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Acidentes por veneno de sapo Nem todas estas espécies apresentam secreções com caráter tóxico capazes de levar o animal envenenado à morte. Os sapos são considerados animais venenosos, por terem, na superfície da sua pele, glândulas que produzem veneno com toxicidade elevada, apesar de não apresentarem aparelho de inoculação do veneno. As glândulas paratoides localizam- se, bilateralmente, na região pós-orbital, e são compostas por tipo granular especializado em produção e armazenamento do veneno que tem aspecto leitoso. Além dessas glândulas estão presentes, por toda a superfície corporal dos sapos, as glândulas mucosas, que produzem secreção menos viscosa. A função dessas secreções é a ação antipredatória ou de defesa, pois esses animais são desprovidos de espinhos, garras ou dentes afiados para essa finalidade, embora os sapos tenham outros meios de defesa, como andar, saltar e bufar. Os cães podem intoxicar-se abocanhando ou ingerindo o sapo, que libera o veneno na mucosa oral do predador. O veneno pode penetrar pelas mucosas do trato gastrintestinal (TGI) superior, ou através de ferimentos na pele. Apresentam dois grandes grupos de substâncias ativas: as aminas biogênicas e os derivados esteroides. Das aminas biogênicas, podem ser destacadas, pela importância toxicológica, epinefrina, norepinefrina, bufoteninas, di-hidrobufoteninas e bufotioninas. Dos derivados esteroides, o bufodienólide e a bufotoxina agem de maneira semelhante aos digitálicos, inibindo a bomba Na+ e K+ das células da musculatura cardíaca. Assim, esses derivados esteroides aumentam a concentração de Na+ intracelular e, como consequência, inibem a entrada desse íon em troca da saída de íon cálcio; este íon tem sua concentração intracelular aumentada. O aumento da concentração intracelular do Ca++ eleva a força de contração cardíaca e por ação reflexa (ação vagal) reduz a frequência de batimentos cardíacos, mas a epinefrina e a norepinefrina revertem esse efeito. Além disso, “os digitálicos” reduzem a velocidade de condução do impulso elétrico cardíaco, do nó sinusal ao nó atrioventricular, com disparo de focos ectópicos ventriculares e podem ocorrer, consequentemente, contrações ventriculares prematuras, que podem evoluir para fibrilação ventricular. Os animais envenenados podem apresentar resultado falso-positivo no teste que avalia a concentração plasmática de digoxina. A epinefrina e a norepinefrina são agonistas do sistema simpático e atuam sobre receptores α1, β1 e β2 (somente a epinefrina), causando vasoconstrição de pele e vísceras (α1), vasodilatação na musculatura e broncodilatação (β2), aumento na força de contração e de frequência cardíacas (β1). Bufotenina, di- hidrobufotenina e bufotionina têm efeitos alucinógenos e exercem a ação no SNC, e os derivados esteroides, como colesterol, ergosterol e gamassistosterol, constituem a fração considerada neutra do veneno de sapo. Sintomas clínicos Os efeitos clínicos do veneno de sapo aparecem quase imediatamente após o acidente. Estes podem restringir se à irritação local ou provocar sinais sistêmicos que podem evoluir para a morte do animal em até 15 min após o aparecimento dos sintomas. Os efeitos do veneno de sapo são, principalmente, de natureza cardiotóxica, assemelhando-se à intoxicação digitálica. Os sinais e sintomas clínicos principais são salivação excessiva seguida de prostração, arritmia cardíaca, edema pulmonar, convulsões e morte. Outros sinais neurológicos incluem midríase não responsiva à luz, nistagmo e opistótono. A ocorrência de vômito e sialorreia auxilia na eliminação de parte do veneno, reduzindo, assim, os efeitos tóxicos no animal acidentado. Sinais e sintomas clínicos da intoxicação podem ser divididos em três grupos de acordo com a gravidade dos sintomas: Envenenamento leve: irritação da mucosa oral e sialorreia. Envenenamento moderado: irritação da mucosa oral, sialorreia, vômitos, depressão, fraqueza, ataxia com andar em círculos, anormalidades do ritmo cardíaco, evacuação e micção. Envenenamento grave: irritação da mucosa oral, sialorreia, vômitos, diarreia, dor abdominal, depressão, fraqueza, decúbito esternal, pupilas não responsivas à luz (midríase), convulsões, anormalidades do ritmo cardíaco, sinais de edema pulmonar, cianose e pode evoluir ao óbito. Podem ocorrer outros sintomas clínicos, menos comuns em alguns casos, como excitação, arqueamento do dorso, incontinência fecal, perturbações visuais, paralisia muscular progressiva, cegueira, vocalização aparentemente de dor. A gradual deterioração dos padrões normais, com o progressivo aparecimento de taquicardia ventricular multiforme e ritmo ventricular com QRS negativo e profundo, é uma alteração eletrocardiográfica importante e, se o cão intoxicado por veneno de sapo não for tratado, pode resultar em fibrilação ventricular e morte. O aumento da pressão sanguínea arterial é a alteração comum nos cães intoxicados por veneno de sapo. Este fato é a consequência de aminas biogênicas, como epinefrina, norepinefrina e serotonina como parte da composição do veneno, além da bufotenina. Essas substâncias são vasoconstritoras potentes e melhoram a resistência vascular periférica, aumentando como consequência, a pressão sanguínea. A hiperpotassemia é muito frequente em cães e humanos intoxicados por veneno de sapo, mas a hipopotassemia é relatada em alguns casos. Hiperpotassemia, hipercalcemia e redução dos níveis plasmáticos de sódio são explicadas pela atuação da bufotoxina, que inibe a bomba de sódio-potássio. O bloqueio dessa bomba causa acúmulo de potássio extracelular e aumento do sódio intracelular, estimulando a troca de sódio, potássio e cálcio, com consequente aumento do cálcio nas células miocárdicas. Diagnósticos clínico e laboratorial O diagnóstico é feito por meio de anamnese. O ECG é o meio mais eficaz de avaliar e diferenciar as arritmias, e auxilia na necessidade ou não da reaplicação do antiarrítmico. Tratamento A intoxicação por veneno de sapo constitui uma emergência vital, assim, o tratamento deve ser iniciado imediatamente. A realização de fluidoterapia, cuidados sintomáticos, monitoramentos cardiovascular, respiratório e neurológico e, em alguns casos, o uso de analgésicos ou até de anestésicos é crucial para salvar o animal intoxicado. Assim, em primeiro lugar, a boca ou a mucosa afetada do animal acidentado com veneno de sapo deve ser lavada com água em abundância. O uso de atropina deve ser evitado, pois esta prática suprime a sialorreia, que é uma via importante na eliminação de parte do veneno. A terapêutica com propranolol (bloqueador adrenérgico não seletivo), 0,5 mg/kg IV, com repetição a cada 20 min (3 a 4 vezes), se necessário, é indicada, com o intuito de controlar as arritmias cardíacas. O propranolol na dose de 0,5 mg/kg IV reverte muito bem a taquicardia ventricular nesses cães. O verapamil foi o fármaco de escolha, mostrando-se eficaz, evitando em 100% o óbito, além de requerer menor número de administrações que os outros antiarrítmicos e não induzir bradicardia tão grave quanto a do propranolol. Assim, o cloridrato de verapamil (Dilacoron®, na dose de 8 mg/kg IV, 2 a 3 vezes, a cada 20 min, é altamente indicado para controlar a taquicardia ventricular multiforme e as arritmias cardíacas. Pentobarbital sódico (barbitúrico), 30 mg/kg IV ou diazepam (0,5 mg/kg) IV deve ser usado para controlar convulsões e também para facilitar a intubação orotraqueal do animal, em casos graves de intoxicação por veneno de sapo.