Claro, confissão de intenções: que o menino sem nome e sem desejos acei- tasse como seus o nome e desejos de um outro que ele nem mesmo conhecia. Filho, extensão do pai, realização de desejos não realizados, sobrevivência do seu corpo, uma pitada de onipotência, uma gota de imortalidade. “Que é que ele vai ser quando crescer? Médico? Diplomata? Cientista?” E as conversas se prolongavam, temperadas com sorrisos e boas in- tenções, enquanto silenciosas se teciam as malhas do desejo em que pai e mãe esperavam colher/ acolher/ encolher o menino dos desejos simples... Até que chegou o dia em que <segunda cor> lhe </segunda cor> foi dito: “É preciso ir para a escola. Todos os meninos vão. Para se transfor- marem em gente. Deixar as coisas de criança. Em cada criança brincante dorme um adulto produtivo. É preciso que o adulto produtivo devore a criança inútil.” E assim aconteceu. Há certos golpes do destino contra os quais é inútil lutar. O menino de carne e osso aprendeu coisas curiosas: nomes de heróis, frases que teriam dito, as alturas de montes onde nunca subiria, as fun- duras de mares onde nunca desceria, a distância de galáxias, o ‘SE’, par- tícula apassivadora, o “se”, símbolo de indeterminação do sujeito, nomes de cidades de países longínquos, suas populações e riquezas, fórmulas e mais fórmulas... Sabia que tudo aquilo deveria ter um motivo. Só que ele não entendia. O desejo permanecia selvagem. E disto eram prova aquelas notas ver- melhas no boletim, testemunhas de como o menino cavalgava longe do desejo dos outros, conspiradores secretos, escondidos na monoto- nia dos currículos que não faziam o seu corpo sorrir... “Pra que serve tudo isto?”, ele perguntava. E o pai respondia, sábio e paciente: “Um dia você saberá. Por hora basta de saber que papai sabe o que é melhor para seu filho...” Capítulo 04Coesão textual 41 O menino cresceu. E aconteceu que, em meio às suas rotinas, veio a se encontrar com dois cavalheiros bem vestidos e de fala branda, que se puseram a contar estórias de um mundo encantado sobre o qual ele nunca ouvira falar. Eles disseram de heróis em aventais brancos ca- valgando microscópios e telescópios, brandindo máquinas fantásticas e aparelhos misteriosos, em meio a líquidos mágicos que faziam viver e morrer, encastelados em templos onde as coisas visíveis ficavam invi- síveis e as coisas invisíveis ficavam visíveis, e lhe disseram de prodígios de verdade, e lhe perguntaram se ele não desejava se transformar num mago, num artista... A recompensa? O Poder, o conhecimento de segre- dos que ninguém conhece, a glória, ser olhado por todos como um ser diferente, sublime, superior. Se os seus prodígios fossem maiores que os de todos, ele poderia aparecer no palco supremo da ciência, em país distante, onde os mortais se revestem de imortalidade... O menino grande se lembrou dos sonhos do menino pequeno. E sorriu. Finalmente, chegara o momento da sua realização. Estranhou que os narizes dos respeitáveis cavalheiros tivessem crescido enquanto fala- vam. Mas, logo o tranquilizaram: “É só para te cheirar melhor, meu filho...” Começaram as transformações. Primeiro os olhos. Já não refletiam ou- tros olhares e nem borboletas... Aprenderam a concentração, a discipli- na. Depois o corpo, que desaprendeu a dança, o voo dos papagaios e o brinquedo. Era necessário dedicar-se totalmente. Os pensamentos abandonaram as fantasias e os contos de fadas. Passaram a morar no mundo das fábulas e dos experimentos. Até o prazer da comida se sa- tisfez com os sanduíches rápidos do almoço, e na cama o corpo se es- queceu do corpo... E aprendeu coisas preciosas. Que o corpo do cientista é neutro. Que ele não se comove por considerações de valor ou prazer. Que está acima da vida e da morte (isto é coisa de políticos, militares e clérigos), em dedi- cação total ao saber. Bastava-lhe ser um devotado servidor do progresso da Ciência. Mas tantos sacrifícios acabaram por receber merecida recompensa. A sorte soprou, favorável, e de seu corpo diferente surgiu uma nova ma- gia, e o palco da imortalidade lhe foi aberto. Lá, perante todos, compre- endeu que valera a pena. Duas lágrimas lhe rolaram pela face. Já não era o menino de outrora, carne e osso, crescera. Estava diferente. Os aplausos de madeira enchiam a sala. Era a glória. E foi então que o mi- lagre aconteceu. O recinto se encheu de suave luminosidade, e a Mosca Linguística Textual 42 Azul, que até então só habitava os seus sonhos, veio de longe e roçou o seu rostocom suas asas. E a grande transformação aconteceu. Era um boneco de madeira, inteligência pura, sem coração. E os milhares de bonecos, iguais, de pé, não paravam de tamanquear os seus aplausos ao novo irmão, enquanto gritavam o seu nome: “Pinóquio, Pinóquio, Pinóquio...”. ALVES, Rubem. Pinóquio às avessas: uma estória sobre crianças e esco- las para pais e professores. Campinas, SP: Verus Editora, 2005. No Texto 1, os elementos destacados em roxo e em negrito são exemplos de mecanismos de coesão textual. Koch (2004, p. 35) define coesão como “[...] a forma como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se interligam, se interconectam, por meio de recur- sos também linguísticos, de modo a formar um ‘tecido’ (tessitura), uma unidade de nível superior à da frase, que dela difere qualitativamente”. Ela é responsável, em grande medida, pela legibilidade do texto, uma vez que explicita as relações semântico-discursivas entre os elementos linguísticos que compõem o texto. As palavras destacadas em roxo correspondem a elementos que fazem referência a outro elemento do texto. Na maior parte do texto, desenvolve-se um processo de retomada do item Pinóquio, que ocorre desde o título do texto, Pinóquio às avessas, até o fechamento do texto, Pinóquio, Pinóquio, Pinóquio... Há também referências a outros itens le- xicais textualizados no texto, como é o caso de corpo do cientista, que é retomado pelos pronomes ele e lhe em: Que o corpo do cientista é neutro. Que ele não se comove por considerações de valor ou prazer. [...] Bastava-lhe ser um devotado servidor do progresso da Ciência [...] Já as palavras destacadas em negrito correspondem a elementos que atuam na sequenciação no texto, ou seja, fazem o texto progredir, como, por exemplo: E as conversas se prolongavam, temperadas com sorrisos e boas intenções, enquanto silenciosas se teciam as malhas do desejo em que pai e mãe esperavam colher/ acolher/ encolher o menino dos desejos simples [...]. Como podemos observar na análise de alguns dos mecanismos de coesão no texto Pinóquio às avessas, existem dois grandes movimentos Capítulo 04Coesão textual 43 de coesão textual: a retomada de um item lexical (palavras destacadas em roxo) ou a sequenciação do texto (palavras destacadas em negrito). Esses dois grandes movimentos de coesão textual (coesão referencial e coesão sequencial) têm a função de estabelecer relações semântico- -discursivas entre os segmentos do texto, de modo que o processo de construção do texto, por meio de retomadas e sequenciações, constitua- -se como uma unidade de sentido. De acordo com Koch (1991[1989]), a coesão referencial é aquela em que um componente da superfície textual faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual, ou seja, é aquela que marca as retoma- das dos referentes textuais ao longo do texto. Koch (1991[1989]) chama de forma referencial ou forma remissiva o componente que faz referência a outro elemento do texto e de elemento de referência ou referente textual a forma que é referenciada. (KOCH, 1991[1989]). Como exemplo de coesão referencial, podemos apontar, no Texto 1, as ocorrências dos pronomes sua e lhe (formas referenciais/remis- sivas), que fazem referência a outro elemento do texto. O pronome possessivo sua (Sua vida escorria feliz por cima do desejo) e o pronome pessoal lhe (Tudo começara bem antes, quando um nome lhe fora dado), como formas referenciais/remissivas, retomam o referente textual ativa- do anteriormente: Pinóquio às avessas. Do mesmo modo, as formas remissivas menininho de carne e osso, menino sem nome e sem de- sejos, filho, extensão do pai, ele, menino de carne e osso, menino de outrora retomam o referente textual Pinóquio. Entretanto, essas retomadas, no processo coesivo, não têm somente a função de estabelecer a ligação com o referente, pois esse referente não é idêntico: ele muda ao longo do texto, e as retomadas coesivas apon- tam para essa mudança; logo, o processo coesivo não tem implicações somente na interligação, mas também na ressignificação do referente. Por exemplo, Pinóquio é retomado, mas também ressignificado como menininho de carne e osso e, no final, como boneco de madeira, inte- ligência pura, sem coração. Essa questão será retoma- da na Unidade C. Linguística Textual 44 De acordo com Koch (1991[1989]), a referência/remissão a um referente textual pode ser exofórica ou endofórica. A exofórica ocorre quando a remissão é feita a algum elemento de referência da situação comunicativa, isto é, quando o referente está fora do texto. Já a endofó- rica, por sua vez, ocorre quando o referente está expresso no texto. Se o referente textual preceder a forma referencial/remissiva, tem-se a anáfo- ra; se vier após a forma referencial/remissiva, tem-se a catáfora. No Texto 1, temos um exemplo de anáfora em: [...] dois cavalheiros bem vestidos e de fala branda, que se puseram a contar estórias de um mundo encantado sobre o qual ele nunca ouvira falar. Eles disseram de heróis em aventais brancos cavalgando microscópios e telescópios, bran- dindo máquinas [...], uma vez que se e eles fazem referência/remissão a dois cavalheiros e essa retomada está textualizada após o referente tex- tual. Já em Tudo começara bem antes temos um caso de catáfora, pois a forma remissiva/referencial Tudo é resumitiva de um referente que será explicitado em seguida: quando um nome lhe fora dado. Já a coesão sequencial consiste em estabelecer conexão e interrelação entre partes do texto, com o objetivo de possibilitar a progressão textual. Koch (2004, p. 35) conceitua a coesão sequencial da seguinte maneira: A coesão sequencial diz respeito aos procedimentos linguísticos por meio dos quais se estabelecem, entre os segmentos do texto (enuncia- dos, partes de enunciados, parágrafos e mesmo sequências textuais), diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmático-discursivas, à medida que se faz o texto progredir. A progressão textual pode acontecer com ou sem o uso de elemen- tos recorrentes, ou seja, retomando ou não itens lexicais já textualizados nos texto (KOCH, 1991[1989]). No que se refere à coesão por meio de procedimentos de recorrência, podemos citar como exemplos: recor- rência de termos, de estruturas sintáticas, de assuntos, de tempo verbal. Dentre os mecanismos de coesão sequencial no Texto 1, podemos di- zer que a recorrência de tempo verbal é um importante elemento de se- quenciação do texto. Tendo em vista de que se trata de uma narrativa, há a Nas pesquisas atuais, utiliza-se o termo anáfora para se referir aos dois processos. Assim, na Uni- dade C, aprofundaremos o conceito de anáfora. Capítulo 04Coesão textual 45 predominância de verbos do mundo do narrar. Esses verbos do mundo do narrar são alternados ao longo do texto para que, por meio da mudança dos tempos verbais, a própria narrativa tome corpo e movimento. Inicialmente, temos o menino de carne osso, que é introduzido por uma recorrência de verbos no pretérito imperfeito: Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos que se deleitam nas coisas simples que a vida dá. Ria nos seus mundos de faz de conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado nos vidros dos aquários, assobiava para os perus, andava na chuva. Todas estas coisas que as crianças fazem e os adultos desejam fazer e não fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo. Depois, ao passo que se desenrola a narrativa, o tempo verbal se altera para marcar o início da ação, uma vez que na narrativa há uma ação/evento que se desenrola em um tempo e em um espaço. Essa ação se circunstancia através da mudança dos tempos verbais; passa-se, en- tão, da recorrência do pretérito imperfeito para a recorrência pretérito perfeito: Até que chegou o dia em que lhe foi dito: “É preciso ir para a escola”. [...] E assim aconteceu. O menino de carne e osso aprendeu [...]. Na sequência, há novas alternâncias dos
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