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A N T R O P O LO G IA D O D IR EIT O A n d rea C ristin a M artin s Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6390-1 Antropologia do Direito IESDE BRASIL S/A 2018 Andrea Cristina Martins Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M341a Martins, Andrea Cristina Antropologia do Direito / Andrea Cristina Martins. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018. 146 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6390-1 1. Etnologia jurídica. 2. Direito e antropologia. I. Título 18-50176 CDU: 34 © 2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: tridland/iStockphoto Andrea Cristina Martins Doutora e mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e graduada em Direito pela mesma instituição. É professora universitária e advogada atuante na área de consultoria e assessoria ao terceiro setor. Sumário Apresentação 7 1 Fundamentos da Antropologia Jurídica 9 1.1 O objeto da Antropologia 9 1.2 Antropologia Social e Antropologia Cultural 14 1.3 Antropologia Jurídica 15 2 Cultura: noções e acepções 25 2.1 Conceito de cultura 25 2.2 A presença da cultura no ordenamento jurídico brasileiro 29 2.3 A relação da cultura com o Direito: os costumes 34 3 Multiculturalismo e direitos humanos 43 3.1 Entendendo o multiculturalismo 43 3.2 Alteridade e tolerância: migrantes e refugiados 46 3.3 Conflitos culturais contemporâneos e direitos humanos 51 4 Pluralismo jurídico 61 4.1 Pluralismo jurídico: natureza e consequências 61 4.2 Pluralismo jurídico e seus papéis: conservador e emancipador 66 4.3 Sistemas sociais e jurídicos alternativos 67 5 Olhares antropológicos: família, crime e julgamento 77 5.1 A família em uma perspectiva antropológica 77 5.2 O crime como estudo da Antropologia 81 5.3 A influência de fatores antropológicos no julgamento 84 6 Jeitinho brasileiro e corrupção 89 6.1 O jeitinho brasileiro na cultura 89 6.2 Jeitinho brasileiro: favor ou corrupção? 98 6.3 As várias faces da corrupção e as consequências jurídicas 100 7 Linguagem e o Direito 107 7.1 Entendendo o que é a linguagem 107 7.2 A linguagem na ordem jurídica 109 7.3 A análise do discurso 113 8 Consumismo e sustentabilidade 121 8.1 A cultura do consumismo 121 8.2 O paradigma da sustentabilidade 130 8.3 Perspectivas de mudanças 133 Gabarito 139 Apresentação Cultura, linguagem, consumismo, pluralismo jurídico, “jeitinho brasileiro”. Existe uma rela- ção desses temas com o Direito? Qual é essa relação? Nesta obra, faremos uma análise atual desses assuntos aproximando-os do estudo do Direito. Desse modo, esses temas da área de conhecimento da Antropologia são tratados aqui pela ótica jurídica, desvelando o quanto o Direito é permeado de fenômenos socioculturais. Ao longo dos capítulos, compreenderemos o objeto da Antropologia do Direito, entende- remos a formação da cultura e as correlações com a ordem jurídica. Faremos uma abordagem do multiculturalismo, dos estudos culturais contemporâneos e dos direitos humanos. Também tratare- mos do pluralismo jurídico, compreendendo suas causas e efeitos, e da diversidade de perspectivas sobre categorias fundamentais do Direito, como a família, o crime e o julgamento. Analisaremos, além disso, a cultura nacional no que diz respeito ao chamado jeitinho brasileiro, relacionando-o com a corrupção. Apresentaremos o papel da linguagem no Direito como elemento de poder e, por fim, a cultura do consumismo na atualidade e o paradigma da sustentabilidade. Compreender esses temas é fundamental aos estudantes e profissionais do Direito, para que possam ter uma visão mais abrangente do universo jurídico, entendendo e interpretando as cone- xões existentes entre os indivíduos, a cultura e o Direito. Apropriando-se de um saber de viés mais crítico e aprofundado sobre essas relações, con- tribuímos para que cada indivíduo assuma sua responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 1 Fundamentos da Antropologia Jurídica Neste capítulo, abordaremos o que é a Antropologia e seu objeto de estudo, de modo a pro- piciarmos uma investigação sobre os estudos realizados por esse campo da ciência e entenderemos suas particularidades em relação às outras ciências. Também estudaremos as diferenças entre a Antropologia Social e a Antropologia Cultural. Por fim, analisaremos o campo de estudo da Antropologia Jurídica e entenderemos como os conhecimentos antropológicos podem contribuir para o aprimoramento e o desenvolvimento da ciência jurídica. 1.1 O objeto da Antropologia Você conhece a Antropologia? Sabe o que ela estuda? Como surgiu esse campo da ciência? Já pensou em sua importância? O termo antropologia vem da junção dos termos anthropos, que significa homem, e logos, que significa ciência. Dessa forma, a Antropologia é a ciência que estuda o homem, mais especi- ficamente o homem como humanidade. Esse recorte é feito pois, caso contrário, poderia causar conflito com o objeto de outras ciências, como a psicologia, que também estuda o homem. Para a Antropologia, o estudo da humanidade se preocupa com a análise do homem em sua totalidade e confere ao objeto da Antropologia, segundo Marconi e Presotto (2015), um tríplice aspecto: • como ciência social, a Antropologia visa conhecer o homem como parte de um grupo social; • como ciência humana, a Antropologia visa conhecer o homem em sua integridade, suas crenças, formas de pensar, linguagem; • como ciência natural, a Antropologia visa conhecer o homem de maneira psicossomáti- ca, buscando a compreensão de sua evolução. Conforme explicam Marconi e Presotto (2015, p. 2), a Antropologia é a ciência que estuda o homem, sua produção e seu comportamento. O seu in- teresse está no homem como um todo – ser biológico e ser cultural –, preo- cupando-se em revelar os fatos da natureza e a cultura. Tenta compreender a existência humana em todos os seus aspectos, no espaço e no tempo, partindo do princípio da estrutura biopsíquica. Assim, tendo isso em vista, podemos afirmar que a Antropologia busca responder a uma questão central: O que é o homem? Mas como a Antropologia entende o homem? Essa não é uma questão simples. De acordo com Marconi e Presotto (2015), o homem sofreu transformações que o fizeram evoluir de um primata até chegar ao que conhecemos hoje como o homem moderno. Essas mudanças aconteceram em fases nas quais o homem se transformou física e culturalmente. Antropologia do Direito10 Como exemplo, podemos citar as mudanças que ocorreram com o Australopithecus, o Homo habilis, o Homo erectus, o Homo sapiens e o Homo sapiens sapiens, como demonstra o Quadro 1. Nele, podemos verificar o longo processo de desenvolvimento do gênero Homo e identificar no tempo a sucessão das espécies humanas. Em termos de comparação das atividades desenvolvidas por essas espécies, verificamos que o Homo habilis utilizava apenas instrumentos de pedra lascada, enquanto o Homo erectus já utilizava e controlava o fogo, percorrendo um longo caminho de desenvolvimento. O quadro também apresenta os períodos e a evolução do gênero Homo até os dias atuais. Quadro 1 – Períodos geológicos, climáticos e épocas culturais correlacionados com o gênero Homo Era Período Anos Épocas Períodos climáticos Culturas paleolíticas Épocas culturais Homo Ce no zó ic a Q ua te rn ár io Holoceno Pós-glacial Idade dos Metais Prata e ouro Ferro Bronze Cobre Pedra Polida Neolítico Moderno 10.000 Würm III Idade do Osso Magdaleniense 35 a 20 mil Mesolítico Pleistoceno Superior Würm II Solutrense 40 a 30 mil Ind.Folha Foliácea Paleolítico Superior Sapiens – sapiens sapiens Aurignaciense 70 mil 40.000 Würm I Perigordiense 3º interglacial Musteriense 140 a 70 mil Levaloisense 250 a 70 mil Ind. da lâmina Esquírola Paleolítico médio sapiens 150.000 Riss Acheulense 400 a 150 mil Clactoniense Ind. Lasca Paleolítico inferior erectus Pleistoceno médio 2º interglacial Mindel Chelense Abeviliense 540 a 400 mil 500.000 1º interglacial Pleistoceno inferior Gunz Pré-chelense Pré Gunz Olduvaniense Ind. Seixos Pré Paleolítico ou Eolítico Australopi thecus e H. habilis 1 milhão 2 milhões Vilafranquiano Fonte: Marconi; Presotto, 2015, p. 90. De acordo com Marconi e Presotto (2015), o homem se desenvolveu culturalmente e essa cons- tatação é comprovada por restos arqueológicos que demonstram que o ser humano foi se adaptando e produzindo bens e conhecimentos a partir de sua transformação psicobiológica. “O homem se torna, então, um ser cultural, capaz de produzir, ou seja, capaz de criar e acumular experiências e principal- mente de transmiti-las socialmente” (MARCONI, PRESOTTO, 2015, p. 77). Dessa forma, verificamos que o estudo da Antropologia é amplo e complexo, pois não se limita a uma análise temporal e(ou) espacial, isto é, a Antropologia estuda o homem em vários tempos históricos diferentes e também em regiões e localidades distintas. Nesse estudo que avança no tempo e em espaços diferentes, a Antropologia busca compreender o que o homem produz e como se comporta nos grupos e nas sociedades em que vive. Assim, verificamos a importância dessa ciência no entendimento do homem como um todo, respeitando sua diversidade e sua plu- ralidade cultural no mundo. Neste ponto, podem surgir dúvidas sobre a relação da Antropologia com outras ciências, como a sociologia, a economia e a política, uma vez que estas também tratam do homem em seu Fundamentos da Antropologia Jurídica 11 convívio social e de sua produção e relação com os demais integrantes de um grupo. Essas ciências são afins à Antropologia, mas não se confundem com ela. • A Sociologia estuda o homem em suas relações sociais, sua influência no meio e a in- fluência do meio sobre o homem. A Antropologia é mais abrangente e estuda também as relações humanas com a própria natureza biopsíquica do homem, não se limitando a um tempo e espaço. A Antropologia e a Sociologia cooperam na produção do conhecimento pela troca de conceitos, métodos e técnicas desenvolvidas especificamente em cada área do conhecimento, mas que podem ser utilizados na área afim – como o conceito de cul- tura, que é amplamente estudado na Antropologia, mas que a Sociologia utiliza também em seus estudos e pesquisas. • A Economia estuda o processo econômico humano, envolvendo seus recursos e suas relações. Já a Antropologia não se restringe às relações da produção econômica do ho- mem e estuda, de maneira mais abrangente, o próprio homem. Como ciências afins, a Antropologia e a Economia podem permutar seus conhecimentos para a expansão das ciências. Por exemplo, a Economia pode explicar como ocorre a produção econômica de uma época, de um lugar; a Antropologia estuda vários modos de produção em diversos tempos históricos. Assim, cada ciência pode trocar suas teorias, seus modelos e seus co- nhecimentos e permitir uma expansão em cada área. • A Política estuda as instituições que regulam o poder nas sociedades e como ocorrem os processos de integração e ordem nessas sociedades. A Antropologia, por sua vez, analisa também essas relações, mas não apenas elas, visto que tem como objeto uma abordagem mais ampla do ser humano. No entanto, é possível uma troca de conhecimentos entre essas ciências, que têm em comum a busca pela compreensão das formas de organização política do homem. A Antropologia também tem relação com a História (busca o entendimento e a reconstru- ção das culturas que não existem mais), a Geografia Humana (estuda as mudanças de habitat, geradas pela tecnologia produzida pelo homem, e como este se adapta ao meio modificado) e a Biologia Humana (estuda a evolução do homem em seu aspecto biológico). Além disso, ela se conecta com outras ciências, como a Geologia, a Paleontologia, a Arquitetura, a Engenharia, a Botânica, a Anatomia, as Artes. Cada uma delas, em suas especificidades, pode contribuir para o estudo da humanidade. Tendo em vista o que vimos até o momento, cabe agora fazermos um questionamento im- portante: Afinal, quando surgiu a Antropologia? O projeto de fundação de uma ciência do homem surgiu no século XVIII e se consti- tuiu com base em quatro fundamentos: a construção de alguns conceitos fundamentais, como o de homem; a constituição de um saber fundado na observação; o rompimento com o pensa- mento cartesiano; e a adoção de um método para a produção do conhecimento antropológico (LAPLANTINE, 2012). No entanto, foi no século XIX que surgiu a Antropologia, mesmo período em que a socio- logia também começou a se constituir como ciência autônoma. A autonomia da Antropologia Antropologia do Direito12 se caracteriza pelo estudo dessa nova ciência, focada nas sociedades primitivas em todos os seus aspectos: econômico, religioso, biológico, linguístico, entre outros. Vale destacarmos que o surgimento da Antropologia também pode ser associado ao contex- to histórico de grandes mudanças que ocorreram na Europa nesse período, como a consolidação do sistema capitalista. Foi na Europa do século XIX que o sistema capitalista passou a se constituir como sistema produtivo, posto que a Revolução Industrial possibilitou a formação dos contextos social, econômico e político necessários para a estruturação do capitalismo, em virtude da expan- são do capitalismo nesse período para além dos limites europeus, por meio do colonialismo e do imperialismo (SANTOS, 2005). Esse cenário fez com que crescesse a importância do estabeleci- mento de uma ciência que tivesse como objeto de estudo o ser humano em outros contextos cultu- rais, o que fez com que a Antropologia desenvolvesse e ampliasse seu campo de estudo. Nesse contexto, de acordo com Assis e Kumpel (2011), no século XIX, duas mudanças se destacaram, uma vez que contribuíram para o nascimento da Antropologia: • Mudanças dos contextos social e político – a Revolução Industrial e a Revolução Francesa propiciaram mudanças inéditas nos campos social, político, econômico e jurídico. • Mudança do contexto geopolítico – foi nesse século o auge do colonialismo. Alguns paí- ses europeus, como Inglaterra, França e Portugal, ao expandirem seus limites para outras regiões, como África, Nova Zelândia, Austrália, América e Índia, passaram a ter contato com culturas e povos muito diferentes, o que fez com que as nações europeias tivessem interesse em conhecer esses povos. Várias obras contribuíram para o estudo e a consolidação da Antropologia. Entre elas, des- tacam-se A cidade antiga, de Fustel de Coulanges (1961), que trata da origem de Roma e continua a ser, atualmente, uma obra utilizada no curso de Direito para o estudo da origem de instituições jurídicas que até hoje estão presentes no ordenamento jurídico. Outras obras importantes para o estudo desse campo da ciência são citadas no Quadro 2. Quadro 2 – Obras que contribuíram para a Antropologia Ano Autor Obra 1861 Bachofen Direito moderno 1864 Fustel de Colanges A cidade antiga 1865 Mac Lennan O casamento primitivo 1871 Edward Tylor A cultura primitiva 1977 Lewis Morgan A sociedade antiga 1890 James Frazer Ramos de ouro Fonte: Adaptado de Assis; Kumpel, 2011. Cabe nesse momento analisarmos o objeto de estudo da Antropologia. De acordo com Marconi e Presotto (2015, p. 2), a Antropologia “engloba as formas físicas primitivas e atuais do Fundamentos da Antropologia Jurídica 13 homem e suas manifestações culturais”. A Antropologia preferencialmente estuda os grupos sim- ples, mas não exclui o estudo de grupos mais complexos. E como um antropólogo faz seus estudos? Quais são os métodosutilizados para a aná- lise de seu objeto de estudo? Existem diversos métodos que podem ser usados nos estudos da Antropologia, os quais podem ser vistos no Quadro 3. Cabe destacarmos que método é o “conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros –, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista” (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 65). Quadro 3 – Exemplos de métodos utilizados pela Antropologia Método Descrição Histórico Investigação de elementos do passado, com a finalidade de compreender a vida presente, que pode ser explicada pela reconstrução da cultura e das mudanças ocorridas. Estatístico Tem a finalidade de, por meio de dados quantitativos, verificar a natureza, a ocorrência e o significado de fenômenos e relações entre eles. Etnográfico É uma análise descritiva das sociedades humanas, referente aos seus aspectos culturais, com a finalidade de conhecer melhor o estilo de vida e a cultura dessas sociedades. Comparativo ou etnológico Tem por finalidade a comparação de padrões, costumes, estilos de vida, cultura, com o intuito de verificar as semelhanças e as diferenças entre os grupos estudados. É amplamente utilizado. Monográfico ou estudo de caso Estudo aprofundado de um determinado caso ou grupo humano, sob todos seus aspectos. Esse método permite a análise detalhada de várias instituições de um grupo e de todos os setores da cultura. Genealógico Estudo das relações de parentesco entre as pessoas de um grupo e suas implicações sociais. Funcionalista Estudo da cultura sob o ponto de vista da função no contexto social. Fonte: Adaptado de Marconi; Presotto, 2015, p. 11-14. Vale destacarmos também algumas técnicas que podem ser utilizadas pelo antropólogo para a coleta de informações e dados para seus estudos. Entre elas, citamos as seguintes: • Observação – permite ao pesquisador se valer de seus sentidos, vivenciando muitas vezes a realidade de seu objeto de estudo. Nesta técnica, o pesquisador está inserido no meio junto com seu objeto de estudo e, dessa forma, pode perceber, por meio de seus sentidos, as características do objeto ou fenômeno pesquisado, para posteriormente realizar sua análise teórica. • Entrevista – é o contato direto com o objeto de estudo, por meio de uma conversa em que as informações são repassadas ao antropólogo. • Formulário e questionário – são formas de coleta de dados em que o pesquisador orga- niza as informações que pretende obter em perguntas escritas e organizadas em um do- cumento. No formulário, é o próprio pesquisador que faz as perguntas e, após a resposta do entrevistado, o próprio pesquisador preenche as respostas no documento. No caso do questionário, é o próprio entrevistado que preenche as respostas no documento. Antropologia do Direito14 Agora que já temos uma noção geral de como surgiu a Antropologia e de seu objeto de es- tudo, estudaremos a seguir duas grandes vertentes desse campo do conhecimento: a Antropologia Social e a Antropologia Cultural. 1.2 Antropologia Social e Antropologia Cultural A Antropologia pode ser classificada em duas grandes vertentes: a Antropologia Social e a Antropologia Cultural, as quais estudaremos com mais detalhes a seguir. 1.2.1 Antropologia Social A Antropologia Social é o ramo da Antropologia que estuda os processos culturais em uma estrutura social e tem como foco a sociedade e suas instituições. “Cada aspecto da vida social – o familiar, o econômico, o político, o religioso, o jurídico – só pode ser compreendi- do se estudado em relação aos demais, como parte de um conjunto integrado” (MARCONI; PRESOTTO, 2015, p. 7). De acordo com Laplantine (2012), a Antropologia Social teve origem na Inglaterra com a influência de Malinowski1 e Radcliffe-Brown2 e se aproxima da Antropologia simbólica. Entretanto, apesar de próximos, esses dois ramos apresentam perspectivas diferentes. A antropologia simbólica entende a cultura como uma rede de significados que foram produzidos em um determinado siste- ma e compartilhados pelos membros de uma sociedade. Já a Antropologia Social tem como foco a ligação entre as instituições sociais, o caráter integrativo entre família, moral e religião. 1.2.2 Antropologia Cultural Para Laplantine (2012), a transição da Antropologia Social para a Antropologia Cultural re- presentou uma mudança de perspectiva, uma vez que, enquanto a Antropologia Social estuda a tota- lidade das relações sociais e as relações que os grupos mantêm entre si em um mesmo conjunto (por isso estuda também sua hierarquia), a Antropologia Cultural estuda as relações humanas pelo viés da cultura. A cultura, para Laplantine (2012, p. 120), é entendida como “o próprio social, mas conside- rado dessa vez sob ângulo de caracteres distintivos que apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas...)”. A Antropologia Social e a Antropologia Cultural, para Laplantine (2012), são semelhantes, pois têm o mesmo campo de investigação, utilizam-se dos mesmos métodos de pesquisa, têm um mesmo objetivo (que é a realização de pesquisa comparativas), mas distinguem-se quanto ao foco de comparação. Enquanto na Antropologia Social o foco comparativo está no sistema de relações sociais, na Antropologia Cultural está no comportamento particular dos indivíduos, pois esta estu- da o homem em seu contexto cultural. Assim, a Antropologia Cultural “investiga as culturas huma- nas no tempo e no espaço, suas origens e desenvolvimento, suas semelhanças e diferenças. Tem seu 1 Bronisław Kasper Malinowski (1884-1942) foi um antropólogo polonês que atuou na London School of Economics e é considerado o pai da Antropologia Social, devido às suas pesquisas e ao seu desenvolvimento de um novo método de pesquisa para a Antropologia. 2 Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) foi um antropólogo inglês que exerceu grande influência na Antropo- logia com seus estudos e suas publicações e sua sistematização de teorias antropológicas. Fundamentos da Antropologia Jurídica 15 foco de interesse voltado para o conhecimento do comportamento cultural humano, adquirido por aprendizado, analisando-o em todas as suas dimensões” (MARCONI; PRESOTTO, 2015, p. 4-5). Para Marconi e Presotto (2015), a Antropologia Cultural relaciona-se com outras ciências, como as citadas a seguir: • Arqueologia – é o estudo do antigo. Tem como objeto as culturas do passado, já extintas. Essa ciência busca reconstruir o passado por meio do achado de vestígios que foram re- sistentes à destruição do tempo. • Linguística – tem como objeto de estudo a linguagem, que é um meio de comunicação e também um instrumento do pensamento. Em virtude da grande variedade de línguas entre os povos, a linguística é de grande importância para os estudos da Antropologia. • Folclore – pode ser definido como um ramo da ciência socioantropológica que tem por finalidade o estudo da cultura espontânea dos grupos humanos, sejam urbanos ou ru- rais. Assim, esse ramo pesquisa sobre essas manifestações criadas pelos próprios grupos a partir de suas relações sociais e culturais. É importante para a Antropologia conhecer de maneira mais abrangente o grupo humano que estuda. Para Laplantine (2012), a Antropologia Cultural pode ser caracterizada por três traços marcantes: 1. A Antropologia Cultural estuda os caracteres particulares dos comportamentos dos indi- víduos de um mesmo grupo, com a mesma cultura. 2. A pesquisa da Antropologia Cultural é orientada pela observação direta dos comportamen- tos dos indivíduos e procura “compreender a natureza dos processos de aquisição e trans- missão, pelo indivíduo, de uma cultura, sempre singular [...]” (LAPLANTINE, 2012, p. 122). 3. A Antropologia Cultural estuda o social com base na perspectiva de sua evolução, sob os ângulos, por exemplo, da difusão e da aculturação.A difusão é um processo dinâmico de relação entre culturas diferentes, em que uma cultura expande seus elementos para outras culturas. A aculturação é o processo de fusão entre culturas diferentes que, a partir de um contato contínuo, acabam por gerar alterações em ambas as culturas (MARCONI; PRESOTTO, 2015). Por fim, cabe destacarmos que essas classificações não são unânimes na Antropologia. Para Damatta (2010), não há distinção entre a Antropologia Social e a Antropologia Cultural. Assim, a pesquisa antropológica deve levar em consideração as duas perspectivas, pois “permite descobrir a dimensão da cultura e da sociedade” (DAMATTA, 2010, p. 36). 1.3 Antropologia Jurídica Após o estudo da Antropologia, de seu conceito, suas origens, seu objeto de estudo e seus méto- dos de estudo, cabe agora estudarmos a Antropologia Jurídica. Para Rocha (2013, p. 17), a Antropologia Jurídica “é a observação participante e a comparação entre as modernas instituições do Direito e do Estado moderno”. Essa área do conhecimento asso- cia os métodos, as técnicas e os conhecimentos da Antropologia para o estudo do Direito. Assim, é Antropologia do Direito16 possível conhecer de modo mais aprofundado a relação do homem com seus sistemas normativos e com as instituições criadas para regular e organizar a sociedade por meio de normas. Para Rocha (2013), o objetivo da Antropologia relacionada ao Direito é possibilitar a des- construção de um saber que ficou muito rígido e que gera a dificuldade, ou até a impossibilidade, de olhar o homem de maneira mais abrangente e entender a pluralidade de formas de sobrevi- vência desse homem, cada vez mais complexas nas sociedades modernas. Assim, a Antropologia é um instrumento de desmistificação e desalienação, pois possibilita um olhar mais totalizante do homem e de suas relações. Para o Direito, é fundamental uma compreensão abrangente e extensiva do homem e de suas relações sociais, culturais, econômicas, entre outras, gerando, dessa forma, respeito e tolerância à diversidade cultural. O estudo da Antropologia Jurídica pode demonstrar a existência de um pluralismo jurídico. Rouland (2003, p. 3) afirma que a Antropologia Jurídica “ambiciona estudar os sistemas jurídicos gerados pelas sociedades humanas, sem exclusividade”. De acordo com o autor, qualquer sociedade conhece o Direito, mesmo que o produza ou o organize de formas diferenciadas, uma vez que, mesmo que haja diversidade no conteúdo jurídico das diferentes sociedades, em todas há o reconhecimento da importância de uma regulação jurídica. Dessa forma, a Antropologia Jurídica deve estudar os direitos de culturas não ocidentais e, com base nesse conhecimento e nesse novo olhar, voltar-se então para o estudo das sociedades ocidentais. A Antropologia Jurídica, assim, tem uma utilidade descritiva, pois retrata os fatos e as his- tórias de cada povo e sua relação com o Direito e permite compreender melhor cada sociedade e seu sistema jurídico, com base no conhecimento de outros sistemas jurídicos. Ela também tem uma utilidade prospectiva, ao mostrar que há questões de pesquisa que devem ser vistas por essa ciência. Três questões são fundamentais: a relação entre o Direito e o Estado, o pluralismo jurídi- co e as forças e mutações que forçam seu reconhecimento e a relação entre o Direito e os valores (ROULAND, 2003). Além disso, em sua utilidade prospectiva, ao analisar as diversas culturas, os povos e os sistemas jurídicos, a Antropologia do Direito pode contribuir para a proposição de mu- danças e alterações necessárias na norma jurídica. Dessa forma, a Antropologia Jurídica, de acordo com Rouland (2003), contribui para apro- ximar os diversos sistemas jurídicos que podem estar separados no tempo e no espaço. Além disso, ela pode fornecer elementos que possam ajudar a encontrar soluções para os problemas internos, contribuindo também para descobrir melhor o próprio Direito. Podemos afirmar, dessa maneira, que a Antropologia Jurídica tem como objeto de estudo as formas de produção do Direito, isto é, como o Direito é produzido em uma sociedade e como as relações sociais, políticas e de poder influem na formação das normas jurídicas. Assim, fica evidente como é amplo o campo de estudo da Antropologia Jurídica, o que permite a compreensão da formação da norma jurídica e também de como o sistema jurídico, como formação cultural de uma determinada sociedade, relaciona-se com as demais áreas, instituições e atores dessa sociedade. Fundamentos da Antropologia Jurídica 17 Rocha (2013) apresenta uma série de perguntas com as quais a Antropologia pode contri- buir ao saber jurídico. Essas questões, que são vistas no Quadro 4, trazem um olhar amplo sobre as possibilidades de a Antropologia contribuir para uma compreensão mais completa e diversifi- cada do Direito. Quadro 4 – Questões fundamentais para a Antropologia Jurídica É fundamental à sobrevivência humana, coletivamente tomada, a existência de leis elaboradas por meio de uma lógica formal jurídica? É imprescindível, para a vida social do homem, a existência de um poder terceiro, e maior, como o Estado? O que é exatamente “poder” na sociedade humana, qual sua origem e qual sua utilidade, e pode-se falar de um sentido único e universal para tal relação? A regulação e a emancipação são elementos de normatividade e desobediência existentes em todas as sociedades humanas e se verificam, como fenômenos, de forma idêntica? Quais os tipos de instituições de controle social e que formas estas assumem nas sociedades humanas em seu papel normativo e punitivo? Qual a relação entre formas de julgar e punir e a efetiva e eficiente administração pública das condutas indesejáveis? Como a condição humana sente e estabelece suas variadas estratégias de sobrevivência a partir da dicotomia entre público e privado, inclusive no caso brasileiro? Qual o papel da magia e da religião nas possibilidades da dominação e exploração da natureza – quando esta pare- ce sufocar e revoltar-se contra nós –, e dos homens – quando as formas de banalização da vida humana parecem ter chegado a formas extremas de brutalidade e “criatividade”? Para que servem as formas especializadas do saber, incluído o saber profissional do julgar e punir? Afinal, existem outras possibilidades de se compreender o fenômeno humano normativo, regulador e, com essa compreensão, buscar formas mais humanas no estado da arte do Direito? Afinal, qual o verdadeiro papel do Direito na construção do projeto humano em função dos direitos inalienáveis da condição humana – na fuga da violência e desumanização? Questões Fonte: Rocha, 2013, p. 2-3. Com base nas questões anteriores, Rocha (2013) entende que essa contribuição da Antropologia ao Direito pode gerar uma ciência jurídica mais humanizada. Conforme explica o autor, o Direito, no contexto antropológico, engloba todas as formas de normatização social e todas as particularidades nas formas e conteúdos das funções de educar, controlar, julgar e punir, [...] a efetiva e mais promissora contribuição à não dogmatização de saberes petrificadores Antropologia do Direito18 nas atuais ciências jurídicas deve passar por uma reformulação de base, ou seja, do interesse e capacidade de comparar de forma permanente instituições e vi- sões de espaço e mundo social diferentes. (ROCHA, 2013, p. 2) Com base na análise de Rocha (2013), podemos perceber uma visão otimista de modificação e humanização da ciência jurídica, baseada nas contribuições dos estudos antropológicos e com uma abordagem mais extensiva da aproximação entre essas duas ciências. De acordo com Lessa (apud Arruda, 1942, p. 154), é da Antropologia que vem os estudos para definir o tipo de situação que se apresentará nas normas jurídicas. Como exemplo, podem ser citados os estudos sobre qual a idade que o legislador deve fixar para que um indivíduo obtenha a maioridade civil, podendo, então, tomar parte em contratos ou casar. Esse limite etárioestabeleci- do em lei pode parecer algo simples, mas não é. Para que o legislador defina esse limite, ele precisa conhecer o indivíduo em seu contexto cultural e estudá-lo psicologicamente e sociologicamente. Além disso, o legislador precisa saber sobre os elementos físicos, psíquicos, sociais e culturais que demonstram a capacidade desse indivíduo de realizar determinados atos jurídicos na sociedade. Assim, a Antropologia pode contribuir para esses estudos e para a delimitação da idade com a qual o indivíduo adquirirá a maioridade civil. Conforme explica Arruda (1942, p. 154), a Antropologia influencia beneficamente o Direito e exerce uma benéfica influência em favor dos fracos. A Antropologia mostra que nem todos são iguais em força na sociedade, e impede que o legislador es- tabeleça leis em prol dos fortes, contra os fracos, tratando-os do mesmo modo, dando-lhes direitos iguais ou idênticos. A Antropologia, pois, tem como missão fazer bem compreender a igualdade ao legislador, mostrando que a igualdade consiste em tratar desigualmente os seres desiguais. Assim, com base nessa constatação realizada por Arruda (1942), notamos a importância dos estudos antropológicos para o aprimoramento e o desenvolvimento da ciência jurídica. 1.3.1 Antropologia Forense Os conhecimentos e os métodos da Antropologia também são utilizados em outra área de pesquisa: a Antropologia Forense. Você provavelmente já deve ter assistido a algum seriado na tele- visão que faz investigação criminal e utiliza a Antropologia Forense como ferramenta investigativa. Mas, afinal, o que é Antropologia Forense? De acordo com Croce e Croce Junior (2015, p. 63), a “antropologia forense é a aplicação prá- tica ao Direito de um conjunto de conhecimentos da antropologia geral, visando principalmente às questões relativas à identidade médico-legal e à identidade judiciária ou policial”. Os autores definem as identidades médico-legal e judiciária ou policial da seguinte maneira: • Identidade médico-legal – nessa forma de identificação, são analisados elementos como raça, sexo, estatura, identidade, identificação pelos dentes, sinais individuais, como cica- trizes ou tatuagens, tipo sanguíneo, entre outros. • Identidade judiciária ou policial – compreende a utilização do método de Bertillon e as impressões digitais. O método de Bertillon tem por base a antropometria, que é a Fundamentos da Antropologia Jurídica 19 utilização de medidas da ossatura em diferentes partes do corpo. Esse método é comple- mentado com o uso dos retratos falados, a fotografia sinalética3 e as impressões digitais. Cabe lembrarmos que a identidade é “o conjunto de características pessoais e peculiares que diferencia o indivíduo dos outros e lhe confere uma situação temporoespacial específica e status social único” (CROCE; CROCE JUNIOR, 2015, p. 63). Dessa forma, cabe a essa área do conheci- mento a utilização de uma série de procedimentos, técnicas e conhecimentos para a identificação de um indivíduo pelo levantamento de suas características específicas e próprias. Para Vanrell (2002, p. 195), a Antropologia Forense ocupa-se em realizar dois processos: a determinação da identidade do indivíduo e a identificação do indivíduo. Para o autor, a identidade “é o conjunto de caracteres físicos, funcionais e psíquicos, natos ou adquiridos, porém permanentes, que torna uma pessoa diferente das demais e idêntica a si mesma”. Esse conceito é bastante similar ao apresentado por Croce e Croce Junior (2015), uma vez que ambos apresentam elementos em comum, como a presença de características pessoais que, no conjunto, tornam as pessoas únicas. E a identificação? Para Vanrell (2002, p. 195), a identificação “é um conjunto de procedimen- tos diversos para individualizar uma pessoa ou objeto”. De acordo com o autor, para que seja possível o processo de identificação, é preciso que sejam preenchidos cinco requisitos técnicos, quais sejam: 1. unicidade ou individualidade – é a condição de não repetição do mesmo conjunto de caracteres pessoais de um indivíduo em outro indivíduo; 2. imutabilidade – é a condição desses caracteres não se alterarem ao longo da vida do indi- víduo; cabe destacarmos que alguns elementos são mutáveis, como o peso; 3. perenidade – é a capacidade de alguns elementos persistirem no tempo; 4. praticabilidade – é a qualidade que permite que os elementos sejam utilizados, como custo, facilidade de obtenção ou registro; por exemplo: o DNA pode ser um ótimo méto- do para identificação, mas o uso desse método pode ser muito caro; 5. classificabilidade – é a condição de classificar os elementos para facilitar seu arquiva- mento e sua localização. Dessa forma, esse conjunto de procedimentos e técnicas, que abrange outros procedimentos que não são detalhados nesse estudo, devido a sua especificação e especialidade e por irem além dos objetivos deste livro, pode ser utilizado no processo de identificação, com o intuito de aplicar a norma jurídica em seus mais variados campos. 1.3.2 Criminologia Você já estudou sobre a Criminologia? Se sim, você conhece um autor chamado Cesare Lombroso? Conforme explicam Molina e Gomes (2002, p. 39), a Criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar que estuda o crime, a pessoa do infrator, a vítima e o controle social do comporta- mento delitivo. Ainda de acordo com os autores, a Criminologia é uma ciência que: 3 A fotografia sinalética é uma “fotografia comum, com redução constante de 1/7 de frente e de perfil direito, disciplina- da com exata distância focal, que permite calcular o tamanho exato do indivíduo” (CROCE; CROCE JUNIOR, 2015, p. 107). Antropologia do Direito20 trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâ- mica e variáveis principais do crime, contemplado este como problema individual e como problema social, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito. (MOLINA; GOMES, 2002, p. 39) Lombroso (1835-1909), cientista, psiquiatra, criminologista e antropólogo italiano, foi o criador da Antropologia Criminal, que teve como base a teoria positivista-evolucionista, inspirada nas ideias de Charles Darwin. Lombroso foi um importante pesquisador que utilizou a pesquisa antropológica para a análise do crime e do criminoso, dando um caráter científico à Criminologia (MOLINA; GOMES, 2002). De acordo com Calhau (2009), a grande contribuição de Lombroso não foi apenas a criação da tipologia do “delinquente nato”, mas a metodologia utilizada para a elaboração de sua teoria. Para Lombroso, o delinquente nato era um degenerado atávico, marcado por estigmas transmiti- dos hereditariamente (MOLINA; GOMES, 2002). Conforme explicam Molina e Gomes (2002, p. 193), do ponto de vista de Lombroso, o delinquente padece de uma série de estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais (fronte esquiva e baixa, grande desenvolvimento dos arcos supraciliares, assimetrias cranianas, fusão dos ossos atlas e occipital, grande de- senvolvimento das maçãs do rosto, orelhas em forma de asa, tubérculo de Darwin, uso frequente de tatuagens, notável insensibilidade à dor, instabilidade afetiva, uso frequente de um determinado jargão, altos índices de reincidência, etc.). Para formular sua teoria, Lombroso utilizou o método empírico, por meio do qual realizou mais de 400 autópsias e analisou mais de 6 mil delinquentes vivos. O estudioso também acreditava que o criminoso era geneticamente determinado para o mal, por razões congênitas, e que trazia em sua essência “a reminiscência de comportamento adquirido na sua evolução psicofisiológica” (LOMBROSO, 2010, p. 7). Nas pessoas sãs é livre a vontade, como diz a metafísica, mas os atos são deter- minados por motivos que contrastam com o bem-estar social. Quando surgem, são mais ou menos freados por outros motivos, como o prazer do louvor, o temor da sanção,a infâmia, da Igreja, ou da hereditariedade, ou de prudentes hábitos impostos por uma ginástica mental continuada, motivo que não valem mais nos dementes morais ou nos delinquentes natos, que logo caem na reinci- dência. (LOMBROSO, 2010, p. 223) Além disso, Lombroso dedicou-se ao estudo das tatuagens e criou uma classificação dos tipos de criminosos com base nesse estudo (MOLINA; GOMES, 2002). De acordo com Croce e Croce Junior (2015, p. 101), “é notório que as tatuagens constituem sinais de identidade particular, pois indicam o passado, os costumes, a profissão do indivíduo”. As tatuagens, conforme explicam os autores, “traduzem informes raciais, regionais, afetivos, criminais, e até o estado d’alma do tatua- do no que tange aos seus pendores sexuais” (CROCE; CROCE JUNIOR, 2015, p. 101). Fundamentos da Antropologia Jurídica 21 Homicida de PM Corpo fechado Homossexual Indivíduo de alta periculosidade Dedo duro Cruz de Caravaca “Corpo fechado” Fonte: Croce; Croce Junior, 2015, p. 102. Figura 1 – Exemplos de tatuagens Região da tatuagem Punguista Estuprador Envolvimento com tóxicos Homicida e chefe de quadrilha Praticante de furto Praticante de roubo Homicida Fonte: Croce; Croce Junior, 2015, p. 103. Figura 2 – Local das tatuagens As ideias de Lombroso foram muito criticadas porque excluíam fatores como influência so- cial, educação e conhecimento do comportamento do criminoso. Para Lombroso (2010), o infrator era um doente e o tratamento seria seu isolamento social, de modo a promover um ataque ao seu livre-arbítrio. Esse pensamento era contrário aos ideais iluministas, os quais contribuíram de for- ma definitiva para a construção da ordem e da legislação da sociedade moderna. Atualmente, a Criminologia não defende mais a ideia de criminoso nato de Lombroso. Hoje, inclui-se na análise do criminoso as orientações biológica, psicológica e social. Para o estudo dos infratores, as orientações biológicas buscam identificar no corpo, ou no funcionamento dos sistemas e subsistemas, o fator diferencial que explica a ação delituosa cometida pelo indivíduo. No que tange às orientações psicológicas, estas buscam explicação para a ação delitiva nos proces- sos psíquicos anormais do indivíduo, ou em vivências subconscientes que têm origem no passado do criminoso. Nas orientações sociológicas, a busca da explicação para a conduta criminosa do indivíduo está relacionada ao fenômeno social. Assim, pode-se concluir que a Criminologia atual tem um enfoque mais diversificado para a análise do fenômeno do crime. Considerações finais Neste capítulo, analisamos o que é a Antropologia e seu objeto de estudo: a humanidade no presente, no passado e as prospecções para o futuro. Também estudamos como a Antropologia pode contribuir para o aperfeiçoamento e a transformação da ciência jurídica, pois permite uma visão mais ampla e diversificada do homem e de sua relação com as normas construídas pelo grupo ou sociedade a qual faz parte. Antropologia do Direito22 Ampliando seus conhecimentos O texto a seguir é um trecho do prefácio da obra intitulada A cidade antiga, de Fustel de Coulanges, um clássico no estudo sobre Roma e uma obra importante que contribuiu para a cons- tituição da Antropologia. A cidade antiga (COULANGES, 2000, p. 1-3) Propomo-nos mostrar aqui por que princípios e regras se governaram a sociedade grega e a sociedade romana. Reunimos no mesmo estudo romanos e gregos porque estes dois povos, como dois ramos de uma mesma raça e falando dois idiomas derivados da mesma língua, tiveram a mesma base de instituições, ambos atravessando sua série de revoluções analógicas. Esforçar-nos-emos, sobretudo, por tornar evidentes as diferenças radicais e essenciais que, para sempre, hão-de distinguir estes povos antigos dos das sociedades modernas. O nosso sistema de educação, obrigando-nos a viver desde a infância na tradição dos gregos e dos romanos, habituou- -nos a compará-los sempre conosco, a julgar a sua história pela nossa e a explicar as nossas revolu- ções pelas deles. Tudo o que de gregos e romanos conservamos e por estes nos foi legado faz-nos ver quanto a estes povos nos assemelhamos; pesa-nos, pois, quase sempre, os interpretamos como a nós mesmos. Deste modo de ver procedem inúmeros erros. Enganamo-nos redondamente quando só apreciamos estes povos antigos através de opiniões e à luz de fatos do nosso tempo. Esta noção errada da matéria tem seus perigos. A ideia formada sobre Grécia e Roma mui- tas vezes perturba as nossas gerações. Por uma observação errada das instituições da cidade antiga, imagina-se poder fazê-las reviver entre nós nas leis da atualidade. Iludem-se, assim, quanto à noção de liberdade que tiveram os antigos. Para que haja um verdadeiro conhecimento desses povos antigos, torna-se prudente estudá- -los sem a preocupação de ver neles homens da nossa gente, e como se os antigos nos sejam completamente estranhos; devemos compreendê-los tão desapaixonadamente e com espirito tão livre como se estudássemos a Índia antiga, ou a Arábia. Consideradas desde modo, Grécia e Roma apresentam-se-nos com caráter absolutamente ini- mitável. Nada na história dos tempos modernos se parece com a sua história. Nada no futuro poderá assemelhar-se a elas. Tentaremos mostrar por que regras eram regidas estas socieda- des e deste modo mais facilmente verificaremos por quais razões essas mesmas regras jamais poderão voltar a reger a humanidade. De que procede isto? Por não serem hoje as condições do governo dos homens as mesmas de outrora? As grandes transformações, de tempos em tempos surgidas na constituição das socie- dades, não podem aparecer como efeito nem do acaso, nem só da força. A causa que as produz deve ter algo de poderoso, devendo residir no próprio homem. Se as leis da associação humana já não são as mesmas das da Antiguidade, o motivo está em que algo do próprio homem se transformou. Temos, efetivamente, algo do nosso ser a modificar-se de século em século: a nossa inteligência. A inteligência está sempre em evoluções, quase sempre em progresso, e, por esta razão, as nossas instituições e leis estão sujeitas às flutuações da inteligência do homem. O homem não pensa atualmente do mesmo modo como pensou vinte e cinco séculos atrás e, por isso, não se governa hoje pelas mesmas leis que então o regeram. Fundamentos da Antropologia Jurídica 23 A história da Grécia e a de Roma são testemunho e exemplo da estreita relação, que sempre existiu, entre as ideias da inteligência humana e o estado social de cada povo. Atentai para as ins- tituições dos antigos sem o preconceito das suas crenças religiosas e achá-las-eis confusas, extra- vagantes, inexplicáveis. Por que patrícios e plebeus, patronos e clientes, eupátridas e tetas, e de onde procedem as diferenças nativas e indeléveis por nós encontradas entre todas estas casses? Que significam para nós as instituições lacedemônias que hoje surgem tão contrárias à natureza? Como se explicarão aquelas singularidades iníquas do antigo direito privado: em Corinto e em Tebas, a proibição de venderem suas terras; em Atenas e em Roma, as desigualdades entre irmão e irmã nos direitos de sucessão? Que entendiam os jurisconsultos por agnação ou por gens? Por que as revoluções no direito e as revoluções no direito e as revoluções na política? Que signifi- cado teve aquele estranho patriotismo que por vezes apagava todos sentimentos naturais? Que significava aquela liberdade em que constantemente falavam? Como conceber que se pudesse estabelecer e fazer vigorar, e por quanto a tal respeito podemos hoje idealizar? Que princípio superior, imanente, lhes imprimiu tanta autoridade sore o espírito dos homens? Atividades 1. Qual é o objeto de estudo da Antropologia? Relacione-o com o entendimento antropológico do homem. 2. Quais as diferenças entre a Antropologia Cultural e a Antropologia Social? 3. De acordo com o pensamento de Rocha (2013), explique quais seriam as contribuiçõesda Antropologia para a ciência jurídica. 4. Explique e contextualize, com base nos estudos deste capítulo, a afirmação de Rouland (2003, p. 407) de que a Antropologia Jurídica nos pode ser útil “para descobrir melhor nosso direito, embaixo da casca dos códigos”. Referências ARRUDA, João. Filosofia do direito. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1942. v. 2. ASSIS, Olney Queiroz; KUMPEL, Vitor Frederico. Manual de antropologia jurídica. São paulo: Saraiva, 2011. CALHAU, Lélio Braga. Resumo de criminologia. 4. ed. rev, ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2009. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Edameris, 1961. _____. A cidade antiga. Tradução de Fernando de Aguiar. São Paulo: M. Fontes, 2000. CROCE, Delton; CROCE JUNIOR, Delton. Manual de medicina legal. São Paulo: Saraiva, 2015. DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2012. LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. São Paulo: Ícone, 2010. (Coleção Fundamentos do Direito). MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2010. Antropologia do Direito24 MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2015. MOLINA, Antonio Garcia-Pablos; GOMES, Luiz Fávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos, in- trodução às bases criminológicas da lei 9.099/95, lei dos juizados especiais criminais. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. ROCHA, José Manuel de Sacadura. Antropologia jurídica geral e Brasil: para uma filosofia antropológica do direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. ROULAND, Norbert. Nos confins do direito. São Paulo: M. Fontes, 2003. SANTOS, Rafael dos. Antropologia para quem não vai ser antropólogo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2005. VANRELL, Jorge Paulete. Odontologia legal e antropologia forense. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 2 Cultura: noções e acepções Neste capítulo, trataremos de um dos conceitos mais importantes para a Antropologia: a cultu- ra. Para tanto, discutiremos as seguintes questões: O que é cultura? Como ela se forma? Por que ela é tão importante para a Antropologia? Após a análise do conceito de cultura, estudaremos como a cultura está inserida no orde- namento jurídico brasileiro. Nesse aspecto, analisaremos o que são os direitos culturais e como o ordenamento cria mecanismos para sua proteção. Por fim, demonstraremos a relevância do estudo da cultura para o ordenamento jurídico e a relação entre cultura, Direito e costumes. 2.1 Conceito de cultura Como se constrói uma cultura? Como a cultura se modifica ao longo do tempo? A cultura impacta no comportamento das pessoas? Essas são questões muito relevantes para o estudo da Antropologia, que, como vimos no capítulo anterior, é a ciência que estuda o ser humano em seus mais diversificados ambientes e em suas relações complexas com seu entorno. Para iniciar nossos estudos, a primeira questão a ser respondida é: O que é cultura? Para Marconi e Presotto (2015), o termo cultura tem sua origem nas palavras latinas colere, que significa cultivar ou instruir, e cultus, que significa cultivo, instrução. Será, então, que apenas as pessoas que têm acesso à instrução têm cultura? Apesar da origem da palavra cultura ser associada a essa ideia, para a Antropologia ela não é usada com esse significado. Segundo Laraia (1986), foi Edward Tylor (1832-1917) quem pela primeira vez aplicou o termo cultura para designar uma série de ideias que vinham sendo discutidas desde o século XVII. De acordo com Tylor (1871 apud LARAIA, 1986, p. 25), a cultura “é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos ad- quiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Com base nesse conceito, podemos verificar que a cultura é formada pela reunião de vários ele- mentos. No Quadro 1, vemos alguns desses elementos, conforme indicam Marconi e Presotto (2015). Quadro 1 – Elementos que compõem a cultura Elementos Descrição Conhecimento É resultado da interação do indivíduo com o meio. Todas as culturas têm seus conhecimentos, que são repassados às gerações futuras. Em grande parte, esses conhecimentos são práticos, relacionados às experiências do cotidiano, mas também englobam o conhecimento das estru- turas sociais, dos costumes e das crenças. Crenças É a aceitação de uma proposição como verdadeira, mesmo não havendo comprovação. Con- siste na atitude mental dos indivíduos, que serve para sua ação voluntária. As crenças podem ser verdadeiras ou falsas. (Continua) Antropologia do Direito26 Elementos Descrição Valores São expressão dos sentimentos dos indivíduos. Caracterizam-se por orientarem os comporta- mentos dos indivíduos, pois os valores servem para ponderar a tomada de decisão das pessoas. Normas São as regras que indicam o modo de agir dos indivíduos em um grupo. Dessa forma, são o conjunto de ideias e convenções de como se deve agir, pensar e sentir em determinadas situa- ções. Assim, as culturas são formadas por normas comportamentais. Símbolos São realidades físicas ou sensoriais de que os indivíduos se utilizam para atribuir valor ou significado específico. Podem ser compostos por gestos, palavras, objetos, sinais, cerimônias. Os símbolos são importantes para a transmissão de conhecimentos acumulados durante di- ferentes gerações. Fonte: Adaptado de Marconi; Presotto, 2015, p. 27-31. Compreender a cultura com base na formação de vários elementos criados pelo próprio ho- mem acarreta em uma consequência importante: a separação entre o que é adquirido pelo homem em suas relações sociais e o que o homem é a partir de sua constituição biológica. Dessa forma, a compreensão da cultura como um todo complexo, formado pelo o que o homem produz ao longo de sua história, é diferente da compreensão do que foi desenvolvido pelo homem decorrente de sua evolução biológica. Assim, passamos a compreender o ambiente cultural como uma criação histórica da humanidade, que impacta o ser humano em seu desenvolvimento social, histórico, cultural e educacional. Desse modo, a cultura passa a ter mais influência sobre o homem que sua origem biológica. Laraia (1986) relaciona uma série de características que demonstram esse processo dialético entre o homem e a cultura (como o homem cria a cultura e como a cultura o impacta): • a cultura é mais determinante para o comportamento do homem do que sua herança genética; • as ações do homem derivam dos padrões culturais que apreendeu, e seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo; • como forma de se adaptar ao meio ambiente, o homem cria e modifica a cultura; • em virtude de a cultura passar a ter um caráter de adaptação ao meio, o homem foi capaz de romper os limites das diferenças ambientais e transformar a terra em seu habitat; • com a construção da cultura, o homem passou a depender mais dos aprendizados cons- truídos culturalmente que de suas atitudes geneticamente determinadas; • é esse processo de aprendizagem cultural que determina o comportamento e a capacidade artística e profissional do homem; • a cultura é um processo acumulativo, em que os aprendizados são repassados entre as gerações, dessa forma limitando e estimulando a criatividade do homem; • os gênios são homens altamente inteligentes, que aproveitaram as oportunidades para criar e inventar coisas novas. Assim, percebe-se a relevância da cultura na formação do homem. Laraia (1986, p. 45) faz uma síntese dessas ideias ao afirmar que o homem é resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo pro- cesso acumulativo que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e criativa Cultura: noções e acepções27 desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade. Com base nessa compreensão da importância da cultura no desenvolvimento do ser huma- no ao longo de sua formação histórica e social, cabe fazermos um segundo questionamento: Por que não há um conceito unívoco sobre um tema tão relevante para a Antropologia? A resposta a essa questão está relacionada à complexidade que é o estudo da cultura. Cabe aqui destacarmos que uma teoria é um modelo explicativo sobre algo. No estudo da cultura, as teorias vão buscar responder a uma série de questões, como o que é cultura, como explicar sua formação e quais elementos a compõem. Como não há concordância entre os estudiosos acerca das questões sobre a cultura, cada um desenvolve modelos explicativos diferentes, e cada teoria desta- ca elementos que entende mais relevantes para a explicação sobre a cultura. Roger Keesing (1974 apud LARAIA, 1986), em artigo intitulado Theories of Culture, fez uma classificação das modernas teorias da cultura, as quais podem ser vistas no Quadro 2. Quadro 2 – Teorias modernas sobre a cultura Teoria Autores que a representam Principais ideias Sistema adaptativo Leslie White, Marshall Sahlins, Marvin Harris, Manuela Carneiro da Cunha, Roy Rappaport, Andrew Vayda 1. As culturas são sistemas de padrões de comportamento construídos socialmente e que servem para adaptar as comunidades aos seus ali- cerces biológicos. 2. A mudança cultural é um processo de adaptação cultural equivalente à seleção natural. 3. Os elementos de organização relacionados à produção são o campo mais adaptativo da cultura. 4. Os elementos ideológicos dos sistemas culturais podem influenciar, na forma de controle, na adaptação da população. Idealista Ward Goodenough, Claude Lévi-Strauss, Clifford Geertz, David Schneider Essas teorias podem ser subdividas em três abordagens: 1. Sistema cognitivo – a cultura é um sistema de conhecimento. 2. Sistema estrutural – a cultura é entendida como um sistema simbó- lico da criação da mente humana. Os antropólogos que seguem essa teoria buscam compreender os domínios culturais, como o mito, a arte, o parentesco e a linguagem, como princípios criados pela mente humana e que geram cultura. 3. Sistema simbólico – a cultura é o conjunto de símbolos e significados que são partilhados entre os membros de uma mesma cultura. Fonte: Adaptado de Keesing, 1974 apud Laraia, 1986, p. 59-63. Com base no quadro anterior, podemos perceber que a cultura pode ser explicada como um sistema de adaptação do homem ao ambiente e como um sistema ideal, que se subdivide em sistemas diversos, em que cada um deles destaca um elemento para sua análise: o conhecimento, a estrutura e a mente humana, os símbolos e os significados. Essas teorias permitem a ampliação do olhar sobre a cultura. Você já havia pensado no quão complexo é o estudo desse tema? Em quantas formas diferentes existem para explicar esse fenômeno? Com base em quantos enfoques é possível estudar a cultura? De acordo com Marconi Antropologia do Direito28 e Presotto (2015), a cultura pode ser analisada sob vários enfoques: normas, atitudes, instituições, técnicas, ideias, crenças e valores, as quais são descritas a seguir. • Normas: são representações dos costumes, das tradições e da moral de um povo. Representam a forma de agir dos indivíduos e, ao serem estudadas pela Antropologia, podem possibilitar explicações sobre o comportamento de um povo. • Atitudes: são importantes elementos para o estudo da Antropologia, pois podem propor- cionar a compreensão da forma de viver e pensar de um povo. • Instituições: são elementos importantes para os estudos antropológicos, pois permitem a compreensão da estrutura de uma sociedade, de como esta se organiza e das relações de poder existentes em uma sociedade. • Técnicas: as técnicas desenvolvidas por uma sociedade podem ser objeto de estudo da Antropologia, pois permitem entender o conhecimento e as habilidades desenvolvidas pelos integrantes de determinada sociedade. • Ideias: correspondem às formas de pensar e de compreender de uma determinada socie- dade, em um determinado momento histórico, por isso são importantes para os estudos da Antropologia. • Crenças e valores: também podem ser objeto de estudo da Antropologia, pois represen- tam as atitudes mentais dos indivíduos de uma sociedade, o que compreendem como verdades e os valores representam os sentimentos que orientam as ações dos indivíduos e assim são elementos importantes para análise nos estudos antropológicos. Figura 1 – Síntese dos enfoques para a análise da cultura Ideias (conhecimentos e filosofia) Cultura Técnicas (artes e habilidades) Normas (costumes e leis) Valores (ideologia e moral) Atitudes (preconceito e respeito) Crenças (religião e superstição) Instituições (família e sistema econômico) Fonte: Adaptada de Marconi; Presotto, 2015, p. 24. Dessa forma, fica clara a complexidade e a diversidade de enfoques que podem ser utilizados para a análise da cultura. De modo geral, conforme explicam Marconi e Presotto (2015), para os antropólogos, a cultura consiste em três elementos centrais: ideias, abstrações e comportamentos. As ideias são formadas pelas concepções mentais dos indivíduos e podem ser constituídas sobre Cultura: noções e acepções 29 coisas materiais ou imateriais. Delas derivam os conhecimentos e as crenças filosóficas, religiosas, científicas, tecnológicas, entre outras. Já as abstrações se referem àquilo que está apenas no campo das ideias, excluindo as coisas materiais. Para Marconi e Presotto (2015, p. 25), “vários autores afir- mam que a cultura é uma abstração ou consiste em abstrações, ou seja, coisas e acontecimentos não observáveis, não palpáveis, não tocáveis”. Os comportamentos são os modos de agir em comum entre os grupos humanos, o conjunto de atitudes e reações dos indivíduos em seu meio social. A esta altura de nosso estudo, podemos sintetizar algumas ideias sobre a cultura. Para Silva (2007), é possível delimitar três acepções de cultura: • acepção mais restrita: entende a cultura como “uma realidade intelectual e artística – correspondente ao universo das ‘belas artes’ e das ‘belas letras’ – do passado, do presente e do futuro” (SILVA, 2007, p. 9); • acepção intermediária: compreende o campo da produção intelectual e artística mais o campo da produção científica, do ensino e da formação; • acepção mais ampla: relaciona a cultura como uma realidade complexa, vinculada a gru- pos sociais, comunidades políticas, a uma população, conjugando os elementos históri- cos, filosóficos, antropológicos e psicológicos, “aglutinados de acordo com três vectores orientadores, a saber: ‘tradição, inovação e pluralismo’”1 (SILVA, 2007, p. 9-10). As três acepções apresentadas por Silva (2007) demonstram como é possível organizar toda a complexidade do estudo da cultura, que também pode ser analisada por outras áreas do conhe- cimento, como o Direito. Na sequência de nosso estudo, veremos que a cultura está presente no Direito e como o Direito a entende. Com base nas acepções descritas por Silva (2007), podemos relacionar a compreensão da cultura com a ciência jurídica. 2.2 A presença da cultura no ordenamento jurídico brasileiro Nesta seção, analisaremos as seguintes questões: Há relação entre a cultura e o Direito? Como a cultura está presente no ordenamento jurídico brasileiro? Existem direitos culturais? Silva (2007), com base nas três acepções de cultura apresentadas anteriormente, faz uma relação entre a cultura e o Direito: • A acepção mais restrita da cultura é mais operativa para o Direito. Silva (2007) destaca que o direito à cultura deve ser diferenciado de outros direitos fundamentais, pois a cul- tura não pode ser aprisionada em conceitos fechados. O direito à cultura deve ser tratado por meio de váriasfaces, relacionando-as aos direitos fundamentais. • A acepção intermediária da cultura tem relação com a aplicação do Direito à cultura, pois a partir dessa acepção há uma relação entre a cultura com outras manifestações, como a ciência, a religião e o esporte. 1 Tradição: abrange os costumes e os valores aceitos por uma sociedade ao longo do tempo e repassados de geração para geração. Inovação: é a possibilidade de mudanças em uma sociedade, no que tange aos conhecimentos, às técni- cas, às instituições e aos comportamentos e às ideias. Pluralismo: refere-se à diversidade existente em uma sociedade e pode estar inserido nos campos jurídico, religioso, político. Antropologia do Direito30 • A acepção mais ampla da cultura permite a busca da identidade dos fenômenos jurídicos e entende a cultura como o contexto de qualquer texto legal, pois “o objetivo da ciência jurídica é o de ‘criar, através do respectivo sistema normativo, um marco coerente que possa desenvolver-se a cultura do respectivo grupo político’” (SILVA, 2007, p. 11). Dessa forma, o autor faz a relação entre as acepções de cultura e o Direito, o que nos permite compreender como o Direito pode e faz a inclusão da cultura em sua estrutura e como a interpreta e analisa. Para Silva (2007), independentemente da acepção de cultura, as modernas constituições dos Estados democráticos garantem a liberdade cultural, o pluralismo e a divisão dos poderes, criando um paradigma da “cultura aberta” para uma “sociedade moderna”. Conforme explica Haberle (apud SILVA, 2007, p. 12), as próprias noções de democracia, de Estado de Direito e de Constituição são realidades culturais, que pertencem a um “arquétipo” ou “modelo” de organi- zação do poder político característico do “acervo cultural do Ocidente” e que assume, em nossos dias, uma dimensão de “legado cultural”, um legado que é assumido de novo como pretensão do futuro, pelo que, uma vez alcançado, ja- mais deverá ser abandonado, mas antes – no mínimo – conservado e no melhor dos casos – melhorado. Esse entendimento nos permite compreender a profunda relação entre cultura e Direito, e a própria estrutura jurídica do Estado moderno é fruto da formação histórico-cultural. Neste ponto, podemos questionar: Como a cultura está presente no ordenamento jurídico brasileiro? A cultura é um direito fundamental? Na Constituição Federal brasileira, há uma seção especial para tratar da cultura: é a Seção II, do Capítulo III, que trata da educação, da cultura e do desporto. A Constituição Federal brasileira dispõe sobre os direitos culturais e estabelece que cabe ao Estado o dever de proteção ao direito cultural, conforme disposto no art. 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988). Assim, de acordo com Lenza (2009, p. 825), o art. 215 da Constituição Federal consagra o princípio da cidadania cultural. Esse entendimento da cultura como um direito fundamental é compartilhado por Silva (2007). Para o autor, o estudo do direito cultural pode ser feito com base na teoria das dimensões dos direitos fundamentais, pois esta permite a compreensão da dimensão histórica desses direitos tão relevantes para a ordem jurídica. De acordo com Pedro (2011, p. 45), o reconhecimento dos di- reitos culturais como direito fundamental deve ser visto “como fator essencial do desenvolvimento pessoal – acrescenta-se agora seu valor como fator de igualdade e solidariedade, de integração social e desenvolvimento”. Além disso, o autor se propõe a [...] entender os direitos culturais como aqueles direitos fundamentais que ga- rantem o desenvolvimento livre, igual e fraterno dos seres humanos em seus diferentes contextos de vida, valendo-nos dessa singular capacidade que temos, entre os seres vivos, de simbolizar e criar sentidos de vida que podemos comu- nicar aos outros. (PEDRO, 2011, p. 47) O entendimento das dimensões dos direitos fundamentais pode ser observado no Quadro 3. Cultura: noções e acepções 31 Quadro 3 – Comparação entre as dimensões dos direitos fundamentais e dos direitos culturais Dimensão Direitos fundamentais Direitos culturais Legislação Primeira Direito à liberdade. Liberdades públicas e direitos políticos. Estado Liberal. Proteção dos indivíduos contra o Estado. Direito a liberdades culturais. Liberdade individual de expressão artística e intelectual. Proteção ao direito do autor e da perpetuação da criação cultural. Art. 5º, II, da CF Art. 5º, IX, da CF Art. 5º, XXVII, da CF Art. 5º, XXVIII, da CF Art. 5º, XIX, da CF Art. 215 da CF Art. 220, §2º e §3º, da CF Segunda Direito à igualdade, fundada na prestação do poder público para sua concretização. Caráter coletivo. Direitos sociais, culturais e econômicos. Estado social. Proteção dos indivíduos por meio do Estado. Integrante do rol dos direitos sociais. Terceira Ideal de fraternidade e solidariedade fundada no compartilhamento das responsabilidades entre o poder público e a esfera privada. Estado Pós-social. Preservacionismo ambiental. Proteção aos consumidores. Proteção às novas tecnologias. Qualidade de vida. Direito ao patrimônio cultural. Proteção e preservação compartilhada entre o Estado e a sociedade. Art. 216 e 5º, XXIII, da CF Quarta* Direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Engenharia genética. Lei Rouanet Lei dos Direitos Autorais Plano Nacional de Cultura * Silva (2007) não apresenta a quarta dimensão dos direitos fundamentais. Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva, 2007; Varela, 2014; Lenza, 2009. Para Silva (2007), a compreensão das dimensões dos direitos fundamentais conduz à per- cepção do alargamento e da transformação dos direitos e, assim, à possibilidade do surgimento de novos direitos e também ao entendimento da necessidade de proteção desses direitos. Para Pedro (2011, p. 45), os direitos culturais devem ser vistos como uma ampliação dos direitos humanos, dos quais são decorrência, em especial do direito à liberdade: “os direitos culturais são direitos complexos que estão presentes em todas as ‘gerações dos direitos fundamentais’ que foram sendo historicamente gestados [...]”. Em sua essência, os direitos culturais são direitos de participação da vida cultural, enten- didos como “um complexo de proposições e relações que dão pleno sentido à liberdade humana” (COELHO, 2011, p. 8). Aliado ao direito de participação na vida cultural, também faz parte desse núcleo dos direitos culturais “o direito de participar das conquistas científicas e tecnológicas e o direito moral e material à propriedade intelectual” (COELHO, 2011, p. 8). Antropologia do Direito32 Para Coelho (2011), há uma complexidade na análise dos direitos culturais, pois é de difícil determinação o que é importante culturalmente para cada pessoa, quais suas necessidades e seus interesses. Assim, podemos dizer que os direitos culturais são assimétricos e também individuais. No entanto, o grupo tem grande influência na definição desses direitos culturais, o que também é um fato de complexidade de análise desses direitos. Por fim, para complementarmos essa análise sobre a complexidade que envolve os direitos culturais, há a questão da relatividade: Qual é o valor de cada cultura? Existem culturas com maior valor que outras? Essas questões são difíceis de serem respondidas, pois devem ser analisadas pela ótica do indivíduo: é o indivíduo quem deve saber o que é importante culturalmente para si mesmo. 2.2.1 Patrimônio cultural Ao tratar do conjunto desses direitos culturais, a Constituição Federal brasileira, no art. 216, também trata dos bens culturais e dispõe sobre a composição e a definição do que se considera patrimônio cultural: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza ma- terial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadoresde re- ferência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, ar- queológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988) Para Lenza (2009), o art. 216 da Constituição Federal traz um conceito bastante amplo de patrimônio cultural, pois abrange bens materiais e imateriais, individuais ou coletivos, e refere-se também à identidade e à memória, que são conceitos abrangentes. No Brasil, a preservação do patrimônio cultural do país é de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). De acordo com o Iphan (2018), compõem o patrimônio cultural: • patrimônio material: é composto por um “conjunto de bens culturais classificados se- gundo sua natureza: arqueológico, paisagístico e etnográfico, histórico, belas artes, e das artes aplicadas”; • patrimônio arqueológico: é composto por sítios arqueológicos, que são locais onde se encontram “vestígios positivos de ocupação humana, os sítios identificados como cemité- rios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, ‘estações’ e ‘cerâmicos’, as grutas, lapas e abrigos sob rocha, além das inscrições rupestres ou locais com sulcos de polimento, os sambaquis e outros vestígios de atividade humana”; • patrimônio imaterial: diz “respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se ma- nifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, Cultura: noções e acepções 33 plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abri- gam práticas culturais coletivas)”. Figura 2 – Exemplo de patrimônio imaterial brasileiro: roda de capoeira no Parque Ibirapuera, São Paulo (SP). W ill br as il2 1/ iS to ck ph ot o Essa descrição do patrimônio cultural pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas institui- ções de proteção ao patrimônio cultural estão de acordo com a Convenção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura), que entende o patrimônio cultural da seguinte maneira: Artigo 1 – Para os fins da presente Convenção, são considerados “patrimônio cultural”: – os monumentos: obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor uni- versal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, – os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, que, por sua arqui- tetura, unidade ou integração à paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, – os sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem os sítios arqueológicos, de valor universal excepcio- nal do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (apud IPHAN, 2008, p. 59-60) Além dos inúmeros patrimônios protegidos pelo Iphan no Brasil, a Unesco, que tem por finalidade incentivar a preservação dos bens culturais e naturais da humanidade, também tem uma lista dos bens protegidos e reconhecidos como patrimônios culturais da humanidade. Em 1972, a Unesco adotou a Convenção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, buscando o incentivo à proteção desse patrimônio. Em 1978, o Brasil ratificou essa convenção. O Brasil tem alguns patrimônios culturais inscritos na lista da Unesco, que estão divididos em Patrimônio Mundial Cultural e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, conforme mos- tra o Quadro 4. Antropologia do Direito34 Quadro 4 – Patrimônio Mundial Cultural e Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade no Brasil Patrimônio Mundial Cultural Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade Brasília (DF) Centro Histórico de Goiás (GO) Centro Histórico de Diamantina (MG) Centro Histórico de Ouro Preto (MG) Centro Histórico de Olinda (PE) Centro Histórico de São Luís (MA) Centro Histórico de Salvador (BA) Conjunto Moderno da Pampulha – Belo Horizonte (MG) – Paisagem Cultural do Patrimônio Moderno. Missões Jesuíticas Guaranis – no Brasil, ruínas de São Miguel das Missões (RS) e Praça São Francisco, na cidade de São Cristóvão (SE). Rio de Janeiro, paisagens cariocas entre a montanha e o mar (RJ) – Paisagem Cultural Urbana. Samba de Roda no Recôncavo Baiano Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi Frevo: expressão artística do Carnaval de Recife Círio de Nossa Senhora de Nazaré Roda de capoeira Fonte: IPHAN, 2018. Você já conhecia essas listas? Conhece esses patrimônios culturais? Essas listas permitem que tenhamos uma dimensão da grandiosidade e da diversidade do patrimônio cultural de nosso país e da importância e necessidade de sua proteção. 2.3 A relação da cultura com o Direito: os costumes Partindo da ideia inicial de que cultura diz respeito à humanidade e a tudo que ela produziu ao longo do tempo e também da ideia de que o Direito é um produto social, criado com base nas necessidades, da estrutura, dos interesses e das tensões existentes em uma sociedade, podemos chegar à conclusão de que o Direito é uma manifestação cultural da humanidade. Conforme explica Silva (2007, p. 25), é necessário considerar que o Direito é um fenômeno cultural, que plasma os valores da comunidade e os torna vigente em um determinado momento e local, mas que é também uma realidade autónoma consubstanciada em normas e em princípios jurídicos, dotados de uma lógica e de uma dinâmica próprias. A cultura é formada pelas experiências do processo de evolução do homem e de seu rela- cionamento com o outro, formando valores, crenças, normas e costumes. Assim, surgem questões como: A cultura interfere na produção do Direito? Qual o papel da cultura na formação do Direito? Os costumes também são cultura? E o que eles são para o Direito? O costume jurídico é a mais antiga fonte do Direito, pois os povos antigos não tinham normas jurídicas escritas e os comportamentos, as tradições e as normas eram repassados pelos costumes. Para Thompson (1998), o termo costume, em séculos passados, era empregado para representar o que hoje está contido na palavra cultura. Os costumes jurídicos são também denominados direito costumeiro ou direito consuetu- dinário. Os romanos utilizavam o termo consuetudo para se referirem aos costumes, consuetudo http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/31 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/36 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/32 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/30 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/33 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/34 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/35/ http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/820/ http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/820/ http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/39 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/39 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/43 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/43 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/45/ http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/45/ http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/56 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/54 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/62 http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/66 Cultura: noções e acepções 35 maiorum para se referirem aos costumes dos antepassados e mores para se referirem aos costumes em geral (MONTORO, 2008). Para Betioli (2011, p. 208), o costume jurídico “é a prática de uma forma de conduta, repe- tida de maneira uniforme e constante pelos membros de uma comunidade, acompanhada da con- vicção de sua obrigatoriedade”. Com base nesse conceito, podemos extrair dois elementos centrais, que, de acordo com Betioli (2011), têm
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