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PSICODIAGNÓSTICO – V 183 Apsicologia forense é a psicologia aplicadaao campo da prática judicial e, como tal, constitui-se em uma das áreas de estudo re- sultante das relações entre a psicologia e a lei. A psicologia forense, ou judicial, como tam- bém é conhecida, surgiu da necessidade de as- sessorar magistrados em suas tarefas de julga- mento. Inicialmente, esteve relacionada com a psiquiatria forense, sendo suas primeiras inves- tigações voltadas para a área criminal. Somen- te a partir do século XX, passaram-se a desen- volver novos aspectos de investigação, tanto relacionados com avaliações clínicas ligadas às questões do direito na área cível quanto aos procedimentos jurídicos inerentes ao processo judicial, como avaliação de testemunhos ou procedimentos dos jurados. Para Ibañez e Ávila (1990), a psicologia fo- rense é toda psicologia, experimental ou clíni- ca, orientada para a produção de investigações psicológicas e para a comunicação de seus re- sultados, assim como a realização de avalia- ções e valorações psicológicas, para sua apli- cação no contexto legal. Portanto, a coleta de dados, o exame e a apresentação das evidên- cias devem ser direcionados aos propósitos ju- diciais. A realização de uma avaliação psicológica, para fins de perícia junto à área jurídica, parte de conhecimentos básicos da psicologia, mas necessita que se faça uma adaptação desses conhecimentos junto às normas legais. Para Grisso (1986), é fundamental à psicologia fo- rense estabelecer modelos conceituais diferen- ciados dos utilizados na área clínica, para que possam produzir conhecimento relevante do ponto de vista legal. O psicólogo que for atuar com este refe- rencial teórico deve possuir conhecimentos não apenas da área psicológica, que está investi- gando, mas também do sistema jurídico em que vai operar; e conhecer as jurisdições e ins- tâncias com as quais se relaciona, a legislação vigente associada ao seu objeto de estudo e as normas estabelecidas quanto à sua atividade. Deve, também, familiarizar-se com a termino- logia da área jurídica, pois será constantemen- te interrogado sob um ponto de vista legal, o que poderá acarretar inúmeras dificuldades na “tradução” dos questionamentos jurídicos e, conseqüentemente, nos objetivos da perícia (Lösel, 1992). Na área forense, os psicólogos tendem a utilizar os mesmos métodos de investigação que são utilizados na clínica, como entrevis- tas, testes, recuperação de dados de arquivo (protocolos) e informações de familiares e ter- ceiros. Porém, a natureza específica desta ava- liação obriga-os a uma adaptação das infor- mações às questões formuladas, valorizando 17 Perícia psicológica na área forense Sônia Rovinski 184 JUREMA ALCIDES CUNHA de modo diferenciado as estratégias para ob- tenção dos dados, de forma a estabelecer uma maior confiabilidade dos mesmos. Para se compreender os aspectos distinti- vos da avaliação forense, é importante que se tenha uma visão diferenciada do contexto do trabalho do psicólogo na área clínica e em sua atividade junto ao sistema legal. Melton e co- legas (1997) propõem uma série de dimensões que possibilitam esclarecer estas especificida- des e orientar o trabalho do psicólogo, a sa- ber: Escopo: No setting clínico, temas como diagnóstico, funcionamento de personalidade e tratamento para a mudança de comporta- mento são aspectos primários. A avaliação fo- rense, freqüentemente, dirige-se a eventos definidos de forma mais estreita ou a intera- ções de natureza não-clínica, sempre relacio- nados a um foco determinado pelo sistema legal. Aspectos clínicos, como diagnóstico ou necessidade de tratamento, estão em segun- do plano, em relação a outros de relevância no caso. A perspectiva do cliente: A precisão da in- formação é importante, tanto no setting clíni- co como no forense. Porém, na avaliação clíni- ca, a compreensão da visão particular do cliente sobre o problema, que é, geralmente, o moti- vo do processo, fica em primeiro plano, dei- xando a avaliação “mais objetiva” como secun- dária. O examinador forense deve preocupar- se com a exatidão da informação, na medida em que sua avaliação deve responder sobre fatos que extrapolam a subjetividade do exa- minando. Ainda que a visão do cliente seja importante, torna-se secundária para os obje- tivos propostos. As fontes de informação não devem se restringir ao cliente, mas a todas as fontes consideradas relevantes. Voluntariedade e autonomia: As pessoas que buscam um psicodiagnóstico geralmente o fazem voluntariamente ou por encaminha- mento de um profissional da saúde. Pessoas que passam por uma avaliação forense o fa- zem por ordem de um juiz ou advogado. As- sim, existe uma maior possibilidade de encon- trarmos clientes não-cooperativos, resistentes neste último tipo de avaliação. A resistência no setting clínico está, freqüentemente, asso- ciada a aspectos não-conscientes, ao passo que a resistência frente à avaliação forense é de- terminada pelo menos por uma das seguintes razões: primeiro, o cliente pode estar temero- so quanto ao resultado final; segundo, mes- mo desejoso do resultado da avaliação, pode sentir-se ressentido pela intromissão em sua autonomia. Riscos à validade: Ainda que a distorção inconsciente da informação seja uma ameaça à validade em ambos contextos de avaliação, a ameaça da distorção consciente e intencio- nal é substancialmente maior no contexto fo- rense. No contexto clínico, a distorção relacio- na-se mais com fatores de timidez, fantasias ou falta de consciência do cliente sobre seus problemas. No contexto forense, em função da natureza coercitiva e da importância final de seus trabalhos, os clientes são incentivados a distorcer a verdade. Essa verdade estende-se, também, a terceiros que são chamados a in- formar dados sobre o cliente (parentes, traba- lhadores de saúde mental, amigos). Dinâmica do relacionamento: A interação orientada pela avaliação clínica enfatiza o be- nefício que pode advir, se for mantido o inte- resse em colaborar, havendo um pacto tácito de manutenção da confiança, compreensão e de segurança da confidencialidade. No contex- to forense, o examinador não só ocupa um espaço mais distante do cliente, como também necessita confrontá-lo com mais freqüência, checar as informações dúbias ou inconscien- tes. Com isso, a percepção que o cliente tem do papel do examinador nem sempre é de al- guém que está num papel de ajuda. Caracte- rísticas como lealdade dividida, limites da con- fidencialidade e preocupação com a manipu- lação das informações, em um contexto adver- so, determinam maior distanciamento emocio- nal entre o avaliador forense e seu cliente. O tempo de avaliação forense e o setting: No setting clínico, a avaliação, ainda que limi- tada no tempo, tende a se proceder num ritmo mais lento. Além disso, o diagnóstico pode ser reconsiderado durante o curso do tratamento e revisado muito além das entrevistas iniciais. No setting forense, uma variedade de fatores, PSICODIAGNÓSTICO – V 185 incluindo a pauta do foro e os limites dos re- cursos, podem reduzir-se às oportunidades para o contato com o cliente. Essa redução de tempo repercute diretamente numa coerção ao fechamento do caso e numa diminuição da possibilidade de reconsiderar as formulações feitas. Ao mesmo tempo, enfatiza-se a preci- são da conclusão quanto à finalidade das dis- posições legais, uma vez que o resultado da avaliação se torna um produto e passa a fazer parte dos registros do caso jurídico. INSTRUMENTOS DE MEDIDA Em sua tarefa de avaliação, o psicólogo conta com uma série de instrumentos, testes psico- lógicos, que o auxiliam a objetivar o estado mental dos indivíduos com maior precisão. Conforme Ávila e Rodríguez-Sutil (1995), o uso desses instrumentos seria o responsável pela solicitação crescente dos laudos psicológicos. Gudjonsson (1995) salienta que o uso de tes- tes psicológicos seria um aspecto diferencial da avaliação psiquiátrica, pois, enquanto os psiquiatras permanecem na opinião produzi- da pela entrevista clínica,os psicólogos levari- am vantagem ao poder medir de forma padro- nizada habilidades funcionais, déficits, aspec- tos de personalidade e status mental. Em uma pesquisa realizada no estado do Rio Grande do Sul, por Rovinski e Elgues (1999), levantou-se que 87% dos psicólogos forenses pesquisados utilizavam instrumentos além da entrevista clínica, dando preferência para os projetivos e gráficos (Machover, HTP, Desenho da família, TAT). O uso de instrumentos para avaliações clínicas na prática forense confirma uma realidade já constatada em outros países da Europa (Ávila e Rodríguez-Sutil, 1995). Es- ses instrumentos são, geralmente, desenhados para avaliar estados psicopatológicos, traços de personalidade e inteligência geral. Apesar de terem um papel importante no processo de avaliação psicológica, nem sempre são capa- zes de satisfazer as necessidades impostas pela demanda legal, quanto à relevância e à credi- bilidade. Os autores salientam a importância de uma utilização criteriosa desses instrumen- tos, considerando a relevância para a questão legal específica, a relevância hipotética dos re- sultados do teste, a limitação na reconstrução de contextos e a consideração sobre a valida- de aparente, isto é, sua aceitação como instru- mento de valor reconhecido junto ao contexto jurídico. Grisso (1986) propõe que se enfrente o de- safio da avaliação forense com a criação de um novo conjunto de instrumentos de avaliação que possa responder à demanda legal. Esses instrumentos já se encontram bastante desen- volvidos no mundo anglo-saxão, desde a dé- cada de 70, e são chamados Instrumentos Es- pecíficos de Avaliação Forense (FAIs – Forensic Assessment Instruments). Para o autor, esses novos instrumentos foram desenvolvidos para serem utilizados de maneira conjunta com ou- tros métodos clínicos de avaliação, especial- mente para definir a relação entre “termos psi- cológicos e clínicos” e “critérios legais para competências”. Eles têm como preocupação comum a necessidade de padronização de métodos quantitativos, com os quais se possa observar, identificar e medir comportamentos diretamente relevantes às questões legais sobre as competências e capacidades do homem. Esses instrumentos são ainda bastante desco- nhecidos em nosso meio, uma vez que são necessários não só a tradução e o estudo de suas qualidades psicométricas, como também adaptação às normas legais. Sua produção deveria ser estimulada, pois, além de facilitar a comunicação no contexto legal entre técni- cos e agentes jurídicos, permitiria o desenvol- vimento de pesquisas empíricas para funda- mentação de laudos. COMPETÊNCIAS LEGAIS Para Grisso (1986), sempre que questões de decisão judicial são colocadas, elas se referem a capacidades individuais físicas, mentais e/ou sociais, relacionadas à vida passada, corrente ou futura do sujeito. As decisões na área cri- minal ou cível relacionam-se com a avaliação de competências legais. O objetivo é atribuir ou não ao sujeito um status de debilidade ou 186 JUREMA ALCIDES CUNHA insuficiência, que é percebido como compro- metedor do bem-estar do indivíduo ou da so- ciedade. Cada competência legal se refere a várias situações (ordinárias ou extraordinárias) na vida dos acusados, que necessariamente não preci- sam possuir um status legal, desenvolvimen- tista ou psiquiátrico específico. A lei não pre- sume que incompetência legal em alguma área definida previamente produza incompetência em outra área da competência legal. Na área médico-psicológica, esse conceito supõe sempre a noção de “habilidade para executar determi- nada tarefa” (Glass, 1997, p.6). Um modelo con- ceitual para avaliação pericial pressuporia uma análise inicial da visão da lei sobre a competên- cia em questão. O modelo de avaliação escolhi- do deve refletir sobre, e não reformar o modelo jurídico direcionado à competência legal, ao pas- so que a teoria psicológica escolhida deve ser apoiada por evidências empíricas. Salienta-se que a construção dos limites da competência se encontra estreitamente ligada aos valores da sociedade e serve para reforçar ou restringir os direitos das pessoas para de- terminados propósitos. Assim, exatamente porque a avaliação de competência serve para uma infinidade de objetivos sociais, a interpre- tação da conduta da pessoa que se encontra em avaliação reduzir-se-á a certos critérios que serão influenciados pelos valores daqueles en- volvidos em sua avaliação. Com isso, surge o perigo de que a noção de competência venha a reforçar determinadas instituições sociais, em detrimento dos direitos individuais. Na medi- da em que esses constructos de valor não po- dem ser eliminados da avaliação da competên- cia, é importante que sejam ao menos explicita- dos para que se possa avaliar sua legitimidade. UMA PROPOSTA DE METODOLOGIA PARA A PERÍCIA FORENSE O papel do psicólogo junto ao pedido de uma avaliação forense pode se dar: a) como perito oficial, quando designado pelo juiz no decor- rer do processo, b) em função de seu desem- penho profissional em uma instituição públi- ca; ou, c) a pedido de uma das partes litigantes, quando é conhecido como perito assistente. As avaliações podem ser realizadas por um ou por vários psicólogos, bem como podem ser feitas em conjunto com outros técnicos de espe- cialidades diversas (médicos especialistas, assis- tente social). Existe, ainda, a possibilidade do lau- do ser emitido por uma entidade, mas sempre com a identificação dos profissionais envolvidos. Quanto à jurisdição da perícia, esta pode estar relacionada à área cível, penal, do traba- lho ou administrativa. A metodologia para a realização da perícia pode variar de acordo com cada profissional e em função da demanda a ser investigada. Po- rém, Espada (1986) adaptou alguns passos básicos propostos originariamente por Blau, no sentido de orientar a prática do psicólogo. Es- ses passos são apresentados aqui, na medida em que parecem viáveis em nosso meio. Iniciação do caso A forma de iniciar o caso dependerá da origem do contato com o psicólogo. Se ele for contra- tado pela parte litigante, isto é, por um advo- gado que esteja cuidando do caso, deverá manter contato com o mesmo de modo a to- mar ciência dos objetivos do processo, ainda que seja o cliente o primeiro a procurá-lo. No caso de ser designado pelo juiz, deverá solici- tar os autos processuais para análise e conhe- cimento dos quesitos formulados. O contato com o juiz poderá ocorrer, ainda que não seja a prática mais freqüente. O primeiro contato com o advogado, com o juiz ou a leitura inicial do processo deverá fornecer as seguintes informações: – os principais fatos que levaram à solicita- ção da intervenção do psicólogo, definindo se o caso é da competência do profissional; – a data provável da entrega dos resulta- dos, que pode estar relacionada a uma próxi- ma audiência, devendo o psicólogo lembrar que toda perícia exige sempre uma breve revi- são da literatura de investigação; – as “perguntas hipotéticas” ou quesitos que terá de responder como perito; PSICODIAGNÓSTICO – V 187 – as características e disponibilidades do sujeito demandante, de modo a apreciar a exis- tência de condições adversas de avaliação que poderão inviabilizar a investigação e levar à renúncia do caso; – a necessidade de solicitação de outros informes (internações hospitalares, vida esco- lar ou de trabalho, exames psicológicos reali- zados anteriormente); aqui também é impor- tante avaliar o tempo de intervalo desde as avaliações psicológicas prévias, a fim de evitar a contaminação do parecer do psicólogo com o de outros peritos; – a complexidade do caso, para o estabele- cimento dos honorários e a forma de pagamen- to (devem ser consideradas aqui todas as eta- pas do processo, inclusive a disponibilidade para responder em juízo). De posse desses elementos, o psicólogo es- tará em condições de propor um contrato de trabalho dentro das normas éticas de sua pro- fissão. Se foi chamado pela parte litigante, poderá propor seus honorários diretamente a esta,mas, se foi designado em juízo, deverá propor seus honorários por escrito e juntá- los ao processo, aguardando o aceite das partes litigantes. Antes de iniciar o trabalho, deverá assinar o termo de compromisso, po- dendo, a partir desse momento, ser respon- sabilizado penalmente pela não-realização do mesmo. Preparação do expediente As perícias forenses freqüentemente alcançam grande complexidade de dados e informações. Por isso, o autor salienta a necessidade de or- ganização do material de expediente, conside- rando as características próprias quanto aos conteúdos que deverão ser valorizados: – documentos iniciais (fichas de dados, in- formações do advogado, dados do processo); – outros informes do sujeito (emitidos por diversas instâncias e outros peritos); – anotações tomadas no curso da entrevis- ta com os sujeitos, advogado ou juiz; – levantamento de cada uma das provas ou procedimentos psicológicos utilizados na ex- ploração, com uma articulação e discussão de resultados adequados aos quesitos; – cronologia do caso; – folha com o registro dos honorários (pa- gamentos realizados); – assuntos variados. Para facilitar a administração e integração de todos esses dados, o autor sugere que o perito psicólogo crie formulários que auxiliem na organização dos dados. Coleta de dados A investigação pericial deve se utilizar de to- dos os recursos metodológicos disponíveis, ain- da que seja adequado se avaliar a utilidade e possibilidade de explorações complexas. A co- leta de dados deve ser orientada de forma a cobrir os quesitos formulados, mas sem se res- tringir estritamente a eles, evitando a distor- ção metodológica e a incapacidade de respon- der novos quesitos relacionados ao caso ou detalhes mais específicos. Os métodos e as técnicas a serem utiliza- das devem seguir o nível de conhecimento e de investigação disponíveis no momento, con- siderando-se a existência de justificações cien- tíficas sobre a validade e fidedignidade desses instrumentos, bem como sua capacidade de ex- plicabilidade das categorias utilizadas no laudo. Avaliação de necessidades Nesta etapa, o psicólogo forense avalia se os dados que obteve no curso de suas primeiras investigações são adequados ou não às neces- sidades propostas pelas “perguntas hipotéti- cas” (quesitos) e, em conseqüência, passa a formular novos objetivos de exploração ou a jus- tificar a impossibilidade de abordagem destes. Seleção de estratégias A discussão sobre a seleção de estratégias rea- liza-se tanto na etapa de coleta de dados como na de avaliação de necessidades. A escolha e a 188 JUREMA ALCIDES CUNHA implementação de certas estratégias deve orientar-se pelas seguintes questões: – as estratégias escolhidas estão disponí- veis? – são éticas? – são aceitáveis para o meio e o contexto profissional e social? – são práticas? Segundo o autor, não seria adequada a pro- posição de um modelo padronizado para as explorações periciais, como baterias constituí- das por determinadas técnicas de avaliação, que seriam aplicadas independentemente das características de cada caso. Afirma a impossi- bilidade de se falar em modelos de investiga- ção específicos para cada classe de demanda, como, por exemplo, disputa de guarda, desti- tuição de pátrio poder, responsabilidade pe- nal, etc. Cabe ao psicólogo forense a discus- são e a estruturação de uma proposta meto- dológica para cada objeto de intervenção. É importante o psicólogo estar preparado para ser chamado em audiências, com vistas a responder quesitos. Nesse momento, deve es- tar munido de subsídios para responder a pos- síveis perguntas sobre a validade de seus acha- dos e sobre as formas de controle da simula- ção e falsificação de dados. O informe pericial propriamente dito É importante salientar que a intervenção do psicólogo nas perícias forenses se resumirá, na maior parte das vezes, ao laudo emitido. Ape- sar da importância deste documento, é na área judicial que ainda se encontra o maior nível de conflitos para a realização do mesmo. Com o fim de minimizar essas dificuldades, o autor sugere que sejam observados alguns pontos: – o conteúdo deverá adequar-se aos aspec- tos básicos do caso, considerando uma dispo- sição mínima que se estruture em uma intro- dução, procedimentos utilizados, conclusões derivadas e sua discussão; – deverá ser evitada a erudição e ser expres- so com clareza; – excluir-se-á ou se tornará relativo tudo aquilo que não esteja justificado de uma ma- neira objetiva, detalhando os níveis de confian- ça das predições e descrições; – concluir-se-á com uma ou várias opiniões a respeito das “perguntas hipotéticas” (quesi- tos) formuladas pelo juiz ou advogados. SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO A avaliação psicológica na área forense possui um viés próprio, que é a constante preocupa- ção que os técnicos devem ter em vista da pos- sível distorção de dados por parte dos pericia- dos. Para alguns autores, essa distorção existi- rá sempre, variando apenas em intensidade. A necessidade de demonstração ou de ocultação de fatos e a existência de incentivos financei- ros e afetivos (como a obtenção da guarda de filhos) são fatores coercitivos na produção consciente de distorções nas informações pres- tadas. A distorção dos dados pode-se manifestar como simulação, quando o sujeito tenta fingir sintomas que não existem, ou dissimulação, quando procura encobrir ou minimizar os sin- tomas que na realidade existem. A simulação é caracterizada no DSM-IV (APA, 1995) sem- pre pela existência associada de um incentivo externo, enquanto a dissimulação, conforme o senso comum, tem sido associada à tentati- va de evitação de uma privação de direitos. Os autores, em geral, reconhecem a dificul- dade em detectar esses processos de distorção, recomendando uma série de critérios de ob- servação, tanto frente aos testes quanto fren- te à entrevista. Porém, como sugerem Ávila e Rodríguez-Sutil (1995), esses indicadores não devem ser utilizados isoladamente, como se tivessem um valor absoluto. Todos eles devem alcançar uma descrição coerente da personali- dade e do comportamento do indivíduo, cons- tituindo uma intervalidação de dados. Assim, é importante, durante as entrevistas, analisar a concordância entre os níveis de comunica- ção verbal e não-verbal. Rogers (apud Melton, Petrila, Poythree et alii, 1997) alerta para os seguintes indicadores de simulação que poderiam ser observados na entrevista: PSICODIAGNÓSTICO – V 189 – apresentação dramatizada e exagerada (estilo teatral, referência a sintomas extrema- mente severos e indiscriminados); – conduta cautelosa e premeditada (fala lenta, repetição de questões, excessiva hesita- ção); – inconsistências com relação ao diagnósti- co psiquiátrico (relato de sintomas raros e não usuais, relato de melhoras repentinas); – inconsistências no próprio relato (sinto- mas contraditórios e disparidade entre sinto- ma relatado e observação de conduta); – confirmação de sintomas óbvios (princi- palmente os positivos e os mais espalhafato- sos, em detrimento dos negativos e mais tê- nues). Quanto aos aspectos a serem observados na testagem, Ávila e Rodríguez-Sutil (1995) voltam a salientar a necessidade de não se uti- lizar os indicadores atribuindo-lhes um valor absoluto. Em nosso meio, as pesquisas desses indicadores são praticamente inexistentes e, na literatura mundial, apresentam muitas vezes resultados contraditórios. Em uma revisão te- órica sobre a simulação na Técnica de Ror- schach (Kahn, Fox & Rhode, 1988; Meisner, 1988; Netter & Viglione, 1994; Perry & Kinder, 1990), observou-se a existência de contradições quanto à possibilidade do sujeito simular de- terminadas doenças em um protocolo, sendo que um dos fatores discriminativos que favo- rece a identificação dos simuladores foi a pos- sibilidade do examinador aplicar e corrigir os mesmos protocolos, de forma a poder analisar a conduta do periciado. Apesar dos resultados contraditórios, há certo consenso sobre alguns aspectos que poderiam ser observados na téc- nica deRorschach, quanto à simulação e à dis- simulação (Ávila e Rodríguez-Sutil, 1995; Mel- ton, Petrila, Poythress et alii, 1997): – sujeitos que tentam parecer normais da- rão maior número de respostas populares; – sujeitos que tentam parecer doentes men- tais apresentarão maior dramaticidade e res- postas com “sangue”, como conteúdo, assim como mais respostas com determinantes de textura e profundidade, movimento inanima- do e movimento animal. Aparecerão aumen- tados os fenômenos especiais, porém, não os mais graves, como confabulação e contamina- ção. Os simuladores parecem, também, não diminuir a boa forma das respostas. São refe- ridos, ainda, tempo de reação lento e freqüen- te rejeição de cartões. Nos testes de Bender e Benton, produções extremamente desviadas são próprias de su- jeitos que buscam simular prejuízos cerebrais. Lezak (1995), revisando trabalhos sobre simu- lação, salienta que, no Benton, os simuladores cometem mais erros de distorção e menos er- ros de omissão, perseveração e tamanho em relação aos pacientes orgânicos. No Bender, seguindo as orientações de Hutt, sugere que se faça uma retestagem com um intervalo de vários dias, dificultando a lembrança para o periciado das distorções que provocou inten- cionalmente. Salienta, ainda, os seguintes cri- térios de avaliação: a) os pacientes orgânicos tendem a simplificar, e não a complicar seus desenhos; b) as distorções provocadas por um paciente orgânico tendem a se apresentar com elementos semelhantes em mais de um dese- nho; c) orgânicos dificilmente apresentam re- sultados bons e ruins em desenhos de níveis de dificuldades semelhantes; d) existem certos tipos de distorções feitas apenas por pacien- tes com prejuízos cerebrais, como rotação e dificuldades na intersecção do cartão seis. Na área da personalidade, um dos instru- mentos mais amplamente estudado e usado para avaliação de dissimulação e simulação é o MMPI / MMPI-2. Esse inventário possui esca- las de validade (L, F, K) e índices como F-K que permitem inferir sobre a distorção da informa- ção por parte do avaliando. Alguns estudos mostram a necessidade de revisar o ponto de corte do índice F-K em função da severidade da psicopatologia e de fatores socioeconômicos, sugerindo-se como mais adequada a relação F-K >17 (Melton, Petryla, Pothress et alii, 1997). Sobre instrumentos adaptados à nossa rea- lidade, podemos citar o Inventário Fatorial de Personalidade (IFP), que possui escalas de con- trole (validade e desejabilidade social) para as 15 necessidades ou fatores de personalidade que são levantados. Nossa experiência demons- tra ser um instrumento muito útil na avaliação de funções parentais. 190 JUREMA ALCIDES CUNHA A REDAÇÃO DO LAUDO O laudo faz parte dos documentos oficiais que tiveram sua origem na área médica. É todo re- latório redigido posteriormente a uma perícia e exige sempre consulta a tratados e obras es- pecializadas sobre o tema em questão. Uma adaptação à prática psicológica foi desenvol- vida por Skaf (1997), com o apoio do Conse- lho Regional de Psicologia do Estado do Para- ná. Considerando a qualidade da proposta, apresenta-se como um padrão a ser seguido. Este roteiro se constitui das seguintes partes: Preâmbulo: É a parte inicial, onde o perito se qualifica. É aconselhável que indique, de modo sucinto, seus principais títulos e funções, sem cair em um histórico funcional. Também deverá indicar a autoridade que lhe atribui o cargo pericial e, sempre que possível, o pro- cesso ao qual se encontra vinculado. Deve cons- tar a data, a hora e o local em que o exame foi feito. Histórico ou comemorativo: Consiste no registro dos fatos mais significativos que mo- tivam o registro da perícia ou que possam es- clarecer ou orientar a ação do perito. Corres- ponde à anamnese da entrevista clínica. Refe- re-se a dados anteriores aos motivos imedia- tos da ação proposta. Esta parte do laudo deve ser creditada ao periciado, não se devendo imputar ao perito nenhuma responsabilidade sobre seu conteúdo. Apesar da possibilidade de inverdades neste relato, cabe o direito ao periciado de relatar sua versão dos fatos. No histórico, o perito deve realizar a descrição dos fatos de forma mais simples e objetiva possí- vel, sem a preocupação de comprometer-se com a sua veracidade, ou de agradar ou desa- gradar a quem quer que seja. Descrição: É a parte mais importante, bási- ca e essencial do laudo. Tem como função re- produzir fiel, metódica e objetivamente tudo o que for observado pelo perito, através de exposição minuciosa dos exames e das técni- cas empregadas. Deve-se considerar que se tra- ta de um exame realizado num corte no tem- po, um instantâneo examinado, e que a des- crição se constitui matéria de fato, resultando do que pode ser efetivamente observado, ca- bendo lembrar que esta será a base de todas as conclusões. A descrição deve ser completa, minuciosa, metódica e objetiva, descartando o terreno das hipóteses. Discussão: Nesta fase, serão abordadas as várias hipóteses, afastando-se ao máximo as conjecturas pessoais, podendo-se inclusive ci- tar autoridades recomendadas sobre o assun- to. É o momento de um diagnóstico lógico a partir de justificativas racionais. É a discussão que, através de sua lógica e clareza, pode as- segurar a correta dedução das conclusões. Esta parte do laudo, podendo conter citações e transcrições, serve para avaliar o nível cultural e científico do relator. Provavelmente, será nes- te capítulo que ocorrerão as divergências, ge- rando perícias contraditórias. Conclusões: Compreende-se nesta parte a síntese diagnóstica, redigida com clareza, dis- posta ordenadamente, deduzida pela descri- ção e pela discussão. Resposta aos quesitos: Se houver quesitos, o psicólogo deve respondê-los de forma sinté- tica e convincente, afirmando ou negando, não deixando nenhum quesito sem resposta. Não havendo dados para a resposta dos quesitos, ou quando o especialista não pode ser categó- rico, deve utilizar-se da expressão “sem elemen- tos de convicção”. Quando houver quesitos mal formulados, estes também devem ser respon- didos, utilizando-se expressões do tipo “preju- dicado”, “sem elementos” ou “aguarda evolu- ção”. Ao término, o relatório deve ser datado e assinado pelo perito, de preferência rubrican- do as páginas anteriores. OS LIMITES ÉTICOS DA PERÍCIA PSICOLÓGICA A legitimação do papel do psicólogo como perito se encontra no Decreto-lei 53.664, de 21 de janeiro de 1964, que regulamenta a Lei 4.119, de 27 de agosto de 1962, sobre a pro- fissão do psicólogo. Afirma-se, nesse decreto, que caberia ao psicólogo, entre outras atribui- ções, “realizar perícias e emitir pareceres sobre matéria de Psicologia”. PSICODIAGNÓSTICO – V 191 Quanto à discussão dos limites éticos, é preciso, inicialmente, buscar-se as diretrizes definidas junto ao Código de Ética Profissional dos Psicólogos (1996). Nos quatro artigos des- critos a seguir, encontramos as informações pertinentes às relações dos psicólogos com a Justiça: “Art. 17 – O psicólogo colocará seu conhe- cimento à disposição da Justiça, no sentido de promover e aprofundar uma maior compreen- são entre a lei e o agir humano, entre a liber- dade e as instituições judiciais. Art. 18 – O psicólogo se escusará de fun- cionar em perícia que escape à sua competên- cia profissional. Art. 19 – Nas perícias, o psicólogo agirá com absoluta isenção, limitando-se à exposição do que tiver conhecimento através de seu traba- lho e não ultrapassando, nos laudos, o limite das informações necessárias à tomada de de- cisão. Art. 20 – É vedado ao psicólogo: a) Ser perito de pessoa por ele atendida ou em atendimento; b) Funcionar em perícia em que, por moti- vo de impedimento ou suspeição, ele contra- rie a legislação pertinente; c) Valer-se do cargo que exerce, de laços de parentesco ou amizade com autoridade admi- nistrativa ou judiciária para pleitear ser nome- ado perito”. No capítulo referente ao sigilo profissional, podemos salientar dois artigos que apresen- tam relação com a atividadede perícias: “Art. 23 – Se o atendimento for realizado por psicólogo vinculado a trabalho multipro- fissional numa clínica, empresa ou instituição ou a pedido de outrem, só poderão ser dadas informações a quem as solicitou, a critério do profissional, dentro dos limites do estritamen- te necessário aos fins a que se destinou o exa- me. § 1° – Nos casos de perícia, o psicólogo to- mará todas as precauções, a fim de que só ve- nha a relatar o que seja devido e necessário ao esclarecimento do caso. § 2° – O psicólogo, quando solicitado pelo examinado, está obrigado a fornecer a este as informações que foram encaminhadas ao soli- citante e orientá-lo em função dos resultados obtidos. Art. 29 – Na remessa de laudos ou infor- mes a outros profissionais, o psicólogo assi- nalará o caráter confidencial do documento e a responsabilidade, de quem receber, em pre- servar o sigilo”. Ampliando um pouco mais a discussão sobre os limites éticos da perícia psicológica, Monahan (apud Espada, 1986) salienta a ne- cessidade de buscar-se nos contextos não vo- luntários os mesmos níveis de confidencialida- de dos voluntários, explicitando sempre ao cliente o nível possível deste sigilo. Deve-se considerar que o cliente do psicólogo será tan- to o sujeito (periciado) como o sistema mais amplo (sociedade), levando em conta as dife- rentes prioridades. Um exemplo típico desta inter-relação é o exame para determinação da probabilidade de reincidência criminal ou a determinação da destituição de pátrio poder. Em ambos os contextos, é preciso considerar tanto o próprio periciado como os sujeitos, que sofrerão diretamente os resultados de sua ação. Quanto à atividade prática da perícia, o psi- cólogo deverá ter o dever ético de favorecer a avaliação sistemática de sua atividade, bem como de suas conseqüências. O perito deverá evitar laudos com o objetivo de rebater ou des- qualificar um laudo pericial emitido com ante- rioridade por outro perito, a partir do conheci- mento do conteúdo deste. Esse aspecto, po- rém, não impede que peritos façam laudos dis- tintos e independentes, desde que apoiados em suas próprias observações. Por último, há a questão polêmica sobre a devolução dos resultados. Nessa questão, en- contram-se não só posicionamentos opostos por parte dos profissionais que nela atuam, como propostas teóricas divergentes. Para Cunha (1993a), de maneira geral, a devolução é de responsabilidade de quem encaminhou o processo, isto é, se o pedido de uma avaliação foi feito pelo médico ou pelo juiz, é a eles que os resultados devem ser remetidos, cabendo aos mesmos a comunicação ao periciado. Nes- se caso, não estaria o psicólogo se abstendo da devolução, mas apenas encaminhando a 192 JUREMA ALCIDES CUNHA mesma a quem seria o verdadeiro receptor do processo. Para Ávila e Rodríguez-Sutil (1995), o psicólogo teria a obrigação de comunicar a seus clientes as informações obtidas sobre seus aspectos psicológicos durante a avaliação. Só permitem certo relativismo a essa posição ao salientar o princípio da pertinência, em função da qual se deve comunicar ao examinando aquilo que pode lhe ser de utilidade, em lin- guagem acessível e salientando a segurança relativa das conclusões. O nosso Código de Ética Profissional (Con- selho Federal de Psicologia, 1996) salienta a obrigação do psicólogo de “fornecer a este (periciado) as informações que foram encami- nhadas ao solicitante”; porém, não diz em que momento essas informações deveriam ser pres- tadas. É questionável o fato de oferecer ao su- jeito uma devolução, antes mesmo de encami- nhar ao juiz os resultados levantados. Este fato poderia interferir no andamento do processo que supõe o momento da ciência das partes envolvidas quanto aos resultados da perícia, bem como prazo de contestação. A prática sugere que seria de bom senso o psicólogo colocar-se à disposição do periciado para es- clarecimento de dúvidas, quanto ao laudo, depois de o mesmo tornar-se público em au- diência com o juiz. Deve-se tomar cuidado para não criar uma via de comunicação independen- te ao processo judicial, quando, então, o psi- cólogo deixaria seu papel original de assessor dos agentes jurídicos para assumir a coorde- nação do próprio processo. Esse tipo de atitu- de extrapolaria a função da perícia e colocaria o profissional frente a situações que não po- deria manejar. A PERÍCIA PSICOLÓGICA NO DIREITO PENAL O trabalho do psicólogo como perito na área penal pode dar-se em dois momentos do an- damento processual: primeiro, num período anterior à definição da sentença, quando se verificará a responsabilidade penal (imputabi- lidade) do acusado, ou, depois de promulgada a sentença, durante a fase de execução da pena, através do exame criminológico. O exame para verificação de responsabili- dade penal é realizado, em nossa realidade, por peritos médicos (psiquiatras), estando o psi- cólogo em uma posição auxiliar, principalmente através de realização de testagens. Esse exa- me tem por objetivo verificar se o culpado de um delito o cometeu em estado mental idô- neo; portanto, se possuía, no momento da ação, capacidade para reconhecer o caráter injusto e ilegal de seu ato e de dirigir sua ação de acordo com esse entendimento. Este tipo de perícia permitirá ao juiz determinar se o sujeito da ação é imputável ou não, isto é, se deverá responder penalmente pela ação come- tida. Sendo considerado imputável, e culpado da ação, receberá uma pena definida quanto ao tempo e ao tipo de regime em que vai cum- pri-la (aberto, semi-aberto, fechado); caso con- trário, se considerado inimputável, receberá medida de segurança e deverá permanecer in- ternado em um manicômio judiciário por tem- po indeterminado, até que seja averiguada, por perícia médica, a cessação de sua periculosi- dade. O Código Penal de 1984 refere, no artigo 26, quem seria o sujeito considerado inimpu- tável. Diz o artigo: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tem- po da ação ou da omissão, inteiramente inca- paz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com este en- tendimento”. Assim, conforme salientam Ávi- la e Rodriguez-Sutil (1995), esta avaliação de- veria determinar: a) o diagnóstico clínico da alteração, transtorno ou déficit mental, se hou- ver, do acusado na época do delito; b) os pro- cessos de pensamento e estados emocionais do acusado, bem como as variáveis psicológi- cas mais relevantes, como autoconceito, estra- tégias defensivas e de enfrentamento, vivên- cia da culpa e do juízo moral, vivência do sig- nificado social e legal da ação, controle dos impulsos e, finalmente, existência, ou não, de transtornos de personalidade (eixo II do DSM). O exame criminológico, dentre aqueles rea- lizados durante a execução da pena, é o único considerado por Sá (1997) como de caracterís- ticas verdadeiramente periciais. Essa avaliação PSICODIAGNÓSTICO – V 193 visa à investigação da dinâmica do ato crimi- noso, de suas “causas” e dos fatores a ele as- sociados. O foco seria o binômio delito-delin- qüente, com o objetivo de determinar uma maior ou menor probabilidade de reincidên- cia. Nesse sentido, difere do exame de perso- nalidade e do parecer da Comissão Técnica de Classificação, criados a partir da promulgação da Lei de Execução Penal (LEP) de 1984, já que o primeiro busca uma descrição da personali- dade do preso, e o segundo aborda a resposta do preso à terapêutica penal. O exame criminológico foi instituído para ser aplicado a cada apenado, no início da exe- cução de sua pena, para fins de obtenção dos elementos necessários a uma adequada classi- ficação. Diz o art. 8º, caput da LEP, descrita no Código de Processo Penal (1986): “O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a ob- tenção dos elementos necessários a uma ade- quada classificação e com vistas à individuali- zação da execução”. No entanto, a realidade nem sempre refle- te a propostaesperada. Devido às restrições de recursos humanos e materiais, o exame cri- minológico tem se restringido àqueles realiza- dos para a concessão de benefícios, como o livramento condicional. Na determinação da prognose da reincidên- cia, os autores não apresentam uma resposta clara quanto à possibilidade de uma predição psicométrica confiável e válida da periculosi- dade. Segundo revisão teórica realizada por Espada (1986), existem autores que demons- tram as deficiências dos testes e escalas, quanto a este tipo de previsibilidade, sugerindo valo- rizar-se com mais intensidade as observações extraídas da história prévia, em relação ao com- portamento agressivo e violento; por outro lado, existem trabalhos que demonstram esta- bilidade nos padrões de conduta agressiva ao longo dos anos. Assim, sugere que o psicólo- go forense não teria outra opção do que mo- derar suas opiniões acerca das previsões sobre a reincidência, buscando uma ampla combina- ção de métodos de avaliação para levantar suas hipóteses preditivas. A PERÍCIA PSICOLÓGICA NO DIREITO DE FAMÍLIA O trabalho do psicólogo na área do direito de família é muito amplo, envolvendo principal- mente as questões familiares de maus-tratos, guarda de filhos, destituição de pátrio poder e interdições. A perícia faz-se necessária sempre que se esgotarem os recursos no sentido de as partes entrarem em acordo, ou quando é ne- cessária a avaliação de competências específi- cas. No primeiro caso, já existem trabalhos em nosso meio, no sentido de trabalhar com a fa- mília de forma integrada (abordagem sistêmi- ca), da definição da guarda ou de como de- vem ocorrer as visitas. Apesar desta ser uma orientação atual dos autores (Brito, 1993; Coy, 1995), nem sempre é possível se chegar a um consenso ou, mesmo, ter o envolvimento das partes neste processo, principalmente quando os mecanismos psicopatológicos são mais in- tensos e podem colocar em risco a integridade das crianças. Nesses casos, é fundamental uma perícia que possa levar em consideração o “melhor” para a criança. Na avaliação da destituição de pátrio po- der, examina-se a competência de determina- do genitor no sentido de poder garantir o bem- estar de seus filhos (ver Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069). A descrição de uma competência (ou incompetência) deve ser feita, considerando os padrões relacionais de comportamento desse pai com as crianças. A determinação de um diagnóstico mental só terá sentido se estiver diretamente relacionada à produção de condutas relacionais considera- das incapacitantes. Geralmente, o diagnóstico nos traz poucos dados sobre as habilidades parentais, práticas e motivações. O conceito de competência requer a descrição do que o pai pensa, faz, conhece e acredita, bem como do que ele é capaz de vir a fazer como agente cui- dador (Grisso, 1986). Melton e colegas (1997) apontam para dois pontos básicos na avaliação de pais de crian- ças maltratadas e abusadas. Primeiramente, a avaliação deve ser funcional, isto é, o foco deve estar na competência parental quanto à rela- ção com a criança, e nunca em uma caracterís- 194 JUREMA ALCIDES CUNHA tica pessoal individual. O pai e a mãe serão sempre avaliados em relação a uma determi- nada criança e em um certo contexto. Em se- gundo lugar, em função da multiplicidade de fatores envolvidos, a avaliação deve ser feita em amplo aspecto, de modo que tanto os pais quanto as crianças devem ser entrevistados, e, sempre que possível, devem ser entrevistados juntos, sendo observados no setting natural. A avaliação deve ultrapassar a díade e a pró- pria psicologia, atingindo o entorno social, de modo a apreciar os recursos da família exten- siva e da própria comunidade. Na medida em que essa competência é compreendida dentro de um continuum, é importante o psicólogo conscientizar-se de seu papel de julgador quan- to ao grau de incongruência entre as habilida- des parentais e as necessidades da criança, pois é a definição deste nível que o orientará quan- to à tomada de posição no que se refere à reti- rada ou manutenção do pátrio poder. Na disputa de guarda dos filhos e determi- nação de visitas, a avaliação psicológica não necessita a confirmação de uma incompetên- cia ou incapacidade, por parte de um dos ge- nitores, para que o outro possa receber as crian- ças em seu cuidado. Para Grisso (1986), a maio- ria das decisões sobre guarda de filhos envol- ve uma comparação entre as qualidades relati- vas dos pais – que apresentam, à sua própria maneira, méritos e responsabilidades – quan- to às necessidades e interesses das crianças. Em nossa realidade, a valorização do direito de igualdade no exercício do pátrio poder pelo pai e pela mãe já é garantido por lei, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente; po- rém, os autores alertam para a estereotipia de papéis existentes em nossa sociedade, de for- ma a tender a contemplar à mãe a posse dos filhos menores. Dolto (1989) ressalta que os filhos menores deveriam ficar com o genitor que exercesse o papel de “guardião maternali- zante”, o qual, em muitas famílias, não é exer- cido pela mãe. Assim, nessa avaliação das re- lações entre pais e filhos, é necessário também ouvir as crianças quanto aos seus próprios in- teresses em permanecer com um dos genito- res. Essas informações devem ser consideradas de forma parcimoniosa, avaliando o quanto estão sendo produzidas por pressão direta por parte dos pais ou por vínculos de lealdade. A AVALIAÇÃO DE DANOS PSÍQUICOS PARA RESSARCIMENTO (DANO MORAL) Segundo a literatura jurídica, a indenização do dano patrimonial já existiria há mais de dois mil anos nas organizações sociais, porém, o dano moral ou extrapatrimonial teria ingres- sado de forma consistente no direito civil ape- nas no século passado. A principal contesta- ção a este tipo de ressarcimento diz respeito à impossibilidade de valorar-se as perdas ligadas ao afeto, à moral ou à imagem pessoal. Mas, seus defensores referem que, apesar da dor não ter preço, é possível uma compensação. Na legislação brasileira, a promulgação da nova Constituição de 1988 veio reforçar esta idéia, referindo textualmente os direitos de ressarcimento por dano à imagem e ao dano moral. Essa evolução na área jurídica trouxe uma nova demanda para as perícias psicológicas. Atualmente, é fato bastante comum os psicó- logos forenses que trabalham na área cível se- rem requisitados para a avaliação do dano moral ou psicológico. Apesar do interesse do Judiciário de buscar ajuda na avaliação psico- lógica para poder mensurar, de forma mais justa, as perdas sofridas pela vítima, os psi- cólogos têm evoluído lentamente quanto à sua instrumentalização para este tipo de abordagem. Se, por um lado, os juristas jus- tificam ser essência do dano moral a arbitra- gem do juiz (Azevedo Jr., 1996), não cabe aos peritos psicólogos se utilizarem de critérios não-científicos. Com esta abordagem, Castex (1997) traz a proposta de diferenciar o dano psíquico do dano moral, de forma que caberia ao técnico de saúde mental avaliar o primeiro, e aos agen- tes jurídicos arbitrar sobre o segundo. Explica que, apesar de conceitualmente o dano psíqui- co ter um constructo próprio, diferenciado do dano moral, se aproximaria deste por não po- der prescindir do discurso jurídico. O dano psí- quico emergiria em uma tarefa psicológico-fo- PSICODIAGNÓSTICO – V 195 rense, através da atividade de peritos especia- listas na área mental. O mesmo autor procura diferenciar a no- ção de dano psíquico daquele utilizado na clí- nica. Sob o enfoque forense, o dano supõe a existência de uma agressão produzida por um evento sobre o psiquismo de uma pessoa, de forma a provocar uma perturbação, distúrbio, disfunção, transtorno e/ou diminuição de uma dimensão vital, de modo a caracterizar-se como dano não-patrimonial. Em outras palavras, podemos dizer que haverá um dano psíquico, em um determinado sujeito, quando este apre- sentar uma deterioração, disfunção, distúrbio ou transtorno que, afetando suas esferas afe- tiva e/ou intelectiva,limita sua capacidade de gozo individual, familiar, laboral, social e/ou recreativo. Retornando à noção de dano moral, pode- mos dizer que este conceito supõe o sofrimen- to e a dor que se padece, independentemente de qualquer repercussão de ordem patrimoni- al; porém, não se constitui necessariamente em um dano psíquico. A diferença entre ambos é que, neste último (dano psíquico), há uma le- são, parcial ou global, ao funcionamento psi- cológico de uma pessoa; enquanto, no primei- ro (dano moral), se identifica apenas o sofri- mento, conceito que remete a uma dimensão de perturbação psicofísica, que coloca o sujei- to entre a enfermidade e o pleno gozo da saú- de, não implicando uma conformação patoló- gica. Assim, o sofrimento, enquanto expressão de uma lesão aos sentimentos de uma pessoa, também chega a limitar o gozo da plena saú- de inerente à personalidade e, por isso, se cons- titui em uma espécie de dano, no caso do dano moral. Mas, enquanto não se constituir em um quadro de patologia, escapa ao horizonte pe- ricial psicoforense, e a avaliação do sofrimen- to restringe-se à competência dos agentes ju- rídicos. Na literatura mundial, encontram-se tabe- las para mensuração do dano psíquico, porém, em nosso meio, elas se restringem apenas aos danos de natureza física. Gomes e colegas (1998), em um primeiro livro editado no Brasil sobre dano psíquico na área forense, sugerem que se adapte uma classificação proposta por Miotto, em que se privilegia a avaliação de duas variáveis: a gravidade do quadro psicopatoló- gico e a possibilidade de reversibilidade. A clas- sificação apresenta-se em três categorias: a) leve: que se refere a uma conformação patológica de índole reativa, que não compro- mete substancialmente a vida de relação e, portanto, não requer tratamento em forma permanente; b) moderado: que implica a existência de sintomas manifestos, com acentuação persis- tente das características prévias de personali- dade e necessidade de tratamento, não infe- rior a um ano (por exemplo, as depressões, as crises de pânico, as crises conversivas, as fo- bias, as obsessões); c) grave: que envolve a irreversibilidade do quadro psicopatológico, inibindo marcante- mente a adaptação. É importante salientar que essas perdas devem ser sempre analisadas em função de uma personalidade e de um nível de funciona- mento psíquico prévio. A literatura estrangei- ra é favorável a responsabilizar o agressor, in- dependentemente do nível de vulnerabilidade existente na vítima em período anterior ao trau- ma (Simon, 1995), fato que também se tem observado em nossa realidade. Assim, a práti- ca demonstra a importância de uma investiga- ção cuidadosa da personalidade pré-mórbida, com a reconstrução da adaptação prévia ao trauma, de forma a fazer-se uma comparação com o funcionamento psíquico após o trau- ma. As alterações observadas entre o período pré e pós-traumático é que deverão nortear as conclusões do laudo psicológico.
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