PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PÚBLICO Daniel Castro Giraldi Trajetória do planejamento orçamentário no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer os alicerces do planejamento e do orçamento no Brasil. Descrever o sistema de planejamento e de orçamento pós-Consti- tuição de 1988. Identificar as principais tendências do planejamento e do orçamento brasileiro. Introdução A administração pública tem buscado fundamentar o planejamento público e a definição de seu orçamento em uma visão estratégica das relações entre Estado, sociedade e mercado. Esse processo tem sido marcado por inovações no que se refere ao foco e à orientação desse planejamento. Observa-se, em muitos países, a formulação de orçamen- tos públicos orientados para as relações entre Estado e sociedade, com foco explícito nos interesses e no respeito ao cidadão. Tais abordagens fundamentam novos princípios para o planejamento das ações estatais, particularmente nos países democráticos do século XXI, com reflexos de uma governança pública institucionalizada. Dessa forma, a administração pública se mostra cada vez mais sensível aos interesses coletivos no momento de decidir as suas políticas públicas prioritárias. Neste capítulo, você vai estudar a trajetória recente da institucionaliza- ção do planejamento do orçamento público no Brasil. Você também vai compreender o sistema de planejamento orçamentário público brasileiro e os seus instrumentos fundamentais, vai aprender como o governo federal organiza suas expectativas de receita e de despesa e vai enten- der as relações fiscais do governo federal com os estados e municípios. Por fim, você vai explorar as tendências do planejamento orçamentário brasileiro e as suas possibilidades de desenvolvimento. Marcos histórico-legais do planejamento orçamentário público brasileiro Do ponto de vista das organizações tanto do setor privado como do setor pú- blico, um orçamento é, por defi nição, um planejamento a respeito das receitas e das despesas que uma organização espera ter ao longo de um determinado período de tempo. No caso do setor público brasileiro, a evolução dos proces- sos de planejamento orçamentário remonta à nossa história imperial, época em que tivemos a instituição do primeiro erário público no país, conforme leciona Maia (2012). Desde então, nossas instituições fiscais foram, de tempos em tempos, sendo atualizadas, para acompanhar a evolução das responsabilidades financeiras do Estado brasileiro. Planejar a ação do Estado em um país de dimensões continentais e regionalmente desigual, do ponto de vista econômico, sempre representou para o planejamento nacional um enorme desafio. No curso da história republicana brasileira, governantes e parlamentares de diferentes raízes ideológicas atuaram para aprimorar o processo de planificação e orçamentação das ações do Estado. Os planos públicos e os orçamentos públicos nacionais foram historicamente institucionalizados em Decretos Presidenciais, Leis Federais e em nossas Constituições Federais. De fato, o primeiro marco legal instituidor de normas de planejamento e de orçamento público em nossa República data de 1939, com a publicação do Decreto nº. 1058, de 19 de janeiro de 1939, o qual é considerado o primeiro plano público nacional brasileiro (BASTOS, 2011; CARDOSO JÚNIOR, 2015). O período histórico que inaugurou o republicanismo brasileiro é deno- minado República Velha, ou Primeira República, tendo início em 1889, com a Proclamação da República, e terminando com a Revolução de 1930. O modus operandi do exercício do poder político federal na República Velha era o rodízio de presidentes, ditado ora por oligarcas mineiros (os oligarcas “do leite”), ora por oligarcas paulistas (os oligarcas “do café”). Tal prática ficou conhecida como “política do café com leite”. Na República Velha, o jogo político brasileiro foi um jogo de cartas marcadas, em que os únicos participantes, os fazendeiros ricos dos estados de Minas Gerais e São Paulo, revezavam as vitórias entre si. A Revolução de 1930 culminou com a deposição do presidente Washington Luís e teve o efeito de extinguir a “política do café com leite” que dominou o país durante o referido período (BUENO, 2007). Com a Revolução de 1930 e a consequente derrubada da política da Re- pública Velha, o país viu a chegada ao poder federal de um governo com preocupações nacionais-desenvolvimentistas. Sendo o comandante principal Trajetória do planejamento orçamentário no Brasil2 dessa revolução, Getúlio Vargas se tornou presidente da República em 1930, dando início a uma era de planificações estatais no país, conforme leciona Bastos (2011). O movimento de instituição de planos estatais de desenvolvimento teve seu ápice durante os anos de autoritarismo no governo federal, durante o chamado Estado Novo (1937–1945). A partir desse momento, o Poder Público nacional passou a interferir de maneira inédita na economia do país, por meio de planos político-econômicos diversos. O primeiro desses planos foi intitulado Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional, insti- tucionalizado por meio do Decreto nº. 1.058/1939. Esse plano durou de 1939 a 1943, e seu objetivo foi fundamentalmente o de criar e desenvolver empresas públicas industriais nos ramos da siderurgia, metalurgia e petroquímica (CANDEAS, 2015). No ano de 1943, Vargas substituiu o Plano Especial por um novo plano público, o Plano de Obras e Equipamentos, institucionalizado por meio do Decreto nº. 6.144, de 29 de dezembro de 1943 (CANDEAS, 2015). À luz de nossas experiências políticas mais recentes, esses dois planos nacionais podem ser considerados como uma espécie de Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) da época. Ambos, foram incorporados ao orçamento geral da República. Criado durante o segundo governo federal de Lula (2007–2010), o PAC foi um plano nacional de desenvolvimento instituído por meio do Decreto nº. 6.025, de 22 de janeiro de 2007. O PAC tinha como propósito acelerar o desenvolvimento político- -econômico do país, por meio de investimentos de recursos financeiros públicos na infraestrutura das cidades brasileiras. O PAC foi extinto e substituído, em 2018, pelo programa de desenvolvimento público denominado Avançar, durante o governo federal de Michel Temer. Esses planos públicos, os quais também foram apresentados em seus respec- tivos decretos sob a forma de diretrizes orçamentárias, foram implementados com base em uma nítida preocupação do governo Vargas em racionalizar os investimentos públicos no país. Durante esse período, o governo federal criou empresas estatais como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia de Aços Especiais Itabira e a Companhia Hidrelétrica do São 3Trajetória do planejamento orçamentário no Brasil Francisco, conforme aponta Bastos (2011). Algumas dessas empresas criadas a partir de planejamentos públicos federais vieram a exercer grande influência no desenvolvimento econômico brasileiro durante o século XX e até hoje. Com o fim do governo Vargas e o início do governo federal de Eurico Gaspar Dutra (1946–1951), os processos de planificação e de orçamentação estatais no país, à época chamado de “Estados Unidos do Brasil”, ganharam uma nova diretriz. A Constituição Federal de 1946 estabeleceu entre seus dispositivos uma seção exclusivamente dedicada a normatizar o modelo orçamentário nacional. Na CF/1946, foi estabelecido que o orçamento público nacional teria a característica da unicidade (GUIMARÃES FILHO, 1999). Nesse sentido, o modelo orçamentário da CF/1946 difere substancialmente daquele que guia nossa atual Constituição (CF/1988). Isso porque, na CF/1988, ficou estabelecido que a lei orçamentária do governo federal deve conter três tipos de orçamento, a saber: o orçamento fiscal da União, o orçamento