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Maria Eduarda Lyra – Patologia I INTRODUÇÃO À PATOLOGIA E ADAPTAÇÕES CELULARES AO ESTRESSE 1. INTRODUÇÃO À PATOLOGIA A patologia é o estudo do sofrimento. Ela envolve a investigação das causas das doenças e as alterações que elas provocam em células, tecidos e em órgãos, que resultam em sintomas. A patologia fornece a fundamentação científica para a prática da medicina. Etiologia é a origem da doença. Doenças como hipertensão, diabetes e câncer, por exemplo, são causadas por suscetibilidade genética em conjunto de fatores ambientais. A patogenia refere-se às etapas do desenvolvimento da doença. Ela descreve como os fatores etiológicos iniciam as alterações no organismo e como originam anormalidades que caracterizam a doença. A patologia geral estuda as alterações das células e tecidos causados por estímulos patológicos, enquanto a patologia sistêmica examina as reações e anormalidades de diferentes órgãos especializados. Nesse material, abordaremos a patologia geral. 2. VISÃO GERAL DAS RESPOSTAS CELULARES AO ESTRESSE E AOS ESTÍMULOS NOCIVOS Normalmente, as células mantêm um estado chamado homeostasia, no qual o meio intracelular é mantido dentro dos parâmetros fisiológicos. Quando há um estresse fisiológico ou estímulo patológico, as células podem se adaptar, alcançando um novo estado, preservando sua função. As principais respostas adaptativas são hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia. Se a capacidade adaptativa é excedida ou se o estresse é inerentemente nocivo, desenvolve-se a lesão celular. A lesão, dentro de certos limites, é reversível. Entretanto, quando o estresse é grave, persistente e de início rápido, o resultado é uma lesão irreversível e as células afetadas morrem. A morte celular é um dos eventos mais cruciais na evolução da doença. É resultante de várias causas, como isquemia, infecção, toxinas e reações imunes. O miocárdio na hipertensão, por exemplo, se adapta sofrendo hipertrofia para aumentar a força contrátil. Se o aumento da demanda não for atenuado, as células musculares sofrerão lesão. Os miócitos lesados de modo reversível não estão mortos e podem se assemelhar a miócitos saudáveis; no entanto, eles estão transitoriamente não contráteis e, logo, mesmo a lesão leve pode ter impacto clínico. Se um estresse induz adaptação ou causa lesão reversível ou irreversível, depende não apenas da natureza e da gravidade do estresse, mas também do metabolismo celular basal e do suprimento sanguíneo e nutricional. 3. ADAPTAÇÕES CELULARES AO ESTRESSE As adaptações são alterações reversíveis em número, tamanho, fenótipo, atividade metabólica ou das funções celulares em resposta às alterações no ambiente. Adaptações fisiológicas representam respostas aos hormônios ou mediadores químicos endógenos. Adaptações patológicas são respostas ao estresse que induzem às células modularem sua estrutura e função, escapando da lesão. As adaptações podem ter várias formas distintas. 3.1 Hipertrofia É o aumento do tamanho das células que resulta no aumento do tamanho do órgão. Não existem células novas, apenas células maiores contendo quantidade aumentada de proteínas estruturais e de organelas. Ocorre quando as células possuem capacidade limitada de se dividir. Pode ser fisiológica ou patológica e é causada pelo aumento da demanda funcional ou por fatores de crescimento ou estimulação hormonal específica. Durante a gravidez, o aumento fisiológico maciço do útero ocorre como consequência da hipertrofia e hiperplasia do músculo liso estimulado pelo estrogênio. No adulto, as células musculares estriadas sofrem apenas hipertrofia, pois possuem capacidade limitada de divisão. Um exemplo de hipertrofia celular patológica é o aumento cardíaco, decorrente da hipertensão ou de doença de valva aórtica. Pelo menos dois tipos de sinais influenciam a hipertrofia cardíaca: os desencadeantes mecânicos, como o estiramento, e os desencadeantes tróficos, como fatores de crescimento e hormônios adrenérgicos. Esses desencadeantes acionam as vias de transdução de sinais, ativando alguns genes que estimulam a intensa síntese de proteínas, incluindo fatores de crescimento e proteínas estruturais. O resultado é uma grande quantidade de proteínas e microfilamentos, que aumentam a força gerada em cada contração. Quando a hipertrofia cardíaca alcança seu limite, ocorrem várias alterações degenerativas nas fibras miocárdicas, como a fragmentação e a perda dos elementos contráteis das microfibrilas. O resultado Maria Eduarda Lyra – Patologia I dessas alterações é a dilatação ventricular e a falência cardíaca. 3.2 Hiperplasia A hiperplasia ocorre se o tecido é composto de células capazes de se dividir. Ocorre simultaneamente com a hipertrofia e sempre em resposta ao estímulo. A hiperplasia pode ser fisiológica ou patológica. Em ambas as situações, a proliferação celular é estimulada por fatores de crescimento. Existem dois tipos de hiperplasia fisiológica: hiperplasia hormonal (ex: proliferação do epitélio glandular da mama feminina na puberdade e durante a gravidez) e hiperplasia compensatória (crescimento de tecido residual após a remoção ou perda da porção de um órgão). A hiperplasia patológica é causada, geralmente, por estimulação excessiva hormonal ou por fatores de crescimento. Por exemplo, após o período menstrual normal, há o aumento da proliferação do epitélio uterino, regulado pela estimulação dos hormônios hipofisários, pelo estrogênio e pela progesterona. No entanto, quando há o desequilíbrio entre estrogênio e progesterona, ocorre a hiperplasia do endométrio, causando sangramento menstrual anormal. A hiperplasia também ocorre nas células do tecido conjuntivo na cicatrização de feridas, onde os fibroblastos e os vasos sanguíneos auxiliam o reparo. Nesse caso, os fatores de crescimento são produzidos pelos leucócitos e pelas células na matriz extracelular. O que diferencia a hiperplasia patológica do câncer é a sensibilidade aos mecanismos de controle de regulação normal. No câncer, os mecanismos se tornam desregulados ou ineficazes. No entanto, a hiperplasia patológica pode ser um solo fértil para o surgimento do câncer posteriormente. 3.3 Atrofia É a diminuição do tamanho da célula pela perda de substância celular. Quando muitas células estão envolvidas, todo o tecido/órgão diminui de tamanho, tornando-se atrófico. Obs: as células possuem função diminuída, mas não estão mortas. Causas da atrofia: • Diminuição da carga de trabalho, como imobilização de um membro; • Perda da inervação; • Diminuição do suprimento sanguíneo; • Nutrição inadequada; • Perda da estimulação endócrina; • Envelhecimento (atrofia senil). Embora, as causas dos exemplos anteriores possam ser fisiológicas ou patológicas, as alterações celulares fundamentais são idênticas: diminuição da célula até um tamanho onde a sobrevivência seja possível, estabelecendo um novo equilíbrio entre o tamanho da célula e a diminuição do suprimento sanguíneo, da nutrição ou da estimulação trófica. A atrofia ocorre com a diminuição da síntese proteica e a degradação proteica aumentada nas células. A síntese proteica diminui por causa da redução da atividade metabólica. A degradação das proteínas ocorre pela via ubiquitina-proteossoma. A deficiência de nutrientes e o desuso ativam as ligases da ubiquitina, as quais ligam as múltiplas cópias do peptídeo ubiquitina às proteínas celulares e direcionam essas proteínas para a degradação nos proteossomas. A atrofia pode ser acompanhada pela autofagia, que resulta no aumento do número de vacúolos autofágicos. A autofagia é o processo no qual a célula privada de nutrientes digere seu conteúdo afim de encontrar nutrição e sobreviver. 3.4 Metaplasia É uma alteração reversível na qual um tipo celular adulto (epitelial ou mesenquimal) é substituído poroutro tipo celular adulto. Em fumantes habituais de cigarros, as células epiteliais normais, colunares e ciliadas da traqueia e dos brônquios são substituídas por células epiteliais escamosas estratificadas. Esse epitélio é mais resistente às substâncias do cigarro. Embora esse epitélio escamoso metaplásico seja mais resistente, alguns mecanismos de defesa são perdidos, como a secreção de muco e a remoção de materiais pelos cílios. Se a influência que induz a metaplasia persistir, pode ocorrer a transformação maligna do epitélio. No refluxo gástrico crônico, o epitélio pavimentoso estratificado normal da porção inferior do esôfago pode sofrer metaplasia e se tornar epitélio colunar do tipo gástrico ou intestinal. ROBBINS, S. L.; KUMAR, V. (ed.); ABBAS, A.K. (ed.); FAUSTO, N. (ed.). Patologia: Bases Patológicas das doenças. 9ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
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